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Mastoidite fúngica em paciente com SIDA: relato de caso

Fungal mastoiditis in patients with AIDS: case report

Resumos

INTRODUÇÃO: Mastoidite fúngica por Aspergillus fumigatus ocorre predominantemente em pacientes imunossuprimidos. O diagnóstico geralmente é difícil e a doença é potencialmente fatal. O tratamento consiste em terapia antifúngica, desbridamento cirúrgico e correção da imunossupressão. RELATO DE CASO: Este artigo trata-se de um relato de um caso de mastoidite fúngica em um paciente com síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA). O tratamento realizado foi o cirúrgico associado à terapia antifúngica. O nervo facial deste paciente não estava afetado, o que não exclui complicações potencialmente fatais da mastoidite.

Síndrome de imunodeficiência adquirida; mastoidite; Aspergillus fumigatus


INTRODUCTION: Fungal Mastoiditis for Aspegillus fumigatus predominatly occurs in imunocmpromised patients. The diagnoses is usually difficult and the disease is potentially fatal. The treatment consists in antifungal therapy, cirurgic debridment and imunossupression correction. CASE REPORT: This article talks about a report of fungal mastoiditis case in a patient with acquired imunodeficiency syndrome (AIDS). The used treatment was cirurgic associated with an antifungal therapy. The facial nerve of this patient was not affected, which does not exclude potentially fatal complication's mastoid.

acquired imunodeficiency syndrome; mastoiditis; Aspergillus fumigatus


RELATO DE CASO

Mastoidite fúngica em paciente com SIDA: relato de caso

Fungal mastoiditis in patients with AIDS - case report

Lucas Rodrigues CarenziI; Flavia SilveiraI; Gabriel Bijos FaidigaI; Tassiana do LagoI; Camila Carrara YassudaI; Eduardo Tanaka MassudaII; Miguel Angelo HyppolitoII

IMédico (a) Residente

IIDoutor. Docente

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Lucas Rodrigues Carenzi Avenida Bandeirantes, 3900 Hospital das Clínicas 12º Andar - Campus Universitário da USP -Monte Alegre -Ribeirão Preto / SP - Brasil - CEP: 14049-900 Telefone: (+55 16) 3602-2321 E-mail: lucas_carenzi@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: Mastoidite fúngica por Aspergillus fumigatus ocorre predominantemente em pacientes imunossuprimidos. O diagnóstico geralmente é difícil e a doença é potencialmente fatal. O tratamento consiste em terapia antifúngica, desbridamento cirúrgico e correção da imunossupressão.

RELATO DE CASO: Este artigo trata-se de um relato de um caso de mastoidite fúngica em um paciente com síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA). O tratamento realizado foi o cirúrgico associado à terapia antifúngica. O nervo facial deste paciente não estava afetado, o que não exclui complicações potencialmente fatais da mastoidite.

Palavras-chave: Síndrome de imunodeficiência adquirida, mastoidite, Aspergillus fumigatus.

SUMMARY

INTRODUCTION: Fungal Mastoiditis for Aspegillus fumigatus predominatly occurs in imunocmpromised patients. The diagnoses is usually difficult and the disease is potentially fatal. The treatment consists in antifungal therapy, cirurgic debridment and imunossupression correction.

CASE REPORT: This article talks about a report of fungal mastoiditis case in a patient with acquired imunodeficiency syndrome (AIDS). The used treatment was cirurgic associated with an antifungal therapy. The facial nerve of this patient was not affected, which does not exclude potentially fatal complication's mastoid.

Keywords: acquired imunodeficiency syndrome, mastoiditis, Aspergillus fumigatus.

INTRODUÇÃO

A infeção por aspergilus tem sido associada a rinossinusite e otite externa invasiva (1,2). Embora infeções por aspergilus em otorrinolaringologia sejam reportadas com certa frequência, a mastoidite por este agente acontece muito raramente (3,4). A maioria dos pacientes com infeção por aspergilus são imunocomprometidos por doenças primárias ou como resultado de tratamento para outras comorbidades (leucemias, diabetes, transplantes). Este relato de caso é de um paciente imunossuprimido devido a SIDA, que evoluiu com mastoidite por aspergilus. Poucos casos são relatados de pacientes imunocompetentes que apresentem infeção por aspergillus (5,6).

