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Potenciais evocados auditivos de longa latência em escolares com transtornos específicos de aprendizagem

Resumos

Objetivo

: Estudar os componentes dos potenciais evocados auditivos de longa latência e comparar os dados dos achados dessas medidas em escolares com e sem transtornos específicos de aprendizagem.

Métodos

: Trinta escolares, 15 com transtorno de aprendizagem (grupo pesquisa) e 15 típicos, sem problemas de aprendizagem (grupo controle), de ambos os gêneros, com idades variando de 7 a 14 anos e média de idade de 10 anos, foram submetidos à avaliação fonoaudiológica. Foi realizada avaliação audiológica para determinar a normalidade do sistema auditivo periférico, além de avaliação eletrofisiológica, por meio do exame de potencial evocado auditivo de longa latência.

Resultados

: Houve diferenças funcionais entre a população estudada. Foi observado aumento da latência dos componentes dos potenciais evocados auditivos de longa latência, no grupo pesquisa, quando comparado ao grupo controle. Os maiores valores de latência desses componentes foram verificados na orelha esquerda, quando estimulada, no grupo pesquisa.

Conclusão

: O estudo contribui para melhor compreensão do funcionamento da via auditiva em crianças com transtorno de aprendizagem e pode ser referência para outros estudos clínicos e experimentais, além de ampliar a definição de critérios diagnósticos nessa população.

Potenciais evocados auditivos; Percepção auditiva; Audição; Eletrofisiologia; Aprendizagem


Purpose

: To study the components of long latency auditory evoked potentials and to compare data from these measures in students with and without learning disabilities.

Methods

: Thirty students, 15 with learning disorder (study group) and 15 typical without learning problems (control group), of both genders, aged 7-14 years, mean age 10 years. They underwent clinical assessment in a clinic belonging to a public university in the state of São Paulo. Following, audiological assessment was performed to determine normal peripheral auditory system and electrophysiological assessment by examining the long latency auditory evoked response.

Results

: The results showed that there are functional differences between the groups. Increased latency components of long latency auditory evoked potential was observed in the study group compared to the control group. Longer latency values of these components were observed in the left ear when stimulated in the study group.

Conclusion

: This study contributed to better understanding of the auditory pathway functioning in children with learning disorders and can be a reference for other clinical and experimental studies and thus improve the definition of diagnostic criteria in this population.

AUDITORY EVOKED POTENTIALS; AUDITORY PERCEPTION; HEARING; ELECTROPHYSIOLOGY; LEARNING


INTRODUÇÃO

Os Potenciais Evocados Auditivos de Longa Latência (PEALL) referem-se a uma série de mudanças elétricas que ocorrem no sistema nervoso periférico e central, geralmente relacionadas às vias sensoriais, decorrentes de estimulações acústicas que mensuram as atividades neuroelétricas da via auditiva, e às atividades corticais envolvidas nas habilidades de discriminação, integração e atenção do cérebro ( 1McPherson DL. Late potentials of the auditory system. San Diego: Singular; 1996. , 2Hall J. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 2006. ) .

Essas respostas correspondem a uma série de picos com polaridades negativas (N) e positivas (P), gerados ao longo da via auditiva, por um ou mais eventos cerebrais. Esses picos são resultados de eventos acústicos e formam o complexo N1, P2, N2 e o componente P3 ou P300, potencial cognitivo relacionado a eventos, sendo possível analisar esses componentes quanto a sua latência e amplitude ( 1McPherson DL. Late potentials of the auditory system. San Diego: Singular; 1996. ) .

O parâmetro mais importante na análise dos registros do PEALL é a latência das ondas, medida em milissegundos (ms) ( 2Hall J. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 2006. ) . Outro parâmetro, na análise dos resultados, é a amplitude, pois corresponde ao tamanho da atividade elétrica, medida em microvolts (mV) ( 1McPherson DL. Late potentials of the auditory system. San Diego: Singular; 1996. ) , relativa ao evento ou à tarefa envolvida na resposta, preferencialmente, da linha de base do registro até o pico da onda.

O P300 proporciona resposta objetiva diante de uma tarefa cognitiva que exige atenção, discriminação, reconhecimento, percepção e memória auditiva, pois o indivíduo precisa reconhecer as características e perceber as variações dos estímulos apresentados, para que se possa fazer a avaliação integral do funcionamento do sistema cortical auditivo ( 1McPherson DL. Late potentials of the auditory system. San Diego: Singular; 1996.

