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Dizer a verdade em psicanálise: uma abordagem genealógica a partir de Foucault

Truth-telling in psychoanalysis: a genealogical approach according to Foucault.

Resumo:

Este artigo aborda a problemática da relação entre sujeito e verdade em psicanálise por uma perspectiva genealógica. Se Lacan recolocou na tradição psicanalítica o antigo problema da espiritualidade, perguntando-se sobre o trabalho do sujeito consigo mesmo e as condições de acesso à verdade, é preciso se perguntar como essa modalidade de dizer a verdade se constituiu historicamente e de que tecnologias é formada. A partir dos estudos de Foucault, examina-se o lugar da sexualidade na enunciação da verdade em psicanálise e de que maneira a relação do sujeito consigo mesmo nessa experiência pode ser atravessada por uma hermenêutica.

Palavras-chave:
dizer a verdade; subjetividade; genealogia; tecnologias de si

Abstract:

This article discusses the problem of the relationship between subject and truth in psychoanalysis from a genealogical perspective. If Lacan reposed the old problem of spirituality in the psychoanalytic tradition, wondering about the subject’s work on himself and the conditions to access the truth, one must question how this modality of truth-telling was historically constituted and from what technologies it is formed. Based on studies of Foucault, we examine the place of sexuality in the enunciation of truth in psychoanalysis and the way the subject’s relationship with himself in that experience can be characterized by a hermeneutic.

Keywords:
truth-telling; subjectivity; genealogy; technologies of self

Foi na segunda hora da aula de 6 de janeiro de 1982 de seu curso sobre A hermenêutica do sujeito que Foucault (1981-1982/2001FOUCAULT, M. L’herméneutique du sujet (1981-1982). Paris: Gallimard, Seuil, 2001., p. 30-31) identificou, na psicanálise de Lacan, a retomada moderna de uma problemática que lhe seria bastante cara.

Se, na virada dos anos 1980, o filósofo francês realizara o que poderia ser definido por um duplo deslocamento em sua obra: (1) deslocamento metodológico, por um lado, isto é, passagem da análise histórica em termos de saber-poder para uma análise em termos de governo pela verdade; (2) deslocamento cronológico, por outro, identificando uma descontinuidade na história do pensamento não mais no limiar da modernidade, mas na passagem da Antiguidade para o cristianismo (FOUCAULT, 1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 3, 12, 74.). Seria no curso de 1981-1982 que ele conduziria definitivamente o seu projeto filosófico para analisar “sob que forma de história foram articuladas no Ocidente as relações entre esses dois elementos, [...] o ‘sujeito’ e a ‘verdade’” (FOUCAULT, 1981-1982/2001FOUCAULT, M. L’herméneutique du sujet (1981-1982). Paris: Gallimard, Seuil, 2001., p. 4). Assim, na primeira aula de seu curso em 1982, depois de identificar um momento inicial de encontro entre subjetividade e verdade na utilização antiga da noção de cuidado de si (epimélia heautoû), e conduzindo uma reflexão a propósito das modalidades de tecnologias de si na modernidade, propôs que tanto Lacan quanto Marx teriam sido responsáveis por retomar no interior de suas práticas uma interrogação antiga presente na tradição da espiritualidade e que fora esquecida (FOUCAULT, 1981-1982/2001FOUCAULT, M. L’herméneutique du sujet (1981-1982). Paris: Gallimard, Seuil, 2001., p. 19-20, 27-32).

Ora, se essa noção de epimélia heautoû pôde, pela primeira vez, ser encontrada na personagem de Sócrates dos diálogos platônicos, foi a sua extensão a uma série de domínios, apresentando-se efetivamente como um problema ético e político para o cidadão grego, que conduziu Foucault a formular a hipótese da existência de uma cultura de si na Antiguidade (FOUCAULT, 1983/2015FOUCAULT, M. Qu’est-ce que la critique, suivi de La culture de soi (1983). Paris: Vrin, 2015., p. 85-88; FOUCAULT, 1982/2017FOUCAULT, M. Dire vrai sur soi-même (1982). Paris: Vrin, 2017., p. 81-82). Empenhado em conduzir a sua vida conforme um certo número de regras e princípios, o cidadão grego teria se dedicado ao problema da epimélia heautoû, de modo que seria possível identificar essa preocupação presente de maneira evidente na Apologia de Sócrates, quando este dizia: “É preciso se preocupar consigo mesmo, se ocupar de si, é preciso praticar em relação à vida e à existência um cuidado de si” (FOUCAULT, 1981-1982/2001FOUCAULT, M. L’herméneutique du sujet (1981-1982). Paris: Gallimard, Seuil, 2001., p. 21-40; PLATÃO, 1970PLATÃO. Apologie de Socrate. Paris: Les Belles Lettres , 1970., p. 157). Que o princípio da epimélia heautoû tenha sido submetido, na história do Ocidente, ao princípio do conhecimento de si (gnôthi seautón), formulado no contexto de consulta ao oráculo de Delfos (EPITETO, 1963EPITETO. Entretiens, v. III. Paris: Les Belles Lettres , 1963., p. 18-19), e considerando que, na Antiguidade, a relação entre eles se dava de maneira invertida - sendo o conhecimento uma entre várias possibilidades de praticar o cuidado de si -, esta seria uma questão que se deveria analisar, segundo Foucault (1981-1982/2001FOUCAULT, M. L’herméneutique du sujet (1981-1982). Paris: Gallimard, Seuil, 2001., p. 4-5), se se quisesse identificar o momento e as razões pelas quais uma tal ruptura se deu.

Ora, mas, se, a partir daquilo que Foucault (1981-1982/2001FOUCAULT, M. L’herméneutique du sujet (1981-1982). Paris: Gallimard, Seuil, 2001., p. 27-32) designou por momento cartesiano, o princípio do conhecimento de si foi requalificado, tomando ele mesmo a forma de princípio fundador do procedimento filosófico e científico no Ocidente, a questão do cuidado de si, por sua vez, não cessou de ser recolocada, seja no domínio da reflexão filosófica, seja no domínio da produção de saber. Que a verdade não seja nunca dada de pleno direito ao sujeito, que esse sujeito inversamente não seja ele mesmo capaz de verdade por sua estrutura de conhecimento, mas que seja preciso que “o sujeito se modifique, se transforme, se desloque, e se torne, numa certa medida e até um certo ponto, outro que não ele mesmo” (FOUCAULT, 1981-1982/2001FOUCAULT, M. L’herméneutique du sujet (1981-1982). Paris: Gallimard, Seuil, 2001., p. 17), esse é um problema propriamente espiritual que Lacan reintroduzira na tradição psicanalítica, aproximando esse discurso que tem origem em Freud muito mais de uma ética do que de uma ciência (FOUCAULT, 1983/2015FOUCAULT, M. Qu’est-ce que la critique, suivi de La culture de soi (1983). Paris: Vrin, 2015., p. 114; LACAN, 1959LACAN, J. L’éthique de la psychanalyse (1959-1960). Paris: Seuil , 1986. (Le séminaire, 7)-1960/1986, p. 9; LACAN, 1964/1973, p. 35).

