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Prevalência de obesidade e fatores associados em mulheres idosas

Prevalence of obesity and associated factors in elderly women

Resumos

OBJETIVO: Analisar a prevalência de obesidade em mulheres idosas e sua associação com variáveis sócio-demográficas, bioquímicas e hipertensão arterial. MATERIAL E MÉTODOS: Mediante estudo de corte seccional, 188 pacientes ambulatoriais, mulheres, com idade entre 60 e 89 anos foram avaliadas, sendo a obesidade definida a partir do IMC > 30Kg/m2 (WHO, 1998). As variáveis investigadas foram idade, escolaridade, situação conjugal, glicemia de jejum, colesterol total, lipoproteínas de alta e baixa densidade colesterol, triglicerídeos e presença de hipertensão arterial. Para análise dos dados foram empregados o teste Qui-quadrado de Pearson ou Teste Exato de Fisher, Análise Multivariada por Regressão Logística, estimando-se as probabilidades de ocorrência de obesidade. RESULTADOS/CONCLUSÕES: Entre as mulheres idosas, 25,6% eram obesas. A obesidade esteve concentrada nos intervalos etários de 60 a 69 e 70 a 79 anos e associada positivamente (p= 0,050) à glicemia de jejum > 126mg/dL, com um risco maior (Odds= 1,76) para as idosas diabéticas, em relação às não-diabéticas. A maior probabilidade de ocorrência de obesidade, em torno de 18%, foi observada nas mulheres com menos de 70 anos, triglicerídeos > 200mg/dL, diabéticas e hipertensas, destacando a importância da morbidade associada.

Obesidade; Envelhecimento; Índice de Massa Corporal; Mulher idosa


OBJECTIVE: To analyze the prevalence of obesity in elderly women and its association with socio-demographic, biochemical and hypertension variables. MATERIAL AND METHODS: By means of a cross sectional study, 188 outpatient women, 60 to 89 years-old were assessed. Obesity was defined by a BMI > 30Kg/m2 (WHO, 1998). The parameters examined were age, education, marital status, fasting glycemia, total cholesterol, high and low density cholesterol lipoproteins, triglycerides and presence or absence of blood hypertension. Data analysis was performed by Pearson's Chi-square or Exact Test of Fisher and Multivariate Analysis of Logistic Regression, estimating the probability of obesity. RESULTS/CONCLUSIONS: Among eldery women, 25.6% were obese. Obesity was present in the age ranges of 60 to 69 and 70 to 79 years, and positively associated (p= 0.050) to fasting glycemia > 126mg/dL, with increased risk (Odds= 1.76) for elder diabetic, compared to non-diabetics women. The highest probability for obesity, around 18%, was observed in women younger than 70 years-old, triglycerides > 200gm/dL, diabetic and hypertensive, emphasizing the role of associated morbidity.

Obesity; Aging; Body Mass Index; Elderly women


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de obesidade e fatores associados em mulheres idosas

Prevalence of obesity and associated factors in elderly women

Ana Paula de O. Marques; Ilma Kruze G. de Arruda; Antônio C.G. do Espírito Santo; Maria Cristina F. Raposo; Mariana Diniz Guerra; Tiago Felipe Sales

Núcleo de Atenção ao Idoso (NAI), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Recife, PE

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ana Paula de Oliveira Marques Rua João Eugênio de Lima 67 / 402 51020-360 Recife, PE Fax: (81) 3271-8558 / 3271-8538 E-mail: marquesap@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a prevalência de obesidade em mulheres idosas e sua associação com variáveis sócio-demográficas, bioquímicas e hipertensão arterial.

MATERIAL E MÉTODOS: Mediante estudo de corte seccional, 188 pacientes ambulatoriais, mulheres, com idade entre 60 e 89 anos foram avaliadas, sendo a obesidade definida a partir do IMC > 30Kg/m2 (WHO, 1998). As variáveis investigadas foram idade, escolaridade, situação conjugal, glicemia de jejum, colesterol total, lipoproteínas de alta e baixa densidade colesterol, triglicerídeos e presença de hipertensão arterial. Para análise dos dados foram empregados o teste Qui-quadrado de Pearson ou Teste Exato de Fisher, Análise Multivariada por Regressão Logística, estimando-se as probabilidades de ocorrência de obesidade.

