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De mercadoria à museália: a Coleção Souza Lima de marfins católicos do Museu Histórico Nacional

From merchandise to musealia: the Souza Lima Collection of Catholic ivories at the Museu Histórico Nacional

RESUMO:

Este artigo apresenta os levantamentos e conclusões da pesquisa de pós-doutorado na área da museologia sobre a Coleção Souza Lima, pertencente ao acervo do Museu Histórico Nacional. Formada por 572 imagens cristãs esculpidas em sua maioria em marfim, é considerada uma das mais significativas coleções do tipo sob a guarda de um museu público brasileiro. O nome da coleção faz referência ao colecionador José Luiz de Souza Lima, sendo comprada para o MHN nos anos 1940. Devido à pouca informação sobre as origens das peças e sobre o colecionador, a pesquisa organizou informações no sentido de: (1) apontar para as possibilidades de entrada no país das imaginárias católicas em marfim pela Carreira das Índias; (2) apontar para a possibilidade de produção, no Brasil, de imaginárias em marfim; (3) entender quais foram os argumentos de valoração que justificaram a compra da coleção; (4) apontar as semelhanças entre o colecionismo de Souza Lima e outras coleções; e (5) descrever como o elemento “oriental” foi associado à coleção no processo de musealização e como as ações de curadoria no Museu Histórico Nacional são marcadas por um discurso que reatualiza no Brasil o orientalismo português. Argumenta-se que a curadoria da Coleção Souza Lima tem sido embasada por narrativas que valorizam a experiência colonial portuguesa e reafirmam discursos com perspectivas coloniais. Esse tipo de abordagem eclipsa aspectos informacionais sobre a coleção, como suas origens e as estratégias de resistência por parte de seus produtores, além de questões éticas referentes à entrada desses objetos no circuito do colecionismo e das coleções museológicas.

PALAVRAS-CHAVE:
Coleção Souza Lima; Museu Histórico Nacional; Escultura em marfim; Coleção; Musealização

ABSTRACT:

This article presents the surveys and conclusions of post-doctoral research in Museology on the Souza Lima Collection, belonging to the collection of the Museu Histórico Nacional (National Historical Museum). Made up of 572 Christian images carved mostly from ivory, it is considered one of the most significant collections of its kind under the custody of a Brazilian public museum. The name of the collection refers to the collector José Luiz de Souza Lima, being purchased for the museum in the 1940s. Due to little information about the origins of the pieces and about the collector, the research organized information to: (1) point to the possibilities of entering the country of Catholic imaginaries in ivory via the Carreira das Indias; (2) point to the possibility of producing, in Brazil, ivory images; (3) understand what were the valuation arguments that justified the purchase of the collection; (4) point out the similarities between Souza Lima’s collecting and other collections; and (5) describe how the “oriental” element was associated with the collection in the musealization process, and how curatorial actions at the Museu Histórico Nacional are marked by a discourse that re-updates in Brazil the Portuguese orientalism. It argues that the curation of the Souza Lima Collection has been based on narratives that value the Portuguese colonial experience and reaffirm discourses with colonial perspectives. This type of approach eclipses informational aspects about the collection, such as its origins and the resistance strategies on the part of its producers, as well as ethical issues regarding the entry of these objects into the collecting and museum collection circuit.

KEYWORDS:
Souza Lima Collection; Museu Histórico Nacional; Ivory sculpture; Collection; Musealization

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta os levantamentos e conclusões da pesquisa de pós-doutorado em museologia sobre a Coleção Souza Lima, pertencente ao acervo do Museu Histórico Nacional (MHN). A pesquisa contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsa de Pós-Doutorado Júnior (PDJ), sendo supervisionada pelo professor doutor Márcio Rangel, do Museu de Astronomia e Ciências Afins e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPG-PMUS-Mast-Unirio). A coleção é formada por 572 imagens católicas esculpidas em sua maioria em marfim. É considerada por diversos especialistas como um dos mais volumosos e significativos conjuntos de esculturas do tipo sob a guarda de um museu público brasileiro. O nome da coleção faz referência ao colecionador José Luiz de Souza Lima, que penhorou o conjunto de peças na Caixa Econômica em 1933.

O MNH comprou a coleção em um longo processo, finalizado em 1940. Na documentação disponível no MHN há poucas informações sobre quem foi o colecionador. Sabe-se apenas que adquiriu os marfins no mercado brasileiro, e que, anteriormente, as peças estavam em diferentes igrejas do interior do país. Dada a escassez de documentação sobre as esculturas (não há recibos das peças ou documentos sobre quem foi o antigo proprietário), a pesquisa levantou e organizou informações no sentido de: (1) apontar para as possibilidades de entrada no país das imaginárias católicas em marfim pela Carreira das Índias; (2) apontar para a possibilidade de produção, no Brasil, de imaginárias em marfim; (3) entender quais foram os argumentos de valoração que justificaram a compra da coleção; (4) apontar as semelhanças entre o colecionismo de Souza Lima e outras coleções; e (5) descrever como o elemento “oriental” foi associado à coleção no processo de musealização e como as ações de curadoria no MHN são marcadas por um discurso que reatualiza no Brasil o orientalismo português.

Argumenta-se que as coleções de marfim católicos presentes nos acervos dos museus brasileiros, em especial no MHN, são abordadas por práticas curatoriais embasadas em narrativas de caráter colonial, que, atualmente, incorporaram interpretações que valorizam tais peças a partir da experiência colonial portuguesa e reafirmam discursos com perspectivas “orientalistas”. A tese defendida é a de que a curadoria da Coleção Souza Lima tem sido embasada por narrativas que valorizam a experiência colonial portuguesa e reafirmam discursos com perspectivas coloniais. Esse tipo de abordagem eclipsa aspectos informacionais sobre a coleção, como suas origens e as estratégias de resistência por parte de seus produtores, além de questões éticas referentes à entrada desses objetos no circuito do colecionismo e das coleções museológicas.

OBJETOS: MERCADORIA E SINGULARIZAÇÃO

Ao analisar-se, no âmbito dos estudos da cultura material, objetos muselizados, como os marfins da Coleção Souza Lima, faz-se necessário referenciar os trabalhos de Arjun Appadurai e Igor Kopyttoff. Appadurai vincula-se à chamada “antropologia das coisas” para fazer um estudo sobre o que determina o valor de uma mercadoria. 1 1 Appadurai ( 2008 ). Concentrando seu foco nas coisas trocadas, o autor argumenta que o que gera valor a uma determinada mercadoria é a política. Para ele, toda troca de objetos é um ato político. Essa hipótese é sustentada na ideia de Georg Simmel de que o valor de um objeto não é uma propriedade inerente a ele, e sim o resultado da demanda que ele pode vir a ter. Seria, portanto, ao privilegiar a esfera da circulação que, segundo o autor, poder-se-iam determinar os significados atribuídos às coisas e, dessa forma, o valor que elas têm nas diferentes sociedades.

Nesse sentido, recusando a visão marxista de que as mercadorias seriam uma característica do sistema capitalista, Appadurai entende que elas estão presentes em maior ou menor grau em todas as sociedades. Argumenta que qualquer objeto tem o potencial de tornar-se uma mercadoria, pois o que a define seria a “situação em que a sua trocabilidade (passada, presente ou futura) por alguma outra coisa constitui seu traço social relevante” 2 2 Ibid ., p. 27. , de tal modo que a existência de algo enquanto mercadoria está vinculada à situação mercantil em que ela se encontra. Appadurai define três aspectos que comporiam essa situação mercantil: (1) a fase mercantil, ou seja, o seu estado, não permanente, de mercadoria; (2) a candidatura de qualquer coisa ao estado de mercadoria, o que tem a ver com os regimes de valor culturalmente definidos e atribuídos às coisas, de modo que elas possam ter potencial maior ou menor de tornarem-se mercadorias, a depender do regime de valor a elas atribuído, o que define que sejam facilmente trocadas ou não; e (3) o contexto mercantil de determinada coisa, que diz respeito à situação em que algo se encontra e que a permite entrar na fase mercantil. Esses três componentes se inter-relacionam na definição da situação mercantil das coisas.

Ao tratar das mudanças de estado de mercadoria que as coisas podem sofrer, Appadurai atenta-se para as tensões entre rotas e desvios. No âmbito da circulação dos objetos, existem rotas dentro de uma cultura ou entre culturas diferentes, de modo que se considera que alguns objetos devem ocupar certos lugares específicos ao longo de suas carreiras. Ocorrem, porém, desvios nessas rotas que podem levar a mercantilizações ou desmercantilizações que não ocorreriam por si só. Esses desvios, enquanto “função de desejos irregulares e demandas recentes” 3 3 Ibid ., p. 46. , são passíveis de serem naturalizados, gerando rotas novas ao longo do tempo. Dessa forma, a demanda surge como um ponto importante para a vida social das coisas, pois configura-se como “um complexo mecanismo social que intermedeia padrões da circulação de mercadorias de longo e curto prazo” 4 4 Ibid ., p. 59. no qual estratégias de desvio atuam para que novas demandas surjam, alterando, com isso, diferentes rotas de objetos.

As relações políticas surgem do fato de que as mercadorias tendem a romper acordos tácitos sobre quais trocas são desejáveis e razoáveis, a quem é permitido tal demanda etc. Isso gera tensões dentro do sistema de trocas. O controle político dos fluxos de trocas passa pela ingerência das demandas existentes, mas é nas próprias disputas entre grupos sociais que esse controle se afrouxa, o que pode levar à criação de novas demandas, muitas vezes seguindo estratégias específicas, levando a novos regimes de valor, novas valorações e mudanças nas situações mercantis de diferentes objetos.

Igor Kopytoff apresenta a perspectiva de uma biografia cultural, 5 5 KOPYTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: Appadurai, Arjun (org.). ( 2008 , p. 89-121). que é a reconstituição das trajetórias de determinadas coisas sob a chave cultural, ou seja, o objeto é visto como culturalmente construído, tendo significados culturais em categorias também culturalmente formuladas. Ao definir mercadoria como “algo que tem valor de uso e que pode ser trocado por uma contrapartida […] [que] tem um valor equivalente, dentro do contexto imediato” 6 6 Ibid ., p. 95. , Kopytoff entende as mercadorias como uma classe específica de coisas, em que o fato de serem culturalmente vistas como comuns é o critério que aloca determinados objetos na condição de mercadoria. Isso se contrapõe ao que seria culturalmente singular e, portanto, não trocável.

As tensões entre as forças “mercantilizadoras” e “singularizadoras” é constante na trajetória dos objetos, pois o fato de um objeto ser trocado não garante que ele vá continuar sendo uma mercadoria posteriormente. Ainda assim, a não ser que seja retirado do âmbito das trocas, ele vai continuar sendo uma mercadoria em potencial. O autor chama a atenção para o paradoxo da mercantilização e da singularização. Ao mesmo tempo que algo é singularizado, essa coisa vai adquirindo valor e, com isso, recebe um preço, o que a torna uma mercadoria em potencial. Esse paradoxo está presente no mercado de arte e no dia a dia dos museus.

Os marfins, como aqueles que compõem a Coleção Souza Lima, são marcados por essas carreiras, rotas, desvios e singularizações propostas por ambos os autores. Como veremos adiante, a entrada de objetos em marfim no Brasil está vinculada à Carreira das Índias 7 7 Não foram encontrados elementos que comprovem que os itens da coleção Souza Lima são de origem indiana, a não ser pelo estudo estilístico das peças feito pela museóloga Lucila de Morais e pelas indicações de Clarival do Prado Valadares, como veremos adiante. Porém, sabe-se que inúmeras imaginárias católicas em marfim entraram no Brasil pela Carreira das Índias, e que muitas apresentam traços estilísticos semelhantes aos da coleção do MHN. e ao comércio do marfim nos séculos XVII e XIX, assim como à forte religiosidade dos períodos colonial e imperial e aos códigos de distinção social dos quais os objetos lavrados em marfim são agentes históricos. Isso quer dizer que os marfins, por meio de sua materialidade, conformam visões de mundo, representações imagéticas e posições e relações de poder típicas do domínio colonial, não sendo apenas reflexos dessas relações, mas agentes ativos na construção do mundo colonial, que permanece até os dias atuais nas clássicas interpretações sobre tais objetos expostos em museus, como o MHN. Nesse sentido, este trabalho dialoga com o trabalho de Lúzio, no sentido de propor uma leitura decolonial dos marfins da Coleção Souza Lima. 8 8 Silva ( 2023 ).

Já nas primeiras décadas do século XX, os antigos marfins católicos passaram a ser cobiçados por negociantes e colecionadores de arte, principalmente aqueles interessados em objetos antigos, valorizados pela perspectiva do valor de antiguidade. Hoje é notória a abundância dessas estatuetas entre coleções particulares, coleções museológicas e à disposição para venda, por um alto preço, em antiquários.

Segundo as prerrogativas de Appadurai e Kopytoff, pode-se dizer que durante os períodos colonial e imperial brasileiro as esculturas de marfim estavam em sua fase mercantil. Eram valoradas pelo seu valor religioso e por sua capacidade de promover distinção social, que, aliadas ao exotismo do marfim e às lógicas do comércio colonial, circunstanciam a sua comercialização e circulação. A partir do século XX, observa-se, a partir do colecionismo do próprio Souza Lima e de colecionadores como Mário de Andrade, a valorização de peças em marfim pelo valor histórico e de antiguidade.

De forma resumida, as principais características a serem descritas aqui do marfim em sua perspectiva de mercadoria nos períodos colonial e imperial brasileiros podem ser sumarizadas da seguinte forma:

  • Trata-se de uma mercadoria cujo comércio é milenar, envolvendo relações entre o interior das regiões subsaarianas com a costa suaíli e a costa indiana. No contexto do colonialismo europeu na América, insere-se como mercadoria das rotas comerciais do Atlântico, tornando-o elemento do sistema colonial português.

  • A entrada de marfim bruto e lavrado no Brasil entre os século XVI e XIX ocorre por três principais vias: (1) por contrabando típico do período de proibição de comércio direto entre as colônias portuguesas, principalmente durante estadias para querenagem e manutenção dos navios da Carreira das Índias; (2) pelas liberdades (no caso do marfim lavrado); cotas de produtos que marinheiros, padres e funcionários da administração colonial podiam trazer do Estado da Índia e comercializar livremente quando em trânsito na Carreira da Índia; e (3) por meio do comércio regular entre as naus da Carreira das Índias a partir de meados do século XVII, quando, para dinamizar o comércio direto entre Brasil e o Estado da Índia, a Coroa passa a permitir e incentivar que os navios da Carreira ancorem nos portos brasileiros, em especial os de Salvador e do Rio de Janeiro.

  • Objetos em marfim são mercadorias de distinção social no contexto colonial, em razão da circulação entre as elites locais, tanto aquelas que moravam nas cidades portuárias, Rio de Janeiro e Salvador, como aquelas do interior, como Minas Gerais e Belém, o que mostra a capilaridade e aceitação que o marfim encontra na sociedade colonial como marca de distinção das elites senhoriais.

  • A presença de marfim bruto no Brasil, somado à utilização da mão de obra compulsória de indígenas e escravizados africanos em trabalhos manuais, levanta a hipótese da existência de oficinas de escultura em marfim na América portuguesa.

O marfim como mercadoria

A análise da Coleção Souza Lima, pelas valorações históricas que a envolve, tem que levar em consideração as circunstâncias históricas em que o marfim foi introduzido na sociedade brasileira ao longo dos séculos XVII e XIX. Sabe-se que muitos marfins lavrados com temas católicos entraram por meio da chamada Carreira das Índias. 9 9 Sobre a Carreira das Índias e o comércio de marfim ver Silva ( 2011 ). Todavia, estudos apontam para a entrada de marfins brutos em portos brasileiros, cuja origem está relacionada aos sistemas atlânticos do comércio colonial. Somam-se a esses estudos autores, como Yacy-Ara Froner, que indicam a possibilidade de oficinas e artesãos qualificados produzindo imagens em marfim na região de Minas e em outras localidades brasileiras.

A Carreira das Índias

Figura 1
Mapa com rota da Carreira da Índia.

Embora os elefantes e hipopótamos não sejam espécies de animais encontradas na América, a presença de esculturas lavradas em marfim desses animais em igrejas, museus e coleções particulares no Brasil é significativa. Vemos referências a objetos de marfim em músicas populares e obras literárias. No romance Esaú e Jacó (1904), de Machado de Assis, o desfecho da personagem Flora ocorre a partir de uma oração feita para um antigo cristo de marfim, “deixa da avó, um Cristo que nunca lhe negou nada” 10 10 Assis ( 2001 ). .

A presença de esculturas em marfim deve-se ao papel estratégico ocupado pelo Brasil, em especial os portos da Bahia e do Rio de Janeiro, na chamada Carreira das Índias. Trata-se da rota entre Lisboa e Goa. 11 11 Cf. Lapa ( 1968 ).

O entendimento do que era o Império Colonial Português evidencia seu caráter mercantil, nas palavras de Hespanha:

O Império Português do Oriente não constituía, desde logo, uma identidade territorial, um espaço político contínuo, fundado na ocupação permanente do território e no enquadramento territorial das populações. Era antes uma rede não monótona de relações políticas pré-existentes, deixadas subsistir como elementos de autogoverno, sujeitos a um controle eminente, muitas vezes quase diplomático, da coroa portuguesa. 12 12 Hespanha ( 1999 , p. 18).

Tal percepção corrobora a própria noção que os portugueses tinham do Estado da Índia, utilizando-se a expressão para descrever o território entre o cabo da Boa Esperança e o golfo Pérsico, de um lado da Ásia, e Japão e Timor, do outro.