RELATO DO CASO

Um homem de 33 anos, sem historia prévia de problemas otorrinolaringológicos, com o diagnóstico de SIDA C3 há anos, internado na enfermaria de moléstias infecciosas do HC-RP-USP, foi encaminhado ao nosso ambulatório devido à otalgia e hipoacusia esquerda há 2 meses, com otorreia ipsilateral esverdeada há 20 dias, de pouca quantidade, sem febre e que não melhorou após tratamento inicial instaurado, em outro serviço, com azitromicina. O paciente não apresentava sintomas nasais ou orais. Ao exame físico, estava emagrecido, descorado e afebril. À otoscopia, havia a presença de pústula em parede posterior de canal auditivo externo (CAE) esquerdo, com membrana timpânica (MT) retraída e hipervascularizada, com líquido em orelha média (OM). Ausência de sinais inflamatórios pré ou retro auriculares e paralisia facial. À direita observava-se apenas leve opacidade de MT. Os exames de oroscopia, rinoscopia anterior e posterior, laringoscopia indireta e ausculta pulmonar estavam inalterados. A audiometria tonal limiar mostrava perda condutiva a esquerda com gap aeroósseo de 20 dB em todas frequências (250 a 8000 Hz), com imitanciometria evidenciando curva tipo B deste lado. O diagnóstico clínico foi de otite media secretora (OMS) e pústula em CAE à esquerda, iniciando-se o tratamento com cefalexina administrada por via oral na dose de 2,0 g / dia após drenagem da pústula.

Não houve melhora na sintomatologia e no exame clínico após 4 dias de tratamento, optando-se por trocar o antibiótico (ATB) para amoxicilina associado a ácido clavulânico, administrados oralmente (na dose de 1,5 g e 375mg /dia).

Após 5 dias de amoxicilina associada a clavulanato, não houve melhora do quadro. Optamos então pela paracentese da MT esquerda, com saída de secreção hialina e sangue apenas e complementação diagnóstica com exame de imagem - tomografia computadorizada (CT) de ossos temporais, onde se evidenciou destruição óssea em mastoide esquerda, além de velamento de toda orelha média ipsilateral (Figuras 1 e 2).



Foi iniciado tratamento com ceftriaxone pela via endovenosa na dose de 4g/dia e intervenção cirúrgica (mastoidectomia simples a esquerda). Os achados demonstraram a presença de secreção amarelo-esverdeada em toda mastoide, além de intensa erosão óssea e grande ampliação do antro. Na ocasião, foram enviados materiais para os exames anatomopatológico (AP) e microbiológico (culturas), cujos resultados demonstraram a presença de hifas na secreção e crescimento de Aspergillus fumigatus (Figura 3), respectivamente. Decidiu-se então pela suspensão da ceftriaxone e início de Anfotericina B pela via endovenosa na dose de 1,5 mg/kg/dia.


O paciente evoluiu no pós-operatório com melhora da otalgia, mas não da hipoacusia. A otoscopia observouse MT íntegra, com discreta hiperemia e sem nível liquido em orelha média. Houve deiscência de ferida operatória no 7º dia de pós-operatório, sem paralisia facial periférica ou sinais de mastoidite, necessitando de curativos diários e ressutura, com sucesso em seu fechamento.

Posteriormente, o paciente evoluiu com pneumonia nosocomial e insuficiência renal aguda, piorando seu quadro clínico com choque séptico e falecendo 51 dias após a cirurgia.

DISCUSSÃO

O Aspergillus fumigatus é um fungo saprófita, que está presente na poeira e na água. A inalação de esporos (conídeos) causa infeção de seios da face e pulmões, com subsequente dispersão para outros sítios. A disseminação pode ocorrer por via hematogênica e por contiguidade para órgãos como fígado, rins e cérebro.