RESULTADOS/CONCLUSÕES: Entre as mulheres idosas, 25,6% eram obesas. A obesidade esteve concentrada nos intervalos etários de 60 a 69 e 70 a 79 anos e associada positivamente (p= 0,050) à glicemia de jejum > 126mg/dL, com um risco maior (Odds= 1,76) para as idosas diabéticas, em relação às não-diabéticas. A maior probabilidade de ocorrência de obesidade, em torno de 18%, foi observada nas mulheres com menos de 70 anos, triglicerídeos > 200mg/dL, diabéticas e hipertensas, destacando a importância da morbidade associada.

Descritores: Obesidade; Envelhecimento; Índice de Massa Corporal; Mulher idosa

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the prevalence of obesity in elderly women and its association with socio-demographic, biochemical and hypertension variables.

MATERIAL AND METHODS: By means of a cross sectional study, 188 outpatient women, 60 to 89 years-old were assessed. Obesity was defined by a BMI > 30Kg/m2 (WHO, 1998). The parameters examined were age, education, marital status, fasting glycemia, total cholesterol, high and low density cholesterol lipoproteins, triglycerides and presence or absence of blood hypertension. Data analysis was performed by Pearson's Chi-square or Exact Test of Fisher and Multivariate Analysis of Logistic Regression, estimating the probability of obesity.

RESULTS/CONCLUSIONS: Among eldery women, 25.6% were obese. Obesity was present in the age ranges of 60 to 69 and 70 to 79 years, and positively associated (p= 0.050) to fasting glycemia > 126mg/dL, with increased risk (Odds= 1.76) for elder diabetic, compared to non-diabetics women. The highest probability for obesity, around 18%, was observed in women younger than 70 years-old, triglycerides > 200gm/dL, diabetic and hypertensive, emphasizing the role of associated morbidity.

Keywords: Obesity; Aging; Body Mass Index; Elderly women

O ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO brasileira é um fenômeno relativamente recente; contudo, irreversível, diante do comportamento declinante da fecundidade e da mortalidade registrado nas últimas décadas (1,2).

As modificações ocorridas no cenário demográfico, resultando em um aumento substancial do número de pessoas idosas (60 anos e mais), são acompanhadas por modificações no perfil epidemiológico e nutricional da população. Atualmente, predominam as enfermidades crônicas não-transmissíveis, complexas e onerosas, próprias das faixas etárias mais avançadas (3,4), e observa-se uma redução na ocorrência da desnutrição, ao mesmo tempo em que se registra um aumento significativo da obesidade, definindo uma das características marcantes da transição nutricional no país (5,6).

Dados da Força Tarefa Internacional sobre Obesidade – IOTF (International Obesity Task Force), publicados no relatório da Organização Mundial de Saúde – OMS, indicam a existência de, aproximadamente, 250 milhões de adultos obesos (7% da população mundial) e, pelo menos, 500 milhões com sobrepeso, chamando a atenção para a epidemia global de obesidade e a necessidade de prevenção primária do excesso de peso (7).

Em função da prevalência crescente, a obesidade é considerada um problema de saúde pública de importância relevante, tanto em países desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, ocorrendo de forma paralela à diminuição progressiva da energia gasta em atividades laborais, ocupacionais, no lazer, no cumprimento de afazeres domésticos e em decorrência de modificações no padrão alimentar (8,9).

Estudos prospectivos sugerem que a obesidade aumenta de forma significativa a morbi-mortalidade por outras doenças, tais como hipertensão arterial, dislipidemias, doença coronariana isquêmica, doença da vesícula biliar, doenças ósteo-articulares, diabetes mellitus não-insulinodependente ou tipo 2 e alguns tipos de câncer, sendo observada uma prevalência maior de obesidade nas mulheres, em relação aos homens, inclusive entre os idosos (7,9,10).

Gigante e cols. (11), investigando a prevalência de obesidade e fatores de risco associados em 1035 indivíduos, na faixa etária entre 20 e 69 anos, residentes em Pelotas, RS, verificaram que esta prevalência aumenta marcadamente com a idade, sendo cerca de quatro vezes mais elevada após os 40 anos, em relação ao grupo entre 20 e 29 anos, e duas vezes superior nas mulheres, em relação aos homens, a partir da quarta década de vida.

