Resumos
As ceratoconjuntivites cicatriciais (CCC) representam um grupo de doenças que induz seis tipos principais de alterações oculares: olho seco; alterações palpebrais; destruição do limbo e células germinativas corneais; destruição da membrana basal; processo inflamatório; alteração na integração neuroanatômica da superfície ocular. Essas alterações acabam causando instabilidade epitelial corneal, vascularização e inflamação crônica. O resultado final é a perda de transparência da córnea e diminuição da acuidade visual. O autor descreve os seis tipos de alterações e faz uma revisão atualizada do tratamento de cada um deles.
Ceratoconjuntivites cicatriciais; Superfície ocular
Cicatricial keratoconjunctivitis is a group of diseases that induces six different types of ocular disorders: dry eye; eyelid blinking disturbances; destruction of limbal stem cells; destruction of basement membrane; inflammation; and neuroanatomic disintegration. These disorders cause corneal epithelial instability, neovascularization and chronic inflammation which result in loss of corneal transparency and decreased visual acuity. The author describes the six types of disorders and reviews the latest therapeutic approaches for each of them.
Keratoconjunctivitis, cicatricial; Ocular surface
ATUALIZAÇÃO CONTINUADA
Atualização no tratamento das ceratoconjuntivites cicatriciais
Update of the treatment of cicatricial keratoconjunctivitis
José Alvaro Pereira Gomes (1 (1 ) Mestre em oftalmologia e pós-graduando nível doutorado pela Universidade. Federal de São Paulo/UNIFESP no Setor de Doenças Externas e Córnea. )
RESUMO
As ceratoconjuntivites cicatriciais (CCC) representam um grupo de doenças que induz seis tipos principais de alterações oculares: olho seco; alterações palpebrais; destruição do limbo e células germinativas corneais; destruição da membrana basal; processo inflamatório; alteração na integração neuroanatômica da superfície ocular. Essas alterações acabam causando instabilidade epitelial corneal, vascularização e inflamação crônica. O resultado final é a perda de transparência da córnea e diminuição da acuidade visual. O autor descreve os seis tipos de alterações e faz uma revisão atualizada do tratamento de cada um deles.
Palavras-chave: Ceratoconjuntivites cicatriciais; Superfície ocular.
INTRODUÇÃO
As ceratoconjuntivites cicatriciais (CCC) representam um grupo heterogêneo de doenças que possuem como denominador comum o processo cicatricial secundário a inflamação e seus efeitos na superfície ocular 1. A classificação inclui doenças imunologicamente mediadas, como penfigóide cicatricial, ceratoconjuntivite atópica, síndrome de Stevens-Johnson (SSJ); doenças infecciosas, como tracoma; e trauma, como queimaduras químicas 1.
É fundamental que se compreenda a fisiopatologia desse grupo de doenças para melhor poder tratá-las. Nesse sentido, considera-se atualmente a superfície ocular (córnea, limbo e conjuntiva) e filme lacrimal como uma unidade composta de estruturas com características próprias, porém estreitamente inter-relacionadas 2. Seis são os tipos de alterações principais decorrentes da CCC:
- Olho seco
- Alterações palpebrais
- Destruição do limbo e células germinativas corneais
- Destruição da membrana basal
- Processo inflamatório
- Alteração na integração neuroanatômica da superfície ocular
Esses seis tipos de alterações acabam induzindo instabilidade epitelial corneal, vascularização e inflamação crônica. O resultado final é a perda de transparência da córnea e diminuição importante da acuidade visual 2.
Para o tratamento das CCC, deve-se pesquisar minuciosamente cada um dos seis tipos de alterações descritos, utilizando recursos diagnósticos apropriados. Além de anamnese completa, de exame geral dirigido principalmente à inspeção de pele e mucosas e exame oftalmológico de rotina, deve-se realizar, dentre outros, testes lacrimais (Schirmer 1, 2 e basal), coloração por fluoresceína e rosa Bengala, citológico e considerar imunofluorescência ou imunohistoquímica conjuntival quando há suspeita de penfigóide cicatricial 1-5.
