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Relevância da avaliação dos sintomas e dosagem de estradiol no tratamento de reposição hormonal em pacientes pós-menopáusicas

editorial

Relevância da Avaliação dos Sintomas e Dosagem de Estradiol no Tratamento de Reposição Hormonal em Pacientes Pós-Menopáusicas

Poli Mara Spritzer

Coordenadora da Unidade de

Endocrinologia Ginecológica, Serviço

de Endocrinologia, Hospital de

Clínicas de Porto Alegre, RS

O MANEJO DA PACIENTE CLIMATÉRICA, vem se tornando, nas últimas décadas, tema relevante e de grande interesse tanto em termos epidemiológicos e de saúde pública quanto da investigação científica médica. Isto se deve, em grande parte, a progressiva melhora da expectativa de vida dos indivíduos, permitindo prever que a população feminina possa viver ainda cerca de um terço de suas vidas após a menopausa. Embora a expectativa de vida ao nascimento seja muito variável em diferentes países, para a mulher, aos 50 anos, esta é constante ao redor do mundo, com uma amplitude em torno de 27 a 32 anos [1]. Estudos demográficos indicam que, em 1990 havia cerca de 467 milhões de mulheres com 50 anos ou mais, distribuídas pelo mundo. As projeções para 2030 estimam um aumento para 1200 milhões de mulheres nesta faixa etária [2].

O primeiro e ainda hoje mais freqüente motivo para prescrição da terapia de reposição hormonal (TRH) é o alívio dos sintomas do climatério. A síndrome climatérica, reconhecida como tal desde o início do século XIX, só começou a ter sua etiologia esclarecida a partir de 1924, quando pela primeira vez se extraiu e caracterizou um "hormônio ovariano" (3). Um conjunto de sintomas está associado a esta síndrome (4), alguns podendo se iniciar já antes da menopausa mas, com freqüência ocorrendo após a mesma. Os sintomas variam significativamente para cada mulher, podendo algumas permanecer assintomáticas. Os mais prevalentes são os sintomas vasomotores, como os fogachos e sudorese excessiva, comprometendo a qualidade de vida de cerca de 50% das mulheres pós-menopáusicas. Relacionam-se com insônia, irritabilidade e depressão. Há variabilidade individual na tolerância aos mesmos, mas 15-25% das mulheres procuram aconselhamento e tratamento médicos. A médio prazo, o hipoestrogenismo resulta em atrofia urogenital e produz sintomas como prurido vulvar, dispareunia e algopareunia, sensação de secura vaginal, polaciúria e incontinência urinária. Essa atrofia também contribui para a incidência aumentada de infecções urinárias, vulvovaginites e distopias genitais nas mulheres climatéricas (5,6).

Está bem estabelecido que os sintomas do climatério estão diretamente relacionados à redução dos níveis de estrogênios e que a reposição hormonal alivia acentuadamente esses sintomas num número expressivo de pacientes, embora estudos randomizados tenham também identificado um efeito placebo não negligenciável (7,8). Considera-se, portanto, que a TRH beneficia amplamente as pacientes que sofrem a síndrome climatérica e que contribui para a melhoria da qualidade de vida dessas mulheres. Por outro lado, a TRH pode ser continuada para prevenção de outras doenças, como a osteoporose e doença cardiovascular.

Neste número dos "Arquivos", Wygoda e colaboradores (9) apresentam os resultados do seguimento a curto prazo de pacientes pós-menopáusicas em tratamento de reposição hormonal. Aspectos relevantes da monitorização do tratamento no período de ajuste da dose são salientados e merecem comentários.

Atualmente tem-se como consenso que toda paciente com útero íntegro deve receber TRH combinada (estrogênio e progestogênio) ao invés de reposição estrogênica isolada. O objetivo principal do progestogênio é proteger o endométrio do aparecimento de hiperplasias e neoplasias (10,11). Quanto às mulheres histerectomizadas, existe uma tendência pelo uso do estrogênio isolado no intuito de preservar os benefícios metabólicos que seriam atenuados pelo progestogênio (12), além de evitar efeitos colaterais como mastodinia, edema e cefaléia (13). Contudo, a progesterona parece contribuir para a preservação da densidade óssea (14,15), o que justificaria sua prescrição mesmo na ausência do útero. Além disso, alguns estudos mostram boa tolerância metabólica com o uso de progesterona micronizada (16,17). Há muita dúvida quanto ao efeito da reposição progestínica sobre as mamas, pois os primeiros ensaios clínicos de grande porte só foram iniciados recentemente (18). Os últimos dados provenientes de uma grande coorte norte-americana, o Estudo de Saúde das Enfermeiras, indicam que a TRH combinada não amplia nem diminui o risco relativo de câncer de mama determinado pelo uso de estrogênios (19).