Diversos autores nacionais e internacionais exploraram essa aproximação proposta por Foucault entre a experiência psicanalítica e o domínio da ética. Valorizou-se a importância da retomada da problemática do sujeito subsumida pelo discurso da ciência (BIRMAN, 2010BIRMAN, J. A problemática da verdade na psicanálise e na genealogia. Tempo psicanalítico, Rio de Janeiro, v. 21.1, p. 183-202, 2010., p. 192-196; BIRMAN; HOFFMANN, 2017BIRMAN, J.; HOFFMANN, C. Lacan e Foucault: conjunções, disjunções e impasses. São Paulo: Instituto Langage e Universidade Paris Diderot, 2017., p. 184-185), as dimensões da produção, da experimentação e da invenção de si próprias à psicanálise, e não aquela limitada pelo conhecimento de si (LAUFER, 2015LAUFER, L. Une psychanalyse foucaldienne est-elle possible ?, Nouvelle revue de psychosociologie (Devenirs de la psychanalyse), v. 20, p. 233-247, 2015., p. 238), e, finalmente, a possibilidade sempre aberta de pensar uma psicanálise fora de uma lógica restrita ao negativo (AYOUCH, 2015AYOUCH, T. Foucault pour la psychanalyse: vérité, véridiction, pratiques de soi. In: SQUVERER, A.; LAUFER, L. (dir.). Foucault et la psychanalyse: quelques questions analytiques à Michel Foucault. Paris: Hermann, 2015., p. 119-120). Independentemente de seus encaminhamentos, as questões que a problemática ética impõe são sempre as seguintes: o que é preciso acontecer com sujeito para que ele tenha acesso à verdade? Quais as condições e quais os efeitos de retorno da verdade sobre o sujeito quando este, para ter acesso à verdade, opera uma modificação e uma transformação de si?

Para analisar o que deve ser essa atividade de dizer a verdade em psicanálise por uma abordagem genealógica, é preciso se perguntar: qual deve ser a história dessa prática de verdade capaz de retomar na modernidade um problema antigo que permaneceu esquecido na tradição moderna pós-cartesiana? Se a subjetividade, na perspectiva de Foucault (1980/2013FOUCAULT, M. L’origine de l’herméneutique de soi (1980). Paris: Vrin, 2013., p. 35), é sempre constituída por uma materialidade histórica e se, antes de receber sua determinação por uma estrutura, ela se define pelo uso e pelo efeito de determinadas tecnologias de si, propomos analisar o problema das relações entre sujeito e verdade em psicanálise por duas perspectivas.

A primeira diz respeito à forma pela qual esse problema se manifesta na modernidade, vinculando-se a um dispositivo da sexualidade. Gostaríamos de analisar como a prática de dizer a verdade em psicanálise se configurou historicamente pela designação da sexualidade como campo de produção de verdades sobre o sujeito. Em seguida, considerando a importância da prática da confissão na história da sexualidade, propomos retomar alguns estudos de Foucault sobre um determinado número de tecnologias introduzidas pelo cristianismo nos primeiros séculos; nosso objetivo é identificar nesses textos cristãos a constituição de uma modalidade de ser sujeito que se tornou decisiva para a história da subjetividade (FOUCAULT, 1980/2013FOUCAULT, M. L’origine de l’herméneutique de soi (1980). Paris: Vrin, 2013., p. 33). Entre uma e outra perspectiva, a problemática do discurso de verdade em psicanálise se caracterizaria pela centralidade do domínio da sexualidade e pela formação de um modelo de subjetivação constituído por uma hermenêutica de si.

A história da sexualidade e uma vontade de saber

No primeiro volume de sua História da sexualidade, Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 99-173) formalizou pela primeira vez, se considerarmos a sua obra escrita, aquilo que chamou de dispositivo de sexualidade. É preciso dizer que essa formalização, no entanto, se deu no interior de um livro cujo subtítulo remetia diretamente ao seu primeiro curso no Collège de France, A vontade de saber. Com efeito, o curso dos anos 1970-1971 consistia precisamente numa problematização da questão do saber na história do pensamento, uma vez que essa mesma questão seria orientada, na tradição filosófica, por um modelo aristotélico de conhecimento.

Para Aristóteles, segundo a leitura de Foucault (1970-1971/2011FOUCAULT, M. Leçons sur la volonté de savoir (1970-1971). Paris: Gallimard, Seuil, 2011., p. 17-18), o conhecimento não poderia se definir apenas por um regime de interesses no domínio do saber; a busca da verdade envolvida no ato de conhecer deveria se manifestar por uma distinção radical entre o saber e o poder. A transcendência da vontade de saber, a constituição do ato de conhecimento por um desejo puro e, finalmente, o procedimento de conhecer como afastamento do pensamento em relação à opinião comum (doxa), seriam essas as principais características da vontade de saber, de modo que, desde o modelo fundado por Aristóteles até a metafísica moderna, o saber só poderia se definir por uma articulação estreita entre a pureza de uma vontade e a abstração de um conhecimento em relação aos jogos de força necessariamente presentes nas formas de exercício de poder.

Contra essa perspectiva, com efeito, e sob a inspiração de Nietzsche, Foucault (1970-1971/2011, p. 24-28) propõe que o conhecimento é uma invenção; ele não é efeito da harmonia ou da subtração do desejo em relação ao campo do saber; mas, sim, um ato cuja formulação só é possível por um jogo de instintos e de paixões. No fundamento daquilo que é puro e verdadeiro no conhecimento, na base daquilo que se define como uma vontade de saber, deve haver sempre um ato inicial de falsificação, que, longe de determinar a isentabilidade do juízo, corresponde, na realidade, a acontecimentos reais de luta e de batalha (FOUCAULT, 1970-1971/2011, p. 4, 186-188).