O tratamento inclui uso de medicação tópica e sistêmica e intervenção cirúrgica. Para fins didáticos, dividimos o tratamento de acordo com os seis tipos de alterações das CCC.
OLHO SECO
Tradicionalmente, considera-se que o filme lacrimal seja composto por três camadas: 6,7
Camada lipídica
Formada essencialmente pela secreção das glândulas de Meibomius, possui como funções retardar a evaporação e estabilizar o filme lacrimal 8. A disfunção das glândulas de Meibomius (DGM) pode levar a instabilidade do filme lacrimal e alterações da superfície ocular 8, 9. Nas CCC, pode estar acometida pela cicatrização e obstrução dessas glândulas.
Camada aquosa
Produzida pelas glândulas lacrimais principal e acessórias de Krause e Wolfring, transporta nutrientes solúveis em água, substâncias bactericidas, como lactoferrina, imunoglobulinas, lisozima, b-lisina e defensinas, e componentes essenciais para proliferação e diferenciação do epitélio da superfície ocular, como fator de crescimento da epiderme (EGF) e vitamina A 10-16. Atualmente, é considerada como sendo essencialmente formada por secreção reflexa 2, 17. A deficiência aquosa do filme lacrimal (DAFL) pode também estar presente nas CCC por cicatrização e obstrução das glândulas lacrimais.
Camada de mucina
A camada interna do filme lacrimal é formada pela secreção das células caliciformes da conjuntiva e das células epiteliais superficiais não-caliciformes da córnea e conjuntiva 18, 19. Tem papel importante na manutenção da lubrificação epitelial da córnea e conjuntiva, pois torna a superfície ocular hidrofílica 2, 19. Nas CCC, ocorre destruição das células caliciformes, ressecamento e sofrimento do epitélio da superfície ocular, mesmo com produção aquosa normal. Como a deficiência lipídica, a deficiência de mucina (DM) induz alteração do tempo de ruptura do filme lacrimal 20.
Tratamento
O tratamento da DAFL baseia-se no uso de lubrificantes tópicos, de preferência sem preservativos, e que tenham o tempo de permanência e a viscosidade apropriados de acordo com a severidade do olho seco 21, 22. Normalmente, inicia-se o tratamento com metilcelulose 0,5%, álcool polivinílico 0,12% ou polividona 5%, trocando-se, nos casos mais severos, para metilcelulose 1% ou carboximetilcelulose 1% 21-23. A frequência deve ser ajustada de acordo com o tipo de lubrificante e resposta clínica observada. Quando o uso dos lubrificantes não é suficiente, indica-se a oclusão dos pontos lacrimais 24, 25. O objetivo é diminuir a drenagem e manter a lágrima (ou lubrificante) na superfície ocular por um período mais prolongado de tempo. Nos casos de lacrimejamento reflexo ausente, pode-se ocluir os pontos lacrimais superior e inferior definitivamente 24, 25. Nos casos mais leves, realiza-se a oclusão temporária com implantes de colágeno ou silicone, ou mesmo com "catgut" 2.0 24, 25. Se os pacientes tolerarem bem a oclusão temporária e não apresentarem epífora, procede-se a oclusão permanente com implantes definitivos de colágeno ou com o uso de cautério 24, 25. Nos casos severos de olho seco, pode-se utilizar soro autólogo puro ou diluído, conforme a gravidade do caso 24, 26. Normalmente, dilui-se a concentrações de 20 a 50% em solução salina ou metilcelulose 0,5%. Sabe-se que o soro autólogo possui componentes essenciais que se encontram presentes na lágrima, como vitamina A, EGF e fator de crescimento transformador beta (TGF-b) 26. É importante que a preparação desse colírio seja feita em laboratório estéril e com experiência na manipulação de sangue para diminuir o risco de contaminação.
