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Negros da terra e/ou negros da Guiné: Trabalho, resistência e repressão no Grão-Pará no período do Diretório

Resumos

O presente artigo pretende analisar o mundo do trabalho no Grão-Pará colonial durante o período pombalino, onde a tenaz resistência dos índios à disciplina de tempo e de trabalho imposta pela colonização, associada às altas taxas de mortalidade entre eles causadas pelas epidemias, intensificaram o tráfico negreiro para a capitania no século XVIII, durante a vigência da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão. A experiência colonial vivenciada por índios e negros, marcada pela excessiva exploração e opressão, levou-os a construir uma identidade de interesses e a desenvolver formas de resistência coletivas, o que justificou a radicalização das medidas repressivas por parte das autoridades coloniais.

escravidão; resistência; repressão


This paper aims to analyze the labor world in the Colonial Grão Pará during the Pombaline period, when Indians showed tenacious resistance to time and work discipline. Such discipline was imposed in the colonization process, associated with high rates of mortality, due to epidemics, resulting in the enhancement of the African slave trade to the captaincy in the 18th century, during the control of the Grão Pará and Maranhão General Trading Company. The Indians' and slaves' colonial experience, which encompassed excessive exploitation and oppression, led these populations to form an identity of interests, and to develop forms of collective resistance, which, thus, justified for a more severe repression by colonial authorities.