O litoral da África Oriental incluía-se no termo Ásia, uma vez que naquela ocasião, e durante muito tempo, a costa suaíli, da Somália até Sofala, estava estreitamente ligada à Arábia e à Índia do ponto de vista político, cultural e econômico, com comércios milenares envolvendo marfim, ouro e homens escravizados. 13 13 Boxer ( 2002 , p. 54-55). A Carreira das Índias integrava as redes do comércio ultramar português (Figura 1), sendo os portos brasileiros fundamentais para a sua existência e longevidade, como observou Amaral Lapa, que a considera a mais complexa e duradoura rota marítima da Idade Moderna. Para o autor, isso se deve ao montante de capitais envolvidos em sua manutenção, à complexa mão de obra que empreendeu e ao notável intercâmbio de pessoas, técnicas, saberes, produtos, plantas, animais, usos e costumes que integrou. 14 14 Lapa, op. cit.

A Carreira das Índias foi a primeira rota marítima que vinculou economicamente e culturalmente os quatro continentes, ainda que essa integração tenha ocorrido de forma violenta, com vantagens e desvantagens assimétricas entre as regiões. É uma das rotas pelas quais o capitalismo moderno unificou o mundo em termos comerciais. 15 15 Falcon ( 2000 , p. 31). Ela representa bem a extensão da talassocracia portuguesa, isto é, um império marítimo cuja força se impunha com o controle dos mares.

A existência da Carreira das Índias é circunstanciada por aquilo que o historiador indiano Sardar Kavalam Madhava Panikkar chamou de “época Vasco da Gama” (1498-1949), 16 16 Panikkar ( 1977 ). que pode ser definida como uma era de poder marítimo, de autoridade baseada na força e no controle dos mares detido apenas pelas nações europeias. Isso foi alterado somente no século XX com o surgimento dos Estados Unidos e do Japão como grandes potências rivais. Para Panikkar, a despeito de suas variações, o período Vasco da Gama apresenta uma unidade que pode ser assim identificada: (1) dominação de uma potência marítima sobre as massas continentais da Ásia; (2) imposição de intercâmbios econômicos a comunidades que até então estavam organizadas em economias agrícolas voltadas para o comércio interno e não para o comércio internacional; e (3) dominação das potências marítimas sobre os negócios asiáticos e a criação de um mercado internacional de especiarias, vinculado à ação catequizadora de padres católicos em regiões asiáticas sob o domínio europeu.

Seguindo a chave de leitura de Panikkar, a ilha de Goa – principal território português na Ásia – representa bem as estratégias do colonialismo português na região, pela imposição de intercâmbios econômicos à comunidade local e da conversão, muitas vezes forçada, ao cristianismo. Essas são as circunstâncias nas quais algumas das estatuetas de marfim, como as estudadas neste trabalho, foram criadas, o que evidencia como a dominação portuguesa no Oriente tinha um caráter religioso e comercial. Como observa Lúzio:

os missionários viram nas imagens religiosas em marfim […] a produtividade de uma arte-sacra estrangeira de brio diverso, ora para atender uma efervescência religiosa nos países europeus […] ora para criar possíveis instrumentos de catequese e persuasão na conversão dos povos pagãos absorvidos pelo Império. 17 17 Ibid ., p. 91.

Falcon observa que dos séculos XV ao XVIII, em linhas gerais, a história do capitalismo comercial compreende dois circuitos ou complexos de rotas e trocas mercantis: o intra-europeu e o extra-europeu . Aquele, que predomina até a primeira metade do século XVIII, compreende o Mediterrâneo, o Atlântico, o Báltico e a Europa Centro-Oriental. 18 18 Falcon, op. cit ., p. 31. Por esse circuito circulavam cereais, vinhos, sal, lã, peixe salgado, madeira, estanho, cobre, ferro, sabão e produtos “novos”, como relógios, papel, livros e artigos de luxo, geralmente oriundos da Ásia, região há tempos consagrada como fornecedora de manufaturas e importadora de prata. 19 19 Ibid ., p. 32. Os circuitos extra-europeus atingiram seu auge no século XVIII e abrangiam três áreas principais e algumas subdivisões regionais, a saber: Américas, Índias e China. A área americana compreendia as colônias inglesas da América do Norte, as colônias ibéricas e as “Índias Ocidentais” – Antilhas e Caribe. As “Índias” incluíam o subcontinente indiano, Insulíndia (Indonésia), as regiões da península malaia e as Filipinas, embora muitas vezes os portugueses utilizassem o termo incluindo a costa oriental africana. 20 20 Cf. Boxer, op. cit. Com relação ao comércio chinês, inclui-se na mesma área o Japão e o Sudeste Asiático. Resta ainda o continente africano – grande fornecedor de marfim e homens. No litoral atlântico havia a articulação com as Américas em função do comércio de escravizados; na costa oriental havia as trocas comerciais realizadas com a Índia, o Mar Vermelho e o Golfo Pérsico. 21 21 Falcon, op. cit ., p. 33.

A Carreira das Índias é uma rota do circuito extra-europeu . Vale destacar que os portos brasileiros, em especial o da Bahia, tiveram papel preponderante em seu desenvolvimento e longevidade, pois, como Amaral Lapa pontua, a madeira das florestas brasileiras, além da mão de obra especializada que se formou nos estaleiros coloniais, foi fundamental para a manutenção e os reparos das embarcações rumo a Goa ou a Lisboa. 22 22 Lapa, op. cit ., p. 9.

Apesar das inúmeras proibições que a Coroa Portuguesa impunha sobre a ancoragem dos navios vindos do Estado da Índia nos portos brasileiros, estes eram paradas estratégicas, sendo muitas vezes condicionantes ao sucesso da empreitada. A viagem entre Lisboa e Goa era demorada e arriscada, consumindo muitas vidas e mantimentos. Na viagem, principalmente a de retorno, muitas embarcações aportaram na Bahia e no Rio de Janeiro por inúmeras razões, entre as quais os reparos e a querenagem eram as mais comuns. Muitas chegaram aos portos de Salvador e do Rio de Janeiro com a tripulação adoecida ou dizimada por doenças como o escorbuto, e com cascos, mastros, velames, cordas e peças náuticas destruídas pela força dos ventos e das ondas. Nessas ancoragens, fazia-se necessário, na maior parte das vezes, desembarcar por completo a tripulação e as mercadorias, em vista da necessidade de grandes reparos, como o serviço de calafetação.

Apesar da periculosidade da jornada, das avarias dos barcos e das doenças que atingiam a tripulação, é sabido que, para burlar a proibição de comércio direto entre as colônias e entrepostos portugueses, muitos capitães mentiam ou exageravam sobre as reais condições das embarcações e da tripulação. Aproveitavam a estadia em terras brasileiras para comercializar com a população local as fazendas das Índias , que, segundo os conceitos mercantilistas da época, eram temperos, pedras preciosas, tecidos, marfim lavrado e porcelanas trazidos da Índia. Da América saiam tabaco, madeira, açúcar, algodão e metais preciosos. Da África, escravos, ouro e marfim bruto lavrado. 23 23 Ibid .

Até as últimas décadas do século XVI pode-se dizer que a maior parte dos produtos asiáticos comercializados no Brasil, incluindo estatuetas em marfim, entrou à margem da legislação portuguesa, que era bem taxativa quanto à proibição de especiarias e manufaturas originárias de China, Japão, Índia, Molucas, Timor, Sumatra e demais regiões asiáticas onde os portugueses negociavam. Os produtos deveriam ser enviados para Goa e de lá deveriam ir direto para Lisboa, onde eram inspecionadas e taxadas pela Casa das Índias antes de serem colocadas à venda nos mercados europeus e americanos. Todavia, a Coroa Portuguesa abriu o porto de Salvador para a rota da Carreira das Índias em 1664, permitindo o estabelecimento de relações comerciais diretas entre o Brasil, a África e a Ásia, visando dinamizar a economia com o Estado da Índia, em decadência frente a ação holandesa na região.

Desde as primeiras décadas dos Seiscentos, a Carreira da Índia lusitana viu-se ameaçada. A expansão portuguesa na Índia foi sofrendo transformações desde que ocorreram as primeiras expedições em 1500 e as célebres conquistas de Afonso de Albuquerque. Paulatinamente, o Estado começou a se retirar do comércio, concedendo uma prioridade maior ao Extremo Oriente na rede comercial portuguesa na Ásia, sendo esse o contexto do domínio Habsburgo na década de 1580. Ao final do século XVII o Estado da Índia português não conseguiu resistir às ofensivas dos holandeses e ingleses, perdendo consideravelmente a sua dimensão quando comparado com o início dos 1600. No último quartel do século XVII, o Estado da Índia constituía-se como um conjunto de nichos territoriais e redes comerciais, dominados por mercadores autônomos. Em 1622, os portugueses foram expulsos de Ormuz – então parte do Estado da Índia e importante entreposto à entrada do Golfo Pérsico – pelos persas, com o apoio inglês. Em 1639, foram expulsos do Japão, onde desenvolviam comércio no qual obtinham prata, importante em seu comércio com a China. Nessa época, Portugal perdeu o controle do comércio de especiarias e igualmente grande parte de suas possessões na Ásia. 24 24 Cf. Almeida e Oliveira ( 2014 ).

Antes da permissão de comércio direto com o Oriente em 1664, os objetos lavrados em marfim eram comercializados por meio das redes de contrabando; das “ liberdades que marinheiros traziam como parte de seus proventos, caixas cheias de produtos que lhes eram permitidos negociar” 25 25 Ibid ., p. 95. ; e entre os pertences dos clérigos e administradores coloniais. 26 26 Lapa, op. cit ., p. 20. Cabe ressaltar que os autores mencionados nas notas 24, 25 e 26 abordam as chamadas liberdades que marinheiros e tripulação dos navios da Carreira das Índias tinham para trazerem objetos das Índias. A entrada de marfim lavrado pelas liberdades é indicada no trabalho de Lúzio (2011).

Outro dado que vale destacar é que o grande fluxo de mercadorias oriundas da Ásia no porto de Salvador e no do Rio de Janeiro, como nos mostra Amaral Lapa, explica-se pelo fato de que esses portos eram pontos de reexportação de produtos da Ásia portuguesa para Buenos Aires, que por sua vez os remetia ao Chile e ao Alto Peru, chegando a mercados com ótima aceitação desses produtos em Mendoza, Córdoba e São Miguel de Tucumã. 27 27 Lapa, op. cit ., p. 278-279.

Jorge Lúzio, 28 28 Silva ( 2011 ). ao tratar da circulação do marfim no Império Português do século XVIII, mostra como a conquista e administração do Império Português foi constituída por “redes comerciais …] [que] foram tecidas unindo Europa, África, Ásia e, posteriormente a América, numa dinâmica intensa de circularidades econômicas e culturais, e um espectro de sociabilidades por todo o século XVI” 29 29 Ibid ., p. 38. .

Nessa chave, de um comércio ultramarino marcado pelas circularidades culturais, os marfins lavrados com temas católicos foram exemplo do hibridismo desenvolvido a partir do contato entre os portugueses e os mais diversos povos asiáticos, africanos e americanos. A importância da presença das ordens religiosas junto aos comerciantes no contato com o oriente mostra o componente religioso das grandes navegações, manifestado pela ideia de que a Coroa Portuguesa teria a missão de expandir a fé católica no mundo. Foi nesse sentido que, entre os séculos XVI e XVII, se iniciou a manufatura de esculturas católicas em marfim em Goa para a catequese das populações locais da Índia portuguesa.

Entretanto, isso não se dá sem que os artesãos atribuíssem significados próprios para o que estavam fazendo. O ato de esculpir tinha um componente de sacralidade na cultura hindu, sendo “regido pelos cânones religiosos e impregnado de significados, prevalecendo no trabalho a transcendência que se expressava na religiosidade” 30 30 Ibid ., p. 56. . O artesão que esculpia uma divindade era tido como aquele que permitia a sua materialização. O próprio elefante tinha um significado importante, pois exercia atividades nobres, como o transporte de monarcas, e representava o deus Ganesh. Sendo assim, com a catequese, o marfim esculpido adquire uma significação híbrida, mesclando características do catolicismo com os significados tradicionais que o hinduísmo atribuía a esse material. Isso fica evidente nos elementos hindus presentes nas esculturas católicas da Coleção Souza Lima, que serão elementos de valoração e valorização dessas peças por seu “exotismo”.

O MARFIM NA SOCIEDADE COLONIAL E IMPERIAL DO BRASIL

Além de produtos manufaturados da Ásia, alguns hábitos “orientais” podiam ser encontrados na sociedade colonial brasileira, especialmente na carioca. Como observa José Roberto Teixeira Leite, 31 31 Leite ( 1999 ). muitos governadores das capitanias do Brasil já haviam sido mandatários em Goa e portavam hábitos adquiridos por lá. Além disso, os navios, na viagem de volta da Ásia ao Reino, traziam em suas tripulações muitos homens da Ásia, e alguns acabavam ficando por aqui, com seus hábitos, sua moral e sua tecnologia. Teixeira Leite mostra alguns exemplos da influência chinesa em algumas técnicas de construção, hoje em desuso no Brasil, como o muxarabi, ou a gelosia, assim como os tipos de telha e de feitio de telhado móveis pintados imitando laca, a louça azul e branca.

O meio de transporte da elite colonial brasileira era de força motriz humana, assim como na China, onde as cadeirinhas de arruar, também conhecidas como serpentinas ou palanquins, eram carregadas por escravizados. Objetos chineses também poderiam ser usados como elementos simbólicos, tendo sido encomendados da China leques com pinturas que faziam alusão à abertura dos portos ou à chegada de d. Leopoldina, além de louças de Macau para comemorar a Independência.

Nesse contexto encontramos as imaginárias em marfim no Brasil. Consumir manufaturas vindas da Ásia era uma forma de distinção no Brasil colonial e imperial, expressão de luxo, em que o marfim, mantendo uma tradição que o valoriza na escultura desde a Antiguidade, é um dos elementos importantes em processos de distinção social. A alta circulação do marfim da América portuguesa é atestada pela sua presença em cidades litorâneas e do interior das Minas Gerais do século XVIII, além da significativa quantidade dessas estatuetas em coleções públicas e privadas, como a doo próprio MHN, do Museu de Arte Sacra de São Paulo, da Pinacoteca de São Paulo e do Museu de Arte da Bahia, entre outros. Eduardo França Paiva, 32 32 Paiva ( 2017 ). utilizando inventários e testamentos post mortem das comarcas de Rio das Velhas e do Rio das Mortes, Minas Gerais, entre 1716 e 1789, mostra a grande presença do marfim naquelas regiões. 33 33 Ibid ., p. 244. A documentação cartorial permite o estudo da posse e do uso de objetos de marfim, bem como as suas associações com outros materiais. Esse uso associado permite ao autor levantar a hipótese de que existiam, na América portuguesa, oficinas que trabalhavam o marfim, traduzindo nos objetos “dinâmicas de mestiçagem” entre aspectos culturais próprios da localidade e um material oriental.

Vanicléia Silva Santos e Rogéria Cristina Alves 34 34 Santos e Alves ( 2017 ). também trabalham com documentação cartorial mineira, dessa vez específicas da localidade de Sabará. Privilegiando os objetos de uso utilitários feitos de marfim, e não os devocionais, as autoras mostram como foi grande a circulação de marfim em Minas Gerais. Ambos os estudos citados permitem que percebamos como as Minas Gerais estavam integradas aos fluxos comerciais do Império Português graças à produção de ouro na região. “O ouro fomentou o comércio de variado gênero e mercadores de muitas origens trataram de levar para as Minas tudo o que podiam vender” 35 35 Paiva, op. cit ., p. 240. . Dentre tais mercadorias estavam os bens de distinção, como o marfim.

Eduardo Paiva indica que o marfim era relativamente comum, aparecendo em muitos testamentos e inventários da época. Entretanto, eram homens brancos, nunca forros, que tinham esse tipo de bem, fossem os lavrados totalmente em marfim, fossem os associados a outros materiais. O marfim era, portanto, um bem não acessível a escravizados, ex-escravizados e a seus descendentes que ascenderam economicamente. Essa exclusividade do marfim não se dava por causa do preço dos objetos. De fato, os documentos mostram que o preço do marfim caiu ao longo do século XVIII, não sendo tão inacessível assim. Sua aquisição, portanto, atendia uma lógica diferente da puramente comercial e econômica.

Para Vanicléia Santos e Rogéria Alves, os usos de objetos utilitários de marfim nas Minas Gerais do século XVIII “estavam ligados ao ambiente doméstico ou externo […]; às atividades de negócios e administrativa […]; ao lazer […]; e, por fim, aplicado como adorno de meio de transporte e ostentação social” 36 36 Santos e Alves, op. cit ., p. 274. . Entre os objetos devocionais estavam crucifixos e imagens de santos, também bastante comuns nas Minas Gerais e cujos preços tampouco eram altos. Conforme indicam as autoras, os documentos por elas estudados permitem entrever um uso do marfim em que o simbolismo falava mais alto.

os objetos de marfim adquiridos em Minas Gerais vão além da mera questão da utilidade/funcionalidade. Estavam em pauta o material e seus usos simbólicos, utilizados nos objetos como forma de demonstração de poder e de devoção. O marfim deu forma aos referidos objetos porque distinguia homens e mulheres na sociedade setecentista mineira e principalmente os protegia das agruras do mundo colonial. 37 37 Ibid ., p. 280.

Lúzio aponta para a circularidade das estátuas de marfim na América portuguesa, que foi tão grande que ela pode ser notada nas manifestações do barroco brasileiro, apontando para o uma “identidade luso-tropical”, criada pelas relações intracoloniais permitidas pela Carreira das Índias. Sendo assim, as idas e vindas de navios entre América, África e Ásia fomentaram o surgimento “de uma nova cultura, não mais genuinamente portuguesa, e sim mestiça, levando a miscigenação brasileira no período colonial à inclusão dos elementos étnicos luso-afro-orientais” 38 38 Ibid ., p. 96. . Esse elemento que Lúzio aponta será um fator importante daquilo que na visão freyriana viria a se caracterizar como luso-tropicalismo e que será um dos pilares para a valoração dessas estatuetas enquanto objetos singulares do colecionismo em Portugal e no Brasil no século XX, como veremos mais adiante.

