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Reconstrução marginal de pálpebras utilizando enxerto de palato duro

Margin eyelid reconstruction with hard palate graft

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os benefícios e complicações do uso do palato duro na reconstrução de pálpebras inferiores acometidas por carcinomas basocelulares extensos. MÉTODOS: Revisão da literatura e descrição da técnica utilizada no Setor de Oculoplástica do Hospital Santa Casa de Porto Alegre. RESULTADOS: O enxerto de palato duro é um excelente substituto da lamela posterior na reconstrução palpebral, pois apresenta os benefícios da superfície mucosa, associado ao fato de atuar como suporte semi-rígido. CONCLUSÃO: A técnica de sanduíche utilizando palato duro mostrou-se eficiente, com um resultado estético e funcional bastante satisfatório.

Palato duro; Mucosa bucal; Transplante autólogo; Pálpebras; Carcinoma, basal cell


PURPOSE: To investigate the advantages and the complications of the use of hard palate graft in the reconstruction of the inferior eyelids with large basocelular carcinoma. METHODS: Review of specialized articles and report of the technique used in the Oculoplastic Department of the "Hospital Santa Casa de Porto Alegre". RESULTS: The hard palate graft is an excellent replacement for posterior lamellar defects in eyelid reconstruction, because it presents the benefit of a mucous layer in addition to a semirigid support. CONCLUSION: The sandwich technique using hard palate was shown to be efficient, with good functional and esthetic results.

Palate, hard; Mouth mucosa; Transplantation, autologous; Eyelids; Carcinoma basocelular


ARTIGO ORIGINAL

Reconstrução marginal de pálpebras utilizando enxerto de palato duro

Margin eyelid reconstruction with hard palate graft

Tiana Gabriela BurmannI; Ítalo MarconII; Tiago RizzatoIII; Karin ScheidIV

IDoutora em Oftalmologia, preceptora do Setor de Plástica Ocular do Serviço de Oftalmologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - ISCMPA e Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) - Brasil

IIProfessor livre-docente, Doutor em Oftalmologia e Chefe do Serviço de Oftalmologia da ISCMPA e da FFFCMPA - Porto Alegre (RS) - Brasil

IIIEstagiário do Serviço de Oftalmologia da ISCMPA e da FFFCMPA - Porto Alegre (RS) - Brasil

IVEstagiária do Serviço de Oftalmologia da ISCMPA e da FFFCMPA - Porto Alegre (RS) - Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Tiana Gabriela Burmann Av. Nilo Peçanha, 724 - Sala 401 Porto Alegre (RS) CEP 90470-000 E-mail: tianaburmann@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os benefícios e complicações do uso do palato duro na reconstrução de pálpebras inferiores acometidas por carcinomas basocelulares extensos.

MÉTODOS: Revisão da literatura e descrição da técnica utilizada no Setor de Oculoplástica do Hospital Santa Casa de Porto Alegre.

RESULTADOS: O enxerto de palato duro é um excelente substituto da lamela posterior na reconstrução palpebral, pois apresenta os benefícios da superfície mucosa, associado ao fato de atuar como suporte semi-rígido.

CONCLUSÃO: A técnica de sanduíche utilizando palato duro mostrou-se eficiente, com um resultado estético e funcional bastante satisfatório.

Descritores: Palato duro/transplante; Mucosa bucal/transplante; Transplante autólogo; Pálpebras/cirurgia; Carcinoma, basal cell

ABSTRACT

PURPOSE: To investigate the advantages and the complications of the use of hard palate graft in the reconstruction of the inferior eyelids with large basocelular carcinoma.

METHODS: Review of specialized articles and report of the technique used in the Oculoplastic Department of the "Hospital Santa Casa de Porto Alegre".

RESULTS: The hard palate graft is an excellent replacement for posterior lamellar defects in eyelid reconstruction, because it presents the benefit of a mucous layer in addition to a semirigid support.

CONCLUSION: The sandwich technique using hard palate was shown to be efficient, with good functional and esthetic results.

Keywords: Palate, hard/transplantation; Mouth mucosa/transplantation; Transplantation, autologous; Eyelids/surgery; Carcinoma basocelular

INTRODUÇÃO

A busca pela técnica capaz de reconstruir uma pálpebra e satisfazer não apenas a anatomia palpebral, mas também a sua função tem levado à utilização de diversos tecidos. Na reconstrução palpebral, três elementos são importantes: a pele, a estrutura de sustentação e a mucosa.

A reconstrução palpebral com a técnica de sanduíche compreende um retalho local de avançamento de músculo orbicular entre dois enxertos livres. A estrutura semi-rígida pode ser tarso, esclera preservada, cartilagem auricular, septo nasal ou palato duro(1-5). A superfície externa é reconstruída através de um enxerto livre de pele.

Este estudo tem por objetivo avaliar os benefícios e complicações da técnica de sanduíche, utilizando o palato duro como substituto da lamela posterior.

MÉTODOS

Foram selecionados 9 pacientes que apresentavam lesões palpebrais clinicamente suspeitas de neoplasia, extensas, comprometendo mais de 50% da margem palpebral inferior.

Os pacientes foram operados pelo mesmo cirurgião oculoplástico, sob anestesia local e sedação e as margens da lesão foram avaliadas pela técnica de congelação. A reconstrução palpebral foi realizada no mesmo ato cirúrgico mediante a confirmação anátomo-patológica de termos margens livres e seguras.