Hall J. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 2006.
- 3Jaeger A, Parente MAMP. Cognição e eletrofisiologia: uma revisão crítica das perspectivas nacionais. Psico-USF. 2010;15(2):171-80. ) .

A aprendizagem da linguagem falada e escrita também depende da incorporação de elementos acústicos e da representação de características fonéticas de uma língua, o que faz do PEALL um importante instrumento de avaliação de pacientes com alterações de linguagem e, neste sentido, de grande utilidade na prática clínica fonoaudiológica.

A detecção e intervenção precoce em crianças com dificuldade de aprendizagem são essenciais para atenuar o impacto negativo na vida escolar e social dessa população ( 4Santos LHC, Pimentel RF, Rosa LGD, Muzzolon SRB, Antoniuk SA, Bruck I. Triagem cognitiva e comportamental de crianças com dificuldades de aprendizagem escolar: um estudo preliminar. Rev Paul Pediatr. 2012;30(1):93-9. ) .

O processamento auditivo, a consciência fonológica e a discriminação sonora são fatores que interferem no aprendizado da leitura e da escrita por estarem diretamente relacionados à audição receptiva ( 5Arduini RG, Capellini SA, Ciasca SM. Comparative study of the neuropsychological and neuroimaging evaluations in children with dyslexia. Arq Neuropsiquiatr. 2006;64(2-B):369-75. , 6Halliday LF, Bishop DVM. Is poor frequency modulation detection linked to literacy problems? A comparison of specific reading disability and mild to moderate sensorineural hearing loss. Brain Lang. 2006;97(2):200-13. ) . Dados da literatura mostram déficits auditivos nos escolares com dificuldade de aprendizagem ( 7Sparks RL, Lovett BJ. College students with learning disability diagnoses: who are they and how do they perform? J Learn Disabil. 2009;42(6):495-510. ) .

Para confirmação do quadro diagnóstico, são necessários: avaliação multidisciplinar, levantamento da história familiar, observação educacional, apresentação de desempenho acadêmico inferior nas habilidades acadêmicas e análise da resposta à intervenção. O diagnóstico do transtorno específico de aprendizagem requer dificuldade persistente nas habilidades de leitura, escrita e aritmética, ou em tarefas que incluem o raciocínio matemático durante o ensino educacional formal ( 8American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders, (DSM-V). 4th. ed. Washington, DC: American Psychiatric Association, 2000. ) .

Os escolares com distúrbio de aprendizagem apresentam desempenho inferior nas provas que englobam os processos fonológicos, lexicais, sintáticos e semânticos, em decorrência de diferentes fatores que interferem, juntamente com as demais habilidades alteradas, no processo de aprendizagem da leitura, escrita e aritmética ( 9Oliveira AM, Cardoso MH, Capellini AS. Caracterização dos processos de leitura em escolares com dislexia e distúrbio de aprendizagem. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(2):201-7. ) .

O desempenho de escolares com queixa de aprendizagem nos exames de PEALL e/ou testes comportamentais foi objeto de estudo de vários pesquisadores ( 1010 Purdy SC, Kelly AS, Davies MG. Auditory brainstem response, middle latency response, and late cortical evoked potentials in children with learning disabilities. J Am Acad Audiol. 2002;13(7):367-82.

11 Farias LS, Toniolo IF, Cóser PL. P300: avaliação eletrofisiológica da audição em crianças sem e com repetência escolar. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(2):194-9.

12 Soares AJC, Sanches SGG, Neves-Lobo IF, Carvalho RMM, Matas CG, Cárnio MS. Long latency auditory evoked potentials and central auditory processing in children with reading and writing alterations: preliminary data. Arq Int Otorrinolaringol. 2011;15(4):486-91.