MARFINS BRASILEIROS?

O Centro de Estudos Africanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolve uma rede de trabalho entre historiadores de diversas disciplinas, que divulga e fomenta estudos nacionais e internacionais na área dos estudos africanos. O livro O comércio de marfim no mundo atlântico: circulação e produção (séculos XV a XIX) , organizado por Vanicléia Silva Santos, Eduardo França Paiva e René Lommez Gomes, é fruto desse trabalho e reúne artigos de diversos autores que participam da rede internacional. Dentre os artigos reunidos no livro, um chama a atenção por causa das hipóteses que levanta sobre o uso do marfim na América portuguesa. Trata-se do artigo “A presença de marfim em Minas colonial: estética, materialidade, e hipóteses acerca da produção local”, escrito por Yacy-Ara Froner. 39 39 Froner ( 2018 ). No texto, a circulação, o colecionismo e a tecnologia de construção relativos ao marfim são pensados a partir de algumas questões principais referentes à procedência do material encontrado no Brasil; o uso de marfim bruto em oficinas brasileiras nos séculos XVIII e XIX; o uso de mão de obra escravizada em tais oficinas; a especificidade da estética do marfim português, africano e indiano e os processos de hibridismos identificados em imagens religiosas no mundo atlântico. O arcabouço teórico utilizado é o da história da arte técnica, enquanto a metodologia empregada é a de estudos anatômicos, iconográficos e estético das imagens encontradas em Minas Gerais, o que possibilita avaliar até que ponto elas se mantêm fiéis ao padrão estético europeu ou se apresentam algum estilo local.

Figura 2
Santana – AG0003. Dimensões: 9,5cm × 3,8 cm × 2,7 cm. Coleção Angela Gutierrez – Museu Santana – Tiradentes-MG.

Por meio do levantamento de inventários do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), Yacy-Ara Froner chegou a um número bastante elevado de imaginária em marfim presente tanto em igrejas quanto em instituições variadas de diversas localidades de Minas Gerais. Foi identificada, nas imagens levantadas ao longo do trabalho liderado por Froner, uma influência de um tipo de imaginária em marfim de uso privado proveniente do Reino do Congo feita a partir da identidade de Santo Antônio, Nossa Senhora e Cristo. Essas imagens são de pequeno porte, o que tem relação com o seu uso privado, muitas vezes junto ao corpo, assim como as “esculturas de nó-de-pinho”, o que Froner afirma ser a sua correspondência na América portuguesa, feita em madeira. Minas Gerais viu a proliferação de artesãos especializados nesse tipo de escultura entre os séculos XVIII e XIX.

Passando para a comparação de duas imagens de Santo Antônio, uma de marfim e outra de madeira, Froner chama a atenção para os aspectos que evidenciam a autonomia local das peças. A proporção entre a cabeça das esculturas e o corpo difere daquela adotada pela escultura religiosa europeia, mesmo que detalhes que permitam a identificação do santo permaneçam conforme os modelos europeus. O mesmo se dá numa imagem em marfim de Santana Mestra, na qual a finalização do trono em que a imagem da santa está sentada segue padrões arquitetônicos próprios de Minas Gerais (Figura 2). Froner também retoma algumas pesquisas nessa área que apontam para essa mesma autonomia nas imagens de Santana em madeira, além de evidenciarem a influência que essas imagens e outro tipo de imagens populares católicas mineiras sofrem da imaginária religiosa congolesa. Fica evidente, portanto, as hibridizações ocorridas entre as diferentes culturas que entraram em contato nas Minas Gerais do século XVIII.

Partindo para a análise das peças de marfim reunidas durante o processo de pesquisa, a autora levanta considerações muito pertinentes sobre a tecnologia de construção dos objetos. A partir da análise morfológica, Froner percebe o aproveitamento das características da presa do elefante nas peças esculpidas. Tira-se proveito das áreas ocas e maciças da presa para que sejam confeccionadas as estatuetas, de modo que o local onde há osso maciço corresponde à quase totalidade dos corpos representados, ao passo que, caso sejam necessários furos ou espaços para encaixe, tenta-se usar a parte oca da presa. Além disso, também se observa uma curva no corpo dos santos e Cristos representados nas estatuetas, acompanhando a curvatura característica das presas dos elefantes.

Figura 3
Santa Luzia, marfim policromado, século XVII ou XVIII. “Raro exemplar de imagem em marfim inteiramente policromado: proveniente da Índia ou da Bahia? Ou recoberta – sofrivelmente – da típica policromia baiana para agradar a um dos seus proprietários”. .

Figura 4
Bom Pastor, marfim, vestígios de policromia. Século XVII. Origem: Índia ou Brasil. Coleção Fundação Cultural Ema Gordon Klabin.

Anatomicamente, dois Cristos crucificados chamaram a atenção da autora devido à proporção aplicada na sua fabricação, que também difere da regra aplicada à escultura erudita europeia. Por não seguir tal proporção, os Cristos a que a autora se refere se diferenciam visualmente dos demais, ainda que mantenham os outros aspectos comentados anteriormente. É a partir dessa última constatação que Froner levanta a hipótese de que essas esculturas tenham sido esculpidas em oficinas de marfim em Minas Gerais. Essa diferença proporcional evidencia, como nos casos citados anteriormente, uma autonomia artesanal que subvertia os cânones artísticos europeus. Essa “escola escultórica mineira”, portanto, produziu uma arte em que é forte a marca autoral, em que a relação entre o popular e o erudito não é dicotômica e é evidente um vocabulário imagético próprio e eclético. Além disso, a autora também dá ênfase aos hibridismos culturais que a sociedade colonial possibilitou com produção de ouro e diamantes, que atraia pessoas de diferentes locais e ampliava o emprego da escravidão. Isso, complexificou a sociedade mineira, tornando possível um tipo de escultura religiosa que incorporava elementos trazidos da Europa e de diferentes áreas do Império Português.

Na documentação museológica referente à Coleção Souza Lima no MHN, encontramos argumentações que corroboram o texto de Froner. No catálogo A arte cristã no Museu Histórico Nacional, 1977 , referente à exposição comemorativa do 55º aniversário da criação do MHN, que contou com parte da Coleção Souza Lima, Gerardo Britto Raposo da Câmara, diretor do MHN à época, fala da dificuldade de identificação das oficinas em que foram confeccionadas as imagens, de sua classificação e de sua sistematização. Na apresentação da publicação, o crítico de arte Clarival do Prado Valadares afirma que a maioria das imagens de marfim expostas na ocasião era de procedência jesuítica e esculpidas em Goa. Porém, faz a ressalva de que não se pode afirmar que todas as esculturas sejam de origem oriental, pois é possível que algumas possam ter sido lavradas no Brasil em oficinas jesuíticas com o uso de mão de obra indígena. Observação semelhante é feita por Gustavo Barroso (diretor do MHN à época), que atribui alguns santos em marfim da Coleção Souza Lima a santeiros baianos e mineiros, embora não dê maiores detalhes sobre o porquê da classificação.

Alguns exemplares de santos em marfim em catálogos de coleções analisadas também levantam a possibilidade da existência de oficinas de marfim no país, como é o caso de uma Santa Luzia (Figura 3), totalmente policromada – algo atípico para esculturas em marfim –, para a qual o catálogo da coleção do Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia levanta o questionamento: “proveniente da Índia ou realizada na Bahia? Ou recoberta – sofrivelmente – da típica policromia baiana para agradar a um dos proprietários?” 40 40 Maia ( 1987 , p. 125). .

Outro exemplo de marfim católico cuja atribuição é questionada como sendo do Brasil ou da Índia é um Bom Pastor, com vestígios de policromia e com claras influências budista e hindu, pertencente à coleção da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin, em São Paulo (Figura 4). Na descrição da peça no catálogo da Rede de Museus de Arte Sacra Paulista, a origem é dada como sendo da Índia ou do Brasil. Nesse exemplo também não há maiores explicações sobre a procedência da peça. 41 41 Coutinho ( 2015 , p. 95). Marta Rosseti Batista, curadora da coleção Mário de Andrade, que contém exemplares de santos em marfim, aponta na mesma direção ao dizer que é plausível que tenha havido uma produção local de esculturas em marfim no espaço colonial brasileiro:

É possível que peças de marfim tenham sido executadas no Brasil, de forma esporádica. O material em bruto era exportado para a Europa e parte talvez chegasse às colônias, permitindo, por exemplo, trabalhos decorativos, realização de placas – como a que se encontra na coleção – mesmo pequenas esculturas. Existia ainda o comércio de miudezas, como partes de imagem – cabeças, rostos, mãos e pés. 42 42 Batista ( 2004 , p. 64).

A possibilidade bastante plausível da produção de marfins – inclusive inspirados nos modelos asiáticos – em terras brasileiras potencializa ainda mais a Coleção Souza Lima como importante conjunto de esculturas religiosas em marfim, podendo trazer mais informações sobre sua circulação e os usos na sociedade brasileira.

O PROCESSO DE ENTRADA DA COLEÇÃO, DE 1931 A 1940

Como observado por Kopytoff, as tensões entre as forças “mercantilizadoras” e “singularizadoras” são constantes na trajetória dos objetos, pois, uma vez mercantilizado, nada garante que ele vá continuar sendo objeto de troca comercial, mesmo que continue em potencial como uma mercadoria. Vale apresentar novamente o que o autor chama de paradoxo da mercantilização e singularização, fenômeno observável nos itens da Coleção Souza Lima por meio do seu processo de compra. Os itens da coleção, ao serem musealizados, singularizados de acordo com o Kopytoff, ganham valor comercial, sendo uma potencial mercadoria. Todavia, o processo de musealização implica, necessariamente, a suspensão do seu valor de mercadoria, ganhando conotações memoriais e patrimoniais. Como observa Pomian, os objetos em coleção têm a interessante característica de, ao perderem seu valor utilitário, aumentarem seu valor de troca e, de acordo com o autor, isso ocorre pela função dos objetos em coleção, que é ligar o mundo visível ao invisível, relação nomeada por Pomian como semióforo . 43 43 Pomian ( 1984 ). Segundo Kopytoff, a valorização dos objetos singularizados vem de fora do sistema de trocas, sendo justificada por questões estéticas, artísticas e históricas, dentre outras. 44 44 Kopyttoff ( 2008 ).

Nesse aspecto, o processo de compra da Coleção Souza Lima deixa claras essas tensões entre singularidade e mercantilização. A primeira menção à Coleção Souza Lima nos arquivos do MHN aparece nas correspondências anexadas ao processo de entrada do acervo no MHN, nº 12/39. A primeira carta data de 31 de agosto de 1931 e nela Gustavo Barroso (diretor do MHN à época) escreve ao colecionador José Luiz de Souza Lima agradecendo a oportunidade de visitar seus “marfins católicos”. Barroso elogia o trabalho do colecionador e exalta a coleção, afirmando ser esta de caráter inigualável e de extrema importância para a história da arte religios a e história artística brasileira . Barroso, ao elogiar o trabalho de Souza Lima, manifesta sua esperança de que as peças não saíssem do país . 45 45 Processo MHN nº 12/39, p. 111. A esperança de Barroso de que as peças não saíssem do Brasil indica um processo de singularização da coleção, pois, sendo um testemunho “inigualável” da arte religiosa e artística do país, seu valor atrela-se a noções não mercantis, como a mobilização de valores memoriais para a representação da nação em um museu de história nacional.

Em carta de 19 de agosto de 1932, Solano da Cunha, presidente da Caixa Econômica Federal, solicitou ao diretor do MHN um perito do museu para avaliar a coleção. O banco estava interessado em precificá-la, mas não tinha técnico com formação específica para isso. 46 46 Id ., p. 112. Na mesma data, Gustavo Barroso responde a solicitação de Solano da Cunha dizendo que já conhecia a coleção, tendo-a avaliado quando estava exposta na residência do colecionador. Nessa carta, Barroso reafirma o caráter único do conjunto no Brasil e na América do Sul e diz que, caso o museu tivesse verba suficiente para adquiri-la, estimaria o valor da coleção em oitocentos mil réis por peça . 47 47 Id ., p. 113. A precificação de Barroso chama a atenção por dois motivos: o primeiro é que a coleção tem exemplares bem distintos, sendo alguns de tamanho, qualidade estética e técnica e conservação muito superiores a outros itens da coleção, o que não impediu o diretor do MHN de dar o mesmo preço a todos. O outro é que novamente Barroso mobiliza o caráter singular da coleção como justificativa de sua musealização por meio da compra do conjunto.

Em 9 de dezembro de 1932, Gustavo Barroso enviou uma carta ao ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, indicando o historiador e conservador do MHN, Pedro Calmon Moniz de Bittencourt, para fazer parte da comissão que avaliou a Coleção Souza Lima. Além disso, de acordo com a carta, Souza Lima propunha que o museu adquirisse a coleção. 48 48 Id ., p. 114. Um ano após, em 9 de janeiro de 1933, a comissão designada para avaliar a coleção enviou seu relatório ao ministro. Nesse relatório, assinado por Pedro Calmon, na condição de presidente (na documentação não há informações sobre quem eram os outros membros), o interesse histórico e artístico da coleção é enfatizado:

[a coleção] representa um conjunto admirável, portanto valioso, de obras de arte christão [sic] de todas as épocas. Há algumas imagens excepcionalmente belas e ricas, que se destacam do conjunto pela raridade de suas proporções e perfeição da sua escultura. Mas sobrelevam os Cristos coloniais de marfim, coetâneos da colonização do Brasil e provindos das nossas velhas igrejas. Não conhece a comissão outro acervo de imagens de marfim tão variado e numeroso. Releva notar que negociantes hábeis conseguiram privar nossas antigas igrejas das suas imagens primitivas feitas daquele material, sendo poucas as existentes, tanto em Minas como na Bahia. O sr. Souza Lima logrou organizar uma coleção das mais preciosas , porque a iniciou no momento mesmo em que se dava a grande evasão de objetos históricos e artísticos dos templos tradicionais, adquiridos e comercializados por traficantes da especialidade, praga que assolou as regiões históricas. Possui por isso o sr. Souza Lima exemplares magníficos de Cristos dos séculos I, II e III da colonização brasileira, sendo a sua longa série de imagens uma galeria extraordinariamente opulenta de tipos, estilos e versões artísticas, sumamente importantes para estudo e compreensão da arte religiosa na América. 49 49 Id ., p. 114, grifos nossos.

O relatório afirma também que a comissão não teve como realizar uma avaliação monetária das peças, recomendando a avaliação feita anteriormente por Gustavo Barroso. 50 50 Id ., p. 116-117. Ademais, o parecer da comissão reforça a importância de a coleção ser adquirida pelo MHN. Destaca-se nessa carta a afirmação de Calmon de que a coleção é uma das mais preciosas, ou seja, mais um elemento importante no processo de musealização do conjunto que se utiliza de argumentos singularizadores, como “a raridade do conjunto”. Nota-se também que o historiador chama de “praga” os traficantes de objetos históricos, e, possivelmente, o próprio Souza Lima tenha sido um agente fomentador do comércio de imaginárias em marfim da primeira metade do século XX, momento em que importantes coleções do gênero foram reunidas.

No ano seguinte, em 12 de julho de 1934, a Secretaria de Estado da Educação e Saúde Pública enviou a Gustavo Barroso a cópia da correspondência que a Caixa Econômica remeteu ao Ministério da Fazenda, informando que a instituição havia comprado a coleção em um leilão. A coleção estava garantida em um empréstimo, sendo adquirida por 94:400$000. Já nesse documento afirma-se que a coleção estaria à disposição do museu. Porém, o representante da Caixa Econômica também manifestou a necessidade de que fosse creditado na conta do banco no Tesouro Nacional o valor referente à compra. 51 51 Id ., p. 92-93, 120-121. Em resposta ao ofício de 12 de julho de 1934, o diretor do MHN descreve como foram feitas as tratativas para que a Coleção Souza Lima fosse adquirida pela Caixa Econômica Federal para o MHN. Primeiramente, o gerente da Caixa Econômica procurou Barroso em maio de 1934 para falar sobre a coleção de estátuas e perguntar se ele não teria interesse em adquiri-la para o museu. Barroso respondeu que gostaria, mas não tinha verba para isso. O gerente então informou ao diretor sobre a possibilidade de fazer um acordo entre o banco e o Tesouro Nacional para a aquisição das peças. Essa informação teria levado Barroso a tratar com o então ministro da Fazenda, Artur de Souza Costa. 52 52 Id ., p. 118-119.

Somente em 16 de outubro de 1939 Barroso escreveu ao gerente da Caixa Econômica que a coleção Souza Lima deveria ser entregue a Joaquim Menezes de Oliva, conservador classe K chefe da seção de história do MHN, e que ele teria autorização para emitir qualquer recibo e exercer qualquer ato em nome da diretoria. 53 53 Id ., p. 124. A resposta chega sete meses depois, em 1º de abril de 1940, quando o diretor da Caixa Econômica informou que a entrega das estatuetas de marfim seria feita quando o Tesouro Nacional creditasse o valor de 100:000$000 na Caixa Econômica, valor proveniente de um crédito especial aberto pelo Governo Federal. 54 54 Id ., p. 94, 126. Barroso então enviou carta em 13 de abril de 1940 ao Ministério da Fazenda, a Romero Estelita Cavalcanti Pessoa (interino), informando a situação que impedia a entrega da Coleção Souza Lima ao museu. A direção pede que o ministério tome as devidas providências. 55 55 Id ., p. 127.

