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Posição de consenso da Sociedade Brasileira de Diabetes: insulinoterapia intensiva e terapêutica com bombas de insulina

Brazilian Diabetes Society consensus statement: intensive insulin therapy and insulin pump therapy

Resumos

Este artigo relata a posição de consenso da Sociedade Brasileira de Diabetes sobre a insulinoterapia intensiva e a terapêutica com bombas de infusão de insulina, obtida durante simpósio de atualização realizado especificamente para esta finalidade, em 2003. Estas modalidades de tratamento do diabetes são aqui conceituadas, seus fundamentos são colocados, e os aspectos práticos de indicações, exeqüibilidade, limites, técnicas e relação custo-benefício são analisados. As técnicas envolvem os esquemas de auto-monitorização glicêmica sugeridos e as doses, tipos, formas de administração da insulina e fatores de cálculo utilizados em cada modalidade de tratamento intensivo, tanto no DM1 quanto no DM2. O papel da SBD na implementação dos tratamentos intensivos do diabetes e a atuação dos vários profissionais envolvidos são discutidos e comentados. Conclui-se com as respostas de consenso a questões orientadoras do tema, formuladas na apresentação do simpósio.

Diabetes; Auto-monitorização; Insulinoterapia intensiva; Bombas de insulina


This article reports the Brazilian Diabetes Society consensus statement on intensive insulin therapy and insulin pump therapy, arrived at during an update symposium held in 2003 for this specific purpose. The concepts underlying these modalities of diabetes treatment are outlined, their fundaments are given, and practical issues about their indications, feasibility, limits, techniques and cost-benefit relationships are analyzed. The techniques comprise the suggested self-monitoring schedules and the insulin doses, types, forms of administration and correction factors used in each modality of intensive treatment, for both type 1 and 2 diabetes. The roles of SBD in the implementation of these treatments and of the different professionals involved are discussed and commented. The conclusions are based on consensual answers to some orienting questions formulated during the symposium's presentation.

Diabetes; Self-monitoring; Multiple-dose insulin therapy; Insulin pumps


PERSPECTIVA

Posição de consenso da Sociedade Brasileira de Diabetes — insulinoterapia intensiva e terapêutica com bombas de insulina

Brazilian Diabetes Society consensus statement – intensive insulin therapy and insulin pump therapy

Domingos MalerbiI; Durval DamianiII; Nelson RassiIII; Antonio Roberto ChacraIV; Edgar D'Avila NiclewiczV; Ruy Lyra da Silva FilhoVI; Sergio Atala DibIV

ISociedade Brasileira de Diabetes

IIUniversidade de São Paulo

IIIHospital Geral de Goiânia

IVUniversidade Federal de São Paulo

VUniversidade Federal do Paraná

VIUniversidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Domingos A. Malerbi Rua Jacques Felix 314/51 04509001 São Paulo, SP

RESUMO

Este artigo relata a posição de consenso da Sociedade Brasileira de Diabetes sobre a insulinoterapia intensiva e a terapêutica com bombas de infusão de insulina, obtida durante simpósio de atualização realizado especificamente para esta finalidade, em 2003. Estas modalidades de tratamento do diabetes são aqui conceituadas, seus fundamentos são colocados, e os aspectos práticos de indicações, exeqüibilidade, limites, técnicas e relação custo-benefício são analisados. As técnicas envolvem os esquemas de auto-monitorização glicêmica sugeridos e as doses, tipos, formas de administração da insulina e fatores de cálculo utilizados em cada modalidade de tratamento intensivo, tanto no DM1 quanto no DM2. O papel da SBD na implementação dos tratamentos intensivos do diabetes e a atuação dos vários profissionais envolvidos são discutidos e comentados. Conclui-se com as respostas de consenso a questões orientadoras do tema, formuladas na apresentação do simpósio.

Descritores: Diabetes; Auto-monitorização; Insulinoterapia intensiva; Bombas de insulina

ABSTRACT

This article reports the Brazilian Diabetes Society consensus statement on intensive insulin therapy and insulin pump therapy, arrived at during an update symposium held in 2003 for this specific purpose. The concepts underlying these modalities of diabetes treatment are outlined, their fundaments are given, and practical issues about their indications, feasibility, limits, techniques and cost-benefit relationships are analyzed. The techniques comprise the suggested self-monitoring schedules and the insulin doses, types, forms of administration and correction factors used in each modality of intensive treatment, for both type 1 and 2 diabetes. The roles of SBD in the implementation of these treatments and of the different professionals involved are discussed and commented. The conclusions are based on consensual answers to some orienting questions formulated during the symposium's presentation.

Keywords: Diabetes; Self-monitoring; Multiple-dose insulin therapy; Insulin pumps

A PRIORIDADE NO TRATAMENTO do diabetes é devolver ao paciente seu equilíbrio metabólico e mantê-lo assim, propiciando um estado o mais próximo possível da fisiologia normal do organismo, o que não é tarefa fácil. Isto implica em conscientizar paciente e família sobre o significado do bom controle metabólico, conduzindo-o também a um bem estar físico, psíquico e social.

O conceito de tratamento intensivo do diabetes não se prende ao número de doses de insulina que devem ser tomadas. Seu princípio consiste em modificações no esquema terapêutico, de acordo com os resultados da auto-monitorização glicêmica. Se isto puder ser alcançado com 2 doses de insulina por dia, então este será um tratamento intensivo; se, em outro momento, forem necessárias 3, 4 ou 5 doses por dia, o tratamento deverá ser ajustado nesse sentido. O conceito, então, é do uso de múltiplas doses com ajustes, dependendo da auto-monitorização.

Os principais pontos que deverão ser abordados nesta posição de consenso são:

  • Quais pacientes devem realizar insulinoterapia intensiva, ou seja, quais suas indicações?

  • Quais as modalidades de tratamento intensivo para DM1 e DM2: insulina em aplicações múltiplas? Análogos? Combinações de insulina com drogas orais? Bomba de infusão contínua?