Inúmeras apresentações de estrogênios estão disponíveis para reposição hormonal no climatério. Deve-se empregar sempre um estrogênio natural, mas a via de administração pode ser oral, transdérmica, percutânea ou vaginal (para tratamento tópico). A formulação estrogênica mais antiga e ainda hoje mais utilizada são os estrogênios conjugados eqüinos, para uso oral. A dose mínima para prevenção de osteoporose é de 0,625 mg/dia (20), mas pode-se aumentá-la se necessário para obter alívio dos sintomas climatéricos. Outros estrogênios disponíveis para reposição oral são o valerato de estradiol e o estriol, este menos potente. As preparações estrogênicas para uso não oral contêm 17-b estradiol, utilizado na dose média de 1,5 mg/dia (gel percutâneo) ou 1-2 adesivos de 25-100 mg, 1 a 2 vezes por semana (via transdérmica). As vantagens da via transdérmica são a comodidade de aplicação do adesivo e a freqüência de aplicação; já a via percutânca não produz irritação cutânea e evita que a paciente carregue uma "etiqueta" de climatérica, o que pode ser psicologicamente relevante em alguns casos (21).

Wygoda e colaboradores (9) utilizaram em seu estudo o 17-b estradiol percutâneo associado ou não (útero intacto ou histerectomizadas, respectivamente) à progesterona micronizada ou acetato de medroxiprogesterona, em esquema cíclico ou contínuo. Os dados obtidos demonstram com clareza a associação entre sintomas de hipo e hiperestrogenismo e níveis séricos de estradiol. Estes resultados tem grande relevância clínica pois dão embasamento para o ajuste inicial da dose de estradiol para mais ou para menos com base na presença de sintomas específicos. Por outro lado, em cerca de 30% das pacientes assintomáticas durante a TRH, os autores relataram níveis circulantes de estradiol considerados inadequados (<50 e >200 pg/ml), como já havia sido sugerido por Vihtãmaki e Tuimala (22). Assim, considerando os benefícios a mais longo prazo da reposição estrogênica e os riscos da utilização de doses supra-físiológicas, pode ser útil monitorizar a dose de estradiol com a dosagem sérica de estradiol naquelas pacientes que se apresentam assintomáticas durante a TRH.

Outrossim, cabe salientar que a monitorização dos níveis de estradiol em pacientes pós-menopáusicas com reposição estrogênica associada ou não à progestogênios/ progesterona é mais complexa do que parece à primeira vista e algumas dificuldades podem ser vislumbradas. Em primeiro lugar, os ensaios clínicos disponíveis diferem de forma significativa tanto na qualidade técnica (laboratório) quanto em relação aos anticorpos utilizados. Em conseqüência, observam-se variações importantes no nível de sensibilidade dos ensaios. Por outro lado, os produtos comerciais disponíveis atualmente para o tratamento de reposição hormonal no climatério correspondem a uma gama de compostos estrogênicos, do estradiol aos estrogênios conjugados eqüinos. Embora ocorra interconversão de estrogênios exógenos para estradiol e estrona, este processo parece ser variável de um indivíduo a outro (23). Assim, estudos prévios indicam que os níveis circulantes de estradiol obtidos com o uso do 17-b estradiol percutâneo são equivalentes àqueles obtidos durante a fase folicular média de ciclos normais (24,25). No entanto, quando se utilizam ensaios altamente específicos, os níveis séricos de estradiol são mais elevados e mais variáveis em pacientes recebendo 17-b estradiol percutâneo em comparação ao tratamento por via oral com estrogênios conjugados eqüinos (26). Neste contexto e, como bem o demonstram Wygoda e colaboradores (9), para poder melhor avaliar casos específicos, é importante que cada clínico conheça os níveis séricos usuais de estradiol associados com as doses convencionais de estrogênios utilizados no climatério (p. ex, 0,625 mg estrogênios conjugados eqüinos ou 50 mg de estradiol transdérmico), oriundos do(s) laboratório(s) que está habituado a utilizar (23).

O estudo de Wygoda e colaboradores (9) mostra de forma convincente que a monitorização do tratamento de reposição hormonal no climatério deve ser individualizada, enfatiza a importância da presença de sintomas de hipo ou hiperestrogenismo nestas pacientes pós-menopáusicas sob TRH para o ajuste da dose e chama a atenção para o valor da dosagem de estradiol sérico em casos selecionados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Out 1999
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