Ora, mas se o que Foucault coloca como vontade de saber deve ser o resultado de relações de força e de mecanismos de poder, é preciso se perguntar: de que maneira o poder deve se exercer já que foi sob o signo da verdade que toda a tradição ocidental caracterizou o ato de conhecer? Foi pensando em sua obra História da loucura na Idade Clássica que Foucault, na aula inaugural desse curso em 2 de dezembro de 1970, propôs: “Tudo se passa como se interditos, barragens, limiares e limites tivessem sido dispostos de maneira que fosse dominada, pela menos em parte, a grande proliferação do discurso” (FOUCAULT, 1970/1996FOUCAULT, M. A ordem do discurso (1970). São Paulo: Loyola, 1996., p. 50).

Com efeito, como identificara na entrevista As relações de poder se passam no interior dos corpos, de 1977, apesar de tratar, em sua aula inaugural de 1970, de um problema legítimo, isto é, do problema da relação entre os fatos de discurso e os mecanismos de poder, Foucault apresentava para ele uma resposta inadequada (FOUCAULT, 1977/1994FOUCAULT, M. Les rapports de pouvoir passent à l’intérieur des corps (1977). In: FOUCAULT, M. Dits et écrits, v. III. Paris: Gallimard , 1994., p. 228-230). Tudo se passa como se, na forma pela qual desenvolvera sua analítica de poder no início dos anos 1970, ele supusesse o mesmo tipo de oposição entre razão e desrazão quando abordara a história da loucura (FOUCAULT, 1961/1976FOUCAULT, M. Histoire de la folie à l’âge classique (1961). Paris: Gallimard, 1976.p. 56-59). O exercício de poder seria pensado inteiramente do ponto de vista jurídico da lei e do direito, de modo que exercer poder significaria a mesma coisa que expulsar, negar e interditar. O que Foucault reconhece em 1976, no entanto, é que, para compreender as relações de força presentes nos mecanismos de poder, seria preciso supor uma forma positiva de atuação; se o poder é positivo, para além de suas formas de negatividade, ele deve produzir, multiplicar e potencializar. Menos sob a forma genérica do não, o exercício de poder na modernidade, e isso no que tange à experiência da sexualidade, se manifestaria sob a forma de um sim afirmativo (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 110-112, 121-127).

É nesse sentido que, logo no início de seu livro A vontade de saber, Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 9-22) rejeitará uma leitura da história da sexualidade em termos de repressão. Se efetivamente no nível do arquivo, a partir do século XVIII, o que se observa é menos uma redução e mais um aumento de discursos em torno do sexo (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 25-49), se no nível das práticas de sexualidade a regra que se faz notar não diz respeito a uma diminuição, mas a uma ampliação e mesmo a uma multiplicação das práticas de sexualidade (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 50-67), seria preciso se perguntar: sob que forma a vontade de saber se manifesta na história da sexualidade, quando se considera o poder e seus mecanismos em termos positivos e não negativos?

Assim, ao retomar de maneira sistemática algumas das hipóteses que já anunciara sobre o assunto no curso do Collège de France sobre Os anormais (FOUCAULT, 1974-1975/1999FOUCAULT, M. Les anormaux (1974-1975). Paris: Seuil, Gallimard, 1999., p. 155-212), e também na série de conferências que dera em São Paulo no outono de 1975 (FOUCAULT, 1975/2013FOUCAULT, M. Fonds Foucault, NAF 28730 (1975). Paris: Bnf, 2013., caixa LVI), Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 25-49) identificaria um primeiro momento dessa injunção discursiva em torno do problema da sexualidade entre os século XIII e XVI de nossa história. Teria sido com o concílio de Latrão em 1215 e depois nos três concílios que ocorreram na cidade de Trento entre 1534 e 1564, que a confissão fora instituída na Igreja como sacramento, de modo que ela se tornaria não apenas uma prática obrigatória para todos os cristãos, mas também realizada sob os signos da continuidade - com a frequência mínima de um ano - e da exaustividade. Além disso, é preciso dizer que, entre todos os pecados, havia, segundo Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 27), uma supervalorização dos pecados contra o sexto mandamento, de modo que teria sido precisamente por essa via que o Ocidente relacionara as obrigações de dizer com as interdições de fazer (FOUCAULT, 1982/2017FOUCAULT, M. Dire vrai sur soi-même (1982). Paris: Vrin, 2017., p. 27-28).

Essa exigência, com efeito, não permaneceu restrita ao círculo religioso, como demonstrou Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 28-42). A partir do século XVIII, é possível notar sua expansão em uma série de domínios: da pedagogia à medicina, passando pela literatura libertina e pela família. Com a emergência do problema econômico e político da população, os Estados se viram diante da necessidade cada vez mais acentuada e incentivada pela economia de desenvolver uma série de técnicas para analisar o fenômeno da vida: examinar a taxa de natalidade, verificar a idade dos casamentos, se os nascimentos são legítimos ou ilegítimos, a frequência, a precocidade e as modalidades dos encontros sexuais, o efeito das práticas contraceptivas na fecundidade ou esterilidade das relações (FOUCAULT, 1975-1976/2005FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1976., p. 288-293; FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 175-211). Todos esses procedimentos indicativos de uma verdadeira política da vida, longe de produzirem em relação ao sexo uma redução, atuaram, na realidade, no sentido de uma ampliação e de uma multiplicação.