  • Como fazer a auto-monitorização glicêmica num esquema de tratamento intensivo: contínua? Intermitente? Em que horários? Com quais doses de insulina compensatória?

  • Como abordar os aspectos práticos do tratamento intensivo: qual o papel do médico e dos outros componentes da equipe multidisciplinar? Qual a periodicidade adequada das consultas? Há viabilidade econômica para paciente e profissional?

Fundamentos teóricos para o tratamento intensivo do diabetes: fisiopatologia das complicações

Os grandes estudos prospectivos sobre a influência do controle metabólico na incidência das complicações do diabetes realizados na década de 1990, DCCT e UKPDS, estabeleceram que cada redução de 1% na hemoglobina glicada influi significativamente na proteção à microangiopatia e à neuropatia. Já a macroangiopatia provavelmente depende de controle metabólico estrito para sua prevenção, envolvendo fatores não somente relacionados ao metabolismo glicídico, mas também aos lípides, à hipertensão arterial, à disfunção endotelial, ao sedentarismo, ao stress etc.

Estes fatores encontram-se no bojo das justificativas para o tratamento intensivo do diabetes, e o conceito de dissociação entre controle metabólico e gênese das complicações crônicas passou já definitivamente para o capítulo da história da diabetologia. Hoje em dia, os objetivos glicêmicos no tratamento do diabetes são que as glicemias ao longo do dia fiquem idealmente dentro da faixa da normalidade, o que, evidentemente, nem sempre é possível. Os níveis propostos são de 70 a 110 mg/dl antes de uma refeição (toleravelmente até 145 mg/dl) e 90 a 140 mg/dl entre uma e duas horas após a refeição, toleravelmente até 180 mg/dl. A importância da glicemia pós-prandial ­ ou, melhor dizendo, da excursão glicêmica pós-prandial ­ no desenvolvimento das complicações, particularmente as macro-vasculares, é fato que vem recebendo crescentes subsídios clínicos, epidemiológicos e experimentais ultimamente.

Exeqüibilidade do tratamento intensivo do diabetes

A factibilidade do tratamento intensivo do diabetes implica em alguns pressupostos. Em primeiro lugar estão o desejo e a motivação do paciente para realizá-lo. Em segundo, a capacitação e a habilitação do médico e da equipe multiprofissional que cuida do paciente. Outra condição básica é que a auto-monitorização da glicemia também seja intensiva ­ no mínimo 4 vezes por dia, como norma ­ assim como a comunicação entre o paciente e a equipe de saúde. Não há sentido e nem eficácia em qualquer tratamento intensivo realizado sem supervisão médica e sem que haja contato freqüente com a equipe de saúde. O tratamento intensivo é dinâmico. Ele implica em modificações freqüentes do esquema terapêutico, de acordo com os resultados da auto-monitorização. Se o paciente não se auto-monitoriza intensivamente porque não está desejoso de colaborar, ele também não colaborará nos outros requisitos do tratamento intensivo. O problema do custo ou do acesso à auto-monitorização também pode ser encarado, nesse sentido, como uma barreira ao tratamento intensivo.

A administração de insulina num esquema de tratamento intensivo pode ser feita através de múltiplas doses ou da bomba de infusão contínua. Embora haja um discreto favorecimento estatístico na literatura para os resultados obtidos com a bomba, em termos de hemoglobina glicada, o consenso geral é de que ambos os métodos são igualmente adequados e eficazes.

Limites do tratamento intensivo do diabetes

A incidência de hipoglicemia é considerada como o mais importante limite do tratamento intensivo. As crianças são mais sensíveis à hipoglicemia que os adultos, podendo desenvolver anormalidades nas funções neuro-cognitivas, com repercussões no aprendizado e na vida adulta posterior. Os recém-nascidos e os lactentes são particularmente sensíveis, dado seu alto consumo cerebral de glicose, da ordem de 6 a 8 mg/Kg/min. Desta forma, deve-se ter cuidado especial com as hipoglicemias na faixa etária menor de 6 anos, e este fato deve ser levado em conta quando se equaciona a indicação de um esquema de tratamento intensivo.

Outra limitação importante do tratamento intensivo é o aumento de peso. A literatura é unânime quanto ao fato de que grupos de pacientes com tratamento intensivo ganham mais peso que grupos tratados com esquemas convencionais. Embora este aumento de peso implique em ganho também de massa magra, ele tem certamente contribuído para o aumento da prevalência da obesidade que tem sido recentemente verificado em pacientes com DM1. No DM2, isto é particularmente sensível com a associação entre insulina e glitazonas.

TÉCNICAS DO TRATAMENTO INTENSIVO EM DM1 E DM2

Monitorização glicêmica e farmacoterapia

A monitorização glicêmica intensiva é a mesma para os diferentes tipos de diabetes. Ela pode ser feita de forma contínua ou intermitente, através de métodos invasivos ou não invasivos. A mais utilizada atualmente é a glicemia capilar com fitas, através de punção digital, considerada invasiva e intermitente. Estão surgindo no mercado ultimamente modalidades de auto-monitorização com punção em locais alternativos, como antebraço, braço, coxa etc. Os monitores e fitas usados nestas modalidades precisam ter características ergonômicas específicas, mas não diferem substancialmente dos convencionais. A grande limitação desta modalidade é o erro, quando comparado à punção digital ou ao resultado obtido com sangue venoso, em situações de mudança rápida da glicemia, como nas hipoglicemias ou no período pós-prandial.

O "Glucosensor", da companhia Meditronic, é invasivo e contínuo; ele mede a glicose no líquido intersticial através de um eletrodo implantado no subcutâneo. O "Glucowatch", lançado nos mercados inglês e norte-americano em 2001, é não-invasivo e contínuo; ele também mede a glicose no líquido intersticial, mas através de uma mini-ventosa aplicada à pele. Os trabalhos preliminares mostram que ele tem precisão da ordem de 97%, inclusive em locais alternativos, onde não foi observada a limitação encontrada com os métodos invasivos. Pelo contrário, a leitura no fluido intersticial mostra mudanças glicêmicas cerca de 13 minutos antes delas ocorrerem no sangue, o que é uma grande vantagem.