O olho seco do tipo evaporativo secundário a DGM deve ser tratado com compressas mornas e limpeza das margens palpebrais com xampú neutro 1 a 2x/dia 8, 9. Nos casos de blefarite estafilocócica associada, pode-se utilizar pomadas de tetraciclina 1%, sulfacetamida 10% ou bacitracina 5000µ/ml 1 a 2x/dia 9. Nos casos mais graves, indica-se uso sistêmico de doxiciclina 100 mg 1 a 2x/dia por algumas semanas 9. Outras medidas incluem uso de óculos com as laterais fechadas ou óculos de natação para formar uma câmara úmida, utilização de vaporizador para manter a umidade dos aposentos e evitar ambientes com ventiladores e ar-condicionado 2, 22, 24. A tarsorrafia lateral deve ser realizada nos casos mais graves para diminuir a área de exposição da superfície ocular e, consequentemente, a evaporação da lágrima 24. Nos casos de DM, o tratamento consiste no controle da condição determinante e lubrificação 2, 24. Os casos mais severos, comumente observados nas CCC, podem necessitar de transplante de conjuntiva ou mucosa labial 2.
ALTERAÇÕES PALPEBRAIS
As pálpebras possuem, como função básica, a proteção do globo ocular. Essa função é exercida ativamente de maneira involuntária e voluntária pelo pestanejar 2. Esse mecanismo também tem papel importante na distribuição do filme lacrimal sobre a superfície ocular 2, 27.
Nas CCC, o mau-posicionamento das pálpebras (ex.: ectrópio) pode aumentar a área de exposição da superfície ocular e dificultar o mecanismo do pestanejar, agravando o quadro de olho seco 2, 27. Por outro lado, a ceratinização das margens palpebrais (ex.: SSJ) e o mau-funcionamento ou mau-posicionamento do aparato palpebral (ex.: entrópio) podem fazer com que o pestanejar cause microtrauma e tenha, paradoxalmente, um efeito prejudicial à superfície ocular 2. Da mesma forma, alterações na posição dos cílios, como na triquíase e distiquíase, comuns nas CCC, podem afetar a superfície da córnea.
Tratamento
Várias são as técnicas para correção das alterações palpebrais secundárias às CCC. O simbléfaro pode ser tratado com uso de injeção sub-conjuntival de corticóide ou, mais recentemente, com uso injetável de mitomicina C, em especial nos casos de penfigóide cicatricial 1, 28. Há várias técnicas cirúrgicas para correção do simbléfaro empregando enxerto de mucosa (preferencialmente labial) e, mais recentemente, membrana amniótica, com bons resultados 1, 2, 29, 30.
Em relação à correção do entrópio cicatricial, a técnica mais utilizada é o procedimento de Wies, que corrige o entrópio cicatricial leve e moderado pela fratura e rotação da placa tarsal para fora, mantida por meio de sutura de eversão 31. Transplante de mucosa oral/labial ou de cartilagem auricular pode ser utilizado nos casos mais severos 31. Na correção do ectrópio com flacidez horizontal da pálpebra, o "tarsal strip" é a técnica mais utilizada em nosso meio 32. Nos casos mais severos, podem ser necessárias outras técnicas oculoplásticas, como a zetaplastia e enxerto de pele procedentes da pálpebra superior, região retroauricular, supraclavicular e face interna do braço 32.
Duas formas de tratamento são preconizadas para o tratamento da triquíase ou distiquíase 33. A primeira é a destruição dos folículos pilosos dos cílios com eletrólise, radiocautério, crioterapia ou "laser" 33. O grande inconveniente deste tipo de procedimento é o alto índice de recidiva e a indução ou piora do entrópio cicatricial. A segunda é o reposicionamento das áreas com cílios aberrantes, fazendo com que eles não mais toquem no globo ocular 33. Nos casos mais extensos, pode ser necessário o retrocesso ou excisão da linha dos cílios associado a enxerto de mucosa oral 33.