O perfil nutricional dos idosos brasileiros, descrito a partir dos dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (1999), identificou uma prevalência geral de pré-obesidade (Índice de Massa Corporal – IMC > 25Kg/m2) de 30,4%, em homens, e 50,2%, em mulheres. Nesse estudo, os valores encontrados foram superiores aos observados para a população adulta, na faixa de vinte a quarenta anos. A prevalência de obesidade (IMC > 30Kg/m2) correspondeu a 5,7 % e 18,2% em homens e mulheres, respectivamente (12).

Em estudos epidemiológicos, os valores extremos de IMC (< 18,5Kg/m2 e > 40Kg/m2) estão associados ao aumento da morbidade e mortalidade. A nível populacional, espera-se uma distribuição em torno de 1 a 2% de baixo peso e obesidade grave (7).

Algumas enfermidades, potencializadas pelo excesso de peso corporal, assumem uma importância ainda maior entre os idosos, pois já apresentam freqüências aumentadas com a idade, em indivíduos idosos não-obesos (13).

Por serem ainda insuficientes as pesquisas acerca da obesidade em idosos, enfermidade com impacto desfavorável para a saúde e a qualidade de vida, e em função da co-morbidade em geral associada, o presente estudo foi desenvolvido visando investigar a condição de obesidade em mulheres idosas e sua possível associação com variáveis sócio-demográficas, bioquímicas e ocorrência de hipertensão arterial.

MATERIAL E MÉTODOS

O estudo, do tipo individuado–observacional– seccional (14), foi desenvolvido no Núcleo de Atenção ao Idoso – NAI, localizado na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

O NAI, enquanto unidade ambulatorial, integra o Programa do Idoso – PROIDOSO, da Pró-Reitoria de Extensão da UFPE e tem por finalidade a atenção à saúde de pessoas idosas (60 anos e mais), com a atuação de equipe multidisciplinar.

Foram considerados critérios de inclusão no estudo: idade equivalente ou superior a 60 anos, ter realizado uma avaliação geriátrica na unidade, anterior à consulta de nutrição, e concordar em participar de forma voluntária, com assinatura ou impressão digital em termo de consentimento livre e esclarecido, posterior orientação quanto aos objetivos, procedimentos operacionais, garantia de preservação da identidade da paciente e continuidade de atendimento em caso de recusa à participação.

As idosas que apresentaram cifose dorsal ou não tinham autonomia para permanecer em pé durante a pesagem foram excluídas.

A população de referência foi constituída pelas 224 idosas que ingressaram no NAI durante o ano de 2002. Contudo, a casuística estudada correspondeu a 188 idosas, em decorrência da exclusão daquelas que não apresentaram condições para aferição das medidas de peso e/ou altura (11), recusaram-se a participar do estudo (3) e das perdas, incluindo o não retorno à unidade (18), bem como os óbitos (4).

Os dados antropométricos de peso e altura foram coletados durante a consulta de nutrição pelo pesquisador principal ou por uma acadêmica do Curso de Graduação em Nutrição.

O peso foi medido em quilogramas, utilizando-se balança de plataforma (Welmy, modelo 110), com capacidade de até 150Kg e precisão de 100 gramas. As idosas foram pesadas trajando roupas leves e sem sapatos.

A altura foi medida em metros, com a idosa descalça em cima da plataforma da balança, de costas para o seu marcador, com os pés unidos, em posição ereta e olhar fixo na altura da linha do horizonte. A leitura foi feita no 0,5 centímetro mais próximo, com a haste da barra vertical da escala encostada à cabeça.

A classificação nutricional das idosas, com base no IMC, foi obtida pela divisão do valor do peso (em quilogramas) pela estatura (em metros quadrados), indicador largamente utilizado por sua simplicidade e aplicabilidade na avaliação nutricional de adultos (15). Como pontos de corte foram adotados os recomendados pela OMS, conforme a seguinte categorização: baixo peso (IMC < 18,5Kg/m2), normal (18,5 < IMC < 25,0Kg/m2), pré-obesidade (25,0 < IMC < 30,0Kg/m2) e obesidade (IMC > 30Kg/m2) (7).