No tratamento intensivo do DM1, a farmacoterapia resume-se à insulina. Já no DM2, ela começa com as associações de drogas orais: secretagogo (sulfoniluréia e/ou glinida) mais potencializador insulínico (metformina e/ou glitazona) mais inibidor da alfa-glicosidase (acarbose ou miglitol); passa pela combinação de agentes orais com insulina; e, à medida que o déficit de secreção insulínica vai piorando, chega à insulinoterapia intensificada, como a utilizada no DM1. Os trabalhos de Yki-Jarvinen deixam claro que, quando se introduz insulina no tratamento do DM2 ­ em geral NPH ao deitar ­ é melhor conservar os hipoglicemiantes orais ao invés de simplesmente trocá-los por insulina. Isto se aplica particularmente à metformina, mas também ocorre com as sulfoniluréias, glitazonas e inibidores da alfa-glicosidase. Comparada à monoterapia com insulina, sua associação com os hipoglicemiantes orais no DM2 melhora o perfil glicêmico, reduz a incidência de hipoglicemias, reduz o ganho de peso, diminui as necessidades de insulina, e serve como transição para a insulinoterapia intensificada.

A administração de insulina num esquema de tratamento intensivo deve procurar imitar ao máximo a fisiologia normal de secreção da insulina. Existe nisso, de antemão, uma limitação importante, pelo fato dela ser administrada no subcutâneo, o que é completamente diferente de secretá-la no território portal. O paradigma utilizado atualmente é o esquema "basal-bollus". O ajuste da taxa basal é absolutamente crítico para a eficácia deste esquema: não pode haver lapsos de ação insulínica nas 24 horas. O basal pode ser obtido com insulinas N ou L, de ação intermediária, administradas 2 a 5 vezes ao dia; com insulinas U, ultra-lentas, sobre as quais não se dispõe de muita experiência; com uma ou duas doses diárias das insulinas assim chamadas "sem pico", Glargina e Detemir, que estão chegando ao mercado; ou através das bombas de infusão contínua, que operam com insulinas ultra-rápidas, Lispro ou Aspart. A literatura tem favorecido discretamente o uso da Aspart nas bombas, em relação à Lispro, aparentemente com menor incidência de hipoglicemias e de obstruções do cateter. Os "bollus" são realizados com insulinas R, injetadas 30 a 40 minutos antes das refeições, ou com Lispro ou Aspart, imediatamente antes das refeições, por injeção ou através da bomba. As canetas e dispositivos de aplicação subcutânea facilitam significativamente a realização dos "bollus" em relação às seringas, tanto quanto à precisão das doses como quanto ao conforto do paciente. Outra alternativa para os "bollus" será a insulina inalada através de aerossol, que virá ao mercado num futuro próximo, através de várias companhias.

As doses totais diárias de insulina preconizadas para a fase inicial após o diagnóstico em crianças com DM1 são da ordem de 0,6 a 0,8 U/Kg/dia. Ocorre logo depois uma redução dessas necessidades, chegando-se a algo em torno de 0,4 U/Kg/dia. Depois disto há uma elevação progressiva, de forma que no final do primeiro ou segundo anos se atinge o patamar, cerca de 1 U/kg/dia. Na puberdade a necessidade de insulina eleva-se mais, atingindo 1,2 a 1,5 U/Kg/dia.

No DM2 os cálculos diferem, por uma série de motivos. Primeiro, porque a insulina geralmente inicia-se com somente uma dose ao deitar, para suprimir a produção hepática noturna de glicose, e, para esta finalidade, necessita-se, em média, de 0,15 U/Kg, ou seja, 10 a 20 unidades. Nessa fase, boa parte do tratamento ainda depende das drogas orais, incluindo o controle da glicemia pós-prandial. À medida que a disfunção das células beta vai progredindo, a dose total diária de insulina vai também aumentando. Por depender do grau de resistência insulínica do paciente, ela será, conseqüentemente, muito variável, desde 0,5-0,6 U/Kg/dia, em pacientes magros, com predomínio de déficit secretório (como, por exemplo, nos casos de LADA), até próximo de 2 U/Kg/dia, em pacientes com grande resistência. Contudo, na maioria dos casos de DM2 a dose total estabelece-se, em última análise, numa faixa próxima à utilizada no DM1, ou seja, 0,8 a 1 U/Kg/dia. Nessa fase, antes de passar para um esquema de monoterapia insulínica intensificada como o empregado no DM1, os pacientes com DM2 geralmente estão com 2 ou 3 doses diárias de Lenta, NPH, ou pré-misturas (N+R, NPL+Lispro, ou NPA+ Aspart). Estas pré-misturas fixas (70/30, 90/10, 75/25 etc.) só têm sucesso em pacientes relativamente estáveis, pois não permitem flexibilidade. Em pacientes mais instáveis, mas com baixa aderência, elas também se constituem em alternativa melhor do que 2 doses de NPH, mas têm resultados obviamente inferiores aos obtidos com um tratamento intensivo de múltiplas doses. Elas não devem ser usadas em pacientes lábeis, e quase nunca em DM1.