DESTRUIÇÃO DO LIMBO E CÉLULAS GERMINATIVAS CORNEAIS
As células germinativas limbares são responsáveis pela manutenção do equilíbrio dinâmico epitelial da córnea 34-36. Essa propriedade pode ser explicada principalmente pela capacidade de se dividirem de maneira assimétrica 35. Desta forma, uma célula germinativa origina tanto uma idêntica a ela (regenerando o repertório dessas células), quanto outra mais diferenciada, com o mesmo fenotipo que caracteriza o tecido 35, 36. Além dessa propriedade, as células germinativas possuem um ciclo celular longo com fase-S curta e não expressam os marcadores epiteliais corneais de diferenciação (ceratinas K3/K12) 35. Aparentemente, o micro-meio-ambiente limbar, composto basicamente por colágeno tipo IV, e a proximidade dos vasos limbares, têm grande importância na manutenção das células germinativas 2,36.
Nas CCC, há destruição das células germinativas, que induz quebra na barreira anatômica epitelial corneal. Com isso, células epiteliais conjuntivais invadem a superfície corneal, iniciando um processo conhecido como "conjuntivalização" 36. Esse processo está associado a epitelização corneal instável, acompanhada de erosões, filamentos, vascularização e, eventualmente, calcificação e fibrose 36. Essas alterações acompanham-se de dor, fotofobia, lacrimejamento e baixa da acuidade visual 36.
Tratamento
O tratamento para os casos de deficiência de células germinativas limbares baseia-se na reposição delas pelo transplante de limbo 37-40. Nos casos unilaterais focais, pode-se obter um transplante autólogo do limbo ou conjuntiva limbar do olho ipsilateral 38. Nos casos unilaterais moderados ou severos, deve se utilizar tecido limbar do olho contralateral 38. Nos casos bilaterais, o limbo é obtido de olhos de parentes próximos ou de cadáver 38. Essa técnica tem sido associada à tipagem HLA do doador, uso de ciclosporina A ou ambos, para diminuir o risco de rejeição ao tecido transplantado 38-40.
DESTRUIÇÃO DA MEMBRANA BASAL
Vários trabalhos têm demonstrado a importância da membrana basal (MB) para a viabilidade das células germinativas limbares 2, 41-45. Além disso, a MB facilita a migração epitelial, reforça adesão das células epiteliais basais, promove a diferenciação celular e representa uma barreira natural aos ceratócitos estromais 2, 41. Sabe-se que fatores hormonais, neuronais, vasculares e inflamatórios podem modular a função das células germinativas no micro-meio-ambiente limbar córneo-escleral 2, 43. Todas essas evidências demonstram a importância do complexo MB e estroma superficial para a manutenção dos processos de regeneração e cicatrização epitelial da córnea.
Os processos inflamatório e cicatricial presentes nas CCC destróem a MB, dificultando o processo de epitelização. A persistência de áreas desepitelizadas estimulam processo inflamatório, estabelecendo um ciclo vicioso que resulta no comprometimento estromal e formação de úlceras estéreis 2. Neste contexto, torna-se importante a restauração da barreira composta pela MB e estroma danificados nas afecções da superfíce ocular.
Tratamento
Várias substâncias participantes da matriz extra-celular têm sido utilizadas no tratamento de defeitos da MB, tais como fibronectina, laminina e ácido hialurônico 46-49. Mais recentemente, o transplante de membrana amniótica tem sido utilizado como substituto da MB na reconstrução da superfície ocular nos casos de CCC com bons resultados 43-45. Nos casos com deficiência limbar total, esse procedimento tem sido associado ao transplante de células germinativas limbares 43-45. Aparentemente, a introdução desse tecido fetal, constituído por uma espessa MB composta basicamente de colágeno do tipo IV, melhora a sobrevida das células germinativas remanescentes ou transplantadas.41-43 Além disso, a membrana amniótica é antigenicamente inerte, possui propriedades anti-inflamatórias e inibe a cicatrização, o que a torna uma excelente opção para ser associada nas cirurgias de reconstrução da superfície ocular 41-45.