As informações de interesse para o estudo foram obtidas por meio de entrevistas com as idosas, por ocasião da consulta de nutrição, e através dos prontuários de atendimento.

As variáveis sócio-demográficas investigadas corresponderam a idade (em anos completos, agrupados por faixa etária), escolaridade (distribuída em quatro categorias, conforme o número de anos cursados com aprovação: 0, de 1 a 4 anos, de 5 a 8 anos e 9 anos e mais), além da situação conjugal (presença ou ausência de companheiro no domicílio).

As variáveis bioquímicas, glicemia de jejum, colesterol total, lipoproteína de alta densidade-colesterol (HDL-c) e triglicerídeos, foram determinadas no Laboratório do Hospital das Clínicas da UFPE, pelo método enzimático, com processamento em equipamento automatizado (Sistema de Química Clínica Dimension – Dade Behring). A lipoproteína de baixa densidade-colesterol (LDL-c) foi estimada a partir da equação de Friedewald: LDL-c= (CT) – (HDL-c) – (triglicerídeos/5).

Foram classificadas como diabéticas as idosas com glicemia de jejum > 126mg/dl (16). Para as demais variáveis bioquímicas, foram considerados como valores inadequados os adotados no Hospital das Clínicas: colesterol total > 200mg/dL, HDL < 35mg/dL, LDL > 130mg/dL e triglicerídeos > 200mg/dL.

A medida da pressão arterial foi realizada no braço direito, com a idosa sentada, após 5 minutos de repouso, utilizando-se esfigmomanômetro aneróide. A hipertensão arterial foi considerada quando a pressão sistólica se mostrou > 140mm de mercúrio (Hg) e a diastólica > 90mm de mercúrio (Hg), conforme critério proposto pelo VI Joint National Committee (17).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Instituto Materno Infantil de Pernambuco – IMIP, atendendo as exigências da resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

A análise dos dados foi processada utilizando-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 10.0, adotando-se o nível de significância de 5% (p < 0,05) para rejeição da hipótese de nulidade.

Para a análise bivariada, foram utilizados os testes do Qui-Quadrado de Independência de Pearson ou o Teste Exato de Fisher, este último, quando os resultados não atendiam aos requisitos para a aplicação do Qui-Quadrado.

Na análise multivariada, foi empregado o modelo de regressão logística, sendo o critério para inclusão de variáveis a associação com a condição de obesidade em um nível de significância menor ou igual a 0,2 (p < 0,20) na análise bivariada (18). A partir do Modelo Logístico foram obtidas as estimativas da Razão de Chances (Odds Ratio) e respectivos Intervalos de Confiança (IC) para cada uma das variáveis incluídas na análise, além de calculadas as probabilidades de ocorrência de obesidade estimada pelo modelo.

RESULTADOS

Na tabela 1 encontra-se a distribuição do estado nutricional segundo o IMC, por faixa etária, verificando-se que as prevalências gerais de pré-obesidade e de obesidade corresponderam a 37,2% e 25,6%, respectivamente, com apenas 2,1% das idosas na condição de baixo peso.

A pré-obesidade (25,0 < IMC < 30,0Kg/m2) foi mais prevalente na faixa etária de 70 a 79 anos, correspondendo a 41,5% da casuística, seguida das idosas com idade entre 60 e 69 anos (35,1%). Entre as idosas mais velhas (80 a 89 anos), a condição de pré-obesidade foi equivalente a 33,3%. Quanto à obesidade (IMC > 30Kg/m2), a maior prevalência (28,8%) foi observada no intervalo de 60 a 69 anos, não sendo registrado nenhum caso entre as idosas mais velhas (tabela 1).

Quanto à caracterização da casuística no que diz respeito às variáveis sócio-demográficas, (tabela 2), a idade variou de 60 a 89 anos, com mais da metade das idosas na faixa de 60 a 69 anos (59,0%) e apenas 6,4% entre 80 e 89 anos. No que se refere à escolaridade, predominou o intervalo de 1 a 4 anos de estudo (56,9%). Foi verificado que 60,1% das idosas não tinham companheiro e, entre estas, segundo informação obtida durante a consulta de nutrição, 77 (68,1%) eram viúvas, 32 (28,3%) solteiras e 4 (3,6%) divorciadas. Dentre as que tinham companheiro, 68 (90,7%) eram casadas e 7 (9,3%) divorciadas.