Tanto em DM1 quanto em DM2, o fracionamento da dose total diária de insulina no tratamento intensificado com o esquema basal-bollus é feito de acordo com o tipo de insulina utilizada e a proporção entre basal e bollus. Geralmente o basal compreende 50 a 60% da dose total diária, sendo o restante dividido entre os bollus. No basal usam-se injeções de NPH, Glargina ou Detemir, conforme já exposto. Nas bombas de insulina, o basal (U/hora) ocorre automaticamente, variando entre os diversos períodos do dia, de acordo com uma programação estabelecida. Geralmente se estabelecem 2 a 4 períodos entre o despertar e a hora de dormir, outro, com taxa menor, no início da madrugada, e outro ainda, com taxa maior, no final da madrugada, para fazer frente à insulino-resistência do "fenômeno do alvorecer". Estas taxas variam comumente entre 0,5 e 1,2 U/hora. Quando se inicia a bomba num paciente que vinha com múltiplas doses, reduz-se a dose total diária em 20% a princípio, ficando metade dos 80% restantes como basal e a outra metade como a somatória dos bollus. A dose basal total dividida por 24 servirá como ponto de partida, em torno do qual girarão as diversas sub-divisões do basal.

Os bollus, injetados ou comandados através da bomba, permitem flexibilidade de horário, tipo e quantidade das refeições. O tamanho dos bollus depende da contagem dos carboidratos ingeridos no momento ­ técnica integrante do tratamento intensivo do diabetes ­ mas também do valor da glicemia pré-prandial. Há, portanto, dois componentes nos bollus: o antecipatório e o compensatório. Para calcular os bollus antecipatórios, usa-se algum método para aferir a relação insulina-carboidrato. Pode-se partir da razão geral de 1 unidade de insulina para cada 15 gramas de carboidrato, ajustando-se posteriormente esta razão conforme os resultados das glicemias pós-prandiais. Um outro método leva em conta a sensibilidade insulínica do paciente: divide-se 500 pela dose total diária de insulina para obter o número de gramas de carboidrato "queimadas" por 1 unidade de insulina. Os bollus compensatórios são calculados pelo "fator de sensibilidade insulínica": divide-se 1.800 pela dose total diária de insulina para obter a magnitude da redução glicêmica (em mg/dl) efetuada por 1 unidade de Lispro ou Aspart. Para a insulina R, usa-se 1.500 como numerador. Por exemplo, se um paciente que toma 45 U/dia de insulina estiver com uma glicemia pré-prandial de 240 mg/dl, vai ingerir 35 gramas de carboidrato e pretender atingir 120 mg/dl no período pós-prandial, ele deverá receber 6 unidades de Lispro ou Aspart como bollus (35 ½ 500/45 = 3U "antecipatórias" e [240-120] ½ 1.800/45 = 3U "compensatórias").

Um esquema bastante utilizado e eficaz é o proposto por Bolli, no qual 3 ou 4 doses diárias de NPH são dadas às refeições, junto com insulina ultra-rápida, numa proporção maior que 1 entre a ultra-rápida e a NPH. É o assim chamado "basal otimizado". Acrescenta-se a isso uma dose de NPH ao deitar. O esquema de Bolli adapta-se muito bem à menor duração de ação das insulinas humanas de ação intermediária, em relação às de origem animal. Cada dose de NPH é baseada no tempo até a dose seguinte. Por exemplo, em crianças com DM1, pode-se utilizar 2 unidades no café, 4 no almoço (porque o tempo até o jantar é maior), 2 no jantar, e 6 a 8 ao deitar. Se houver um lanche à tarde, a dose do almoço pode ser de 2 unidades, com mais 2 no lanche. A proporção entre ultra-rápida e NPH em cada dose é determinada pelo tamanho da refeição. Por exemplo, 2:1 no café, 3 ou 4:1 no almoço, 2:1 no lanche da tarde (se houver) e 3 ou 4:1 no jantar. Em pacientes com DM2, as doses utilizadas de NPH são maiores, e as proporções entre ultra-rápida e NPH, menores. Num paciente relativamente estável, pode-se eventualmente utilizar as pré-misturas fixas existentes no mercado. É um esquema onde se procura não deixar a glicemia pós-prandial fazer grandes excursões. Isto, aliado ao "basal otimizado", via de regra produz bons resultados.

Está estabelecido que, nos bollus, as insulinas ultra-rápidas dão melhores resultados que a R para obter menores excursões glicêmicas pós-prandiais, quando administradas imediatamente antes das refeições. Os resultados somente são comparáveis quando se dá a R 30 a 40 minutos antes da refeição, o que gera dificuldades.

As comparações entre o esquema de doses múltiplas injetadas e as bombas de infusão geralmente revelam equivalência entre os dois métodos, tanto no DM1 quanto no DM2, quer em termos da hemoglobina glicada ou da dose diária total de insulina. Elas mostram, contudo, que, quanto à incidência de hipoglicemia e ao grau de satisfação com o tratamento, as bombas têm melhor desempenho nos adultos, havendo equivalência nas crianças e adolescentes. O custo é maior com a bomba, obviamente. O trabalho mais vultoso é uma meta-análise realizada por Pickup, envolvendo cerca de 600 pacientes tratados por 12 a 24 meses, incluindo a faixa etária de 13 a 20 anos. A glicemia média e a hemoglobina glicada foram, respectivamente, 18 mg/dl e 0,5% menores no grupo bomba. A dose diária total de insulina foi, em média, 14% ou 7,5 unidades menor com a bomba. O autor concluiu que, apesar de pequenas, há diferenças a favor da bomba, que podem traduzir-se em redução no risco de complicações micro-vasculares. Na experiência dos autores, o esquema de doses múltiplas também dá muito bons resultados se o paciente for cooperativo. Ou seja, não é todo paciente que precisa usar a bomba. Nossa opinião é que a bomba é uma boa alternativa de tratamento. Para se beneficiar das bombas, o paciente precisa ser motivado, desejoso de trabalhar com uma equipe multiprofissional, capaz de demonstrar que pode compreender a tecnologia e usar a bomba corretamente, capaz de lidar com os dados de monitorização de forma a traduzi-los adequadamente em mudanças no esquema da bomba etc. A monitorização glicêmica é fundamental, ou seja, não é porque o paciente irá usar uma bomba que ele poderá reduzir sua auto-monitorização. Deve haver também compreensão muito boa dos princípios de cuidados com o DM1, personalidade estável, expectativa realista em relação à bomba e, do ponto de vista prático, ausência de reações cutâneas aos adesivos, de infecções cutâneas, e de desconforto psicológico pelo uso de equipamento mecânico. O limite de idade para se recomendar o uso das bombas tem diminuído cada vez mais: crianças de 8 a 10 anos já começam a dominar as habilidades técnicas necessárias, e podem ser consideradas candidatas potenciais; de 10 a 12 anos, elas já têm essas habilidades consolidadas e cognição suficiente para tornarem-se independentes no uso da bomba; dos 12 aos 15 anos já têm total autonomia. Deve-se também lembrar que no tratamento com bomba o paciente não recebe insulina de depósito, ficando relativamente desprotegido quanto à rápida instalação de uma cetoacidose em casos de falha do equipamento. Isto pode acontecer sem que os alarmes sejam ativados, como, por exemplo, quando há desinserção do cateter, devido a um exercício físico ou a um movimento mais brusco. Há até recomendações na literatura para que, em condições onde a cetose seja particularmente danosa, como na gravidez, reduza-se a taxa basal noturna e aplique-se uma pequena dose de NPH ao deitar, para garantir alguma insulinemia caso haja problemas com a bomba.