É por isso que, se no nível do discurso se identificou um aumento considerável de arquivos em torno do sexo, no nível das práticas e das instituições, foi possível igualmente observar o desenvolvimento daquilo que Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 50-67) denominou de implantação perversa. Nos diferentes espaços que habitou, a sexualidade moderna constituiu em torno de si mesma e de sua especificação uma série de personagens inexistentes no século XVII ou que eram simplesmente reduzidos à categoria bastante geral de libertinos. Com a especificação médica e jurídica dessa categoria, nossa sociedade presenciou o desenvolvimento polimorfo de sexualidades heterogêneas, as quais não podem se reduzir ao modelo centrífugo que conduz a sexualidade a um princípio de identidade: “crianças demasiadamente espertas, filhas precoces, colegiais ambíguos, domésticos e educadores duvidosos, maridos cruéis ou maníacos, colecionadores solitários, andantes com impulsos estranhos” (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 55). Que um trabalhador agrícola da cidade de Lupcourt tenha sido denunciado em 1868 por ter trocado carícias com uma moça; que a partir dessa denúncia tenha se realizado uma análise minuciosa de sua anatomia (medição da caixa craniana e dos ossos da face); que se tenha buscado em sua história identificar sinais possíveis de degenerescência, e isso através de todo um questionamento sobre os seus hábitos, gostos, sensações e juízos em geral; que tudo isso tenha sido não apenas levado a cabo, mas descrito no Relatório médico-legal sobre o estado mental de Jouy, deve ser indicativo de uma prescrição bastante geral presente no século XIX que, em torno do sexo, é preciso dizer tudo (BONNET; BULARD, 1868BONNET, H.; BULARD, J. Rapport médico-légal sur l’état mental de Charles-Joseph Jouy. Nancy: Raybois, 1868. Disponível em: Disponível em: https://archive.org/details/BIUSante_90948x04x14 . Acesso em: 27 jul. 2018.
https://archive.org/details/BIUSante_909...
). Deve haver nesse domínio uma verdade que se esconde e que se esquiva, uma verdade que, uma vez descoberta, deve coincidir com a verdade do ser (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 101-102).

Como o Ocidente realizou essa articulação precisa e bastante complexa entre a obrigação de verdade presente no modelo religioso da confissão e essa maquinaria múltipla de produção de discursos em torno do sexo, inscrita no interior de procedimentos de análise e de produção da sexualidade? De que maneira a confissão do sexo pôde se inscrever nas formas modernas de extorsão da verdade de uma experiência que tem como consequência maior e mais evidente a constituição de uma ciência da sexualidade? (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 70-98).

Em primeiro lugar, para se inscrever nessa grande profusão discursiva da sexualidade, a tecnologia da confissão teve que ser imersa em tecnologias clínicas de “fazer falar” (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 87). Para interpretar e decifrar sintomas, para produzir estados de consciência, práticas hipnóticas e sugestivas, onde a verdade pudesse parecer, para analisar a manifestação do desejo na livre associação, o domínio médico inscreveu a exigência de falar no campo da análise e da investigação clínica. Em segundo lugar, segundo Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 87-88), no que tange especificamente à sexualidade, postulou-se em torno de sua experiência um princípio de causalidade bastante geral e difuso. Tudo o que se apresenta à clínica, desde o acontecimento mais simples e discreto, deve ter, no fundo, uma etiologia sexual, de modo que a sexualidade se tornou um domínio privilegiado de observação e de produção do saber médico. Além disso, é preciso dizer que esse perigo potencial e sempre presente da sexualidade foi entendido como que organizado e orientado por um princípio de latência (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 88-89); em relação ao sexo e ao seu modo de funcionamento, dada a sua natureza obscura, é preciso dizer. E, se a psicanálise se inscreve na continuidade dessa perspectiva, supor um princípio de latência na sexualidade é supor também que, para trazer à luz o que está em questão, é preciso um trabalho de interpretação (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 89-90). O médico moderno e o analista não serão apenas aqueles que como o antigo padre devem condenar ou tornar isento o que se manifesta, eles se tornam responsáveis por designar o que, no domínio da fala, é da ordem da verdade (LACAN, 1964/1973LACAN, J. Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse (1964). Paris: Seuil , 1973. (Le séminaire, 11), p. 27-29, p. 44-5; LACAN, 1966LACAN, J. La science et la vérité. In: LACAN, J. Écrits. Paris: Seuil , 1966., p. 866-867). Tal qual um mestre da verdade, como pensou Derrida (1980DERRIDA, J. La carte postale: de Socrate à Freud et au-delà. Paris: Flammarion, 1980., p. 440-8, 490-510), o analista seria aquele que definiria quando a fala vazia se torna plena, e quando, enfim, naquilo que se diz, a coisa se manifesta, constituindo assim o campo do desejo (LACAN, 1953LACAN, J. Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse. In: LACAN, J. Écrits. Paris: Seuil, 1953./1966, p. 247-65, LACAN, 1959-1960/1986, p. 64-66). Mas, finalmente, o dizer a verdade da confissão foi recodificado na ciência moderna sob a forma de operações terapêuticas, de modo que a medicalização do sexo e sua codificação doravante entre normal e patológico, fez do desvio da norma não mais um problema de comportamento, mas a manifestação de uma personalidade (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 90-91; FOUCAULT, 1981/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 220-223).

“A história desse dispositivo [...] pode valer como arqueologia da psicanálise”, concluiu Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 172). Se analisarmos a constituição dessa série de procedimentos isto é, (1) a codificação clínica do “fazer falar”, os postulados de (2) uma causalidade geral e difusa e de (3) um princípio de latência quanto à sexualidade, (4) o desenvolvimento da interpretação, e finalmente (5) a medicalização dessa experiência, no prolongamento dessa inscrição da confissão nas exigências modernas de saber-poder da medicina , dizer a verdade em psicanálise teria sido o domínio que permitiu a articulação de uma ciência da sexualidade a uma ciência do sujeito (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 87-88). Se a injunção discursiva em torno do sexo e a implantação perversa de heterogeneidades sexuais na modernidade só pôde se desenvolver sob a atuação geral de uma vontade de saber que estabelece em torno do sexo um lugar de produção de verdades, aquilo que na psicanálise se define como “a causalidade no sujeito, o inconsciente do sujeito, a verdade do sujeito no outro que sabe, o saber, nele, daquilo que ele próprio desconhece”, só foi possível se desenvolver “no discurso do sexo” (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 94). Como a psicanálise desenvolve uma teoria do sujeito? De que modo a verdade do sexo pode ser reenviada à verdade de si e que modo de análise ela supõe? Estas são as duas questões que propomos analisar em seguida, pela segunda perspectiva de nossa abordagem.

A origem da hermenêutica de si numa genealogia da subjetividade moderna

Como vimos, em A vontade de saber, a experiência da sexualidade foi pensada a partir da formação de um dispositivo específico de poder, no qual os indivíduos se tornaram objetos de investimento de uma política da verdade, na medida em que, por procedimentos diversos de disciplina e de regulação, o sistema de sujeição se organizou em torno de um imperativo de fazer viver (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 181-182). Nessa perspectiva global, onde a sexualidade se tornava objeto de intervenções diversas, sob a forma de obrigações discursivas e exigências normativas, dizer a verdade sobre isso se configurava como um dos grandes modos pelos quais a ciência moderna fazia funcionar num dispositivo médico as antigas exigências de confissão.