No que diz respeito à distribuição da condição de obesidade (tabela 2), classificada como ausente quando o IMC < 30Kg/m2 e presente para valores de IMC > 30Kg/m2, segundo as diferentes categorias das variáveis investigadas, foi identificada associação estatisticamente significativa entre obesidade e valores de glicemia de jejum (p= 0,050), sendo a prevalência de obesidade nas idosas com glicemia > 126mg/dL quase o dobro daquela observada nas não-diabéticas.

Em função do nível de significância obtido na análise bivariada, as variáveis faixa etária (p= 0,092), colesterol total (0,109), triglicerídeos (0,105) e hipertensão arterial (p= 0,066) foram incluídas no modelo logístico apresentado na tabela 3.

A aparente relação inversa entre obesidade e faixa etária, com um risco de obesidade 0,74 vezes menor para as idosas na faixa de 70 a 79 anos e risco praticamente nulo entre as idosas mais velhas (80 a 89 anos), não foi estatisticamente significativo, assim como não se mostraram significativos os riscos estimados para a ocorrência de obesidade, relativos às variáveis hipertensão arterial, taxa de triglicerídeos e proteção em relação ao colesterol total. Por outro lado, verifica-se que a associação significativa, identificada na análise bivariada, entre obesidade e diabetes é confirmada na análise multivariada, sendo o risco de ocorrência de obesidade 1,76 vezes maior para as idosas com valores de glicemia de jejum > 126mg/dL, em relação às idosas não-diabéticas (tabela 3).

As probabilidades estimadas para a ocorrência de obesidade (IMC > 30Kg/m2), considerando as variáveis incluídas no modelo de regressão logística, encontram-se descritas na tabela 4, verificando-se como mais propensas à ocorrência do evento, com probabilidade de 17,9%, as idosas com idade inferior a 70 anos, valores de triglicerídeos > 200mg/dL, glicemia de jejum > 126mg/dL e hipertensão arterial presente.

DISCUSSÃO

Por apresentarem uma prevalência maior de obesidade em relação aos homens (10-13,19,20) e por constituírem a maioria da clientela cadastrada no Núcleo de Atenção ao Idoso, as mulheres idosas foram o objeto de investigação do presente estudo.

A procura das mulheres por assistência à saúde, de forma sistemática e contínua ao longo da vida, tem sido sugerida como um dos fatores explicativos da maior longevidade feminina e responsável pela predominância das mulheres nos serviços de saúde (3), aspecto observado entre os usuários do NAI.

A freqüência mais elevada de idosas com idade entre 60 e 69 anos, consideradas idosas jovens, segundo a classificação adotada por Veras (21), também é achado comum em outros estudos, com amostras provenientes de serviços de saúde ou de base populacional (2,12,13,19).

A baixa freqüência de idosas sem escolaridade formal (4,3%) difere do habitualmente encontrado para o segmento mais envelhecido da população brasileira, em que as mulheres são maioria entre os idosos que não sabem ler ou escrever (2,3). Uma possível seletividade dos usuários que procuram o NAI pode ter contribuído para tal fato. Ainda assim, cabe destacar a predominância de idosas que só tinham cursado até quatro anos de estudo.

Segundo Telarolli Júnior e cols. (22), a escolaridade é um importante indicador de caracterização sócio-econômica, relacionando-se às possibilidades de acesso à renda, à utilização dos serviços de saúde e adesão aos programas educacionais e sanitários.

As viúvas, que corresponderam a 68,1% da casuística, foram maioria entre as idosas sem companheiro. Registra-se, com relação às mulheres nessa condição, uma maior dificuldade de ";recasamento"; após a viuvez, ao contrário do que ocorre em relação aos homens. Normas sociais e culturais prevalecentes em nossa sociedade favorecem aos homens o ";recasamento"; com mulheres mais jovens. Este fato, aliado à maior sobrevida feminina, contribui para a existência de um número significativo de mulheres sozinhas, principalmente nas faixas etárias mais avançadas (3,4,21).