CUSTO-BENEFíCIO DO TRATAMENTO INTENSIVO DO DIABETES

O custo financeiro dos tratamentos intensivos é obviamente maior que o do tratamento convencional, particularmente quando se emprega a bomba de insulina. Por outro lado, a literatura é unânime quanto às reduções significativas que se obtém, tanto na hemoglobina glicada quanto na incidência de hipoglicemias, com as diversas formas de tratamento intensivo do diabetes. Devido aos altos custos envolvidos no tratamento das complicações do diabetes e à redução na incidência cumulativa das mesmas que ocorre com os tratamentos intensivos, o custo-benefício e o custo-efetividade favorecem grandemente estes últimos. Tanto é assim que algumas das companhias seguradoras e prestadoras de serviços de saúde já começam a estimulá-los. Por exemplo, nos EUA, a amaurose e a insuficiência renal terminal têm custos médicos diretos anuais de US$ 1.900 e 45.000, respectivamente. Uma amputação de extremidade custa US$ 29.500 por episódio. Mesmo levando em conta os custos operacionais incorridos no DCCT, que foram exagerados em relação ao que se pode obter normalmente, e sem levar em conta os relativos a variáveis como as relacionadas à qualidade de vida, capacidade laborativa etc., conclui-se que fica mais barato fazer tratamento intensivo.

DISCUSSÃO E COMENTÁRIOS

O tema abordado neste simpósio suscita a importante questão de como implementar o tratamento intensivo do DM1 no Brasil, como criar estratégias para colocar mais pacientes nesse tipo de tratamento. A SBD deve se envolver mais para favorecer a instalação e uso das bombas de insulina, ou implementar esquemas de doses múltiplas, envolvendo os profissionais de saúde?

Mais importante que isto é a SBD reconhecer a importância do tratamento intensivo e que, sem estratégias para implementá-lo nos diferentes serviços, tudo é absolutamente teórico. Por exemplo, na Alemanha, onde a medicina também é socializada, as sociedades profissionais fizeram um trabalho junto às fontes pagadoras, conseguindo que a consulta para diabetes seja remunerada por tempo, e não por unidade. Se continuarmos com o nosso sistema atual, onde a consulta no convênio tem que durar 5 minutos, onde a remuneração do médico é baixíssima, é impossível implementar qualquer consenso. Porque, para realizarmos tratamento intensivo, a primeira coisa de que precisamos é tempo para conversar com o paciente. Reuniões de uma hora com grupos de pacientes deveriam ser remuneradas. A consulta com o educador em diabetes, com a nutricionista, com a enfermeira, deveriam ser remuneradas. O papel do médico é fundamental; há um trabalho exaustivo para interpretar os resultados da auto-monitorização e acertar as velocidades de infusão e os bollus, fazer contatos com os outros profissionais etc. Isto obviamente envolve custo, pois demanda tempo, é uma atividade extra, além daquela normalmente desempenhada no acompanhamento normal do paciente, como o rastreamento das complicações e o tratamento das intercorrências e co-morbidades. E este trabalho tem sido mal remunerado em nosso meio, diferentemente do que ocorre em outros locais. O paciente, a família e os convênios têm que reconhecer a importância desse trabalho. A SBD tem que se posicionar junto aos convênios e mostrar a eles que vão economizar dinheiro evitando complicações futuras e hospitalizações, praticando economia da saúde. Isto poderia iniciar pela inserção dessas atividades educativas nas tabelas oficiais do SUS, AMB etc., criando remunerações para elas. Outra atuação seria estabelecer escalonamentos para os diferentes serviços, já que, institucionalmente, o tratamento intensivo generalizado, principalmente com a bomba, é economicamente inviável. Se há um serviço onde existe muita cetoacidose, o objetivo é terminar com ela. Se só se usa uma dose de NPH para tratar DM1, o objetivo é passar para duas. E assim por diante, até chegar às múltiplas doses ou à bomba.

A experiência geral é que os resultados com a bomba são realmente brilhantes. Mas a que se deve isto? Provavelmente, o paciente que adota a bomba já é, de antemão, especialmente comprometido com seu tratamento. Além disso, ele é mais bem tratado desde o momento do encaminhamento para a instalação da bomba. Há empresas interessadas, que fornecem facilidades para, por exemplo, ele ser treinado em contagem de carboidratos. Ele consegue acesso mais fácil a uma equipe de saúde competente e disponível, fica mais motivado para se auto-monitorizar, o trabalho do médico também é facilitado com o apoio desses outros profissionais. Por conseguinte, o paciente reconhece a bomba e tudo o que a cerca como um novo tratamento, uma nova luz, como algo em que ele investiu e que, portanto, tem mais valor.