Slavery; resistence; repression


  • 1
    1Diretório, que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará, e Maranhão em quanto Sua Majestade não mandar o contrário, apud: Carlos de Araujo Moreira Neto, Índios da Amazônia. De maioria à minoria 1750-1850 Petrópolis: Editora Vozes, l988, Apêndice Documental, pp. 165-205.
  • 2
    2 Lei de 6 de junho de l755. Apud Moreira Neto, Índios da Amazônia, p. l56.
  • Rita Heloísa de Almeida, O Diretório dos Índios: um projeto de civilização no Brasil do século XVIII Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 167.
  • 3 Mauro Cezar Coelho, "A Civilização da Amazônia Alexandre Rodrigues Ferreira e o Diretório dos Índios: a educação de indígenas e luso-brasileiros pela ótica do trabalho", Revista de História Regional, v. 5, n. 2 (2000), pp. 149-74, p. 159.
  • 4 Maria Luiza Marcílio, "A população do Brasil colonial, in Leslie Bethell (org.), História da América Latina (São Paulo/Brasília: Edusp/Fundação Alexandre Gusmão, 1998), vol. II, pp. 311-38, p. 321.
  • 5 Johannes Overbeek, Histoire de las teorias demográficas, México: FCE, 1984, pp. 44-51;
  • J. Overbeek, "Mercantilism, Physiocracy and Population Theory", The south African Journal of Economics, v. 41, n. 2 (1973), pp. 167-73;
  • Philip Kraeger, "Early Modern Population Theory: A Reassessment", Population and Development Review, v. 17, n. 2 (1991), pp. 207-27;
  • Jean-Claude Perrot, Une histoire intelectuelle de l'économie politique. XVII-XVIII siècle, Paris: Éditions EHESS, 1992, pp. 143-62;
  • René Gonnard, Histoire des doctrines de la population, Paris: Nouvelle Libraire Nationale, 1923, pp. 89-90;
  • Joseph J. Spengler, "History of Population Theories", in Julian L. Simon (org.), The Economics of Population: Classic Writings (New Brunswick: Transaction Publishers, 1998), pp. 207-27.
  • 6 Coelho, "A civilização da Amazônia", p. 151.
  • 7 Ângela Domingues, Quando os índios eram vassalos: colonização e relações de poder no Norte do Brasil na segunda metade do século XVIII, Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2000, pp. 65-6.
  • 8 Francisco Jorge dos Santos, Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina, Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1999, pp. 45-65.
  • 9 Farage aponta que a exploração do trabalho indígena existiu na Colônia muito antes da implantação do Diretório e que este não foi criado com o objetivo de justificá-la. Nesse sentido, considera que a exploração foi um elemento constitutivo da colonização, na forma como ela foi instituída pelos portugueses no Brasil. Nádia Farage, As muralhas dos sertões: os povos indígenas o Rio Branco e a colonização, Rio de Janeiro: Paz e Terra: ANPOCS, 1991, p. 41 e 47.
  • 12Diretório.., p. 192. Sobre a agricultura, desde o século XVII, ir assumindo um papel central no pensamento português acerca da ocupação da terra nas conquistas ver: Rafael Chambouleyron, Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia Colonial (1640-1706), Belém: Ed. Açaí/Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de Memória da Amazônia (UFPA), 2010, pp. 121-69.
  • 13 Ângela Domingues indica que a faixa etária dos índios dos aldeamentos que deveriam ser repartidos em três grupos para o trabalho, de 1686 até as reformas empreendidas por Mendonça Furtado, era de 15 a 60 anos. Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 178.
  • 15 Domingues, Quando os índios eram vassalos, pp. 178-9
  • 17 Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 177.
  • 18 Embora reconheça que, para o século XVII, nada indique a existência de uma reflexão sistemática sobre o papel da agricultura como meio de ocupação das capitanias do Norte na historiografia portuguesa, Chambouleyron considera que "a recorrência dessa questão nos escritos enviados à Corte e nas ações da própria Coroa indica como a ocupação econômica da terra, por meio da atividade agro-pastoril, efetivada pelos "povoadores" e "habitadores", se tornara uma lente através da qual se compreendia o mundo que se construía no estado do Maranhão e Grão-Pará". Rafael Chambouleyron, Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia Colonial (1640-1706), Belém: Ed. Açaí/Programa de Pós-Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/Centro de Memória da Amazônia (UFPA), 2010, p. 121.
  • 19 Os estudos de demografia histórica realizados por William Denevan, na década de 1970, apontam para a Amazônia Continental uma população de mais de cinco milhões de habitantes. William M. Denevan, The Native Population of the Americas in 1492, Madison: University of Wisconsin, 1992, p. 205 e ss.
  • 20 Arenz analisa os dois momentos em que os jesuítas foram expulsos do estado do Maranhão e Pará pelos moradores e que correspondem aos anos de 1661 e 1684. Karl-Heins Arenz, De l'Alzette à l'Amazone. Jean-Philippe Bettendorff et les jésuites em Amazonie portugaise (1661-1693), Sarrebruck: Éditions universitaires européennes, 2010, pp. 103-05, 371-87.
  • 21 Domingues, Quando os índios eram vassalos, pp. 177-89;
  • John Hemming, Ouro vermelho: a conquista dos índios brasileiros, São Paulo: Edusp, 2007, pp. 589-614.
  • 23 Manuela Carneiro da Cunha, "Política indigenista no século XIX", in Manuela C. da Cunha (org.), História dos índios no Brasil (São Paulo: Companhia das Letras: Secretaria Municipal de Cultura/ FAPESP, 1992), pp. 133-54, p. 150.
  • 24 Para um extenso inventário sobre as riquezas da Amazônia, ver: João Daniel, Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas, v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
  • 25 Carlo Ginzburg, Mitos. Emblemas e sinais: morfologia e história; São Paulo: Companhia das Letras, 1989, pp. 143-79.
  • 26 Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e fronteiras, Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1957.
  • 27 Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 179.
  • Sobre as ações da Coroa portuguesa para ocupar tão vasto território no século XVII, ver Chambouleyron, Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia Colonial, pp. 29-76.
  • 28 Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 177.
  • 29 Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 257.
  • 37 Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 256.
  • 45 Para a rejeição dos novos valores impostos pelo Capitalismo aos trabalhadores num outro contexto ver: Edward Palmer Thompson, Costumes em comum, São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 150-202.
  • 46 Edward P. Thompson, A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, pp. 189-90.
  • 58 Ângela Domingues fornece uma lista de serviços Reais em que os índios eram ocupados. Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 185.
