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EDITORIAL

O presente número é um convite ao debate de questões cruciais suscitadas pelos caminhos e descaminhos da literatura atual, como as noções de arquivo, memória geracional, romance familiar ou memorial, que emergem na modernidade tardia, e os aspectos atinentes às estratégias da transmissão geracional de memórias voluntárias e involuntárias que asseguram o fluxo entre passado e presente e a preservação de patrimônios culturais e simbólicos que foram postos à margem.

Os artigos aqui apresentados cobrem os três eixos temáticos sobre os quais se estrutura o presente número. O primeiro conjunto de artigos tem ênfase na questão da transmissão intergeracional, ilustrada pelos artigos de Zilá Bernd e Tanira Rodrigues Soares (Unilasalle/Canoas), de Adina Balint-Babos (Winnipeg University), de Nubia Hanciau (Universidade Federal do Rio Grande), de Maximilien Laroche (Université Laval) e de Ana Maria Lisboa de Mello (PUCRS). A partir de autores das literaturas brasileira, canadense de língua inglesa e francesa, e haitiana, os autores refletem sobre as funções de herança e transmissão da memória dos ancestrais, assim como o mal estar da transmissão (silêncio e luto).

O segundo eixo é integrado por dois artigos que enfocam a questão dos arquivos ficcionais. O primeiro é de autoria de Humberto Fois-Braga (Universidade Federal de Juiz de Fora), sendo o segundo assinado por Marília Santanna Villar (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Os arquivos estão normalmente fechados, seu possuidor detém a autoridade de abri-los ou deixar que permaneçam fechados; abri-los é revelá-los, é transmitir e compartilhar seu conteúdo utilizando esse exercício como forma de redescoberta e reinvenção da própria identidade. O acesso aos arquivos judaicos e familiares e os que se apresentam na forma de autobiografia contemporânea são investigados nesses dois textos.

O terceiro eixo que enfoca especialmente o romance familiar e a memória geracional é composto por três artigos: o primeiro, de Raquel Trentin Oliveira e Gisele Saeger (Universidade Federal de Santa Maria), aborda a obra do autor português António Lobo Antunes como exemplo do novo romance familiar pós-moderno; o seguinte, de Dora Nunes Gago (Universidade de Macau), focaliza também uma autora da literatura portuguesa – Maria Ondina Braga – detendo-se nos retratos de família. Ambos os romances analisam a interioridade dos personagens partindo da anterioridade, ou seja, da relação que eles mantêm com seus antepassados. O último artigo, da pesquisadora da Universidade de Buenos Aires, Leonor Arfuch, trata do delicado tema das narrativas da infância quando os filhos de vítimas da ditadura argentina começam a falar: suas vozes deixaram, segundo a autora, “um comovedor testemunho de inocência e medo”.

O número apresenta ainda duas resenhas, com grande aderência às temáticas abordadas neste volume: uma sobre as noções de patrimônio no âmbito dos estudos pós-coloniais, elaborada por Alcir Pécora (UNICAMP), sobre o livro Patrimônios de influência portuguesa: modos de olhar, lançado em 2015 em coedição da editora da Universidade de Coimbra e da EDUFF; e outra, de autoria de Luciana Molina Queiroz (UNICAMP), sobre a obra de Jonathan Crary, intitulada 24/7 – Capitalismo tardio e os fins do sono.

Os dez artigos deste número, escritos nas quatro línguas predominantes das Américas, português, espanhol, inglês e francês, constituem um instigante dossiê sobre a tendência dos autores do romance contemporâneo de valerem-se do artifício de falar de sua ancestralidade para melhor desvendar sua própria subjetividade.

Zilá Bernd e Patrick Imbert

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2016
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