Em 12 de julho de 1940, Gustavo Barroso foi informado pelo presidente da Caixa Econômica Federal que o Conselho Administrativo da instituição havia autorizado a entrega da Coleção Souza Lima ao museu, conforme informado em um ofício de 21 de junho de 1940 do diretor da divisão de contabilidade do Ministério de Educação e Saúde. A coleção estava guardada na carteira de penhores da Caixa e o diretor dessa divisão, o doutor Arfio Mazzei, dirigiria o trabalho conjunto com o MHN para a transferência das peças. 56 56 Id ., p. 95, 130.

Em 15 de julho de 1940, Edgar de Araújo Romero, diretor em exercício do MHN, mandou uma carta informando que as providências para a transferência das imagens da coleção já teriam sido tomadas, sendo apontado o doutor Joaquim Menezes de Oliva, conservador classe K e chefe da seção de história do MHN, para receber os objetos. O diretor em exercício também afirma que Menezes de Oliva estaria autorizado a passar recibos e exercer qualquer ato em nome da diretoria. 57 57 Id ., p. 96, 131. Até que, finalmente, em 26 de julho de 1940, o diretor informou ao diretor da divisão de contabilidade do Ministério da Educação e Saúde que a Coleção Souza Lima dera entrada no museu. 58 58 Id ., p. 98, 133.

O longo processo de compra, as autoridades envolvidas, a participação do colecionador Souza Lima e os argumentos de valoração da coleção nos permitem vislumbrar que à época a coleção era valorada pelos agentes do MHN pela importância para a história da arte religiosa e história artística brasileira . O momento da compra é importante, pois mostra a singularização da coleção por meio da musealização. Embora o conjunto nas mãos de Souza Lima já tivesse adquirido um valor de antiguidade, a coleção ainda estava sujeita aos processos de alienação, possibilidade encerrada no momento em que os objetos entram para o acervo do MHN, saindo totalmente do circuito comercial.

Pode-se dizer, portanto, que é a partir da musealização que a coleção começa a estar sujeita às ações do ciclo curatorial no MHN: coleta, conservação e comunicação. Sobre a coleta, pode-se dizer que no momento da compra a ênfase no orientalismo do conjunto ou mesmo a classificação indo-portuguesa e seus correlatos não aparecem na documentação, tampouco na avaliação da comissão formada pelo MHN, com a participação do historiador Pedro Calmon. Pela documentação, a origem asiática das peças não era enfatizada nesse momento, e sim sua relação com as antigas igrejas coloniais. A valorização dos estilemas indo-portugueses será um processo que – como veremos – ocorrerá anos após a compra dos marfins. Na ocasião da compra, a valoração do catolicismo e da história religiosa parece ditar o interesse nas peças, uma vez que os argumentos valorativos sobre a coleção enfatizam seu valor para a história nacional. Nesse sentido, a expressão marfins católicos ou cristãos aparece nas falas como elemento positivo para caracterizar a coleção, e o caráter único do conjunto foi destacado nas correspondências e no relatório da comissão, sendo um importante argumento de singularização. Sobre o argumento da permanência da coleção no país, pode-se dizer que é recorrente quando grandes coleções constituídas por particulares são vendidas ou leiloadas e a aquisição dessas coleções para museus públicos remete às funções dos museus como guardiões de “relíquias” nacionais. Isso ocorreu em leilões como o da coleção de Djalma Hermes da Fonseca, cujos objetos foram comprados pelo Governo Federal em 1940 e dispersos entre museus do Rio de Janeiro, entre eles o próprio MHN.

Outro elemento a ser destacado são as pessoas envolvidas; todos homens de Estado com autoridade política ou intelectual. Além de Gustavo Barroso, diretor do MHN, destacam-se o historiador, orador, político e à época conservador do MHN, Pedro Calmon, o presidente da Caixa Econômica, Solano Couto, e o ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos.

MARFINS EM COLEÇÕES BRASILEIRAS

A coleta de imaginárias religiosas no interior do país foi bastante recorrente nas primeiras décadas do século XX. Os antigos santos das igrejas e oratórios residenciais, assim como os objetos comercializados na Carreira das Índias, figuravam entre itens cobiçados no universo das antiguidades. Esse dado é sustentado pelo próprio Pedro Calmon no parecer que ele assina sobre a Coleção Souza Lima, quando afirma que nos anos 1920 muitas esculturas foram retiradas, por comerciantes de arte, de antigas igrejas coloniais, sendo o próprio Souza Lima um agente ativo. Destaca-se também a atuação de Luís Saia frente à Missão de Pesquisas Folclóricas, de 1938, quando recolheu diversas esculturas nos interiores de Minas Gerais e de cidades do Nordeste. Atualmente, é notório que os objetos esculpidos em marfim estão entre os objetos procurados por colecionadores, sendo comercializados a valores altos no mercado de antiguidades.

A presença de marfins lavrados é recorrente nos objetos reunidos por colecionadores de perfis e tempos diferentes, como Jerônimo Ferreira das Neves, Mário de Andrade, Roberto Burle Marx, Eva Klabin, Ricardo Brennand, Oswaldo Gil Matias e o casal Ivani e Jorge Yunes, dentre outros. Ademais, encontramos esculturas em marfim em diversos museus brasileiros, como a Pinacoteca de São Paulo, o Museu de Arte Sacra de São Paulo e o Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia.

Nos catálogos de coleção e exposições consultadas, os marfins católicos estão em consonância com o repertório de itens datados do período colonial. De certa forma, pode-se dizer que essas coleções representam expressões daquilo que seus colecionadores entendiam como as “raízes” da brasilidade: objetos que remetem à cultura popular, aos povos autóctones, às expressões do catolicismo colonial, às expressões artísticas tipicamente locais; e aos saberes e fazeres tradicionais das regiões interioranas do Brasil. Dessa forma, no repertório em comum ao qual essas coleções remetem-se, encontramos pinturas sacras, prataria, esculturas da “cultura popular”, objetos afro-brasileiros, objetos de origem indígena e manufaturas, como mobiliário, instrumentos de trabalho, dentre outros. Casos exemplares são as coleções de Roberto Burle Marx, Mário de Andrade, Djalma da Fonseca Hermes e Alfredo Ferreira Laje.

No Rio de Janeiro, entre os museus consultados, encontramos estatuetas de marfim no Museu de Arte Sacra, na Casa Museu Eva Klabin, no Museu Castro Maia e no Sítio Roberto Burle Marx. Em São Paulo, analisamos o catálogo da coleção do Museu de Arte Sacra, da Pinacoteca e da coleção Mário de Andrade, pertencente ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) desde 1968.

No Museu de Arte Sacra do Rio de Janeiro estão expostos cerca de dez cristos crucificados de marfim. Todos têm placas com informações e alguns deles estão classificados como indo-portugueses . Não nos foi permitido fotografar os cristos, tampouco ter acesso à documentação dos objetos. Contudo, os funcionários do museu nos informaram não haver na documentação informações sobre a procedência das peças, apenas dados sumários, como material e imagem representada, nada muito diferente daquilo que consta nas legendas. Na Casa Museu Eva Klabin encontramos alguns objetos de marfim na exposição permanente e na Reserva Técnica da instituição. Destes, o único com temática religiosa cristã é uma Madona com o Menino Jesus esculpida na França do século XIV. A Casa Museu Eva Klabin não tem maiores informações sobre essa peça, mas encontrá-la foi interessante, pois é um exemplo da diversidade da origem dos marfins lavrados que encontramos em coleções públicas e particulares. Já sobre os marfins do Museu Castro Maia, recebemos por e-mail um documento com uma lista dos marfins e algumas informações sobre eles. São esculturas de marfim religiosas classificadas como indo-portuguesas , com os estilemas similares a alguns itens da Coleção Souza Lima. Aqui também não há informações sobre a origem das peças, sendo algumas compradas em antiquários. Na coleção de Roberto Burle Marx, o célebre paisagista inventor do Jardim Moderno Tropical, encontramos uma escultura de Nossa Senhora da Conceição, sem procedência e classificada como indo-portuguesa .

Em São Paulo, destaque para a Coleção Mário de Andrade, que contém esculturas religiosas em marfim que foram estudadas por Marta Rossetti Batista, curadora e organizadora do catálogo da coleção. Destacam-se as esculturas coletadas por Luiz Saia, muitas delas trazidas em 1938, durante a Missão de Pesquisas Folclóricas, e de inúmeras viagens que realizou no interior do Nordeste, no mesmo momento em que Souza Lima formou a sua coleção. Pela documentação da Coleção Mário de Andrade, podemos fazer algumas inferências sobre o mercado de esculturas em marfim no período. A primeira é o fetiche do marfim para os colecionadores. A imaginária religiosa foi uma paixão antiga de Mário de Andrade, sendo sua primeira imaginária católica em marfim, uma Nossa Senhora do Rosário, adquirida em 1919, numa viagem a Mariana, Minas Gerais. Num texto em que fala da sua coleção, o escritor deixa bastante claro o valor que dava aos marfins:

eu, que vivo entre livros atraentes, quadros de Anita Malfati, bronzes de Brecheret e minha coleção de imagens antigas. Esta história de imagens antigas vem aqui só porque há muita gente que gosta de presentear. Pois que me deem velhas imagens, ficarei alegríssimo e grato. Minha coleção já tem seu interesse. Há nela dois exemplares de grande valor: uma senhora de marfim, que pertenceu a frei Manuel da Cruz, primeiro bispo de Mariana, e um Menino Jesus carregando velas votivas, esperança de uma das minhas bisavós. 59 59 Andrade apud Batista ( 2004 , p. 18).

Figura 5
Marfins da coleção Mário de Andrade.

A motivação de Mário de Andrade pela imaginária é forte, uma vez que, na leitura de Maria Rossetti Batista, une o artista, o católico praticante e o estudioso que valoriza a manifestação artística em todos os domínios: música, literatura e artes plásticas. Nesse aspecto, o interesse pela arte religiosa aproxima-se, em termos valorativos, da justificativa de Pedro Calmon e Gustavo Barroso ao avaliar a Coleção Souza Lima: tais esculturas representam a história da arte religiosa brasileira. Vale mencionar que, após a referida viagem feita por Mário de Andrade à cidade de Mariana, ocasião em que o escritor comprou o citado marfim que teria pertencido ao bispo de Mariana, ele elaborou a conferência A arte religiosa no Brasil . No texto, o escritor traça um painel da arte cristã, observando sua decadência após o barroco: “a arte cristã, no Brasil, repousa em paz no momento passado. É um fóssil, necessitando ainda de classificação, de que pouca gente ouviu falar e ninguém se incomoda. No entanto, ela existe – ou melhor, existiu” 60 60 Ibid ., p. 20. . Descreve também o que ele considera como os três centros principais de desenvolvimento dessa arte: Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Assim, ao adquirir a referida imagem, há a mobilização de três aspectos valorativos: a origem de um importante centro de produção, a qualidade estética e o fato de ela ter pertencido a uma personagem da vida religiosa, política e literária do país.

A aquisição de esculturas em marfim por Mário de Andrade pode ser entendida também pela atração do material, valioso desde tempos remotos, o que une a paixão pela imaginária à questão do refinamento, da arte do bem-vestir, do bem-viver. As peças de sua coleção foram adquiridas em viagens a cidades interioranas, por meio de seu parceiro, Luís Saia, e até em apostas, como sugere a carta escrita a Rodrigo Mello Franco de Andrade em 1938:

Se na esquina da praça Tiradentes que assinalei no desenho abaixo com um T não existe um teatro que pelo menos até dezembro do ano passado funcionava (e deve estar funcionando ainda) e qual o nome desse teatro. Imagine que vou ganhar numa aposta uma imagem em marfim que faz uns anos que namoro, apesar de não ter um dos braços. 61 61 Ibid ., p. 22.

Como observa Rossetti, o interesse de Mário de Andrade sobre a imaginária católica vai englobando a questão dos costumes, a questão da crença e das superstições populares, enfim, os hábitos do “catolicismo popular brasileiro” 62 62 Ibid ., p. 24. . Luís Saia, seu principal fornecedor de imaginárias, discutia com o escritor as aquisições a serem feitas, e numa das correspondências pode-se ver o alto valor que tais esculturas atingiam no mercado, por exemplo quando relata que um marchand do Recife oferecera uma peça cara, uma grande Nossa Senhora em marfim, “coisa de colecionador muito apaixonado ou muito rico” 63 63 Ibid ., p. 50. .

As peças em marfim da Coleção Mário de Andrade (Figura 5) são comparadas por Rossetti à Coleção Souza Lima, inclusive foram formadas na mesma época e por formas semelhantes: viagens às regiões interioranas do Brasil. De acordo com a autora, os marfins de Mário de Andrade fornecem exemplos variados, sobretudo da chamada arte indo-portuguesa , constituindo um pequeno resumo dessa produção, que inclui desde imagens próximas ao protótipo europeu até aquelas totalmente reinterpretadas pelos artistas indianos. Porém, vale destacar que, à época da sua reunião, o conceito de indo-português ainda não estava associado ao campo da arte, classificação que ganha força após a força do trabalho de Bernardo Ferrão de Tavares e Távora, 64 64 Ver como a interpretação de Távora foi atualizada no trabalho de Vassallo e Silva (2013), que focam na centralidade da imagem e das suas tecnologias no quotidiano. Os autores chamam a atenção para a “civilização da imagem”, que é uma realidade de certa forma sustentada por um conjunto sofisticado de aparatos e circuitos tecnológicos que convertem a imagem num elemento omnipresente na nossa vida. Os autores apontam que, apesar da relevância desse tema, as ciências sociais têm prestado pouca atenção à dimensão visual dos fenômenos sociais. A visualidade vai muito além da mera produção e consumo de imagens (técnicas ou artesanais), envolvendo os distintos modos pelo quais os indivíduos olham para a realidade e a retratam visualmente. A obra referenciada faz uma introdução ao campo de estudo da cultura visual tendo por base a circulação do marfim no Império Português. que, a partir de peças conhecidas na Europa e na América Latina, trabalhou na identificação dos estilemas e na datação de diversas esculturas em marfim, classificando a arte luso-oriental em quatro escolas: a indo-portuguesa, a cíngalo-portuguesa, e com raros exemplares a sino-portuguesa e nipo-portuguesa. O trabalho de Bernardo Ferrão de Tavares e Távora 65 65 Távora ( 1983 ). é o principal dispositivo de autoridade 66 66 Cf. Bezerra ( 2014 ). na classificação da imaginária católica em marfim, sendo base para o trabalho de Lucila de Morais no tratamento da Coleção Souza Lima e de diversas outras.

A noção de arte indo-portuguesa e o orientalismo em Portugal

O termo “ indo-português ” e seus correlatos, cingalo-português , sino-português e luso-africano devem ser entendidos a partir do orientalismo português e dos discursos associados e ele durante os fins do século XIX e a primeira metade do XX. A noção de orientalismo trabalhada aqui tem como referência principal o autor palestino Edward Said, que a desenvolveu na década de 1970, gerando intensos debates desde então. Não é nossa intenção entrar na discussão sobre os problemas epistemológicos indicados pelos críticos da obra de Said, mas apenas tomar o que consideramos válido em sua análise: a conceituação do orientalismo como um discurso que produz saberes e autoridades sobre o Oriente.

o orientalismo pode ser discutido e analisado como a instituição organizada para negociar com Oriente – negociar com ele fazendo declarações a seu respeito, autorizando opiniões sobre ele, descrevendo-o, colonizando-o: em resumo, o orientalismo como um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente. 67 67 Said ( 1995 , p. 29).

Uma característica fundamental do orientalismo que Said enfatiza é a dominação, uma vez que a Ásia era o lugar das maiores, mais ricas e mais antigas colônias europeias, sendo entendida como fonte de suas civilizações e línguas, além do seu rival cultural e uma de suas referências mais profundas e recorrentes dos “outro”. Desse modo, o orientalismo é uma expressão do colonialismo que se materializa com o apoio de instituições, vocabulário, erudição, imagética, doutrina, burocracias e estilos coloniais, configurando uma expressão da cultura material europeia.

Sob o título geral de conhecimento do Oriente, e com cobertura da hegemonia ocidental sobre o Oriente durante todo o período que começa no final do século XVIII, surge um Oriente adequado para os estudos na academia, para a exposição no museu, para a construção de um departamento colonial […] a indagação imaginativa das coisas orientais era baseada mais ou menos exclusivamente numa consciência ocidental soberana. Cuja centralidade não questionada surgia de um mundo oriental, primeiro de acordo com as ideias gerais sobre quem ou o que era oriental, depois de acordo com uma lógica detalhada regida não apenas pela realidade empírica, mas por uma bateria de desejos, repressões, investimentos e projeções. 68 68 Ibid ., p. 35.

A obra de Said é dedicada aos orientalismos inglês, francês e estadunidense, embora o próprio autor reconheça que outras potências coloniais tenham desenvolvido seus orientalismos. É o caso de Portugal, ao qual os historiadores portugueses Fernando Catroga 69 69 Catroga ( 1999b ). e António Manuel Hespanha 70 70 Hespanha, op. cit . apresentam contribuições importantes. António Manuel Hespanha trata do orientalismo a partir do conceito de saberes imperiais , mostrando, de forma panorâmica, como o imperialismo português buscou diferentes saberes sobre o Oriente ao longo da história. Já Fernando Catroga pensa o orientalismo relacionando-o à narrativa da história universal criada no século XIX e com os projetos imperialistas europeus da época.