PROCESSO INFLAMATÓRIO
Uma das primeiras etapas da reparação celular é o processo inflamatório, iniciado a partir dos vasos sangüíneos com a migração de células do sistema imune e fatores proteicos necessários para a restauração final da estrutura tecidual danificada 49. No local da inflamação, leucócitos polimorfonucleares (PMN) liberam enzimas proteolíticas para facilitar a fagocitose de células e material não-celular 49-51. Outras células fagocíticas, principalmente macrófagos, vêm mais tardiamente para remover os resíduos remanescentes e elaborar citocinas, que irão orquestrar a atividade de outras células inflamatórias, fibroblastos e possivelmente novos vasos sangüíneos para concluir a fase reparadora tecidual 49, 51.
Nas CCC, o processo inflamatório desencadeia seqüelas que criam um ciclo vicioso 2,49,50. Ou seja, o olho seco, alterações do complexo epitélio/membrana basal e trauma da pálpebra ou cílios, perpetuam o processo inflamatório que as gerou, que por sua vez agrava essas seqüelas. Há ainda as CCC que envolvem aspectos imunes sistêmicos, como o penfigóide cicatricial, caracterizado pela produção de auto-anticorpos que se ligam a antígenos específicos das membranas basais da pele e mucosas 1.
Tratamento
Estratégias terapêuticas que excluam PMN e leucócitos mononucleares do estroma corneal contribuem para prevenção e interrupção da ulceração estromal. A remoção de material necrótico da conjuntiva tarsal e bulbar eliminada fonte da infiltração inflamatória e liberação de enzimas proteolíticas 49. Esse procedimento é extremamente importante nos casos agudos de SSJ ou queimadura e pode ser realizado com uso de êmbolo de seringa de vidro de 5cc ou com cotonete umedecido com anestésico tópico 49.
Corticosteróides constituem a base do tratamento anti-inflamatório nas CCC para reduzir o dano tecidual causado pela inflamação aguda ou crônica 51, 52. Os corticosteróides reduzem a infiltração celular inflamatória e estabilizam as membranas citoplasmáticas dos lisossomos e PMN 52. Corticosteróides tópicos fortes (prednisolona 1% ou dexametasona 0,1%) instilados de 4/4h, são importantes para cortar o ciclo vicioso inflamatório 49, 52, 53. Nas fases crônicas do processo inflamatório, especialmente nos casos em que há persistência de defeito epitelial, deve-se ser cauteloso com a utilização dos corticosteróides tópicos fortes por mais de 10 dias, pois eles interferem na reparação estromal por inibir a migração dos ceratócitos e a síntese de colágeno 49. Os corticosteróides derivados da progesterona, como a Medroxiprogesterona 1%, têm menor efeito anti-inflamatório que os corticosteróides normais, porém possuem efeito mínimo na reparação estromal e síntese de colágeno 49. Eles podem substituir os corticosteróides quando é necessária a supressão do processo inflamatório sem se alterar a reparação do estroma corneal.
O uso de anti-inflamatórios não-hormonais nos casos de CCC ainda não está bem definido 49. O uso de citrato, que reduz os nívies intra-celulares de cálcio, diminuem o número de PMN e suas conseqüências na potencialização do processo inflamatório. Mais estudos são necessários para melhor avaliar sua eficácia in vivo 49.
Os derivados da tetraciclina têm se mostrado eficazes na redução da atividade colagenolítica e úlcera de córnea em modelo experimental de queimadura por álcali 49, 54. Seu efeito deve-se, provavelmente, a quelação do zinco no sítio de atividade enzimática da colagenase 49, 54. Além disso, inibem a atividade dos leucócitos PMN 49. Pela maior potência e melhor posologia, dá-se preferência a doxiciclina ou minociclina 100 mg 1 a 2x/dia 49. Outros inibidores da colagenase, como ácido etilenodiaminotetraacético dissódico (EDTA), acetilcisteína e penicilamina, não apresentam eficácia clínica comprovadamente significante 49.