Enquanto que o problema da biopolítica será mantido no horizonte de estudos de Foucault por ocasião de seus cursos sobre Segurança, território, população em 1977-1988 e O nascimento da biopolítica em 1978-1979 - embora ele não tenha sido diretamente abordado (FOUCAULT, 1978-1979/2004FOUCAULT, M. Naissance de la biopolitique (1978-1979). Paris: Gallimard, Seuil, 2004., p. 224) -, o problema da verdade, por sua vez, só será retomado a partir dos anos 1980, quando, no contexto de seu curso sobre O governo dos vivos, ele anunciará sua intenção de abordar o governo dos homens pela verdade (1979-1980/2012, p. 12): o que deve ser o sujeito para que ele se torne objeto de governo e de que modo seu discurso de verdade deve funcionar como elemento absolutamente necessário para o exercício da governamentalidade? Ora, se considerarmos a forma pela qual, em 1976, Foucault relacionou esse problema à institucionalização moderna da confissão, ele vai dizer, na aula de 6 de fevereiro de 1980, que essa modalidade de dizer a verdade não seria nada mais que “o resultado, mais visível e mais superficial, de procedimentos muito mais complexos, numerosos e ricos, pelos quais o cristianismo vinculou os indivíduos à obrigação de manifestar a sua verdade individual” (1979-1980/2012, p. 100). Por trás da forma moderna da confissão, haveria uma longa história do dizer a verdade, cujos acontecimentos de formação deveriam ser retomados se se quisesse fazer uma genealogia da subjetividade moderna.

Considerando os estudos desenvolvidos por Foucault (1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 99-101; 1980/2013, p. 70-81; e 1981/2012, p. 101-110, 123-125), gostaríamos de analisar três tecnologias de si produzidas nos primeiros séculos do cristianismo e que definem uma forma importante de subjetividade para a história ocidental e, ao mesmo tempo, um ponto de ruptura em relação às formas antigas.

A primeira grande tecnologia que o cristianismo produziu foi a preparação para o batismo. Uma das primeiras referências a essa prática encontra-se na Didakhé, também conhecida como Doutrina ou Instrução dos doze Apóstolos, que consistia num pequeno manual litúrgico, composto por vários documentos e desenvolvido nas comunidades cristãs entre os séculos I e II d.C. Quando se observa o que esse manual prescreve especificamente sobre as exigências a serem feitas ao postulante do batismo, no capítulo 7, encontramos que é preciso que ele adquira pleno conhecimento de “tudo o que precede” (DIDAKHÉ, 1978DIDACHÈ. La Doctrine des douze apôtres. Paris: Cerf , 1978., p. 171); de modo que “tudo o que precede”, com efeito, no texto, consiste precisamente naquilo que fora desenvolvido nos capítulos precedentes, isto é, a doutrina dos dois caminhos, algumas prescrições em relação às atividades cristãs, deveres em relação a Deus e ao próximo (DIDAKHÉ, 1978, p. 142-169). De modo que, para ter acesso ao batismo, era preciso, segundo a Didakhé, adquirir conhecimento da verdade (FOUCAULT, 1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 101-102).

O segundo documento importante, identificado por Foucault, para a formulação dessa tecnologia de si nos primeiros séculos corresponde à primeira Apologia de Justino, documento um pouco mais tardio, de meados de 150 d.C, e que participava da literatura dita apologética (BENOÎT, 1953BENOÎT, A. Le baptême chrétien au second siècle: la théologie des Pères. Paris: PUF, 1953., p. 138). Nesse texto, com efeito, embora a concepção do batismo como ritual seja bastante semelhante àquela da Didakhé, isto é, de cerimônia realizada no final de um percurso e que traz a marca da purificação pela água, a preparação para o batismo, no caso da Apologia, vai não apenas envolver a dimensão do conhecimento, mas também a fé (FOUCAULT, 1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 103-104). E vamos encontrar nesse texto de Justino (MUNIER, 2006MUNIER, C. Justin martyr: apologie pour les chrétiens. Paris: Cerf , 2006., p. 83) o princípio que diz que o ritual da água deve ser destinado a “todos aqueles que se deixam convencer e creem na verdade de nossos ensinamentos” (MUNIER, 2006, p. 83). Necessidade, portanto, de fé na preparação para o batismo, e não apenas de um conjunto de conhecimentos.

Mas é finalmente com Tertuliano, entre os séculos II e III d.C., mas também pela existência da instituição paralela do catecumenato, descrita por santo Hipólito (1968HIPÓLITO. La tradition apostolique. Paris: Cerf , 1968., p. 69-93), que a preparação para o batismo vai exigir do postulante um procedimento de purificação muito mais complexo e que precede a experiência do ritual. Se nenhum homem nasce sem crime (nullus homo sine crimine) para Tertuliano (REFOULÉ inTERTULIANO, 2002TERTULIANO. Traité du baptême. Paris: Cerf , 2002., p. 13), daí a ideia de pecado original (FOUCAULT, 1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 98), é preciso antes do batismo dar provas de que a purificação vindoura já está parcialmente presente no coração do postulante. Ora, se “não somos lavamos no batismo para que cessemos de pecar, mas porque já paramos de pecar e porque estamos lavados no fundo do coração” (TERTULIANO, 1852TERTULIANO. Œuvres de Tertullien, v. II. Paris: Louis Vivès, 1852., p. 207), na preparação para o batismo, o cristão deve, submetendo-se a uma série de exercícios e a uma espécie de provação da alma (probatio animae), enfrentar consigo mesmo essa realidade que supõe em sua natureza a possibilidade sempre aberta da presença do Outro (HIPÓLITO, 1968HIPÓLITO. La tradition apostolique. Paris: Cerf , 1968., p. 85-87; FOUCAULT, 1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 149-150). Preparar-se para o batismo seria equivalente a produzir essa inquietação em relação a si mesmo, essa desconfiança constante quanto à manifestação daquilo que do eu não coincide com sua identidade, o que vai definir, segundo Foucault (1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 123-125) uma subjetividade marcada pela experiência do medo.