13 Wiemes GR, Kozlowski L, Mocellin M, Hamerschmidt R, Schuch LH. Cognitive evoked potentials and central auditory processing in children with reading and writing disorders. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(3):91-7
- 1414 Hommet C, Vital J, Roux S, Blanc R, Barthez MA, De Becque B, et al. Topography of syllable change-detection electrophysiological indices in children and adults with reading disabilities. Neuropsychologia. 2009;47(3):761-70. ) . Os autores sugeriram alterações no processamento auditivo central nessa população, sendo de grande importância no direcionamento terapêutico. Em um estudo utilizando os PEALL antes e após treinamento progressivo, os autores constataram ( 1515 Ordunã I, Liu EH, Church BA, Eddins AC, Mercado E. 3rd. Evoked-potential changes following discrimination learning involving complex sounds. Clin Neurophysiol. 2012;123(4):711-9. ) resultados significativos quanto à amplitude do componente P2, indicando que as mudanças perceptivas surgem da capacidade do cérebro de se adaptar às representações corticais de estímulos sensoriais.

Diante desse contexto, torna-se imprescindível investigar as respostas eletrofisiológicas auditivas em indivíduos com transtornos específicos de aprendizagem. Estudos nessa direção contribuirão para entendermos melhor como é o processamento auditivo central dessa população, proporcionando maior clareza no quadro diagnóstico e na elaboração de programas terapêuticos.

Portanto, o objetivo do presente estudo foi analisar os componentes dos PEALL em escolares com transtornos específicos de aprendizagem e comparar os achados com escolares sem transtornos específicos de aprendizagem.

MÉTODOS

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) (processo número 842/2010), foi realizado um estudo transversal e de delineamento quantitativo e qualitativo, do tipo analítico.

Todos os responsáveis pelos participantes deste estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, antes do início da coleta de dados.

Participaram do estudo estudantes de classe média, do ensino fundamental e de escola pública. A avaliação de desempenho intelectual foi realizada por psicóloga com a aplicação da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças ( 1616 Figueiredo VLM. WISC III - Manual da Escala de Inteligência Wechsler para crianças: adaptação de uma amostra brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001. ) . Todos os participantes (G1 e G2) apresentaram desempenho dentro dos padrões de normalidade.

Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos: grupo pesquisa (G1), caracterizado por 15 escolares entre 7 e 14 anos de idade (média 9,47 anos), sendo nove do gênero masculino (média de 10,11 anos/desvio padrão de 3,02 anos) e seis do gênero feminino (média de 8,5 anos; desvio padrão de 1,05 anos). O G1 foi avaliado no estágio supervisionado de Diagnóstico Fonoaudiológico, tendo como diagnóstico o transtorno de aprendizagem ( 8American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders, (DSM-V). 4th. ed. Washington, DC: American Psychiatric Association, 2000. ) . O segundo grupo foi o grupo controle (G2), caracterizado por 15 escolares entre 7 e 14 anos de idade (média 10,47 anos), sendo oito do gênero masculino (média de 11,25 anos; desvio padrão de 2,43 anos) e sete do gênero feminino (média de 9,57 anos; desvio padrão de 1,99 anos) O G2 foi composto por escolares com bom desempenho nas habilidades de leitura, escrita e matemática por dois bimestres consecutivos (selecionados pelos professores), confirmados por avaliação fonoaudiológica e complementar.

O processo de diagnóstico fonoaudiológico de ambos os grupos foi realizado por fonoaudióloga com experiência na área de diagnóstico fonoaudiológico. Foram aplicados procedimentos fonoaudiológicos específicos - história clínica, avaliação clínica sistemática, com provas que analisaram o desempenho nas habilidades fonológicas, de leitura, escrita e matemática, entrevista com professores e observação educacional. Níveis de prejuízos variados foram encontrados para os participantes do Grupo 1 nas habilidades avaliadas, com desempenho dentro dos parâmetros de normalidade para o Grupo 2. A avaliação clínica foi complementada pelo Teste de Desempenho Escolar (TDE) ( 1717 Stein LM. Teste de desempenho escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1994. ) . O Grupo 1 apresentou desempenho inferior nas habilidades de leitura, escrita e aritmética do TDE, enquanto que os indivíduos do Grupo 2 apresentaram desempenho dentro do esperado para a escolaridade.

Foram incluídos escolares com e sem diagnóstico de transtorno específico de aprendizagem. Para ambos os grupos foram realizados os seguintes procedimentos prévios de seleção: (1) Inspeção do conduto auditivo externo; (2) Audiometria Tonal Limiar; (3) Logoaudiometria; (4) Medidas de imitância acústica (timpanometria e pesquisa do reflexo acústico); (5) Pesquisa das emissões otoacústicas por produto de distorção (EOAPD); (6) Pesquisa dos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE). Para execução dessa etapa, foram utilizados otoscópio Heine®, audiômetro 2 canais GSI 61, analisador de Orelha Média GSI-7 e Eclipse EP25 - Interacoustics®.