Na interpretação de Hespanha, o ponto de partida de Said é a ideia de que os orientalismos, entendidos como campo de saber, mas também como um tipo de olhar do europeu em relação ao outro, dizem mais a respeito do observador do que do observado propriamente dito. Trata-se de um enviesamento do olhar europeu sobre o não europeu, devido ao fato de o outro “ser exclusivamente acessível através de campos de observação e instrumentos de análise criados pela prática colonial” 71 71 Ibid ., p. 16. . Esse fato, junto com o controle epistemológico europeu sobre as categorias de apreensão do Oriente, faz com que Hespanha se utilize do conceito de “saber imperial” para caracterizar o orientalismo. Ou seja, o Ocidente faz uso de objetos, conceitos e esquemas interpretativos criados na prática colonial e por eles controlados para tratar do Oriente, controlando a forma como o Oriente era apreendido e interpretado. Assim, o Oriente criado pelo orientalismo é um saber imperial.

Assim, cada império cria o seu próprio saber imperial, já que este está intimamente relacionado às necessidades práticas da administração colonial. Hespanha afirma que os autores que tratam desse tema costumam privilegiar o modelo inglês desenvolvido a partir do final do século XVIII, caracterizado pela ocupação efetiva do território, estabelecimento de uma administração, subjugação das populações nativas e baseado na ideologia racista. Entretanto, ignora-se o modelo imperial português, que floresceu antes do século XVIII, e que gerou os seus próprios saberes imperiais, sendo essa observação sustentada pelo historiador indiano Kavalam Madhava Panikkar, que afirma que o modelo pioneiro português de colonização na Ásia serviu de exemplo para as demais potências europeias nos séculos seguintes. 72 72 Panikkar, op. cit .

É importante ter em mente o fato de que o orientalismo participa das disputas políticas europeias. O saber imperial era usado como forma de mostrar a grandeza do império e o poderio português, capaz de adquirir pela força militar possessões ricas e tantos povos, além de gerar conhecimento sobre eles. Dessa forma, o orientalismo fazia parte de um posicionamento português em relação aos outros Estados europeus, posicionamento que estava intimamente relacionado às conjunturas internacionais de cada época.

Fernando Catroga analisa o orientalismo a partir da narrativa da história universal criada no século XIX e do jogo de poder europeu do final do século. 73 73 Catroga, op. cit . p. 198-199. Segundo Catroga, para compreendermos a dimensão que o orientalismo toma, devemos entender o seu modelo epistemológico e como ele está relacionado à tradição histórico-filosófica que começa a se desenvolver no final do século XVIII com as filosofias da história. A partir de Koselleck, o autor mostra como o século XIX criou um conceito secularizado de história, que, remetendo às filosofias da história, pensa o fluxo histórico a partir de um “necessarismo irreversível comandado por uma vanguarda […] de onde se anunciava a verdade e, portanto, se definiam padrões que demarcavam e valoravam o posicionamento seletivo, na diacronia histórica, dos povos entre si” 74 74 Ibid ., p. 199. . Isso era feito articulando-se os conceitos de progresso, humanidade e história, e contribuiu para a criação dos conceitos de decadência e estagnação. Assim, surge a ideia de histórias diferentes, contemporâneas, mas que caminham para um ponto em comum, que se daria pela expansão mundial da vanguarda ou da elevação dos atrasados ao modelo ocidental dominante.

Em se tratando do Oriente, o historicismo moderno leva a um enaltecimento do passado em contraposição à decadência do presente e entende a região como degrau para a realização do futuro que emana da vanguarda europeia. O que se faz é um trabalho intelectual que acaba por criar um pensamento teleológico que conforma a ideia de história da época, na qual a Europa assume a posição de vanguarda. Além disso, os estudos orientais, impregnados com historicismo moderno, passam a fazer parte de um projeto de domínio do Oriente, no qual o domínio da história dos povos colonizados é uma de suas faces. Segundo Catroga, o paradigma epistemológico moderno tem um componente de dominação que atuava na atitude do Ocidente em relação ao outro. Conforme o cientificismo bastante em voga na época, a intenção era “saber para prever e prover” 75 75 Ibid ., p. 200. . Assim, as previsões e o que se entendia como imperativo de ação no Oriente eram justificadas pelas supostas leis históricas.

A ação colonizadora na Ásia era uma dessas ações necessárias, sendo justificada pela desvalorização do presente e pela valorização da modernização empreendida pelas potências europeias, o que levaria aqueles povos ao seu destino inevitável: o modo de vida ocidental. Isso é uma consequência do historicismo moderno, que, a partir da ideia de um sentido da história que caminhava para a modernidade europeia, enaltecia a missão ocidental de realizar as potencialidades do mundo oriental. O orientalismo logo se insere num teleologismo histórico fundado em argumentos etnológicos e antropológicos. Procurava-se encontrar o desfecho eurocêntrico da história humana de uma forma científica.

Conforme Catroga, o século XIX foi o momento de institucionalização de saberes que associavam história, língua e raças. Esses saberes, integrados ao projeto de poder ocidental, forneceram o conhecimento necessário para a administração e formação de colonos que atuariam nas áreas dominadas. Nesses estudos, a questão linguística foi logo valorizada por ser um indício das migrações na Europa e, assim, uma forma de encontrar as origens da civilização ocidental. Os estudos filológicos encontraram associações entre as línguas europeias e o sânscrito, língua falada na antiguidade indiana. Inicia-se uma valorização da cultura indiana como aquela que teria dado origem à civilização. As teorias racistas da época logo usaram isso para formular a ideia de que os povos europeus seriam herdeiros da grande civilização ariana que se desenvolvera na Índia. Isso “vinha ao encontro da estratégia fundamentadora da superioridade dos europeus ‘de raça caucasiana’” 76 76 Ibid ., p. 207. .

Essa maneira de pensar definia as características nacionais a partir de critérios de raça, justificando a pretensão hegemônica europeia, e, ao mesmo tempo, articulava-se às disputas entre os próprios europeus. O chamado arianismo, ao mesmo tempo que fazia com que os europeus se vissem como herdeiros dos chamados arianos, também criava distinções entre eles com base na proximidade com a origem indo-ariana. Ao mesmo tempo, tudo isso se juntava às pretensões políticas e imperialistas dos Estados europeus, justificando a decadência dos europeus latinos – misturados com mouros e judeus – e reforçando as pretensões britânicas e alemãs. Com as vitórias políticas destes dois últimos ao longo do século XIX, essa teoria ganhou força e cada vez mais o termo “indo-europeu” passou a significar “indo-germanismo”.

Voltando sua análise para Portugal, Catroga considera que não se pode esquecer que a conjuntura política do século XIX fez com que o orientalismo em Portugal se desenvolvesse de modo defensivo. A independência do Brasil fez com que o futuro do Império Português estivesse na África, tendo em vista a decadência de sua presença na Ásia desde o século XVII. Portugal, portanto, insere-se nas discussões sobre o arianismo e o orientalismo como forma de rebater aqueles que questionavam a legitimidade da colonização portuguesa na África. Com isso, o Oriente torna-se a referência de um discurso legitimador do sentido histórico português, o que foi feito buscando-se as origens dos portugueses na Índia e enfatizando a sua ligação com os arianos. Ao mesmo tempo, procurava-se uma contraofensiva em relação ao discurso depreciativo dos povos latinos. A associação com o povo ariano visava colocar os portugueses em posição de destaque na história universal, ressaltar as virtudes nacionais e rebater as pretensões das grandes potências nas suas áreas de influência na África. Diversas foram as teorias que inseriram Portugal na genealogia ariana, mas todas tinham em comum a tentativa de enfatizar a ligação entre ambos.

Com o mesmo objetivo de rechaçar as teorias depreciativas e se defender das ameaças das potências europeias, inicia-se todo um esforço propagandista acerca da ação colonizadora portuguesa, de forma a justificar os direitos históricos portugueses na África, onde ainda existia esperança de expansão, e na Ásia, onde se pretendia manter o que restara das possessões coloniais. Nesse sentido, as Comemorações de Centenários tornam-se uma prática bastante comum a partir do final do século XIX, como forma de divulgar o imperialismo português.

Hespanha, ao identificar os saberes imperiais desenvolvidos pelo orientalismo português ao longo da história do colonialismo, identifica como imperialismo português clássico o período que abrange do século XVI até parte do século XVIII. Nessa época, o Império Português, especialmente no Oriente, não era um corpo político territorializado baseado na ocupação permanente e no enquadramento das populações locais. 77 77 Ibid ., p. 18. Do ponto de vista administrativo, a Coroa empregava um modelo descentralizado em que o poder tinha um número reduzido de atribuições como a justiça, a guerra e, de forma limitada, a fazenda. Nesse momento, era valorizado pela Coroa o conhecimento acerca de portos e rotas marítimas, fluxos comerciais regionais e internacionais, potencial bélico dos grupos na região e algumas noções de história e da alta política local para uso diplomático. Esse modelo é chamado por Hespanha de monarquia corporativa .

Contudo, destacaremos aqui a forma com que Hespanha contextualiza o orientalismo português a partir da segunda metade do século XIX e da primeira do XX, momento de questionamento do colonialismo português e de ameaça às suas colônias no ultramar. Com isso, há duas mudanças principais na postura portuguesa em relação ao Oriente. Primeiramente surge a necessidade de novos saberes, que seriam do mesmo tipo daqueles cultivados pela administração inglesa do chamado imperialismo clássico, em que há a institucionalização do saber orientalista em Portugal por meio da criação de instituições públicas e privadas voltadas para esse fim.

Nesse período começa a se desenvolver a noção do ultramar como local de “reencontro das virtudes da raça e de redenção da Pátria, do abatimento ou decadência em que estava caída” 78 78 Ibid ., p. 28. . As comemorações do final do século XIX são feitas a partir dessa narrativa, trazendo o Oriente como local de efetivação da grandeza histórica portuguesa e para mostrar as vantagens da sua ação colonizadora. O século XX vê o advento da república em Portugal e, com ela, o orientalismo português assume uma nova roupagem. A república herda a narrativa anterior de redenção nacional e retorno às virtudes dos heróis do passado. Entretanto, o progressismo presente na ideologia republicana diminui o saudosismo do passado, inserindo-o na história universal. O orientalismo português passa, então, a incluir a colonização e os descobrimentos como pontos do progresso europeu, etapas na evolução da história mundial.

A implantação do Estado Novo é outro ponto de inflexão no orientalismo português. Com ele, funda-se um novo espírito imperialista, num momento de refundação da nação portuguesa. Esse novo discurso recupera o Oriente como local de manifestação das virtudes portuguesas e há a organização de muitos congressos e exposições, como a Exposição do Mundo Português em 1940, forma de propagar positivamente o colonialismo português.

O ponto principal para o qual Hespanha chama a atenção no novo discurso orientalista é, porém, a sua ambiguidade. Ao mesmo tempo que ele se apoia nas teorias raciais em voga e na busca por uma pureza de sangue como forma de se preservar as virtudes de uma raça, o luso-tropicalismo do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre torna-se a teoria oficial do regime, a ponto de Freyre realizar uma viagem, em 1951, a convite de Salazar para as colônias portuguesas para escrever suas impressões. Essa viagem deu origem aos livros Aventura e rotina e Um brasileiro em terras portuguesas , patrocinados pelo governo português.

O luso-tropicalismo freyriano entende que a cultura portuguesa se destaca pela sua “propensão para integrar e se integrar em contextos étnicos e civilizacionais tropicais” 79 79 Ibid ., p. 30. . Essa seria uma característica própria da raça portuguesa que, associada ao projeto de expansão da fé católica, deu aos portugueses a capacidade de construir um império nos trópicos unido pelo amor. Ambas as bases teóricas se contradizem. Uma valoriza a pureza de sangue, a outra a miscigenação. Porém, o regime salazarista conseguiu conciliá-las e foi essa a base do último colonialismo português.

Vê-se, portanto, que o luso-tropicalismo atendeu bem ao projeto de valorização do colonialismo português, uma vez que Gilberto Freyre, ao superar analiticamente o problema da miscigenação – preponderante nas teorias raciais e que impedia uma leitura positiva dos povos miscigenados –, supõe a existência de uma civilização original que se formou a partir do contato do português com as populações das zonas tropicais do mundo, onde empreendeu sua ação colonizadora. Por meio dessa interação, que compreende a mútua influência em várias dimensões da vida cotidiana, especialmente no modo de vestir-se, na culinária, no comportamento social, na religiosidade etc., criaram-se sociedades híbridas onde o racismo e o preconceito seriam superados pelas características específicas da cultura portuguesa. Podemos sumarizar a interpretação freyriana do luso-tropicalismo a partir de três características presentes em suas obras: (1) mobilidade ; os portugueses são sabidamente os pioneiros nas grandes navegações europeias do século XVI e as explicações para tal característica lusitana assenta-se em argumentos baseados na localização privilegiada da Península Ibérica, na constante ameaça que os mouros representavam, o que levou os portugueses a buscarem novas praças comerciais e aliados, e no intenso contato com outras culturas nos portos portugueses, em especial com as do norte da África; (2) miscibilidade: pedra angular da teoria de Freyre, trata-se da alegada capacidade dos portugueses de se relacionarem sexualmente sem qualquer preconceito racial. Essa para Freyre é a característica cultural que mais permitiu o avanço português pelo mundo com tanto sucesso, sendo, inclusive, um traço que diferencia a experiência colonial portuguesa das outras nações europeias; e (3) aclimatabilidade: as condições físicas de Portugal, sobretudo ao sul do país, são bastante parecidas com as do norte da África ou de outras regiões tropicais, o que para Freyre é uma vantagem dos portugueses, quando comparados aos povos de outras nações europeias, como os ingleses ou holandeses. Desse modo, a capacidade de suportar os climas tropicais permitiu aos portugueses assentarem-se em terras quentes de forma permanente.

Assim, o luso-tropicalismo freyriano teve uma força política e intelectual considerável na construção recente da identidade portuguesa, bem como na brasileira. Portanto, o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre moldou atitudes, representações e políticas vividas nos diversos espaços de língua portuguesa. Trata-se de um discurso baseado na crença de uma ausência de racismo, ou de um brando tratar das diferenças por parte daqueles que se exprimem em português com os meios e povos tropicais.

É nesse contexto do orientalismo português que devemos fazer a crítica ao termo “ indo-português ”, desnaturalizando-o para pensá-lo como discurso indiciário das práticas coloniais. A influência do orientalismo português fica evidente quando analisamos os aspectos pelos quais as esculturas católicas produzidas na Ásia são valoradas no Brasil, incluindo as práticas museográficas dispensadas à Coleção Souza Lima ao longo dos anos, desde que foi incorporada ao acervo do MHN.

Como aponta Carla Alferes Pinto, 80 80 Pinto ( 2016 ). o termo “ indo-português ” surgiu no domínio da dialetologia no final da década de 1870, 81 81 “Leite de Vasconcelos é considerado o fundador da dialetologia portuguesa. Desenvolveu o primeiro estudo sobre o Mirandês, publicado em 1882, sob o título O Dialecto Mirandez , estudo este que foi, posteriormente, aprofundado e publicado numa obra de dois volumes, intitulada Os Estudos de Filologia Mirandesa (1900-1901). Em 1894, publicou a Carta Dialectológica de Portugal Continental , na qual distingue os dialetos portugueses. Em 1901, na sua tese de doutoramento, acrescentou os dialetos insulares (açoriano e madeirense) e os dialetos do ‘ultramar’ (brasileiro e indo-português), além dos dialetos crioulos, o português dos judeus (Amesterdão e Hamburgo) e o Galego. Continuou a desenvolver seus estudos sobre os dialetos portugueses, acrescentando ao Mapa Dialectológico de Portugal Continental (1929) três variedades do dialeto de Trás-os-Montes: Peso da Régua, Alijó e Boticas (Barroso)”. Cf. https://bit.ly/4aVlTIO . Acesso em: 28 abr. 2019. e no ano de 1881 seria pela primeira vez empregue na classificação de objetos artísticos, categorizados como arte decorativa, por John Charles Robinson, na Special Loan Exhibition of Spanish and Portuguese Ornamental Art, apresentada no South Kensington Museum, atual Victoria and Albert Museum, localizado em Londres. Pinto aponta a importância de pensá-lo a partir de seu deslocamento do universo etnográfico – descrição dos dialetos portugueses – para o artístico, o que só é possível em um contexto de afirmação nacionalista mediante uma narrativa que associava a ideia da “heroica gesta descobridora” ao objeto artístico. 82 82 Ibid ., p. 2.

Tal deslocamento é visível na definição dada à arte chamada indo-portuguesa pelas principais autoridades no assunto à época: Sousa Viterbo, Maria Madalena de Cagigal e Silva, Bernardo Ferrão de Tavares e Távora. Nesses autores o termo “ indo-português ” faz referência ao estudo da arte luso-oriental, tanto a objetos de arte portuguesa com influência indiana como a obras de arte indianas com influências portuguesas. Nessa leitura, o termo “ indo-português ” valoriza a arte criada nas colônias portuguesas na Ásia pelo seu caráter português, ou seja, enfatizando a capacidade portuguesa de influenciar “positivamente” as culturas com as quais teve contato. É importante ressaltar que tais autores corroboram uma análise orientalista na leitura das referências tipológicas dos marfins católicos, que independente das suas circunstâncias de produção e cujos significados são entendidos a partir de um conceito positivador da experiência colonial, que é sabidamente uma experiência complexa, permeada de violência e relações assimétricas em termos de poder e negociação.