Por outro lado, todas as evidências apontam para o fato de que se este mesmo paciente, com este perfil, fizer múltiplas doses, os resultados são semelhantes. A pequena diferença encontrada na literatura entre a bomba e as múltiplas injeções não parece justificar o emprego daquela generalizadamente. Os custos são maiores, o paciente e o médico precisam ser excepcionalmente bem treinados, e é obrigatória a necessidade de intervenção dos profissionais de outras áreas, sem falar no investimento em equipamento propriamente dito. No trabalho de Pickup, que comparou múltiplas doses com bomba, a incidência de cetoacidose foi maior com a bomba. Provavelmente há grupos especiais, que talvez se beneficiem mais com a bomba: casos muito instáveis, com virtual ausência de função das células beta, adolescentes, algumas mulheres com menor massa muscular ou grandes oscilações pré-menstruais etc. Mas estes não são a maioria dos que precisariam tratamento intensivo e que poderiam perfeitamente realizá-lo com múltiplas doses se fossem tão bem tratados, motivados e valorizados como os pacientes que são encaminhados para a bomba. Ou seja, há dúvidas sobre se realmente precisamos das bombas num grande número de casos. O necessário é que o paciente faça tratamento intensivo. Como cativá-lo nesse sentido, é outra discussão. Não adianta o governo prover o paciente com tudo o que ele precisa para fazer tratamento intensivo, porque, se ele não estiver envolvido, motivado, o material vai ficar na gaveta até expirar a validade.

Um outro problema é o paciente usuário de bomba deixar de ir ao médico com a freqüência mínima desejável. Há vários motivos para isto, mas deve-se aqui enfatizar que o papel de coordenação geral do tratamento exercido pelo médico é fundamental, por mais sofisticado que seja o tratamento. Isto vale para a administração dos conflitos da equipe multiprofissional, o exercício do papel de educador e o de alguém a quem o paciente tenha de prestar contas, para o tratamento das intercorrências, para mostrar diretrizes, criar e implementar estratégias, definir objetivos, rastrear e prevenir complicações etc. No DM1 este papel é, na maior parte do tempo, mais importante que o papel clínico, na sua acepção mais estrita, pois o paciente quase sempre está muito bem clinicamente. É um tratamento complexo demais para ficar entre o paciente e a nutricionista, ou entre aquele e o fornecedor da bomba. Isso tudo às vezes leva o paciente a desaparecer por tempo prolongado das consultas médicas. Talvez as empresas que lidam com bombas devessem só aceitar e continuar suprindo o paciente se ele demonstrar que vai ao médico pelo menos 2 ou 3 vezes ao ano, com uma prescrição renovada de continuar com a bomba, como se faz com os medicamentos de uso contínuo que têm controle de receita. Sem isso, corre-se o risco de desperdiçar um importante recurso terapêutico, pois o paciente tende a relaxar no tratamento se não for continuamente motivado e orientado, e, conseqüentemente, a hemoglobina A1c começará a subir de novo.

Convém também lembrar de um outro obstáculo em relação ao tratamento intensivo, quer com bombas ou múltiplas doses, que é o ganho de peso, até há pouco raramente observado no DM1, mas que vem se tornando mais freqüente, particularmente nas mulheres. Os vários mitos sobre a bomba precisam ser desfeitos, como o de que a auto-monitorização vai diminuir com o tempo, ou que se poderá comer o que quiser e quanto quiser etc. Todos sabemos que a realidade é diferente, que a monitorização deve ser mantida e que se o paciente não restringir sua alimentação ele vai ganhar peso.

Todos os pacientes com DM1 devem ser incentivados a fazer o tratamento intensificado, com exceção das crianças muito pequenas, das pessoas que têm hipoglicemias graves e dos casos onde há limitações financeiras sérias. A feitura da contagem de carboidratos é essencial. As doses de insulina geralmente precisam ser um pouco maiores pela manhã, tanto o basal quanto o bollus, devido à maior insulino-resistência neste período.

É fato que há um grande contingente de pacientes com DM1 que não tem condição de realizar a insulinoterapia intensiva, pois tem acesso limitado à glicemia capilar, à alimentação adequada, e, muitas vezes, à própria insulina. A proposta para estes não é improvisar um esquema intensivo, mas usar o esquema convencional, de duas aplicações de insulina por dia, adequando a alimentação à insulina, e não a insulina à alimentação, como se faz no tratamento intensivo. Reduzir-se-ia o risco de complicações agudas e, em termos de consenso, haveria grande aplicabilidade. Em suma, usar o tratamento ideal quando possível, e o convencional bem conduzido, com grande ênfase na educação, dieta etc., quando aquele não for possível.

Quanto à auto-monitorização, devemos encarar a realidade de que a grande maioria dos pacientes não faz 4 medidas por dia o tempo todo, por uma série de motivos: custo, desconforto, dor, inconveniência etc. Uma alternativa seria exercer intensamente a técnica da contagem de carboidratos e reduzir o número de testes glicêmicos para 1 ou 2 por dia na maior parte do tempo, alternando os horários dos testes e decidindo aos poucos, no transcorrer do tempo, com a ajuda do médico ou do profissional que está cuidando, o ajuste das doses de insulina. Não é o ideal, demora mais para ajustar as doses e pode haver maior incidência de hipo e hiperglicemias neste processo do que quando se monitoriza mais intensivamente. Porém, é mais realista e melhor do que tratar um paciente lábil com 2 doses de NPH por dia. Outra alternativa ainda seria intercalar períodos curtos, de uma semana, por exemplo, de monitorização mais intensiva, onde se procuraria ajustar as doses, com períodos mais longos fazendo 1 ou 2 testes por dia. Devem-se ter várias opções para oferecer a pacientes com diferentes perfis e de diferentes instituições, tentando fazer sempre o melhor possível. No centro de diabetes da UNIFESP, por exemplo, os adolescentes com DM1 fazem insulinoterapia intensiva com relativamente poucos testes por dia. Já na faixa pediátrica, onde a incidência de hipoglicemia é maior que na adolescência e suas conseqüências piores, o numero de testes diários deve ser maior. Um dos esquemas mais utilizados é fazer um ou dois pontos por dia dentre os oito convencionais (pré e pós-café, almoço e jantar, ao deitar e de madrugada), e ir alternando, de forma a construir um mapa após 10 a 15 dias, onde cada um dos 8 pontos esteja representado 2 ou 3 vezes. Mesmo considerando que o ideal seria fazer ao menos 4 pontos por dia, não parece justo deixar de oferecer isto para a população carente, onde até 1 teste por dia será difícil fazer. Está provado que este esquema é efetivo na redução das complicações, embora demore mais para acertar as doses. As tiras de leitura visual para glicemia capilar podem ser uma alternativa razoável para implementar a auto-monitorização quando os recursos são limitados.