A segunda tecnologia produzida nos primeiros séculos do cristianismo e que teve uma consequência considerável na história da subjetividade foi desenvolvida no interior do ritual de penitência canônica entre os séculos II e III d.C. (FOUCAULT, 1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 165-168; FOUCAULT, 1981/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 101-105). Esse ritual consistia, segundo Foucault, numa espécie de resposta das primeiras comunidades cristãs ao problema, bastante recorrente nos anos de expansão do cristianismo, do pecado depois batismo. Se, depois de se batizar, o cristão voltava a pecar, o que deveria ser feito? “Em sua grande misericórdia”, é a resposta que se encontra no Pastor de Hermas, “o Senhor se comoveu de sua criatura e instituiu a penitência” (HERMAS, 1968HERMAS. Le pasteur. Paris: Cerf , 1968., p. 159-160); a penitência como essa espécie de reconhecimento das faltas e de arrependimento, é um pouco por essa via que o cristão que pecava podia, mais uma vez, voltar para a comunidade dos fiéis.

Embora tenha sido por muitos autores referida pela palavra grega exomológesis, que quer dizer reconhecimento e confissão, na penitência, havia pouco ou quase nada, segundo a análise de Foucault (1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 150-151), de verbalização de pecado. O único momento em que se realizava uma espécie de confissão na penitência era quando se expunha as faltas diante do bispo, realizando aquilo que são Cipriano (1925CIPRIANO, S. Correspondance, v. II. Paris: Les Belles Lettres, 1925., p. 134) descreveu como expositio causae, uma vez que era ele quem decidia se concederia ou não direito à penitência. Uma vez aceita, a exomológesis consistia muito mais em actus, como afirmou Tertuliano (1984TERTULIANO. La pénitence. Paris: Cerf , 1984., p. 180), que, num estado da alma, desenvolvida in conscientia: era “dormir sob o saco e as cinzas, envolver o corpo com trapos escuros, abandonar a alma à tristeza, corrigir os membros faltosos com um tratamento severo” (TERTULIANO, 1984TERTULIANO. La pénitence. Paris: Cerf , 1984., p. 181-182). O modelo, com efeito, dessa espécie de manifestação dramática do fato do arrependimento, a qual coincide com fazer do próprio corpo uma expressão da condição de pecador, seria o modelo do martírio, segundo Foucault (1980/2013FOUCAULT, M. L’origine de l’herméneutique de soi (1980). Paris: Vrin, 2013., p. 73-4; 1981/2012, p. 108-9); menos como verbalização do pecado, a penitência corresponderia a uma renúncia e a uma mortificação de si. Para fazer parte da comunidade de fiéis, é preciso que, no limite, todo cristão possa demonstrar aos outros o que ele é: alguém que pecou e que manifesta, por essa razão, a verdade de si na penitência para perseverar no caminho da vida.

Ora, se a preparação para o batismo introduz uma divisão na subjetividade, pelo fato de, dado o pecado original, ela estar aberta à possibilidade da emergência do Outro no interior de si, a penitência canônica, sob a forma geral de uma manifestação da verdade de si, produz uma subjetividade cuja relação consigo mesmo é marcada pela morte. É apenas no terceiro procedimento, ou melhor, na terceira grande tecnologia abordada por Foucault, que vamos encontrar uma necessidade de confissão. Doravante, a relação do sujeito consigo mesmo será marcada pelo exercício contínuo e permanente da linguagem.

Inscrito no movimento mais amplo e mais geral do ascetismo, o monasticismo cristão representou uma forma de continuar e, ao mesmo tempo, organizar formas de espiritualidades desenvolvidas paralelamente nas comunidades cristãs (FOUCAULT, 1981/2012FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 123-124). Por essa via, com efeito, os monastérios retomavam as tecnologias de austeridade presentes no ascetismo, mas também nas escolas filosóficas da Antiguidade, e isso como forma de praticar o desenvolvimento espiritual e atingir um determinado grau de perfeição e equilíbrio moral (FOUCAULT, 1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 253-155; HADOT, 1995HADOT, P. Qu’est-ce que la philosophie antique? Paris: Gallimard, 1995., p. 362-365). Mas, se a vida do monge era uma vida de penitência, além da prática do jejum, do controle da alimentação, da interdição dos encontros sexuais e do cumprimento de um certo número regras e princípios (FOUCAULT, 1981/2012FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 124-126), o monasticismo também se utilizou de determinadas práticas de verdade da Antiguidade, nas quais estavam em jogo o exame e a direção da consciência.

Com efeito, na Antiguidade grega e romana, como identificou Foucault (1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 228-235; 1981/2012FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 91-101; 1980/2013FOUCAULT, M. Fonds Foucault, NAF 28730 (1975). Paris: Bnf, 2013., p. 40-52; e 1981-1982/2001FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 10-15, 378-382), havia uma série de práticas que relacionavam o sujeito e a verdade, de modo que o ser mesmo do sujeito estava em questão. Seja no caso do exame vespertino da escola pitagórica como forma de preparação para o sono (PITÁGORAS, 1979PITÁGORAS. Les Vers d’or. Hiéroclès: commentaire sur les vers d’or des pythagoriciens. Paris: Maisnie, 1979., p. 30), seja nas modalidades de exame e de direção de consciência do estoicismo, essas tecnologias de si supunham o desenvolvimento de um sujeito capaz de ordenar sua vida e existência conforme um projeto geral de liberdade e autonomia. Enquanto o sujeito dos pitagóricos se purificava antes de dormir porque, entrando em contato com o mundo espiritual pelo sono, deveria estar preparado para a experiência de morte, o sujeito do estoicismo de que fala Sêneca (1951SÊNECA. Dialogues, v. I. Paris: Les Belles Lettres , 1951., p. 102-103) no elogio que faz do exame de Sexto, era uma espécie de administrador que avalia se as atividades realizadas foram conforme a finalidade pretendida, e, no caso de sua troca de cartas com o jovem Sereno (SÊNECA, 1956SÊNECA. Dialogues. v. IV. Paris: Les Belles Lettres , 1956., p. 71-106), um aprendiz que se submete à direção do outro com o objetivo de transformar a verdade numa força vitoriosa (FOUCAULT, 1980/2013FOUCAULT, M. L’origine de l’herméneutique de soi (1980). Paris: Vrin, 2013., p. 48).