Embora os dados acerca da relação entre o excesso de peso e a situação conjugal ainda sejam insuficientes e concentrados na avaliação de adultos jovens, a observação do nível educacional, da situação conjugal e da renda em adultos com sobrepeso acompanhados desde a adolescência aponta as mulheres como mais sujeitas às conseqüências psicossociais do excesso de peso (23,24).

Não obstante sua aplicabilidade e simplicidade técnica na avaliação nutricional de adultos, o IMC apresenta limitações, como qualquer outro indicador antropométrico, quando utilizado em pessoas idosas.

A perda de massa magra, o aumento da gordura corpórea, as modificações na curvatura da coluna vertebral, com implicações na redução da estatura, as alterações na elasticidade da pele e o relaxamento da musculatura abdominal são fatores inerentes ao processo de envelhecimento que ocasionam limitações de validade/poder preditivo às medidas antropométricas tradicionais (25).

Uma prevalência menor de idosas com baixo peso, em relação às obesas, também foi observada por Marucci (26), Santos (19) e Tavares e Anjos (12). A prevalência geral de obesidade, 25,6%, foi semelhante à encontrada por outros autores em mulheres idosas (12,26).

Apesar da literatura especializada registrar uma prevalência menor de obesidade nas faixas de idades mais avançadas (12,13,19,20,27), o que coincide com os achados deste estudo, não pode ser descartada a possibilidade do percentual reduzido de idosas entre 80 e 89 anos, apenas 6,4% da casuística, ter contribuído para que a condição de obesidade não fosse identificada nesta faixa etária.

Sugere-se, também, que o impacto negativo da obesidade e das patologias a ela associadas em relação às taxas de sobrevida pode contribuir para a maior mortalidade observada em idosos obesos antes dos 80 anos (13).

A associação significativa entre obesidade e diabetes, verificada neste estudo, também foi observada por Gigante e cols. (11), Barreto e cols. (27) e Lin e cols. (28). Nos estudos referidos foi comum a associação entre obesidade e hipertensão arterial, o que se contrapõe aos achados deste trabalho. Vale referir, contudo, as diferenças metodológicas entre estas pesquisas.

A maior probabilidade de ocorrência de obesidade, em torno de 18%, entre as idosas mais jovens com valores de triglicerídeos elevados, diabéticas e hipertensas reforça a importância em considerar a co-morbidade associada à obesidade.

Níveis elevados de colesterol total, não prevalentes entre as idosas obesas, são concordantes com os resultados apresentados por Cabrera e Jacob Filho (13). Entretanto, como o controle do uso de medicamentos não foi tratado neste estudo, pode-se pensar que sua utilização, prática comum na velhice, esteja atuando como possível viés.

O tipo de delineamento proposto para o estudo, de corte transversal, não permite estabelecer relação temporal de causa e efeito, mas possibilitou identificar associação significativa entre obesidade e valores de glicemia de jejum > 126mg/dL, além de estimar as probabilidades de ocorrência do evento (obesidade) na presença de co-morbidade associada. Embora os resultados encontrados sejam específicos da casuística estudada, não podendo ser estendidos ao segmento idoso feminino de uma forma geral, os mesmos sugerem que, entre as idosas com valores de triglicerídeos > 200mg/dL, diabéticas e hipertensas, a probabilidade de ocorrã281;ncia de obesidade é maior.

Estudos com um número maior de idosas nas faixas etárias mais avançadas e que associem outros métodos antropométricos na avaliação da condição de obesidade, além do IMC, serão de grande validade como contribuição à ampliação e aprofundamento dos resultados desta pesquisa.

Conclui-se, portanto, que as prevalências elevadas de pré-obesidade e de obesidade, observadas para as idosas nas faixas etárias de 60 a 69 anos e de 70 a 79 anos, ao lado dos achados relativos aos fatores de co-morbidade associados, em temos de risco de ocorrência do evento, definido no modelo logístico, aponta para a necessidade imperiosa de promoção do adequado estado nutricional e de prevenção e controle da obesidade em programas voltados para a saúde do idoso e elevação de sua qualidade de vida.

Recebido em 04/08/04

Revisado em 20/10/04

Aceito em 02/12/04

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      04 Ago 2004
    • Revisado
      20 Out 2004
    • Aceito
      02 Dez 2004
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