Outro aspecto importante é o da monitorização em locais alternativos, que começa a ser disponibilizada, e que leva a uma maior adesão. Deve-se, porém, exercer os cuidados necessários para esta modalidade, confirmando ou substituindo pela punção digital em situações de oscilação rápida da glicemia, tanto para cima como, mais importantemente, para baixo.

Deve-se também lembrar da insulinoterapia infundida sob a forma de solução polarizante, com glicose e potássio, em unidades de terapia intensiva, em pacientes com eventos coronarianos agudos e em doentes críticos em geral, mesmo na ausência de diabetes. O estudo DIGAMI, por exemplo, mostrou reduções de 27% na mortalidade durante o primeiro ano e 25% durante os 3,5 anos após infarto agudo do miocárdio. Esta é uma proposta efetiva a ser colocada para as unidades de cuidados intensivos. A experiência com infusão de insulina em pacientes com infarto agudo do miocárdio atendidos no INCOR de São Paulo é boa, propondo-se, inclusive, a redução do ponto de corte da meta glicêmica para 160 mg/dl, ao invés dos 196 mg/dl usados no estudo DIGAMI.

O tratamento intensivo do diabetes começa com as orientações dietéticas e de exercício, passa pelas associações de medicamentos, insulinoterapia intensificada etc., num crescendo que, no DM1, dependerá da reserva secretória endógena e, no DM2, desta e do grau de resistência insulínica. Quanto pior a reserva endógena, maior deverá ser a suplementação de insulina. É necessário também ressaltar a importância do tratamento combinado de insulina à noite com drogas orais para o DM2, tanto em termos de eficácia quanto da introdução do paciente à insulinoterapia através de um método confortável e conveniente, quebrando uma das barreiras com as quais nos deparamos muito freqüentemente.

Deve ser ressaltada a importância de fornecer um fator de correção para a hiperglicemia ao paciente que se auto-monitoriza. Há vários algoritmos na literatura, mas, em última análise, o processo deve ser individualizado. Mesmo para quem não se auto-monitoriza intensivamente, deve ser ensinada a contagem de carboidratos, pois esse recurso traz, de per si, vantagens ao tratamento. Deve-se também lembrar que o fator de correção 1.800 se adapta bem ao tratamento com bombas, talvez até com as insulinas sem pico, mas, no paciente que usa NPH ele varia, sendo maior no pico de ação. Isto é importante para calcular os bollus na hora do pico, tanto os corretivos quanto os antecipatórios. É necessário também estabelecer fatores de correção para os bollus que levem em conta a prática de exercícios físicos, inclusive de nível atlético, por jovens com DM1.

No Brasil, parece haver uma tendência geral de protelar a introdução da insulina no tratamento do DM2, o que deveria ser mais precoce. Os motivos são vários: grande número de pacientes tratados por médicos com conhecimentos insuficientes sobre a insulina; pouco tempo disponível para as consultas; má aceitação pelo paciente (que poderia ser contornada com mais tempo despendido durante a consulta) etc. Não há suporte na literatura para utilizar associações de mais que 3 hipoglicemiantes orais, freqüentemente observando-se perda de tempo com trocas sucessivas de drogas antes de se introduzir a insulina.

As pré-misturas de insulina com proporções fixas existentes no mercado, embora geralmente insatisfatórias para o tratamento do DM1, podem ser utilizadas no DM2 em 3 tomadas diárias, com bons resultados.

A insulina humana NPH pode ter um pico mais precoce em crianças pequenas, acarretando hipoglicemias pré-prandiais. Por outro lado, há uma limitação quanto ao uso da insulina glargina em crianças abaixo dos 6 anos, o qual ainda não está oficialmente aprovado.

CONCLUSÕES

Quais as indicações da insulinoterapia intensiva?

É de consenso que, dependendo das características do serviço onde se está atuando (por exemplo, nos serviços públicos), as indicações seriam as gestações com diabetes e os pacientes com DM1. O grupo seguinte, num processo seqüencial de escalonamento das indicações, seria o dos pacientes com DM2 que precisam de insulinização plena. Deve-se também lembrar que o termo mais pertinente seria tratamento intensivo, que não deve ser confundido com insulinoterapia intensiva.

Quais as modalidades de insulinoterapia intensiva?

A definição consensual da literatura indica que três ou mais doses de insulina por dia, ou sua infusão contínua, representam um esquema intensivo de tratamento, ao menos no que diz respeito à insulina, independentemente da preparação utilizada.

Num tratamento intensivo com doses múltiplas de insulina, quais as formas adequadas de administrar o basal e os bollus prandiais?

O basal pode ser feito com 2 ou 3 doses diárias de NPH ou com 1 a 2 doses de uma das insulinas "sem pico" (Glargina ou Detemir); os bollus prandiais podem ser realizados com uma das insulinas ultra-rápidas (Lispro ou Aspart) imediatamente antes das refeições ou com insulina R 30-40 minutos antes. Deve haver uma diferenciação bem marcante entre o basal e os bollus prandiais, dependendo do sucesso, desta modalidade de insulinoterapia, do bom ajuste da taxa basal.