Quando se observa, no entanto, como se constituiu o exame de consciência nos monastérios cristãos e ainda como esse exame se articulou com a direção espiritual, vê-se que, apesar de consistir numa aparente retomada desses termos para descrever práticas de verdade realizadas no interior dos monastérios, tratar-se-ia, na realidade, do desenvolvimento de tecnologias bastante diferentes. Com efeito, o objeto do exame de consciência nos monastérios não era nem o dia que passou, nem os erros que se cometeu. O exame de consciência, tal como deveria ser praticado pelos monges, podia ser retrospectivo, mas também se realizar no tempo mesmo em que se realiza o exame. De modo que encontramos, na Vida de Antônio de Atanásio de Alexandria (1999ATANÁSIO DE ALEXANDRIA Vie d’Antoine. Paris: Cerf, 1999., p. 286-287), a figura de um monge que, escrevendo num caderno de notas aquilo que se passa, realiza uma escritura de si como forma de registro daquilo que os padres latinos designavam por cogitationes, isto é, dos movimentos da alma (FOUCAULT, 1980/2013FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 78-79). Para além do regime do actum, essa modalidade de exame supõe a existência desse espaço virtual de análise, o cogitatio, o qual é preciso analisar antes mesmo de qualquer realização (FOUCAULT, 1981/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 143-144).

E, se as cogitationes não correspondem ao pensamento em seu regime de estabilidade, mas, sim, àquilo que, como movimento, se caracteriza pelo signo da passagem constante à diferença, seria preciso saber se aquilo que é objeto de exame está em sintonia com os pensamentos de Deus. Ora, se, na sétima das Conferências de Cassiano (1959CASSIANO, J. Conférences, v. I. Paris: Cerf , 1959., p. 428-429), por exemplo, encontramos que o “espírito humano se define por uma perpétua e extrema mobilidade”, é preciso que ele se examine e se transforme, de modo que possa se caracterizar como o ser único e eterno de Deus. Como se vê, não é tanto, como no caso da moralidade antiga, o regime dos acontecimentos e daquilo que do exterior pode perturbar a tranquilidade da alma o problema a que o exame de si mesmo tentava resolver, mas, sim, o problema da agitação do pensamento, o problema daquilo que, no interior do sujeito, se separa da imutabilidade e da constância da divindade (FOUCAULT, 1981/2012FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 145).

É preciso, no entanto, assinalar um segundo aspecto do exame de consciência praticado pelos monges, pois, se esse exame tem como objeto as cogitationes e sua mobilidade, é porque o pensamento pode ele mesmo se enganar (FOUCAULT, 1981/2012FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 145-148). Um pensamento pode, por exemplo, se manifestar inicialmente como bom, mas depois, na medida em que se torna objeto de um exame, se revelar como sendo mau em sua essência. O exemplo de Foucault (1981/2012FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 146) nos parece bastante ilustrativo, quando diz: é possível que um monge tenha em seu coração o propósito de jejuar, mas que, no fundo, sua motivação seja outra: se comparar com os outros e se considerar em relação a eles superior. É justamente para lidar como esse problema, a saber, da ilusão do pensamento, que o exame de consciência foi articulado, no monasticismo, com a direção, de modo que aquilo que os monges chamavam de exagoreusis (FOUCAULT, 1980/2013FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 87) era precisamente esse ato de confessar ao outro, onde para “não esconder por falsa vergonha nenhum dos pensamentos” era preciso “manifestá-los ao ancião para que fossem julgados” (CASSIANO, 1965CASSIANO, J. Institutions cénobitiques. Paris: Cerf , 1965., p. 131). Por essa prova da alteridade como forma de identificar a origem e a qualidade de um pensamento, o dizer a verdade nos primeiros séculos assumiu a forma de uma hermenêutica do sujeito (FOUCAULT, 1980/2013, p. 40-41, 88-89; FOUCAULT, 1981/2012FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 150).

Se a subjetividade moderna e ocidental é cristã e não grega ou romana, como pensou Foucault (1979-1980/2012FOUCAULT, M. Du gouvernement des vivants (1979-1980). Paris: Gallimard, Seuil, 2012., p. 231), é porque o cristianismo produziu uma modalidade de si mesmo fundada em “dados subjetivos que devem ser interpretados” (FOUCAULT, 1980/2013FOUCAULT, M. L’origine de l’herméneutique de soi (1980). Paris: Vrin, 2013., p. 81). Com a provação da alma na preparação para o batismo - e problema da relação do sujeito com o Outro -, a manifestação dramática da verdade de si na penitência canônica e, finalmente, o exame e a verbalização de si mesmo diante do outro na direção, o cristianismo produziu uma subjetividade marcada pela obrigação de dizer a verdade do que se é e de submeter essa verdade à análise e interpretação do outro. Essa relação do sujeito com a verdade, cujas tecnologias são caracterizadas por uma hermenêutica, não existia na Antiguidade.

Considerações finais

Quando analisamos a presença da psicanálise na História da sexualidade, consideramos, em geral, a forma pela qual o discurso de Freud, mas também o de Lacan, foi responsável por difundir na modernidade uma leitura das relações de poder baseada na ideia de repressão. É precisamente essa concepção que Ayouch (2015AYOUCH, T. Foucault pour la psychanalyse: vérité, véridiction, pratiques de soi. In: SQUVERER, A.; LAUFER, L. (dir.). Foucault et la psychanalyse: quelques questions analytiques à Michel Foucault. Paris: Hermann, 2015., p. 119) evoca ao fazer referência à metapsicologia fundada sobre o negativo e que tem como principais referências, entre outras, os mecanismos de defesa, o recalque, a foraclusão, a negação, a denegação e a alienação. Mesmo que não se trate, em psicanálise, de uma leitura ingênua da relação entre o sexo e o poder, mas de uma concepção que promove um desejo constituído pela lei, se estaria sempre fundamentado numa teoria jurídica do poder (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 107-113). Como antecipou Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 109), a diferença entre uma análise em termos de repressão da pulsão ou em termos de lei constitutiva do desejo não prescreve uma alternativa à analítica do poder baseada numa lógica representativa do direito. Tratar-se-ia ainda, em psicanálise, de uma mesma representação do poder, já que consiste naquilo que interdita e impõe, por estrutura, à produtividade do desejo o limite de uma falta.