  • 59 Hemming, Ouro vermelho, p. 661.
  • 78 Sobre a violência nas relações entre principais, autoridades indígenas e índios nas povoações do Diretório ver: José Alves de Souza Junior, "O cotidiano das povoações no Diretório", Revista de Estudos Amazônicos, v. V, n. 1 (2010), pp. 79-106.
  • 89 Dauril Alden e Joseph Miller, "Out of Africa: The Slave Trade and the Transmission of Smallpox to Brazil", Journal of Interdisciplinary History, v. 18, n. 2 (1987), pp. 195-224, 202-04, 218-20.
  • 90 David Noble Cook e Willian George Lovell, "Unravelling the Web of Disease", in Cook, Lovell (orgs.), Secret Judgments of God: Old World Disease in Colonial Spanish America (Normam: The University of Oklahoma Press, 1992), pp. 213-42, 218-19;
  • Philip Curtin, "Epidemiology and the Slave Trade", Political Science Quartely, v. 83, n. 2 (1968), pp. 190-216;
  • Magali Romero Sá, "A 'peste branca' nos navios negreiros: epidemias de varíola na Amazônia colonial e os primeiros esforços de imunização", Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. 11, n. 4, supl. (2008), pp. 818-26.
  • 91 Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 127.
  • Alencastro fornece uma relação das enfermidades disseminadas por europeus e africanos na América. Deve-se aos primeiros a introdução da varíola, rubéola, escarlatina, tuberculose, lepra, doenças venéreas e dermatoses; já os segundos trouxeram para o Novo Mundo o tracoma, a dracunculose, o amarelão, a febre amarela, a malária, p. 128. Essa tese também é defendida por Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 180
  • 92 Alencastro, O trato dos viventes, p. 127;
  • Domingues, Quando os índios eram vassalos, p. 54.
  • 93 Hemming, Ouro vermelho, p. 651;
  • Domingues, Quando os índios eram vassalos, pp. 180-1.
  • 95 Conselho Ultramarino, Consulta da Carta à Governador Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, 16/05/1750, AHU, Pará (Avulsos), Cx. 31, D. 2976. Chambouleyron, Barbosa, Bombardi e Sousa também trabalham esses dados em "'Formidável contágio': epidemias, trabalho e recrutamento na Amazônia colonial (1660-1750)", História, Ciências, Saúde - Manguinhos, v. 18, n. 4 (2011), p. 992.
  • 98 Dauril Alden também comenta os efeitos catastróficos das epidemias nas populações indígenas em "El Indio desechable em El Estado de Maranhão durante los siglos XVII e XVIII", America Indigena, v. XLV, n. 2 (1985), p. 437.
  • 99 John Manuel Monteiro, Negros da terra. Índios e bandeirantes nas origens de São Paulo São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 157.
  • 101 Hemming, Ouro vermelho, p. 650.
  • 106 Carreira apresenta um levantamento de inúmeros contratos de assento ou de "licenças para navegar escravos", efetuados a partir dos últimos anos do século XV até meados do XVII. Antônio Carreira, "As companhias pombalinas de navegação, comércio e tráfico de escravos entre a costa africana e o nordeste brasileiro", Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, XIV, v. XXII, n. 089 e 090 (1968), p. 13 e sgs.
  • 107 Daniel B. Domingues da Silva, "The Atlantic Slave Trade to Maranhão, 1680-1846" Volume, Routes and Organization, Slavery and Abolition, v. 29, n. 4 (2008), p. 478.
  • 108 Manolo Florentino, Alexandre Vieira Ribeiro, Daniel Domingues da Silva, "Aspectos comparativos do tráfico de escravos para o Brasil (séculos XVIII e XIX)", Afro-Ásia, n. 31 (2004), pp. 91-2.
  • 109 Rafael Chambouleyron, "Escravos do Atlântico equatorial: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII)", Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 26, n. 52 (2006), pp. 79-114.
  • 110 Silva, "The Atlantic Slave Trade", p. 485.
  • 111 Silva, "The Atlantic Slave Trade", p. 486.
  • 112 Florentino, Ribeiro e Silva, "Aspectos comparativos", p. 89.
  • 113 Silva, "The Atlantic Slave Trade", pp. 485-6.
  • 114 Carreira, "As companhias pombalinas", p. 49.
  • Os números de Carreira diferem, como o próprio autor demonstra em seu trabalho, dos de Cunha Saraiva que, para o mesmo período aponta o número de 19.651 escravos. Já Nunes Dias, indica o número de 25.365 escravos introduzidos pela Companhia, no mesmo período. Manuel Nunes Dias, A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778); 1º Volume, Belém: Universidade Federal do Pará, 1970, p. 465.
  • Cardoso afirma, no entanto, que, no período em que funcionou, a Companhia teria introduzido quase 15.000 africanos no território paraense, grande parte dos quais teria sido reexportada para o Mato Grosso, devido à dificuldade dos colonos em adquiri-los por falta de recursos financeiros. A ideia do desvio de escravos para o Mato Grosso, defendida por Cardoso, é equivocada, já que a referida capitania era um importante mercado de escravos para a Companhia. Ciro Flamarion Cardoso, Economia e sociedade em áreas periféricas: Guiana Francesa e Pará (1750-1817), Rio de Janeiro: Editora Graal, 1984.
  • Já Vicente Salles aponta o número de 12.587 escravos introduzidos pela Companhia no estado, também considerando que "muitos passaram para a capitania do Mato Grosso". Vicente Salles, O negro no Pará, sob o regime da escravidão, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, Serv. de Publicações [e] Univ. Federal do Pará, 1971, p. 32.
  • Salles cita a fonte de onde tirou o número de escravos e a informação de que foram desviados para o Mato Grosso: a obra de Antônio Ladislau Monteiro Baena, militar português que serviu no Pará no século XIX e que escreveu um compêndio sobre as eras da província do Pará. Antônio Ladislau Monteiro Baena, Compêndio das eras da província do Pará, Belém: Universidade Federal do Pará, 1969, p.194.
  • 115 Dias, A Companhia Geral, p. 461.
  • 120 Ofélia Pinto e Brian West, "Humans as Cost Objects: 18th Century Portuguese Slave Trading", 13th World Congress of Accounting Historians, Newcastle Upon Tyne, 17-19 de julho 2012, p. 22.
  • 121 Pinto e West, "Humans as Cost Objects", p. 14.
  • 140 Cyril Lionel Robert James, Os jacobinos negros: Toussaint L'Overture e a revolução de São Domingos, São Paulo: Boitempo, 2000.
  • 141 Flávio dos Santos Gomes, "A hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (sécs. XVII-XIX)" (Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, 1997), pp. 41-55.
  • 142 Gomes, "A hidra", p. 80-1.
  • 143 Sobre solidariedades e conflitos entre índios e negros ver Stuart B. Schwartz, "Tapanhuns, negros da terra e curibocas: causas comuns e confrontos entre negros e indígenas", Afro-Ásia, n. 29/30 (2003), pp. 13-40.
  • 144 Gomes, "A hidra", p. 40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Abr 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2011
  • Aceito
    29 Jan 2013
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