Alferes Pinto, a partir da análise de programas de diversas exposições do século XX cujos temas abrangiam o império colonial português, mostra como a arte colonial portuguesa, e dentro dela a arte indo-portuguesa , foi sendo utilizado na construção da ideia de arte portuguesa e, ao mesmo tempo, para indicar a primazia colonial do país. 83 83 Ibid . Desde o século XIX vinham-se realizando em Portugal várias comemorações centenárias, ocorridas entre o final do século XIX e o século XX, dentre as quais destacam-se os centenários de Camões (1880), do Infante d. Henrique (1894), da Índia (1897-1898) e o Duplo Centenário (1940). Em todas essas ocasiões houve a exaltação da colonização portuguesa, o que pode ser percebido pelo destaque dado ao Brasil e à ideia do Oriente como fonte de riquezas, o que aludia à capacidade portuguesa e aos seus direitos históricos. Eram festas cívicas em que se procurava compatibilizar a produção historiográfica com a indução de sentimentos coletivos: um discurso que se apropriou do passado de forma a usá-lo como paradigma para a superação da decadência presente portuguesa e legitimação do seu imperialismo, constantemente ameaçado entre os séculos XIX e XX.

Porém, é importante ter em mente que o principal objetivo das manifestações tinha cariz defensivo. E, mesmo quando enalteciam outras heroicidades – as do Oriente, por exemplo – e se revestiam de símbolos orientalistas, o seu referencial último continuou a ser o continente africano. 84 84 Ibid ., p. 269. Como foi dito anteriormente, o futuro do imperialismo português estava na África, pelo qual Lisboa ainda alimentava desejos expansionistas. As comemorações, portanto, fazem parte de um esforço do Estado português de legitimar as suas pretensões no continente e defender as suas colônias das pretensões das potências europeias. 85 85 Catroga ( 1999a , p. 267).

Cabe ressaltar aqui a participação de Gustavo Barroso na montagem no Brasil da Exposição do Mundo Português, evento realizado em 1940 para comemorar o duplo centenário de fundação (1140) e refundação (1640) de Portugal. Na Exposição do Mundo Português integraram-se congressos, comemoração histórica e exposições, todos atuando para conciliar o discurso historiográfico com as pretensões imperialistas e expansionistas de Salazar na África. As datas de fundação e refundação foram recuperadas nesse evento num discurso de legitimação de uma ideia providencialista do destino imperial português. Ressalta-se que Gustavo Barroso não levou nenhum dos marfins católicos do MHN dentre as 623 peças levadas a Portugal para a Exposição do Mundo Português e que o então diretor do MHN foi responsável pelo pavilhão do Brasil, que ele chamou de Exposição Histórica do Brasil, ao passo que a expografia pensada por Barroso reafirmava os laços entre a colonização portuguesa, o Império e a então República Brasileira, exaltando a figura de Getúlio Vargas. Nas suas palavras:

O que a direção do Museu Histórico, em cumprimento das determinações que lhe foram dadas pelo Exmo. General Francisco José Pinto, procurou fazer nos múltiplos aspectos dessa Exposição preparada no curto espaço de três meses – decoração do ambiente com legendas e heráldicas, mostruário de relíquias não muito numerosas, porém sobremaneira significativas, documentos históricos, artísticos e numismáticos – foi resumir os quatro séculos e meio de História do Brasil, desde o século do Descobrimento, sintetizado pela Cruz Processional, num broquel e num gládio daquele tempo até o momento atual, expresso no grande retrato à óleo do fundador do Estado Novo, Sua Excelência o Presidente Getúlio Vargas. 86 86 Barroso (p. 238) apud Monteiro ( 2011 , p. 187).

Embora seja plausível imaginar que os valores do orientalismo português e do luso-tropicalismo freyriano estivessem sendo mobilizados quando a Coleção Souza Lima foi formada, o argumento valorativo dado por Gustavo Barroso e Pedro Calmon para justificar a compra foi o de que a coleção era de extrema importância para a história da arte religiosa e história artística brasileira . O discurso orientalista foi inserido como elemento de valoração e classificação da coleção posteriormente, a partir, principalmente, do trabalho de Lucila de Morais, que atuou por anos como curadora da coleção, sendo responsável pela grande visibilidade que o conjunto ganhou a partir dos anos 1990.

Contudo, a produção historiográfica mais recente questiona o termo “ indo-português ”. Aliados à crítica de Alferes Pinto, que evidencia o caráter nacionalista e etnicista do conceito de indo-português , outros autores brasileiros mostram como o uso desse conceito limita a pesquisa histórica. Jorge Lúzio 87 87 Silva ( 2023 ). entende o conceito como uma forma de colonização intelectual que, ao enfatizar o aspecto europeu da arte em marfim, fecha as portas para a compreensão de seus significados na sociedade indiana, aquela que a produziu. Assim, entendê-la se faz essencial em uma pesquisa adequada sobre essa expressão artística. Para Eduardo França Paiva 88 88 Paiva, op. cit ., p. 252. urge que desconfiemos do corpus conceitual que utilizamos. Com a crítica ao indo-português, estaríamos em melhor condição de entender os múltiplos significados atribuídos ao marfim e as relações estabelecidas entre eles, além de favorecer uma visão do material por sua perspectiva não ocidental. Já Vanicléia Silva Santos, 89 89 Santos e Alves, op. cit ., p. 260. criticando o termo “ afro-português ” – cuja reflexão pode ser aplicada ao indo-português e a seus correlatos –, propõe o uso do termo “ marfim africano ”, mesmo em se tratando de marfins lavrados sob a demanda europeia. Ou seja, mesmo que esculpidos no contexto do contato português com as populações africanas, isso se deu pelas mãos de africanos, com forte influência de suas estruturas mentais e culturais. Isso implica uma visão não hegemônica, uma vez que a autora desconstrói a ideia de que objetos de marfim eram produzidos em contextos africanos prioritariamente para o interesse estrangeiro. A autora sublinha os usos e sentidos que esses objetos tinham entre as elites e pessoas ordinárias de sociedades africanas, como essa apropriação foi absorvida por países europeus e como ocorreu a adaptação do uso dessa matéria-prima na diáspora africana no Brasil e na Europa. O estudo sobre diferentes contextos de produção e circulação do marfim permite a aproximação de sociedades africanas também com o mundo fora do continente e possibilita um forte questionamento do termo “ afro-português ” e por extensão do termo “ indo-português ”, que são resultados da própria colonialidade do saber. 90 90 Cf. Santos ( 2023 ).

Atualizando o orientalismo português no Brasil: museografia e curadoria como práticas discursivas

A musealização pode ser entendida como a ação de criação do “objeto de museu”: “operação de extração, física e conceitual, de uma coisa de seu meio natural ou cultural, conferindo a ela um estatuto museal – isto é, transformando-a em museália” 91 91 Desvallées e Mairesse (2017, p. 48). . Trata-se de tornar determinado objeto parte integrante de um acervo museológico, alterando seu valor de uso, seu estatuto e tornando-o um patrimônio ou bem cultural. Uma vez dentro do museu, o objeto assume o papel de documento, evidência material ou imaterial do homem e de seu meio, fonte primária de pesquisa e objeto de fruição cultural e sensorial.

No caso de um museu de história, como é o caso do MHN, musealizar um objeto consiste em agregar a ele o estatuto de objeto histórico , o que implica sua categorização como documento e seus corolários indício e evidência . Trata-se, portanto, de uma operação que começa com a separação do objeto de seu contexto de origem, para ser preservado, estudado e exposto como fonte de informação e evidência de determinada situação cultural e histórica. É por essa razão que a musealização implica atividades básicas dos museus: preservação (seleção, aquisição, gestão, conservação), pesquisa (levantamento de informações, desenvolvimento da documentação sobre o acervo, atribuição de sentido e autenticidade, dentre outros) e comunicação (exposições, publicações e atividades educativas e sociais). Poder-se-ia falar também que a musealização é uma das etapas do ciclo curatorial que podem ser definidas pelas ações de coleta, conservação e comunicação, o que envolve a produção documental sobre determinado acervo.

Uma vez musealizado, o objeto adquire uma função documental. Conforme afirma Waldisa Rússio Guarnieri, quando se musealiza objetos com intenções de documentalidade e fidelidade, procura-se passar informações à comunidade: “ora, a informação pressupõe conhecimento (emoção/razão), registro (sensação, imagem, ideia) e memória (sistematização de ideias e imagens e estabelecimento de ligações)” 92 92 Guarnieri apud Padilha ( 2014 ). . Portanto, o documento não é algo dado, e sim criado com intenções específicas de ser evidência e prova de determinado contexto cultural ou histórico.

Dessa forma, como observa Loureiro, os objetos musealizados são submetidos a um processo contínuo de significações ocorridas frente às transformações trazidas pela produção de conhecimento e pelas diversas práticas curatoriais às quais estão sujeitos. 93 93 Ibid . Nesse aspecto, os termos “museografia” e “curadoria” apresentam proximidade semântica, uma vez que museografia não se restringe ao ato da montagem da exposição. O termo aparece pela primeira vez no tratado escrito por Gaspar Friedrich Neickel, publicado em Hamburgo em 1727, e relaciona-se com a escolha dos lugares mais adequados para receber uma coleção, sobre a melhor maneira de conservá-la e finalmente sobre sua classificação e organização. 94 94 Poulot ( 2013 , p. 127). A museografia, desse modo, não se restringe apenas à prática no interior dos espaços museológicos, mas encontra-se vinculada à curadoria em seu sentido amplo. 95 95 Loureiro ( 2008 , p. 24).

Entende-se, assim, curadoria como o conjunto de atividades organicamente desenvolvidas em torno de acervos conservados em museus. São elas: formação de coleções, estudo e documentação de coleções, preservação e organização física de unidades e coleções em reservas técnicas, bem como difusão de acervos e de conhecimentos produzidos por intermédio de seu estudo e problematização. Como observa Bruno, a história dos museus testemunha o surgimento das atividades de curadoria em torno das ações de seleção, estudo, salvaguarda e comunicação de acervos. 96 96 Bruno ( 2008 ). A curadoria, nesse aspecto, vincula-se ao próprio processo de profissionalização nos museus, ao desenvolvimento de disciplinas específicas para o trato com acervos e à profissão de conservador.

No âmbito brasileiro, o curso de museus criado em 1932 no organograma do MHN, fundado em 1922, veio dar origem ao que o professor Ivan Coelho de Sá considera, hoje, como a primeira geração de museólogos brasileiros. 97 97 Sá ( 2019 ). Vânia Carneiro, Paulo César Garcez Marins e Solange Ferraz de Lima apontam que o “ciclo curatorial” 98 98 Carneiro, Marins e Lima ( 2021 ). envolve uma cadeia de procedimentos e práticas dentro dos museus, desde a incorporação de acervo até sua difusão. Esses procedimentos e práticas passam pelas ações de coleta, conservação e comunicação. Embora essa cadeia seja composta por diretrizes museológicas próprias à atividade museal, também leva a especificidades determinadas pela tipologia de acervo e pela disciplina científica articulada a ela. A curadoria, pensada como processo, como sugere a museóloga Tereza Scheiner, 99 99 Scheiner ( 2008 ). torna-se, então, uma prática coletiva e multidisciplinar, em razão das diversas especialidades e atores que atuam em museus históricos, com seus laboratórios de conservação, classificação, indexação, equipes educativas e setores expográficos, dentre outros profissionais envolvidos nos processos curatoriais.

Nas práticas museográficas parece ocorrer algo semelhante à função de autor presente na ordem do discurso analisada por Michel Foucault. Para o filósofo francês, a denominação “autor” tem outras funções além das indicadoras, como no caso dos nomes próprios. O nome de autor assegura uma função classificativa; determinado nome permite reagrupar certo número de textos, delimitá-los, selecioná-los e opô-los a outros. Portanto, se entendemos a curadoria como uma forma de produção de discurso, a autoridade de determinados atores produz algo semelhante à “função de autor”, possibilitando a valoração de objetos como “documentos” e agrupando-os com outros objetos numa mesma categoria e ordem discursiva. 100 100 Foucault ( 1998 ).

Como um discurso ordenado, as coleções museológicas dificilmente podem ser desassociadas de uma filosofia da história, em que as noções de tradição, influência, mentalidade, exemplaridade, espírito e desenvolvimento atuam como “unidades discursivas”, que articulam diferentes passados e possibilitam a construção de narrativas, sejam elas individuais, sejam coletivas. 101 101 Id . (2002). O museu insere-se, desse modo, em uma percepção do passado como espaço de experiência do qual podemos, por um lado, tirar lições e exemplos – daí a necessidade de colecionar ou arquivar seus vestígios materiais –, e, de outro lado, do futuro, que é percebido como um horizonte de expectativa, ou seja, uma projeção a partir dos nossos atos no presente, o que justifica o caráter de legado do patrimônio. 102 102 Cf. Koselleck ( 2006 ). Isso implica, consequentemente, a sistematização de objetos, práticas e lugares que são mobilizados por agentes envolvidos em processos de construção de memórias e histórias nacionais, locais, institucionais e até mesmo individuais.

A curadoria efetiva-se, portanto, como resultado da organização, categorização, produção de sentido e apropriação de objetos selecionados por sua conotação testemunhal e memorialística. Portanto, faz-se necessário atentar para os aspectos discursivos e simbólicos da vida sociocultural da qual o patrimônio faz parte. Como sublinha Andrea Daher, inserir a noção de discurso como centro da análise do patrimônio é considerar a linguagem e as práticas discursivas como elementos constituintes da vida social. Por conseguinte, tanto a produção quanto a recepção dos objetos culturais são práticas sociais nas quais se inscrevem usos específicos do patrimônio cultural, que se dão segundo partilhas anônimas e coletivas, relacionadas aos habitus dos diferentes grupos sociais que se apropriam dos bens culturais. 103 103 Daher ( 2011 , p. 113-129). O que se quer enfatizar com essas colocações é que o trabalho de curadoria de coleções museológicas pressupõe o processo constante de construção da coleção, uma vez que os sentidos e os valores documentais não se encerram no ato de incorporação de determinado objeto ao museu. A musealização é um trabalho contínuo de tratamento e gestão de acervos museológicos, no qual o trabalho de pesquisa é fundamental. Esse trabalho constrói possibilidades documentais e informacionais dos objetos, procedimento no qual o papel dos profissionais que atuam em museus é produtor de sentidos. Assim, os atos de descrever, sistematizar informações e estabelecer relações com outros acervos ampliam a noção de documento, categoria fundamental ao ato de musealizar.

Dessa forma, os objetos musealizados são submetidos a um processo contínuo de significações que se dão pela produção de conhecimento sobre o acervo e pelas diversas práticas curatoriais às quais estão sujeitos. 104 104 Ibid . Nesse sentido, consideramos os Anais do Museu Histórico Nacional , assim como as demais publicações do MHN (catálogos de exposição e os livros de divulgação), como práticas de curadoria e, portanto, produtoras de sentido. Analisamos como a classificação indo-português e seus correlatos foram sendo assimiladas e inseridas na museografia da coleção após seu processo de musealização, de tal forma que os curadores do MHN acrescentaram ao discurso colonial brasileiro, ao qual essa coleção estava incialmente vinculada, o elemento orientalista, em seu viés português dos anos 1940. Destaca-se nesse processo o trabalho curatorial da museóloga Lucila Morais, que dedicou alguns anos de sua carreira ao estudo da coleção, iniciado no final dos anos 1980.

Vale destacar que, nesta pesquisa sobre a Coleção Souza Lima, não se trata de sugerir a mudança na classificação das peças. O que se ressalta é a importância da não naturalização das classificações e da reflexão crítica sobre os procedimentos curatoriais e como eles reforçam categorias e discursos que precisam ser circunstanciados em seus momentos de elaboração e disseminação. Refletir e entender as categorias que embasam os processos de musealização permite que o trabalho com objetos museológicos potencialize o entendimento desses objetos como agentes históricos da dimensão material da cultura, conformando valores, posições e visões sobre o mundo.

Referências ao indo-português e seus correlatos nos Anais do Museu Histórico Nacional e nos Catálogos do MHN

A primeira referência ao termo “ indo-português ” encontrada na documentação do MHN é a classificação de uma cômoda marchetada e incrustada de marfim, do século XVIII, em artigo dos Anais do Museu Histórico Nacional . Essa referência aparece num catálogo descritivo do mobiliário da sala D. João VI feito por Maria Laura Ribeiro, curadora da instituição. Ribeiro descreve essa cômoda e a classifica como indo-portuguesa. A mesma classificação aparece em um contador filipino em jacarandá, do século XVII, no mesmo volume dos Anais do Museu Histórico Nacional .

Em catálogo de exposição, a primeira referência à Coleção Souza Lima é a publicação A arte cristã no Museu Histórico Nacional: Exposição comemorativa do 55º aniversário da criação do MHN , de 1977, e que contou com parte da Coleção Souza Lima. A exposição ocorreu no Museu da República, e o diretor do MHN, Gerardo Britto Raposo da Câmara, em texto introdutório da publicação, fala da dificuldade de identificação das oficinas em que foram confeccionadas as imagens, de sua classificação e de sua sistematização. Na apresentação da publicação, o crítico de arte Clarival do Prado Valadares afirma que a maioria das imagens de marfim expostas na ocasião era de procedência jesuítica e esculpidas em Goa. Porém, o crítico faz a ressalva de que não se pode afirmar que todas as esculturas sejam de origem oriental, pois é possível que algumas possam ter sido lavradas no Brasil em oficinas jesuíticas com o uso de mão de obra indígena.

A exposição que dá início […] é altamente expressiva em qualidade e quantidade, corresponde, entretanto, a uma pequena parte do extraordinário acervo do Museu Histórico Nacional. É uma mostra parcial do relevante conjunto de imaginárias católicas, em marfim, madeira policromada e pintura que se guarda em nosso principal centro de museologia.

Se considerarmos a imaginária católica em marfim, produzidas entre os séculos XVII e XVIII, de presumível procedência jesuítica de Goa, já teríamos neste primeiro capítulo a mais notável coleção mundial. Coleção capaz de preencher subtítulos de acordo com o tipologia iconográfica, tão numerosos e variados são os exemplos do Bom Pastor, do Crucificado, do Menino Deus, da Conceição, da Nossa Senhora com o Menino, e dos santos mais festejados, fundadores de ordens, como Santo Ignácio de Loyola, São Francisco de Assis, Santa Clara, Santa Escolástica, São Bento entre outros.