A técnica de sanduíche, também denominada de reconstrução topográfica, foi utilizada na reconstrução das pálpebras desses pacientes. A lamela posterior foi reconstruída com enxerto de palato duro, a lamela anterior com pele da pálpebra superior ipsi ou contralateral, e, entre os dois enxertos, foi avançado um retalho de músculo orbicular (incisões verticais no músculo facilitaram o avançamento) (Figura 1).


O sítio doador de palato foi limitado pelas pregas palatinas anteriormente e pela junção do palato duro com o mole posteriormente. Alguns cuidados foram observados: evitou-se a retirada de enxertos muito espessos; manteve-se distância da linha média e do forame palatino maior e promoveu-se uma boa cauterização local (Figura 1).

Na técnica realizada nessa série de casos, utilizou-se enxertos (palato e pele) um pouco maiores que o tamanho do defeito causado pela retirada da lesão. Além disso, foi colocado o curativo de Brown e a sutura de Frost nas primeiras 48 horas de pós-operatório.

RESULTADOS

Participaram do estudo 9 pacientes, 4 do sexo masculino e 5 do feminino, com faixa etária entre 62 e 79 anos. Todos os pacientes apresentavam carcinomas basocelulares extensos das pálpebras inferiores com comprometimento do canalículo inferior em 1 caso.

Não foram observadas complicações no sítio doador de palato duro e também não ocorreram complicações nos sítios doadores de pele.

A pele utilizada para reconstruir a lamela anterior apresentou-se com boa cicatrização e resultado estético. Além disso, não se observou casos de necrose do enxerto nesses pacientes.

A retração do enxerto foi regra, no entanto discreta na maioria dos pacientes, exceto em um caso onde houve retração moderada que comprometeu o resultado estético final.

Os pacientes foram acompanhados por um período médio de 18 meses (entre 12 e 36 meses) e não apresentaram, nesse período, sinais de recidiva no local.

DISCUSSÃO

A utilização do palato duro foi inicialmente sugerida na reconstrução de pálpebras acometidas por tumores, em 1985, por Siegel(6). Atualmente, não se restringe apenas a reconstrução de pálpebras acometidas por tumores palpebrais, mas também é utilizado para tratar uma série de desordens incluindo retração da pálpebra inferior pós-blefaroplastia, entrópio cicatricial, retração palpebral secundária à orbitopatia de Graves, lagoftalmo secundário à cirurgia de ptose paralítica e reconstrução de cavidades anoftálmicas(5,7-9).

O palato duro tem a vantagem de possuir uma superfície regular, funcionar como um suporte nas reconstruções palpebrais e permitir a retirada de enxertos grandes, possibilitando a correção de defeitos extensos da margem palpebral, sem causar dano ao sítio doador(4). Além disso, trata-se de um tecido autógeno, retrai pouco e o sítio doador tem um curto período de cicatrização(6,10-11). Estudos sugerem que a contração média do enxerto de palato duro seja aproximadamente 16%(11).

A retirada do enxerto requer conhecimento da anatomia local, devendo-se evitar incisões muito profundas que possam causar sangramentos importantes e lesar o periósteo, comprometendo a cicatrização(1).

Os pacientes selecionados nessa amostra apresentavam carcinomas basocelulares que comprometiam amplamente a margem da pálpebra inferior. A utilização desse tipo de enxerto em pálpebras superiores pode causar abrasões corneanas intratáveis devido à metaplasia do epitélio(7).

Existem diversas complicações descritas com o enxerto de palato duro e estas podem acometer o sítio doador (sangramento, desconforto local, fístula oro-nasal e infecções) e o receptor (necrose, queratinização e secreção mucóide persistente produzida pelas glândulas salivares presentes no enxerto)(1,12-13). Nesse estudo observou-se um caso de secreção mucóide persistente e outro de retração significativa do enxerto, esse último tratando-se de uma pálpebra comprometida na sua totalidade (Figura 2). Nessa série de casos não foi observada necrose dos enxertos e complicações relacionada aos sítios doadores.


Queixas de desconforto e sensação de corpo estranho são comuns e usualmente transitórias. Observamos que enxertos discretamente maiores que o defeito podem minimizar o risco de retração, observação essa já apontada em outros estudos(14).

A exérese dos tumores palpebrais com a técnica de congelação e imediata reconstrução parece apresentar menor índice de recidivas. Outra opção é a excisão de tumores malignos microscopicamente controlada (técnica de Mohs), que propicia um alto índice de cura e preservação de tecidos(15).

A reconstrução da margem palpebral pela técnica de sanduíche, utilizando enxerto do palato, retalho de músculo orbicular e enxerto de pele, confere bons resultados funcionais. A pele, especialmente palpebral, costuma ter a textura e a cor muito semelhantes, por isso a estética não fica comprometida (Figura 3).


CONCLUSÃO

O palato funciona como um ótimo substituto para a lamela posterior porque tem uma superfície mucosa, permitindo o deslizamento sobre a superfície do globo; é abundante e proporciona um suporte desejável. Nessa série de casos, a utilização da técnica de sanduíche mostrou-se eficiente e com boa reabilitação estética.

Recebido para publicação em 23.09.2007

Última versão recebida em 25.11.2007

Aprovação em 11.01.2008

Trabalho realizado no Serviço de Oftalmologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - ISCMPA, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) - Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Tiana Gabriela Burmann
    Av. Nilo Peçanha, 724 - Sala 401
    Porto Alegre (RS) CEP 90470-000
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Aceito
      11 Jan 2008
    • Recebido
      23 Set 2007
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