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São Luiz do Paraitinga: o imaginário fundacional e suas projeções1 1 Versão ampliada e reelaborada de trabalho publicado nos anais do 17º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Enanpur) em 2017.

São Luiz do Paraitinga: A Foundational Imaginary and Its Projections

RESUMO

O artigo discute como o imaginário fundacional da cidade paulista de São Luiz do Paraitinga, relacionado ao traçado urbano da cidade estabelecido na administração do Morgado de Mateus, na província de São Paulo, foi utilizado como argumento nos processos de tombamento dos patrimônios da cidade, contribuindo para a elaboração memorialística de seus moradores. Também analisa outras características históricas, culturais e físicas da região presentes nos imaginários sobre a cidade. Não obstante sua localização no Vale do Paraíba, a influência da cultura do café foi relativa nesta cidade, pois não promoveu ali um conjunto de construções monumentais tão expressivo como em outras cidades da região. A dificuldade de acesso, entre outros motivos, contribuiu para, entre o final do século XIX e início do XX, inibir o desenvolvimento econômico de São Luiz do Paraitinga que, a partir dos anos 1980, buscou na valorização do patrimônio cultural e na vocação para o turismo uma alternativa. Um fato inesperado, a enchente ocorrida em 2010, fez emergir reflexões sobre como a tradição e a memória se tornaram suportes para a reconstrução física e moral da cidade, no intuito de manter a identidade conquistada. O artigo traz também uma reflexão sobre os limites do tombamento para a preservação de conjuntos urbanos, cujas discussões e ações deveriam ocorrer no âmbito do planejamento e da gestão territorial.

PALAVRAS-CHAVE:
São Luiz do Paraitinga; História urbana; Gestão urbana; Tombamento; Imaginários urbanos

ABSTRACT

The article discusses the way the founding history of São Luiz do Paraitinga, stablished to the Morgado de Mateus administration in the old Province of São Paulo, was repeatedly used as an argument in the city's heritage listing processes as well as in the creation of its residents' memories. The article also analyzes other physical and historical characteristics of the region that are present in the imaginaries of the city. Despite its location in the Vale do Paraíba, the city only received a relatively mild influence of the coffee culture, because there is not an expressive set of monumental buildings as in other cities of the region. Among other reasons, the difficult access contributed to curb the financial development of São Luiz do Paraitinga between the end of the XIX and the beginning of the XX Centuries. The city strived to find an alternative in its cultural heritage and its touristic potential. An unexpected event, the flood that occurred in 2010, brought reflections on how to use the tradition and memory as support to reconstruct the city physically and morally, with the purpose of maintaining its identity. The article also makes a reflection about the limits of listings to preserve urban ensembles, which discussions and acts should be made in the realm of territorial planning and of management.

KEYWORDS:
São Luiz do Paraitinga; Urban History; Urban Management; Listing; Urban Imaginaries

INTRODUÇÃO

Em meados de 1935, o magistrado, professor de filosofia, músico e folclorista Mário Aguiar mudou-se para São Luiz do Paraitinga, cidade do Vale do Paraíba paulista, para exercer a função de juiz de Direito. Sua chegada seria assim descrita por ele, em um texto com o título “Impressão da cidade”:

Circundada de montes, numa equidistância de cinquenta quilômetros entre a larga planície de Taubaté e o lindo mar verde-gaio das praias de Ubatuba, quase perdida no sertão, uma cidadezinha dormita na saudade dos tempos que se foram, embalada pela orquestração sonora das águas do Paraitinga, volumoso e rápido, que a margeia. Quem a vê assim, calada e calma, como que vivendo da recordação dos seus longínquos dias de esplendor e opulência; quem a vê ostentando, ainda agora, fortes traços dos tempos da Colônia, tem a impressão de haver voltado a um passado de mais de um século. Foi numa tarde de outubro, quase ao pôr de um sol vivo e ardente, que eu tive o primeiro contato com São Luiz do Paraitinga.4 4 Aguiar (2011 [1949], p. 68).

O passado, a paisagem, a arquitetura, a formação caipira de sua gente são atributos exaltados até os dias de hoje e deles se valem órgãos de preservação do patrimônio, governantes, estudiosos e moradores para exaltar a cidade.

O entrelaçamento de histórias sobre a fundação e a urbanização de São Luiz do Paraitinga alicerçaram algumas das principais justificativas para que seu patrimônio arquitetônico fosse tombado pelos órgãos de preservação estadual e federal, em sucessivos processos e períodos (1982/2010/2012). Inicialmente foram tombadas algumas edificações isoladas;5 5 O Iphan tombou, em 1956, a Casa Natal de Oswaldo Cruz; o Condephaat realizou os tombamentos da Casa Natal de Oswaldo Cruz, em 1975; do Sobrado n. 3 da Praça Oswaldo Cruz e da Capela de Nossa Senhora das Mercês, ambos em 1981. posteriormente, em 1982, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat) tombou seu Centro Histórico, reconhecendo o valor da geometria e da racionalidade do traçado fundacional como exemplares de um modelo proposto para várias outras cidades paulistas.