Na audiometria tonal liminar, foram avaliadas as frequências de 250 a 8000 Hz por via aérea, não tendo sido necessário executar por via óssea, pois nenhuma das frequências pesquisadas apresentou limiares maiores do que 20 dBNA na via aérea ( 1818 American National Standarts Institute. Specifications for audiometers (ANSI S 3.6-1978). New York: American National Standards Institute; 1979. ) . A logoaudiometria foi realizada por meio do Limiar de Recepção de Fala (LRF), para a confirmação dos limiares audiométricos.

Na timpanometria, foi utilizada sonda de 226 Hz e os reflexos acústicos do músculo estapédio (ipsilateral e contralateral) foram pesquisados nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz. Foram incluídos na amostra os pacientes cujos resultados do timpanograma eram tipo A (Classificação de Jerger ( 1919 Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol; 1970;92(4):311-24. ) ) e os reflexos acústicos ipsilaterais e contralaterais estavam presentes.

Para finalizar a investigação da integridade do sistema auditivo periférico, foi realizada a pesquisa das emissões otoacústicas por produto de distorção (EOAPD). As EOAPD foram consideradas presentes quando houve relação sinal/ruído (SNR) de pelo menos 6 dB NPS ( 2020 Wagner W, Heppelmann G, Vonthein R, Zenner HP. Test-retest repeatability of distortion product otoacoustic emissions. Ear Hear. 2008;29(3):378-91. ) .

Na investigação da integridade das vias auditivas centrais, foi realizado o exame de potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE), sendo que os escolares deveriam apresentar latências das ondas I, III, V e interlatências I-III, III-V, I-V dentro dos padrões de normalidade, bilateralmente, de acordo com idade cronológica ( 2121 Bio-logic Systems Corp.® Navigator Pro: evoked potential user manual. Mundelein: Bio-logic Systems Corp.®; 1993. ) .

Para o registro dos PEALL, os sujeitos foram acomodados em sala acusticamente tratada, com temperatura controlada em 24ºC, posicionados em uma poltrona reclinável e orientados a permanecerem relaxados, de olhos abertos e em estado de alerta. Os eletrodos foram fixados com esparadrapo microporoso, após a limpeza da pele com pasta abrasiva, sendo usada pasta eletrolítica para a melhora da condutividade elétrica. A impedância de cada eletrodo não ultrapassou 5 Kohms e não excedeu 2 Kohms, entre as impedâncias dos eletrodos ( 2Hall J. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 2006. ) .

O equipamento utilizado na pesquisa do potencial evocado auditivo de longa latência (PEALL) foi o Eclipse EP25- Interacoustics®.

As respostas foram captadas com eletrodo ativo na região frontal mediana - Fz, com referência aos eletrodos posicionados nos lóbulos direito - A2 e esquerdo - A1 e o eletrodo terra na fronte - Fpz. Para a pesquisa do PEALL, foi utilizado fone de inserção 3A e para o estímulo acústico foi empregado o tone-burst a 70 dB NA, nas frequências de 1000 Hz (estímulo frequente) e 2000 Hz (estímulo raro), apresentado de forma randômica pelo computador, na proporção de 20% de estímulos raros, de um total de 200 estímulos, registrados numa janela de 500 ms, polaridade alternada, filtragem passa banda de 0,5-30 Hz e taxa de estimulação de 1.1 estímulos/segundo. Para a pesquisa do PEALL, a tarefa envolvia prestar atenção e identificar estímulos raros aleatórios - dentro de uma série de estímulos frequentes - e a realização do movimento de erguer o dedo indicador, na identificação.

Os exames tiveram duração de, aproximadamente, 50 minutos. Como padrão para manter um exame com qualidade, foram sugeridas mudanças de posição para aqueles sujeitos que apresentaram interferência miogênica, além de solicitar que mantivessem os olhos fechados, para eliminar os artefatos oculares. Quando necessário, o exame foi repetido.