Como deve ser feita a auto-monitorização glicêmica num tratamento intensivo?

Idealmente, de forma contínua, 6 a 8 vezes por dia, tanto no pré quanto no pós-prandial e, às vezes, também de madrugada; porém, é difícil para um paciente manter este ritmo o tempo todo. Alternativamente, esta freqüência de testes pode ser feita por períodos de alguns dias, intercalando períodos com freqüência menor (2­3 vezes ao dia, não excluindo o pós-prandial). Isto irá depender da disponibilidade do paciente. Deve-se sempre complementar a auto-monitorização glicêmica com a realização da hemoglobina glicada a cada 2­3 meses.

Os ajustes de dose num esquema intensivo de insulina podem ser feitos por qual profissional da equipe de saúde?

Este é um dos temas mais polêmicos. O consenso geral é de que as doses prandiais podem ser ajustadas pelo paciente, segundo um algoritmo estabelecido na consulta pelo médico ou por outro profissional de saúde treinado para isto, como a enfermeira ou a nutricionista. Já o esquema basal deve ser modificado somente pelo médico.

Há, porém, posições contrárias à alteração das doses de insulina por qualquer outro profissional que não o médico, apelando-se para os aspectos legais da prescrição e a responsabilidade do médico sobre a mesma. Estas facetas do problema podem ser encaradas como uma delegação do médico a um profissional de sua confiança, por ele treinado, sem que a responsabilidade da prescrição deixe de ser do médico. Isto não deve ser confundido, porém, com situações anômalas observadas ultimamente, após a entrada das empresas fornecedoras de bombas de insulina em nosso meio, onde o paciente deixa de ir ao médico por sentir-se tratado pelos profissionais ligados a essas empresas. Não há dúvidas de que isto está errado. Da mesma forma, isto não significa que o médico vá delegar tarefas de alteração da prescrição de insulina a profissionais inexperientes, ou que não foram por ele treinados.

O importante é que os membros da equipe de saúde funcionem unidos, que façam reuniões, que aprendam a tomar determinadas decisões, e que se comuniquem entre si. A comunicação intensiva é uma das condições básicas para a realização de um tratamento intensivo. Isto vale também para as modificações de doses feitas pelo próprio paciente ou seus familiares.

Como devem ser ajustadas as doses prandiais de insulina?

Consensualmente, através do valor da glicemia pré-prandial e da contagem de carboidratos, utilizando-se as regras numéricas existentes na literatura. Em pacientes que se auto-monitorizam pouco, a ênfase deverá ser dada à contagem dos carboidratos. É também necessário que se considere sempre a influência da atividade física realizada antes ou depois da alimentação.

Como deve ser o acesso do paciente que faz tratamento intensivo aos profissionais da equipe de saúde?

Em condições de estabilidade, através de consulta mensal mais contato telefônico ou por e-mail quando houver alguma intercorrência. Nas fases de ajuste o acesso deve ser mais freqüente, e dependerá das características do serviço onde o paciente é acompanhado.

Como devem ser feitas as misturas de insulinas diferentes no mesmo sistema aplicador?

A maioria das opiniões converge no sentido de as misturas poderem ser feitas livremente na seringa, imediatamente antes da injeção, respeitando-se os tipos de insulina que podem ser misturadas e as regras de mistura. No entanto, estas podem envolver erros significativos, os quais podem ser reduzidos fazendo-se a pré-mistura no frasco, embora isto limite as opções de mistura, devido às restrições quanto aos tipos de insulina que podem ficar em contato por tempo prolongado sem perder as características farmacocinéticas. As formas mais precisas são, obviamente, as pré-misturas padronizadas existentes no mercado e as injeções separadas. As primeiras têm alguma aplicação em DM2, mas raramente se ajustam às necessidades dos DM1; considera-se que elas "amarram" o tratamento. As injeções separadas implicam em perda de conforto.

Outro ponto importante na realização das misturas é o tipo de seringa utilizada. As que possuem espaço morto no gargalo, como as distribuídas gratuitamente nos postos de saúde, não produzem erro quando utilizadas com um único tipo de insulina, mas não se prestam para misturas, pois cabem cerca de 6 unidades no espaço morto, que produzem 6 unidades a mais de insulina R ­ a primeira a ser aspirada ­ e, conseqüentemente, 6 unidades a menos da NPH. Com esse tipo de seringa é necessário usar injeções separadas. As seringas sem espaço morto no gargalo prestam-se às misturas.

Quais as mais temíveis complicações do uso das bombas?

São a cetoacidose e a hipoglicemia noturna. Aquela geralmente decorre da obstrução do cateter por precipitação da insulina, cuja incidência é de 18%. Isto ressalta a importância de se ter um acompanhamento do médico nos pacientes que usam bomba, pois ocorrem estas intercorrências, assim como outras, como infecção no local de implantação do cateter etc., que precisam ser abordadas. O médico precisa estar preparado para interromper a bomba e passar para injeções quando ocorre uma intercorrência destas. Outra eventualidade é a desinserção da agulha, que, inclusive, não gera um alarme na bomba.

Uma das inúmeras atribuições da Sociedade Brasileira de Diabetes é batalhar pelo tratamento intensivo do diabetes no Brasil. Nesse aspecto, são igualmente importantes a homogeneização do conhecimento dos especialistas e a implementação de ações visando à viabilização deste tratamento para a maioria dos pacientes que dele necessitam. Estes objetivos têm sua concretização facilitada pela ampla participação dos especialistas nestas sessões de posição de consenso.

Recebido em 27/07/05

Revisado em 28/11/05

Aceito em 11/01/06

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  • Endereço para correspondência:
    Domingos A. Malerbi
    Rua Jacques Felix 314/51
    04509001 São Paulo, SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Fev 2006

    Histórico

    • Revisado
      28 Nov 2005
    • Recebido
      27 Jul 2005
    • Aceito
      11 Jan 2006
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