[…] Sabe-se que muitos procedem da artesania jesuítica de Goa, mas é necessário que se diga serem outras várias feitas por santeiros no Brasil, associando a prototipia do ocidental à oriental. e de tudo resultando no ecuminismo da imaginária.

São exemplares que ilustram, sobejamente, o capítulo da imaginária indo-portuguesa Setecentista: entretanto teríamos que considerar a eventualidade de artesãos jesuítas, egressos da Índia, lavrando peças no Brasil, juntamente – por que não? – com seus aprendizes tupis e guaranis. 105 105 Valadares (1977) apud Museu Histórico Nacional ( 1977 ).

A categoria indo-português é usada na classificação de boa parte dos objetos expostos nessa exposição. Isso nos leva a inferir que, embora o trabalho de Lucila Morais Santos tenha sido fundamental para maior divulgação da coleção como um conjunto luso-oriental, foi Clarival do Prado Valadares o primeiro a classificar itens da coleção como indo-portugueses .

Como mencionado, a coleção foi estudada pela museóloga Lucila Morais Santos, em trabalho iniciado em 1988. Pela importância da ação curatorial de Morais na Coleção Souza Lima, vale destacar um pouco de sua longa carreira profissional. Maria Lucila de Morais Santos nasceu em 1924, no Sergipe, em Itabaianinha, tendo se mudado com a família para o Rio de Janeiro nos anos 1950. Entrou para o curso de museus no MHN, no ano de 1973, especializando-se em museus de arte e museus de história. Nos anos 1976 e 1977 trabalhou no processamento técnico do acervo do Museu da Cidade do Rio de Janeiro, onde foi diretora interina. No mesmo período trabalhou com o museólogo Orlando Seitas Fernandes, especialista em história da arte, na pesquisa e identificação da imaginária luso-brasileira do Convento de Santa Teresa (Rio de Janeiro) e na catalogação do mobiliário do Museu da República. Possivelmente teve contato com imaginárias em marfim no seu trabalho com Orlando Fernandes. Atuou também no mercado de arte, sendo diretora artística da galeria Saramenha (1987-1988). Entre 1987 e 1993 foi pesquisadora da reserva técnica do MHM, onde realizou pesquisas sobre a Coleção Souza Lima e atuou como curadora de exposições. Seu estudo deu origem à exposição A Arte do Marfim, realizada em 1993 no Centro Cultural Banco do Brasil, com edições em Nova York, em 1995, e Portugal, em 1998. Foi curadora também das exposições Memórias do Sagrado, em 1994, e Escultura Indo-Portuguesa: um Lastro da Arte Oriental na Cultura Baiana, realizada em Salvador em 1997. Foi professora da Escola de Museologia de 1977 a 1997, sendo da geração de museólogos que integravam o corpo docente no momento de transferência do curso do MHN para a universidade. Faleceu em 2017.

Figuras 6 e 7
Nossa Senhora, século XVII ou XVIII. Coleção Souza Lima, MHN.

Das exposições, destaque para dois catálogos: A arte do marfim 106 106 Santos ( 1993 ). e A sagração do marfim , 107 107 Ibid . lançados em 1993 e 2002, respectivamente. O trabalho de Lucila Morais deu uma dimensão internacional à coleção, sendo seu trabalho citado nos principais catálogos e estudos sobre marfins oriundos das ex-colônias portuguesas e espanholas da Ásia, como, por exemplo, o catálogo Marfins das províncias orientais de Portugal e Espanha no Brasil 108 108 Matias ( 2013 ). que apresenta parte da coleção de Osvaldo Gil Matias, que contém mais de 700 peças de origem asiáticas e que são classificadas como luso e hispano orientais. Há referências à coleção Souza Lima também no catálogo Portuguese Expansion Overseas and the Art of Ivory , organizado em comemoração dos descobrimentos portugueses em 1991 109 109 Raposo ( 1991 ). e no já mencionado catálogo da coleção Mário de Andrade, editado por Maria Rosseti Batista.

O trabalho de Lucila Morais dedicou-se às características iconográficas e iconológicas das peças. A museóloga descreveu as simbologias católicas e os estilemas orientais das esculturas, o que remete ao sincretismo religioso dessas representações cristãs, fortemente marcadas por elementos do hinduísmo. O argumento principal na leitura de Lucila Morais é o valor documental que essas estatuetas têm da ação colonizadora que envolveu a catequese por missionários católicos que atuaram na Ásia, especialmente em Goa, na Índia, embora haja exemplares que remetem à ocupação portuguesa nas Filipinas, no Ceilão (atual Sri Lanka) e na China nos séculos XVII.

Figuras 8, 9 e 10
Bom Pastor, século XVII, com típicos estilemas asiáticos que indicam hibridismo de três figuras sagradas: Jesus, Buda e Krishna. Coleção Souza Lima, MHN.

Reinaldo Benjamin Ferreira, no texto “O marfim e a imaginária”, presente no catálogo Arte do marfim , reconhece a presença de marfim na América portuguesa, mas entende que ele era usado apenas como detalhe em esculturas religiosas barrocas feitas de madeira. A Coleção Souza Lima, nas palavras do autor, é inteiramente feita de imagens indianas e do Ceilão, o que parece ser uma afirmação exagerada, uma vez que a maior parte da coleção continua sem classificação, em especial os cristos crucificados, muitos com a cruz em jacarandá e estilemas que precisam ser analisados laboratorialmente com o intuito de possível identificação de procedência. No seu texto sobre a Coleção Souza Lima, Lucila Morais Santos, no tópico “A imaginária em marfim no Brasil”, fala que esculturas religiosas em marfim presentes no Brasil são europeias, indo-portuguesas ou cíngalo-portuguesas, sendo as duas últimas as mais predominantes.

Em 1995, Lucia Morais publicou nos Anais do Museu Histórico Nacional o artigo intitulado Coleções no Museu Histórico nacional: a coleção Souza Lima. 110 110 Santos ( 1995 ). É o primeiro estudo sobre a coleção nos Anais do Museu Histórico Nacional e trabalha seguindo o argumento do conjunto como resultado e expressão da catequização jesuítica na Ásia. A autora tem por base o trabalho de Bernardo Ferrão de Tavares e Távora, e a partir das categorias indo-português e seus correlatos classifica algumas peças da coleção.

A fotografia das Figuras 6 e 7, de uma Nossa Senhora, datada como sendo do século XVII ou XVIII, contém a seguinte descrição feita por Lucila Moraes, em que se observa o uso de adjetivos como “sensual” e “místico”, comuns ao discurso orientalista sobre as tradições dos povos asiáticos:

Registra-se o cuidadoso detalhamento nas cabeleiras femininas, cujo tratamento avança do rígido arcaísmo ao mais devoto detalhe. Plenas de significados, entre outros, as cabeleiras estão relacionadas com o vento, o rio Ganges, direções do espaço, sedução, força vital. Combinação harmônica entre o sensual e o místico. 111 111 Id ., 1993, p. 58.

Vale destacar uma representação de Jesus Cristo (Figuras 8, 9 e 10) classificada como indo-portuguesa por Lucila Moraes, que foi bastante difundida e representa o Bom Pastor, sendo inclusive capa do catálogo A arte do marfim . 112 112 Ibid . Nessa escultura é comum a ênfase no sincretismo de três figuras sagradas: Jesus, Buda e Krishna. Como nos informa Moraes, na Índia, do século XV ao XVIII, entre os diversos cultos celebrava-se a divindade suprema, Trimurdí, representada com três cabeças, significando cada uma delas, Brahma, Vishnu e Shiva. Das encarnações de Vishnu, Krishna é uma das mais populares, também chamada Govinda, que significa pastor. Em sua biografia, consta que Krishna nasceu em Mathura, entre Delhi e Agra. Sua mãe, Davaki, era irmã do rei Kamsa, que ordenou a morte do sobrinho por receio que este viesse a matá-lo. Por conta disso, Krishna cresceu no campo como um pastor de rebanho, escondido por seus pais. A referência ao budismo está presente na postura de êxtase adotada pelo menino Jesus: olhos fechados, expressão ausente, dedos apoiados à têmpora, face inclinada sobre a mão direita, tal qual, segundo a tradição, Buda atingiu a iluminação após 49 dias de meditação à sombra duma figueira. Esses elementos do budismo e do hinduísmo na representação do menino Jesus são testemunhos das estratégias de dominação e resistência cultural, realizadas tanto por colonizadores como pelos colonizados.

Outros trabalhos publicados nos A nais do Museu Histórico Nacional , nos anos seguintes aos textos de Lucila de Morais, seguiram o mesmo tom. É o caso do volume onde foi publicado o artigo “Entre o medo da morte e a salvação: a imaginária indo-portuguesa e cíngalo-portuguesa no acervo do Museu Histórico Nacional”, de Vivien Ishaq. 113 113 Ishaq ( 2000 ). A autora considera que parte dessa imaginária vem de Goa, e trabalha com a categoria indo-português . Ao longo do texto, chama a atenção para os hibridismos entre a cultura indiana e a portuguesa presentes nas estátuas, caracterizando as oficinas indianas como locais de encontro de culturas. Em 2003, nos Anais do Museu Histórico Nacional encontramos o artigo “Do oriente ao Rio de Janeiro: a imaginária indo-portuguesa e a rota dos marfins”, de Patrícia Souza de Faria. 114 114 Faria ( 2003 ). A autora usa a Coleção Souza Lima como exemplo dos contatos entre Goa e a América portuguesa e, utilizando a categoria indo-portuguesa , entende que as imagens de marfim são provenientes de Goa, com circulação através das redes de comércio do Império Ultramarino Português. A autora analisa algumas imagens da Coleção Souza Lima, atribuindo-as a artesãos indianos, reforçando a classificação de algumas peças como indo-portuguesas. No ano seguinte, temos outro artigo de Patrícia Souza de Faria, intitulado “Representações do Iberismo na arte sacra” 115 115 Ibid . . O texto apresenta a arte sacra ibérica e a categoria indo-português aparece em diversos momentos ao longo do texto, sendo esta a categoria com a qual a autora trabalha para analisar as estátuas da Coleção Souza Lima. No mesmo volume, no artigo “Brinquedos: por uma política de aquisição”, de Ângela Cardoso Guedes, há referência à Coleção Souza Lima ao tratar de brinquedos sacros. A autora cita o trabalho de Lucila Morais Santos ao mencionar as imaginárias.

Destaca-se a exposição Sedução do Oriente, realizada em 2008, e seu catálogo de mesmo nome. Não há a participação de Morais nesse catálogo, que apresenta a Coleção Souza Lima sobre um outro viés, que é o de relacionar a coleção ao imaginário colonial sobre a Ásia, apresentando inúmeros estereótipos típicos da abordagem orientalista. Vale destacar que, nessa exposição, objetos das tradições chineses, japonesas (inclusive objetos da Coleção Durval Moreira e Ernesto Geisel) e iranianas foram expostos em conjunto com os objetos da Coleção Souza Lima, englobando toda essa variedade de origens sob o conceito de Oriente.

A mostra insere-se no contexto da promoção de exposições temporárias com curadoria de técnicos do museu, visando dinamizar e divulgar o acervo guardado em reserva técnica. Como dito anteriormente, destaca-se na exposição a abrangência do conceito de Oriente, que abarca desde a China e o Japão até o mundo muçulmano. Essa abrangência do que se considera Oriente segue a caracterização feita por Said em O orientalismo . O autor aponta para o fato de que o campo de estudos do orientalismo se amplia à medida que a Europa conquista espaços na Ásia e na África durante o século XIX e que, diferentemente das demais áreas de conhecimento acadêmico, que passam por um processo de delimitação e especialização dos seus objetos de estudo entre os séculos XIX e XX, o orientalismo passa a promover pesquisas sobre os mais variados temas, regiões e povos da Ásia, generalizando todos como uma coisa só: “orientais”.

A expografia também fez bastante uso de construções que remetem à magnificência do Oriente e ao impacto que o exótico exercia na imaginação daqueles que ela identifica como ocidentais. Essa é mais uma das características do discurso orientalista, conforme argumenta Said. O imaginário europeu sobre o Oriente o coloca no campo do mágico, do exótico, enquanto o Ocidente representa o racional, o científico, o moderado. O próprio título da exposição produz essa relação ao afirmar que a principal caracteriza do conjunto exposto é seu caráter sedutor e ao generalizar como uma coisa só objetos oriundos de práticas sociais e circunstâncias históricas tão diferentes. Faz parte do orientalismo, portanto, justificar o modo ocidental de ver o mundo como aquele capaz de construir verdades científicas, o que contribui para o tipo de discurso que aparece na introdução do catálogo, que enfatiza sentimentos não racionais, como a paixão, sedução e exotismo que o Oriente causa.

O museólogo Jorge Cordeiro de Melo foi o curador da exposição Sedução do Oriente 116 116 Cf. Tostes ( 2010 ). e autor do segundo texto que compõe o catálogo dela derivado. Enfatiza a curiosidade que o Oriente suscitava nas elites desde o período colonial até o século XX, refletindo uma tendência europeia. Admirava-se com o Oriente, apesar das diferenças entre o que o autor chama de Ocidente moderno e Oriente tradicional. O texto segue tratando do deslumbre que os artigos orientais geravam na elite colonial e brasileira, seja graças ao gosto pelo inusitado, seja pela beleza de tais objetos. Melo também cita o sucesso que a chinoiserie , objetos europeus inspirados na estética e nos padrões orientais, fazia entre as elites brasileiras.

O texto de Jorge Cordeiro de Melo termina com um breve relato sobre como as civilizações do Extremo Oriente permaneceram isoladas dos povos mediterrâneos, até que, no século XVI, os europeus estabelecessem ligações comerciais com elas. O autor aponta que esse contato gera maior impacto nos europeus, que descobrem uma nova visão de mundo, de modo que a arte “pura e requintada” oriental brilhava na Europa ao lado das especiarias e de outros produtos que chegavam na Europa através das Companhias de Comércio. O texto de Melo é curto, mas segue algumas chaves de leitura do orientalismo na curadoria da exposição e no tratamento do acervo. O principal problema, que permeia toda a exposição, é o tratamento do Oriente em bloco. Melo utiliza expressões como “a arte oriental”, “o pensamento oriental”, “a visão de mundo oriental” etc. São expressões generalizantes, que tratam toda a riqueza das civilizações da região à qual o autor se refere como uma coisa só.

Além disso, a exposição também articula seu discurso a partir do binarismo Oriente versus Ocidente, dessa vez com uma qualificação do Ocidente como o moderno e do Oriente como tradicional. O texto também mobiliza a ideia de que o Oriente teria a capacidade de fascinar o Ocidente e de aguçar de forma bastante acentuada a curiosidade dos ocidentais. O pensamento de Melo se estrutura a partir da noção de que o Oriente tem diversas características inexistentes no Ocidente, o que faz com que os ocidentais se surpreendam com o que vem de lá e com suas formas de viver e se relacionar com o mundo, sendo isso o que os faria ter o esforço de estudar academicamente os povos orientais. Uma das principais características do orientalismo aparece neste texto: o Ocidente se define pela negação do Oriente, sendo o primeiro identificado com a ciência e o segundo como objeto a ser estudado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da circulação e produção de imaginárias de marfim no ambiente colonial brasileiro, das circunstâncias de coleta desses itens na primeira metade do século XX e do interesse de instituições museológicas e autoridades na sua aquisição apresentou-se como uma forma de entender as diferentes valorações pelas quais esses objetos passaram, o que permite levantar subsídios teórico-metodológicos referentes à análise da sua vida social, ou seja, recuperar informações da sua circulação enquanto mercadorias até a identificação dos dispositivos de valorações que possibilitam sua caracterização como objetos museológicos.

Pensar em esculturas de marfim musealizadas em instituições públicas exige circunstanciar o comércio de marfim hoje e o comércio de marfim dos séculos passados, do período pré-industrial. Ambas as práticas são marcadas pela violência, seja colonial, pela imposição dos valores europeus, seja pela violência atual de grupos que lucram com o mercado de marfim contemporâneo. Ressalta-se que a caça de elefantes e de outros animais gera problemas para o meio ambiente, já que esses animais têm papel fundamental no equilíbrio ecológico das regiões onde habitam. Os elefantes chineses, por exemplo, foram extintos ainda no século XVI, devido à caça predatória. Por outro lado, a situação das populações atuais de elefantes nas reservas naturais da África não é animadora.

Outro dado que temos que considerar é que, quando um objeto passa a fazer parte de uma coleção de museu, ele perde seu valor de uso original, sendo retirado do circuito comercial, passando a fazer parte de uma coleção museológica. Sob esse estatuto o objeto passa a ser um documento de estudo crítico e de fruição estética, como as esculturas em marfim da coleção do MHN, que, como vimos, por sua raridade, datação e contexto de criação foram singularizadas e desmercantilizados como testemunhos da ação missionária católica no Oriente e da forte presença do mundo oriental nas cidades coloniais brasileiras, em especial as litorâneas.