Além desse problema, com efeito, identifica-se, na abordagem de Foucault, a determinação muito mais histórica do que estrutural da interdição do incesto. Na passagem do dispositivo da aliança para o dispositivo da sexualidade, a teoria do Édipo, em psicanálise, seria uma tentativa de recentralizar e controlar o polimorfismo, a mobilidade e a multiplicidade das novas formas de saber-poder-prazer, no interior do espaço da família. Birman e Hoffmann (2017BIRMAN, J.; HOFFMANN, C. Lacan e Foucault: conjunções, disjunções e impasses. São Paulo: Instituto Langage e Universidade Paris Diderot, 2017., p. 162), nesse sentido, assinalam como a questão do Édipo na psicanálise foi frontalmente criticada por Foucault, seja em sua acepção de complexo, no caso de Freud, seja sob a sua forma de estrutura, em Lacan. O interesse demasiado na interdição do incesto, como uma das vias privilegiadas de constituição do sujeito humano, pela passagem da natureza para a cultura, seria, no fundo, a garantia de que, na sexualidade de cada um, poder-se-ia encontrar essa relação fundamental entre pai, mãe e filho no exato momento em que tudo parecia indicar o inverso dessa concepção (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 148-149).

Haveria, no entanto, além de uma crítica da hipótese repressiva e de uma problematização do complexo de Édipo na psicanálise, uma questão levantada por Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 71-76, 86-94) a respeito da constituição da sexualidade como lugar de produção de verdades. Em continuidade, com efeito, com a proliferação de discursos em torno do sexo e a produção de singularidades sexuais na modernidade, no centro desse dispositivo, a psicanálise se situaria como uma prática que, pretendendo isolar naquilo que se diz uma verdade do sexo, é capaz de designar uma verdade do sujeito (FOUCAULT, 1984/1994FOUCAULT, M. Interview de Michel Foucault (1984). In: FOUCAULT, M. Dits et écrits, v. IV. Paris: Gallimard , 1994., p. 665). Relacionando a pulsão com uma história pela enunciação de uma sexualidade singular (FOUCAULT, 1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 82, 205-206), a psicanálise contribuiria para uma articulação do sujeito com verdade, e isso pelos procedimentos clínicos do “fazer falar” e da interpretação e pelos postulados de uma causalidade geral e de um princípio de latência em torno do sexo.

O que o desenvolvimento dos estudos de Foucault, nos anos 1980, contribuiu para a abordagem desse problema foi na determinação de uma modalidade de ser do sujeito constituída na passagem da Antiguidade para o cristianismo na perspectiva de uma história das tecnologias de si. Foi pensando em realizar uma genealogia do sujeito moderno que Foucault reenviou o problema do sujeito e da verdade aos primeiros séculos do cristianismo, identificando, na preparação para o batismo, na penitência canônica e na direção espiritual, um conjunto de tecnologias responsável por definir, pela primeira vez em nossa história, uma hermenêutica do sujeito. Ora, se a psicanálise desenvolve na modernidade uma teoria do sujeito e se a verdade que ela supõe em relação ao sujeito é definida no interior de uma experiência da sexualidade, seria preciso considerar, com efeito, esse modelo de subjetividade desenvolvido nos primeiros séculos do cristianismo, definido que é por uma prática hermenêutica (FOUCAULT, 1981/2013FOUCAULT, M. Mal faire, dire vrai: fonction de l’aveu en justice (1981). Louvain: Presses universitaires de Louvain, 2012., p. 224-226; FOUCAULT, 1982/2017FOUCAULT, M. Dire vrai sur soi-même (1982). Paris: Vrin, 2017., p. 27-28).

Se a psicanálise com Lacan se perguntou sobre as condições de acesso à verdade e sobre o conjunto de modificações do sujeito para que ele tivesse acesso à verdade, ela supôs um modelo de subjetividade definido por um espaço de produção de verdade, cujos dados, estruturados como uma linguagem, podem ser analisados e interpretados. Isso porque a definição do sujeito em Lacan só foi possível a partir da articulação que fez entre os registros do inconsciente e da linguagem (BIRMAN; HOFFMANN, 2017BIRMAN, J.; HOFFMANN, C. Lacan e Foucault: conjunções, disjunções e impasses. São Paulo: Instituto Langage e Universidade Paris Diderot, 2017., p. 98). É nesse sentido que podemos entender a formulação de Foucault (1980/2013FOUCAULT, M. L’origine de l’herméneutique de soi (1980). Paris: Vrin, 2013., p. 90-91) quando este identifica, na retomada de uma certa hermenêutica de si pela psicanálise, as marcas de um questionamento antropológico em torno do fundamento de si mesmo.

Se quiséssemos, no entanto, orientar nossa conclusão em direção a uma forma de resistência e isso no sentido preciso que Foucault (1976FOUCAULT, M. Histoire de la sexualité, v. I. Paris: Gallimard , 1976., p. 126-127) atribuiu ao termo quando, em oposição ao campo do poder, caracterizava resistências, no plural, sempre possíveis, necessárias e distribuídas de maneira irregular , seria preciso identificar, como propôs Derrida (1996DERRIDA, J. Résistances de la psychanalyse. Paris: Galilée, 1996., p. 9-10), para além daquilo que resiste à psicanálise, uma resistência da psicanálise. Ou seja, resistência da psicanálise àquilo que resiste ao conceito psicanalítico de resistência e que, portanto, relança a própria experiência psicanalítica em direção ao movimento e àquilo que é, por definição, outro (DERRIDA, 1996DERRIDA, J. Résistances de la psychanalyse. Paris: Galilée, 1996., p. 35). Distanciando-se de toda antropologia, seria preciso pensar que, talvez:

O problema do si não seja descobrir o que ele é em sua positividade, talvez o problema não seja descobrir um si positivo ou o fundamento positivo do si. Talvez nosso problema hoje seja descobrir que o si não é nada mais do que o correlativo histórico de uma tecnologia. [...] Talvez o problema seja mudar essas tecnologias. E, nesse caso, um dos principais problemas políticos hoje seria, no sentido estrito do termo, o da política de nós mesmos (FOUCAULT, 1980/2013FOUCAULT, M. L’origine de l’herméneutique de soi (1980). Paris: Vrin, 2013., p. 90-91).

REFERÊNCIAS

  • ATANÁSIO DE ALEXANDRIA Vie d’Antoine Paris: Cerf, 1999.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    01 Out 2018
  • Aceito
    06 Abr 2020
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