O uso de corticosteróide sistêmico em doses imunossupressoras ou de imunossupressores sistêmicos, tais como Ciclofosfamida, Azatioprina, Metrotexate, Clorambucil e Ciclosporina A, é necessário nos pacientes portadores de doenças imunológicas sistêmicas, como penfigóide cicatricial, e na prevenção de rejeição nos transplantes de córnea de alto risco 1, 55. Nesse último item, dá-se preferência à Ciclosporina-A sistêmica na dose inicial de 5-7 mg/kg de peso 56. Os pacientes sob imunossupressão sistêmica devem ter acompanhamento rigoroso por especialista com experiência na área, pois essas drogas apresentam uma série de efeitos colaterais potencialmente letais 55. O uso de Ciclosporina-A tópica tem sido preconizado por alguns autores no tratamento de doenças inflamatórias da superfície ocular e prevenção de rejeição em transplante de córnea 57. Entretanto, os resultados são controversos.
ALTERAÇÃO NA INTEGRAÇÃO NEUROANATÔMICA DA SUPERFÍCIE OCULAR
A integração neuroanatômica, que controla a secreção aquosa das glândulas lacrimais e a função das pálpebras, depende fundamentalmente da sensibilidade corneal mediada pelos ramos aferentes do nervo trigêmeo (V nervo) 2. Além disso, sabe-se que córneas denervadas apresentam retardo na migração, proliferação e adesão epitelial 58, 59. Aparentemente, esse retardo deve-se à diminuição da substância P e do fator de crescimento neural (NGF), ambos produzidos nas terminações nervosas do V nervo 58-61. Neste contexto, infere-se que a destruição dos ramos corneais do V nervo induzidos nas CCC ou decorrente das múltiplas cirurgias a que esses pacientes são submetidos pode diminuir a sensibilidade corneal, o que provoca cronicidade do defeito epitelial e o agravamento do quadro de olho seco, dificultando o tratamento desses pacientes.
Tratamento
Não há nenhum tratamento comprovadamente eficaz para esse tipo de alteração. Mais recentemente, trabalhos experimentais utilizando NGF e substância P têm demonstrado resultados promissores na cicatrização epitelial corneal normal e em casos de úlceras tróficas 58-62.
CONCLUSÃO
Em resumo, o tratamento das CCC deve ser dirigido a cada um dos seis tipos de alterações (olho seco, alterações palpebrais, destruição da membrana basal, destruição do limbo corneal, processo inflamatório e alteração na integração neuro-anatômica da superfície ocular) que ocorrem nesse grupo de doenças. Deve-se instituir um tratamento individualizado, conforme o grau das alterações apresentadas. Dessa maneira, racionalizamos a abordagem terapêutica baseados na fisiopatogenia das CCC, o que contribui de maneira decisiva na manutenção da visão nesses casos.
SUMMARY
Cicatricial keratoconjunctivitis is a group of diseases that induces six different types of ocular disorders: dry eye; eyelid blinking disturbances; destruction of limbal stem cells; destruction of basement membrane; inflammation; and neuroanatomic disintegration. These disorders cause corneal epithelial instability, neovascularization and chronic inflammation which result in loss of corneal transparency and decreased visual acuity. The author describes the six types of disorders and reviews the latest therapeutic approaches for each of them.
Keywords: Keratoconjunctivitis, cicatricial; Ocular surface.
Endereço para correspondência: Rua Sabará, 566 conj. 212 - Higienópolis. São Paulo (SP) CEP 01239-010 Tel: (11) 255-1603 - Fax: (11) 255-0223. email: japgomes@uol.com.br
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
07 Nov 2007 -
Data do Fascículo
Fev 2000