Ressalta-se, nesta conclusão, que a crítica feita ao termo “ indo-português ” e seus correlatos não implica necessariamente a mudança na classificação das peças. O que se sobressai é a importância da não naturalização das classificações e da reflexão crítica sobre os procedimentos curatoriais e como eles reforçam categorias e discursos que precisam ser circunstanciados em seus momentos de elaboração e disseminação. Refletir e entender as categorias que embasam os processos de musealização permite que o trabalho com objetos museológicos potencialize seu aspecto de agente histórico da dimensão material da nossa cultura. Nesse aspecto, outros temas poderiam – e deveriam – ser associados a essa coleção quando mobilizada pelas práticas curatoriais, por exemplo discursos que suplantem a visão positiva da experiência colonial portuguesa na Ásia e na América, que atentam-SE apenas para a qualidade estética das peças e deixam de lado as forças coloniais e opressoras do passado e do presente na valoração de tais peças, como a estreita relação do comércio de marfim com as rotas coloniais de escravizados e O ranço orientalista presente nas suas classificações. O discurso colonial é bastante presente nos nossos museus, e as práticas curatoriais podem servir tanto para reforçar valores coloniais – como a própria noção de luso-oriental – como para que os itens de coleção sejam “objetos geradores” para a reflexão sobre a presença das relações coloniais – e de como podemos superá-las – nas formas de coleta, conservação e comunicação dos acervos museológicos. 117 117 Cf. Ramos ( 2016 ).

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa teve apoio do CNPq, por meio de bolsa de Pós-Doutorado Júnior (PDJ), sendo supervisionada pelo professor doutor Márcio Rangel, do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Museologia da Unirio/Mast (PPG-PMUS-Mast-Unirio). Contou também com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), por meio de bolsa de iniciação científica, tendo como bolsista o estudante Bruno Barcellos de Andrade.

    REFERÊNCIAS

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    • TOSTES, Vera Lúcia Bottrel (coord.). A sedução do Oriente: a arte asiática na coleção do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro: MHN, 2010.
    • 1
      Appadurai ( 2008APPADURAI, Arjun. Introdução: mercadorias e a política de valor. In: A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Eduff, 2008. p. 15-87. ).
    • 2
      Ibid ., p. 27.
    • 3
      Ibid ., p. 46.
    • 4
      Ibid ., p. 59.
    • 5
      KOPYTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: Appadurai, Arjun (org.). ( 2008KOPYTTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: APPADURAI, Arjun (org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Eduff, 2008. p. 89-121. , p. 89-121).
    • 6
      Ibid ., p. 95.
    • 7
      Não foram encontrados elementos que comprovem que os itens da coleção Souza Lima são de origem indiana, a não ser pelo estudo estilístico das peças feito pela museóloga Lucila de Morais e pelas indicações de Clarival do Prado Valadares, como veremos adiante. Porém, sabe-se que inúmeras imaginárias católicas em marfim entraram no Brasil pela Carreira das Índias, e que muitas apresentam traços estilísticos semelhantes aos da coleção do MHN.
    • 8
      Silva ( 2023SILVA, Jorge Lúzio Matos. Por uma descolonização da imagem: o marfim africano na arte colonial do Oriente. São Paulo: Museu de Arte Sacra de São Paulo, 2023. ).
    • 9
      Sobre a Carreira das Índias e o comércio de marfim ver Silva ( 2011SILVA, Jorge Lúzio Matos. Sagrado marfim: o Império Português na Índia e as relações intracoloniais Goa e Bahia, século XVII: iconografias, interfaces e circulações. 2011. Dissertação (Mestrado em história) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. ).
    • 10
      Assis ( 2001ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. 2.ed. São Paulo: Ediouro, 2001 ).
    • 11
      Cf. Lapa ( 1968LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira das Índias. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968. ).
    • 12
      Hespanha ( 1999HESPANHA, António Manuel. O orientalismo em Portugal (séculos XVI-XX). In: COMISSÃO NACIONAL PARA OS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. O orientalismo em Portugal: Catálogo. Lisboa: Edições Inapa, 1999. p. 15-39. , p. 18).
    • 13
      Boxer ( 2002BOXER, Charles R. O império marítimo português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. , p. 54-55).
    • 14
      Lapa, op. cit.
    • 15
      Falcon ( 2000FALCON, Francisco José Calazans. O capitalismo unifica o mundo. In: REIS FILHO, Daniel Aarão; FERREIRA, Jorge; ZENHA, Celeste (org.). O século XX: o tempo das incertezas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. , p. 31).
    • 16
      Panikkar ( 1977PANIKKAR, Kavalam Madhava. A dominação ocidental na Ásia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ).
    • 17
      Ibid ., p. 91.
    • 18
      Falcon, op. cit ., p. 31.
    • 19
      Ibid ., p. 32.
    • 20
      Cf. Boxer, op. cit.
    • 21
      Falcon, op. cit ., p. 33.
    • 22
      Lapa, op. cit ., p. 9.
    • 23
      Ibid .
    • 24
      Cf. Almeida e Oliveira ( 2014ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Conquista do centro-sul: fundação da Colônia de Sacramento e o “achamento” das Minas. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil colonial: 1580-1720. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 267-336. ).
    • 25
      Ibid ., p. 95.
    • 26
      Lapa, op. cit ., p. 20. Cabe ressaltar que os autores mencionados nas notas 24, 25 e 26 abordam as chamadas liberdades que marinheiros e tripulação dos navios da Carreira das Índias tinham para trazerem objetos das Índias. A entrada de marfim lavrado pelas liberdades é indicada no trabalho de Lúzio (2011).
    • 27
      Lapa, op. cit ., p. 278-279.
    • 28
      Silva ( 2011SILVA, Jorge Lúzio Matos. Sagrado marfim: o Império Português na Índia e as relações intracoloniais Goa e Bahia, século XVII: iconografias, interfaces e circulações. 2011. Dissertação (Mestrado em história) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. ).
    • 29
      Ibid ., p. 38.
    • 30
      Ibid ., p. 56.
    • 31
      Leite ( 1999LEITE, José Roberto Teixeira. A China no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1999. ).
    • 32
      Paiva ( 2017PAIVA, Eduardo França. Marfins, ambientes e contextos: as Minas Gerais e as fontes históricas. In: SANTOS, Vanicléia Silva (org.). O marfim no mundo moderno: comércio, circulação, fé e status social (séculos XV-XIX). Curitiba: Prismas, 2017. p. 239-253. ).
    • 33
      Ibid ., p. 244.
    • 34
      Santos e Alves ( 2017SANTOS, Vanicléia Silva; ALVES, Rogéria Cristina. A arte em marfim nas Minas Setecentistas: o perfil dos proprietários de tornos de rede angolanos, botões, sinetes, imagens religiosas e outros objetos de marfim. In: SANTOS, Vanicléia Silva (org.). O marfim no mundo moderno: comércio, circulação, fé e status social (séculos XV–XIX). Curitiba: Prismas, 2017. p. 255-282. ).
    • 35
      Paiva, op. cit ., p. 240.
    • 36
      Santos e Alves, op. cit ., p. 274.
    • 37
      Ibid ., p. 280.
    • 38
      Ibid ., p. 96.
    • 39
      Froner ( 2018FRONER, Yacy-Ara. A presença de marfim em Minas colonial: estética, materialidade, e hipóteses acerca da produção local. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL EM ARTES PLÁSTICAS, 27, 2018, São Paulo. Anais […]. [S. l.]: Anpap, 2018. p. 201-223. ).
    • 40
      Maia ( 1987MAIA, Pedro Moacir (ed.). O Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia. São Paulo: Banco Safra, 1987. , p. 125).
    • 41
      Coutinho ( 2015COUTINHO, Maria Inês. Rede de museus: inventário paulista de acervos museológicos de arte sacra. Museu da Arte de São Paulo: São Paulo, 2015. , p. 95).
    • 42
      Batista ( 2004BATISTA, Maria Rosseti (org.). Coleção Mário de Andrade: religião e magia, música e dança, cotidiano. São Paulo: USP, 2004. , p. 64).
    • 43
      Pomian ( 1984POMIAN, Krzysztof. Colecção. In: Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional, 1984. v. 1, p. 51-86. ).
    • 44
      Kopyttoff ( 2008KOPYTTOFF, Igor. A biografia cultural das coisas: a mercantilização como processo. In: APPADURAI, Arjun (org.). A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Eduff, 2008. p. 89-121. ).
    • 45
      Processo MHN nº 12/39, p. 111.
    • 46
      Id ., p. 112.
    • 47
      Id ., p. 113.
    • 48
      Id ., p. 114.
    • 49
      Id ., p. 114, grifos nossos.
    • 50
      Id ., p. 116-117.
    • 51
      Id ., p. 92-93, 120-121.
    • 52
      Id ., p. 118-119.
    • 53
      Id ., p. 124.
    • 54
      Id ., p. 94, 126.
    • 55
      Id ., p. 127.
    • 56
      Id ., p. 95, 130.
    • 57
      Id ., p. 96, 131.
    • 58
      Id ., p. 98, 133.
    • 59
      Andrade apud Batista ( 2004BATISTA, Maria Rosseti (org.). Coleção Mário de Andrade: religião e magia, música e dança, cotidiano. São Paulo: USP, 2004. , p. 18).
    • 60
      Ibid ., p. 20.
    • 61
      Ibid ., p. 22.
    • 62
      Ibid ., p. 24.
    • 63
      Ibid ., p. 50.
    • 64
      Ver como a interpretação de Távora foi atualizada no trabalho de Vassallo e Silva (2013), que focam na centralidade da imagem e das suas tecnologias no quotidiano. Os autores chamam a atenção para a “civilização da imagem”, que é uma realidade de certa forma sustentada por um conjunto sofisticado de aparatos e circuitos tecnológicos que convertem a imagem num elemento omnipresente na nossa vida. Os autores apontam que, apesar da relevância desse tema, as ciências sociais têm prestado pouca atenção à dimensão visual dos fenômenos sociais. A visualidade vai muito além da mera produção e consumo de imagens (técnicas ou artesanais), envolvendo os distintos modos pelo quais os indivíduos olham para a realidade e a retratam visualmente. A obra referenciada faz uma introdução ao campo de estudo da cultura visual tendo por base a circulação do marfim no Império Português.
    • 65
      Távora ( 1983TÁVORA, Bernardo Ferrão de Tavares e. Imaginária luso-oriental. Lisboa: [s. n.], 1983. ).
    • 66
      Cf. Bezerra ( 2014BEZERRA, Rafael Zamorano. A invenção das relíquias: dispositivos de autoridade na musealização de objetos do acervo do Museu Histórico Nacional (1922-2012). 2014. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014. ).
    • 67
      Said ( 1995SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. , p. 29).
    • 68
      Ibid ., p. 35.
    • 69
      Catroga ( 1999bCATROGA, Fernando. A história começou no Oriente. In: COMISSÃO NACIONAL PARA OS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. O orientalismo em Portugal: catálogo. Lisboa: Edições Inapa, 1999a. p. 197-239. ).
    • 70
      Hespanha, op. cit .
    • 71
      Ibid ., p. 16.
    • 72
      Panikkar, op. cit .
    • 73
      Catroga, op. cit . p. 198-199.
    • 74
      Ibid ., p. 199.
    • 75
      Ibid ., p. 200.
    • 76
      Ibid ., p. 207.
    • 77
      Ibid ., p. 18.
    • 78
      Ibid ., p. 28.
    • 79
      Ibid ., p. 30.
    • 80
      Pinto ( 2016 PINTO, Carla Alferes. A arte ao serviço do império e das colónias: o contributo de alguns programas expositivos e museológicos para o discurso de legitimação territorial. Midas, [s. l.], 2016. DOI: 10.4000/midas.957 .
      10.4000/midas.957...
      ).
    • 81
      “Leite de Vasconcelos é considerado o fundador da dialetologia portuguesa. Desenvolveu o primeiro estudo sobre o Mirandês, publicado em 1882, sob o título O Dialecto Mirandez , estudo este que foi, posteriormente, aprofundado e publicado numa obra de dois volumes, intitulada Os Estudos de Filologia Mirandesa (1900-1901). Em 1894, publicou a Carta Dialectológica de Portugal Continental , na qual distingue os dialetos portugueses. Em 1901, na sua tese de doutoramento, acrescentou os dialetos insulares (açoriano e madeirense) e os dialetos do ‘ultramar’ (brasileiro e indo-português), além dos dialetos crioulos, o português dos judeus (Amesterdão e Hamburgo) e o Galego. Continuou a desenvolver seus estudos sobre os dialetos portugueses, acrescentando ao Mapa Dialectológico de Portugal Continental (1929) três variedades do dialeto de Trás-os-Montes: Peso da Régua, Alijó e Boticas (Barroso)”. Cf. https://bit.ly/4aVlTIO . Acesso em: 28 abr. 2019.
    • 82
      Ibid ., p. 2.
    • 83
      Ibid .
    • 84
      Ibid ., p. 269.
    • 85
      Catroga ( 1999aCATROGA, Fernando. As comemorações dos descobrimentos. In: COMISSÃO NACIONAL PARA OS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES. O orientalismo em Portugal: Catálogo. Lisboa: Edições Inapa, 1999b. p. 267-283. , p. 267).
    • 86
      Barroso (p. 238) apud Monteiro ( 2011MONTEIRO, Carla Rafaela. Entre o Tejo e os Jerônimos: a Exposição Histórica do Brasil nas comemorações dos centenários de Portugal em 1940. 2011. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011. DOI: 10.11606/D.8.2011.tde-18062012-085247.
      https://doi.org/10.11606/D.8.2011.tde-18...
      , p. 187).
    • 87
      Silva ( 2023SILVA, Jorge Lúzio Matos. Por uma descolonização da imagem: o marfim africano na arte colonial do Oriente. São Paulo: Museu de Arte Sacra de São Paulo, 2023. ).
    • 88
      Paiva, op. cit ., p. 252.
    • 89
      Santos e Alves, op. cit ., p. 260.
    • 90
      Cf. Santos ( 2023SANTOS, Vanicléia Silva (org.). Marfins africanos como insígnias de poder: contextos de produção e usos dentro e fora da África. Belo Horizonte: Fino Traço, 2023. ).
    • 91
      Desvallées e Mairesse (2017, p. 48).
    • 92
      Guarnieri apud Padilha ( 2014PADILHA, Renata Cardozo. Documentação museológica e gestão de acervo. Florianópolis: FCC, 2014. ).
    • 93
      Ibid .
    • 94
      Poulot ( 2013POULOT, Dominique. Museu e museologia. Belo Horizonte: Autêntica, 2013. , p. 127).
    • 95
      Loureiro ( 2008LOUREIRO, José Mauro Matheus. Esboço acerca da documentação museológica. In: GRANATO, Marcus; SANTOS, Claudia Penha dos; LOUREIRO, Maria Lúcia Niemeyer Matheus (org.). Documentação em museus. Rio de Janeiro: Mast, 2008. v. 10, p. 24-30. , p. 24).
    • 96
      Bruno ( 2008BRUNO, Maria Cristina Oliveira. Definição de curadoria: os caminhos do enquadramento, tratamento e extroversão da herança patrimonial. In: JULIÃO, Letícia (coord.). Caderno de diretrizes museológicas. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura, 2008. v. 2, p. 16-25. ).
    • 97
      Sá ( 2019SÁ, Ivan Coelho de. Matrizes do pensamento museológico de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Unirio, 2019; ).
    • 98
      Carneiro, Marins e Lima ( 2021 CARVALHO, Vânia Carneiro de; MARINS, Paulo Garcez; LIMA, Solange Ferraz de. Curadoria em museus de história. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 29, p. 1-24, 2021. DOI: 10.1590/1982-02672021v29e40 .
      10.1590/1982-02672021v29e40...
      ).
    • 99
      Scheiner ( 2008SCHEINER, Tereza Cristina. O museu como processo. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura, 2008. ).
    • 100
      Foucault ( 1998FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1998. ).
    • 101
      Id . (2002).
    • 102
      Cf. Koselleck ( 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. ).
    • 103
      Daher ( 2011DAHER, Andrea. Objeto cultural e bem patrimonial: representações e práticas. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, v. 34, p. 113-129, 2011. , p. 113-129).
    • 104
      Ibid .
    • 105
      Valadares (1977) apud Museu Histórico Nacional ( 1977MUSEU HISTÓRICO NACIONAL. A arte cristã no Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro: MHN, 1977. Catálogo da Exposição Comemorativa do 55ª aniversário do Museu Histórico Nacional. ).
    • 106
      Santos ( 1993SANTOS, Lucila Morais. A arte do marfim: do sagrado e da história na coleção Souza Lima do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1993. Catálogo de Exposição. ).
    • 107
      Ibid .
    • 108
      Matias ( 2013MATIAS, Osvaldo Gil. Marfins das províncias orientais de Portugal e Espanha no Brasil. Rio de Janeiro: Arte Ensaio, 2013. ).
    • 109
      Raposo ( 1991RAPOSO, Francisco Hipólito. Portuguese expansion overseas and the art of ivory. Lisboa: Calouste Gulbenkian Foundation, 1991. ).
    • 110
      Santos ( 1995SANTOS, Lucila Morais. Coleções no Museu Histórico Nacional: a coleção Souza Lima. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 27, 1995. ).
    • 111
      Id ., 1993, p. 58.
    • 112
      Ibid .
    • 113
      Ishaq ( 2000ISHAQ, Vivien. Entre o medo da morte e a salvação: a imaginária indo-portuguesa e cíngalo-portuguesa no acervo do Museu Histórico Nacional. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 32, 2000. ).
    • 114
      Faria ( 2003FARIA, Patrícia Souza de. Do oriente ao Rio de Janeiro: a imaginária indo-portuguesa e a rota dos marfins. Anais do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, v. 35, 2003. ).
    • 115
      Ibid .
    • 116
      Cf. Tostes ( 2010TOSTES, Vera Lúcia Bottrel (coord.). A sedução do Oriente: a arte asiática na coleção do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro: MHN, 2010. ).
    • 117
      Cf. Ramos ( 2016RAMOS, Francisco Régis Lopes. Objeto gerador: considerações sobre o museu e a cultura material no ensino de história. Revista Historiar, Sobral, v. 8, n. 14, 2016. ).

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Jun 2024
    • Data do Fascículo
      2024

    Histórico

    • Recebido
      25 Maio 2023
    • Aceito
      30 Nov 2023
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