Inicialmente, a infeção por aspergilus era apenas conhecida em seios da face (7,8), até que HALL e FARRIOR (3) (1993) incluíram o osso temporal como sítio de infeção. A classificação inclui três formas: não invasiva (reponde a simples remoção), invasiva, caracterizada por invasão óssea, resposta granulomatosa e fibrose, ocorrendo em pacientes imunossuprimidos, como observado no caso descrito, e, fulminante, caracterizada por invasão de vasos e pouca reação tecidual local

Fontes de infeção fúngica para o osso temporal são as meninges, a via hematogênica, via timpanogênica e nasofaringe (9), sendo mais comuns as três últimas vias. Há relatos de envolvimento do nervo facial, devendo a mastoidite fúngica fazer parte do diagnóstico diferencial quando este tipo de sintoma estiver presente. O que atentamos para o caso descrito é a ausência da paralisia facial neste paciente com mastoidite fúngica.

Este caso ilustra a dificuldade de se fazer o diagnóstico de mastoidite em pacientes com imunossupressão, visto que os sintomas e sinais são menos exuberantes devido à doença de base. A CT, culturas de sangue e biópsia de tecidos (como mucosa de OM através de perfurações de MT) podem favorecer o diagnóstico, porém nem sempre confirmam o mesmo. Neste caso, o que parecia ser uma OMS ao exame físico, na verdade ocultava uma mastoidite crônica causada pelo fungo, o que não é habitual em paciente adulto, e o atraso no diagnóstico pode atrasar a terapêutica ideal.

Considerando a presença de lise óssea e a condição de imunossupressão do paciente, caracterizando uma forma invasiva da doença, a droga de escolha após o tratamento foi a anfotericina B, que tem boa atuação em infeções fúngicas por aspergilus. A anfotericina B é um antifúngico poliênico que se associa ao ergosterol, causando morte celular por lise, devendo-se considerar sua utilização sistêmica e prolongada em situações de infeções fúngicas invasiva ou fulminante em otorrinolaringologia.

COMENTÁRIOS FINAIS

A mastoidite fúngica é uma doença encontrada principalmente em pacientes imunossuprimidos, de difícil diagnóstico e que deve ser tratada agressivamente devido ao seu potencial invasivo e fulminante, o que aumenta significativamente o índice de óbito pela doença.

Este relato alerta para a importância de se pesquisar ativamente a doença mastóidea em pacientes imunossuprimidos com queixas otológicas, pois os sinais e sintomas são pouco exuberantes, atrasando o diagnóstico e o tratamento precoce e efetivo deste grupo particular de pacientes.

Artigo recebido em 10 de Agosto de 2009

Artigo aprovado em 23 de Outubro de 2009

Instituição: Departamento de Otorrinolaringologia, Oftalmologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto / SP – Brasil.

  • 1. Adams N F Jr. Infections involving the ethmoid, maxillary and sphenoid sinus and the orbit due to Aspergillus fumigatus. Arch Surg. 1923, 26:999-1009.
  • 2. Petrak R M, Pottage J C. Levin S, Invasive external otitis caused by Aspergillus fumigatus in an immunocompromised patient. J Infect Dis. 1985, 151:196.
  • 3. Hall P J, Farrior J B, Aspergillus mastoiditis. Otolaryngol Head Neck Surg. 1993, 108:167-170.
  • 4. Teh W, Matti B S, Marisiddaiah H, Minamoto G Y, Aspergillus sinusitis in patients with AIDS: report of three cases and review. Clin Infect Dis. 1995, 21:529-535.
  • 5. Cunningham M, Yu V L, Turner J, Curtin H, Necrotizing otitis externa due to Aspergillus in an immunocompetent patient. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1988, 114:554- 556.
  • 6. Bryce G E, Phillips P, Lepawsky M, Gribble M J, Invasive Aspergillus tympanomastoiditis in an immunocompetent patient. J Otolaryngol. 1997, 26:266-269.
  • 7. Hora J F. Primary aspergillosis of the paranasal sinuses and associated areas. Laryngoscope. 1965, 75:768-773.
  • 8. McGill T J. Mycotic infection of the temporal bone. Arch Otolaryngol. 1978, 104:140-144.
  • Endereço para correspondência:
    Lucas Rodrigues Carenzi
    Avenida Bandeirantes, 3900
    Hospital das Clínicas 12º Andar - Campus Universitário da USP -Monte Alegre -Ribeirão Preto / SP - Brasil - CEP: 14049-900
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      10 Ago 2009
    • Aceito
      29 Out 2009
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