A identificação das ondas dos PEA seguiu critérios estabelecidos na literatura ( 2222 Junqueira CAO, Colafêmina JF. Investigação da estabilidade inter e intra-examinador na identificação do P300 auditivo: análise de erros. Rev Bras Otorrinolaringol. 2002;68(4):468-78. , 2323 Machado CSS, Carvalho ACO, Silva PLG. Caracterização da normalidade do P300 em adultos jovens. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(1):83-90. ) , incluindo a visualização de picos sequências de quatro ondas “negativa-positiva-negativa-positiva”, considerando a replicação dos traçados em ambas as orelhas. Na pesquisa do PEALL, foram identificadas e analisadas as latências e amplitudes absolutas das ondas N1, P2, N2 e P300. A marcação foi realizada nos traçados formados pelos estímulos raros.

Para a análise estatística, inicialmente foi determinada a normalidade dos dados, por meio do teste de Shapiro-Wilk. Para comparação dos resultados entre grupo e intragrupo, foi aplicado o teste t Student. As diferenças nos testes foram consideradas significativas quando o valor de p≤0,10 (10%), assinalados com um asterisco (*), devido ao tamanho reduzido da amostra. O programa estatístico utilizado foi o software STATISTICA 7.0.

RESULTADOS

Foram estudadas as latências e amplitudes de N1, P2, N2 e P3, medidas em Fz, referentes ao PEALL. Para definir os resultados, as latência e amplitudes foram tabuladas e tratadas estatisticamente. Foram calculados os valores de média e desvio padrão das variáveis estudadas, no grupo pesquisa (G1) e controle (G2).

Os resultados obtidos, comparando os grupos estudados, mostraram que houve diferença entre os grupos, em relação às médias das latências de N1, P2, N2 e P300, na orelha esquerda e de N1 e P2, quando medidas na orelha direita, com maiores valores no registro do G1. Entretanto, na análise intragrupos não foi observada significância (p≥0,10) em relação às medidas das orelhas, nem para o G1 e nem para o G2 (Tabela 1).

Tabela 1
. Comparação dos grupos pesquisa (G1) e controle (G2) para as variáveis estudadas

Com relação às médias das amplitudes dos componentes do PEALL, observamos diminuição da amplitude dessas medidas na onda N2, na orelha esquerda e nas ondas N1 e N2, na orelha direita, quando comparada os grupos controle e pesquisa (Tabela 2).

Tabela 2
. Comparação dos grupos pesquisa (G1) e controle (G2) para as variáveis estudadas

DISCUSSÃO

O PEALL é uma das medidas promissoras utilizadas na investigação do processamento auditivo central que reflete a atividade cortical, envolvendo desde habilidades auditivas mais simples, como as mais complexas. Em escolares com quadro de transtorno de aprendizagem, alterações em uma ou várias habilidades auditivas têm sido observadas.

Na comparação das latências dos componentes dos PEALL dos grupos pesquisa e controle, os dados obtidos neste estudo, demonstrando maiores valores de latência no grupo pesquisa (G1), concordaram com a literatura, que afirma existir relação direta entre o tempo de processamento e a latência de alguns componentes do PEALL. Sendo assim, quanto mais tempo o indivíduo utilizar para perceber e determinar as características do estímulo recebido, mais longa será a latência da onda ( 1McPherson DL. Late potentials of the auditory system. San Diego: Singular; 1996. , 2Hall J. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 2006. , 1010 Purdy SC, Kelly AS, Davies MG. Auditory brainstem response, middle latency response, and late cortical evoked potentials in children with learning disabilities. J Am Acad Audiol. 2002;13(7):367-82. ) .

Além disso, a diminuição da amplitude em N1 e N2 na orelha esquerda pode estar relacionada à reduzida quantidade de atividade elétrica envolvida no processamento em áreas primárias e secundárias, no córtex auditivo supratemporal, compreendidas nas habilidades auditivas mais complexas, relativas ao processamento auditivo-linguístico, deficitárias no grupo G1 ( 2424 Sauer L, Pereira LD, Ciasca SM, Pestun M, Gerreiro MM. Processamento auditivo e Spect em crianças com dislexia. Arq Neuropsiquiatr. 2006;64(1):108-11. ) .

A onda N1, componente exógeno, que tem como sítio gerador o córtex auditivo supratemporal, primeiro sítio da via auditiva durante o registro do PEALL se associa à atenção e decodificação iniciais do estímulo. No presente estudo, assim como em outro ( 2525 Hämäläinen JA, Leppanen PH, Guttorm TK, Lyytinen H. N1 and P2 components of auditory event-related potentials in children with and without reading disabilities. Clin Neurophysiol. 2007;118(10):2263-75. ) , foram observados maiores valores para as latências de N1 em escolares com queixa de aprendizagem, evidenciando alterações básicas de processamento auditivo nessa população.

Outro componente exógeno, a onda P2, relacionado às características acústicas e temporais do estímulo, teve aparecimento tardio nos escolares com transtorno de aprendizagem e evidenciou déficit na codificação e caracterização da informação recebida pela via auditiva central ( 2Hall J. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 2006. ) .

A onda N2, um componente misto, eliciada tanto por fatores exógenos, quanto por fatores endógenos ( 2Hall J. Handbook of auditory evoked responses. Boston: Allyn & Bacon; 2006. ) , contribui para a discriminação física das características acústicas dos estímulos e também se relaciona a fatores endógenos relativos ao processamento auditivo sensorial, responsável pelas atividades de atenção, percepção, discriminação e reconhecimento dos sons. A resposta passiva e automática pré-atencional, eliciada pela discriminação de um estímulo raro, em meio aos estímulos frequentes, durante o registro do PEALL, se deu de forma deficitária nos escolares com dificuldade de aprendizagem deste estudo, sendo indicador de que as funções de discriminação e atenção apresentavam-se alteradas ( 2626 Näätänen R. Attention and brain function. Hillsdale NJ: Lawrence Erlbaum Associates; 1992. , 2727 Ceponiene R, Rinne T, Näätänen R. Maturation of cortical sound processing as indexed by event-related potentials. Clin Neurophysiol. 2002;113(6):870-82. ) .

Estudos eletrofisiológicos em pacientes com dificuldades escolares sinalizaram que os valores médios de latência da onda P300, em geral se apresentam mais longos, confirmando déficits perceptuais auditivos nessa população, a partir da diferença observada entre os grupos ( 2828 Diniz Júnior J, Mangabeira-Albernaz PL, Munhoz MSL, Fukuda Y. Cognitive potentials in children with learning disabilities. Acta Otolaryngol. 1997;117(2):211-3. , 2929 Vieira PAC. Influências de desordem do processamento auditivo na avaliação neuropsicológica de pessoas com dificuldade de aprendizagem [Dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2007. ) .

Do ponto de vista anatômico, a literatura afirma que crianças com dificuldade de aprendizagem apresentam diferenças na quantificação do fluxo sanguíneo no hemisfério direito (temporal inferior e anterior, frontal inferior, médio e anterior) ( 3030 Calanchini PR, Trout SS. Neurologia dos distúrbios de aprendizagem. In: Tarnopol L. Crianças com distúrbios de aprendizagem: diagnóstico, medicação, educação. São Paulo: Edart; 1980. ) . As áreas cerebrais geradoras dos componentes do PEALL - o tálamo, o córtex auditivo primário e secundário e o hipocampo - abrangem a maioria das áreas do cérebro, citadas nos estudos acima. Logo, as alterações observadas neste estudo podem ser consideradas marcadores de déficits neuro-funcionais em crianças com dificuldade de aprendizagem.

Por fim, os achados eletrofisiológicos deste estudo podem sugerir alterações anatômicas e/ou funcionais, descritas na literatura, em escolares com transtornos de aprendizagem. Sendo assim, a pesquisa do PEALL nos escolares com transtornos específicos de aprendizagem é de fundamental importância para auxiliar na avaliação e diagnóstico dessa condição.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados obtidos neste estudo, podemos concluir que os escolares com transtornos específicos de aprendizagem apresentam alterações nos componentes do PEALL, quando comparados com escolares sem transtornos específicos de aprendizagem. Este estudo pode contribuir para a elaboração de programas terapêuticos direcionados às dificuldades específicas de cada escolar, na busca de melhor prognóstico e efetividade terapêutica. Porém, enfatizamos a necessidade de mais estudos com essa população, possibilitando a variação dos parâmetros na avaliação eletrofisiológica, por exemplo, e empregando estímulos de fala para melhor esclarecer a complexidade dos fatores envolvidos nos quadros que abrangem os diferentes transtornos específicos de aprendizagem.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio concedido para realização dessa pesquisa, sob processo número 12/07985-0.

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  • Trabalho realizado no Centro de Estudos da Educação e da Saúde, Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP – Marília (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2013
  • Aceito
    16 Out 2013
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