Para o tombamento de 1982, efetivado pelo Condephaat, os estudos realizados nos anos 1970, por Luís Saia e Jaelson Bitran Trindade6 6 Cf. Saia; Trindade (1977). foram fundamentais e apresentaram os elementos que permanecem até os dias de hoje como estruturantes: a cidade “ilustrada”; o espaço onde se deu a implantação do plano prévio para fundar o núcleo; os ajustes efetuados entre 1769 e 1850; o legado arquitetônico constituído ao longo do tempo; a disposição das edificações que prescrevia a integração da arquitetura, por meio da uniformidade e da simetria, em harmonia com o traçado racional da cidade.7 7 Cf. Iphan (2010a). Foram estes os elementos que definiram o tecido que seria considerado histórico em relação a outros, divergentes, embora, naquele momento, as áreas externas ao perímetro fundacional ainda não fossem contrastantes na paisagem.

Os estudos, continuados por Trindade, que serviram de base para a valoração do patrimônio da cidade, colocaram São Luiz do Paraitinga como um testemunho urbano-arquitetônico das “fundações paulistas de aglomerados humanos no último terço do século XVIII”,8 8 Ibid., p. 15. cuja ordem governamental de sua fundação, desenhos e prescrições teriam sido efetuados por D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, governador e capitão-general de São Paulo. Instituía-se, assim, um imaginário fundacional para a cidade e, com ele, o valor que culminou em seus processos de tombamento.

Os imaginários fundacionais se caracterizam pelo peso que tem desde a origem da cidade; são protagonistas de seu desenvolvimento até a atualidade, obviamente com as mudanças em cada conjuntura urbana. Trata-se dos imaginários que sempre aparecem marcando a seus habitantes e, portanto, a cidade, pela força do significado e do universo simbólico que carregam.9 9 Carrión (2010, p. 132-133, tradução própria).

Posteriormente, o imaginário fundacional foi alimentado por outros como, por exemplo, a presença do “mar de morros”, característica atribuída à geomorfologia da região pelo geógrafo luizense Aziz Ab’Saber em seu estudo O domínio dos “mares de morros”, de 1966.10 10 A expressão foi criada no final da década de 1930 pelo geógrafo francês Pierre Deffontaines - fundador da cadeira de Geografia na USP, em 1934 (Iphan, op. cit., p. 17). A expressão foi incorporada ao imaginário dos luizenses, adotada pelos que estudam a cidade e foi invocada nos documentos que embasaram o processo de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Transpôs-se do imaginário para a concretização por meio de um marco, fixado no Mirante da Torre, localizado no Morro do Cruzeiro, onde essa expressão foi gravada (figura 1). A presença dos morros que circundam a cidade traz uma indiscutível qualidade à sua ambiência, porém, alguns setores afetados pela urbanização causam efeitos adversos à paisagem. Embora no dossiê de tombamento de 2010 afirme-se que “o Rio Paraitinga e o mar de morros [estão] em grande medida desocupados”,11 11 Ibid., p. 17. o setor situado na parte imediatamente posterior à igreja matriz e à praça principal, correspondente ao Morro do Cruzeiro, foi ocupado ao longo do tempo de forma não controlada, o que causa um grande contraste em todos os sentidos: do ponto de vista urbanístico, tipológico, de conservação, de investimentos e de população, conforme será detalhado adiante.

Figura 1
Mirante da Torre, Morro do Cruzeiro, São Luiz do Paraitinga/SP, 2017. Fotografia: Renata R. Allucci

A reunião desses elementos, novamente, serviu como subsídio ao processo de tombamento finalizado em 2012 pelo Iphan, que inscreveu a cidade no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico como “Conjunto Histórico e Paisagístico de São Luiz do Paraitinga”.

Diferentemente do tombamento estadual, de 1982 - que ocorreu ainda num contexto relativo de inércia econômica da cidade,12 12 É importante assinalar que, em termos demográficos, a população total permaneceu praticamente estável. Em 1980, a população era de 9.745 habitantes, segundo o Seade, e hoje, segundo o IBGE, estima-se uma população total de 10.684 habitantes (IBGE: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-luiz-do-paraitinga/panorama>). este tombamento foi concluído somente após a grande enchente, em 2010, que destruiu parte de seu patrimônio edificado. Os procedimentos para a reconstrução da cidade, prontamente iniciados com auxílio dos órgãos de preservação estadual e federal, reiteraram esses atributos e, de certa forma, o discurso de governantes e de parte de sua sociedade civil organizada, que vem sendo construído e consolidado desde o primeiro reconhecimento da importância do patrimônio luizense, a partir dos anos 1960, como “o maior conjunto colonial do Estado”.13 13 Iphan op. cit., p. 21.

FUNDAÇÃO E EXPANSÃO URBANA DE SÃO LUIZ DO PARAITINGA

São Luiz do Paraitinga situa-se no Vale do Paraíba, a meio caminho entre Taubaté e Ubatuba, distando cerca de 50 km de cada uma delas. No século XVII, era passagem de bandeirantes e tropas, sendo que muitos viajantes paravam às margens do Rio Paraitinga para descansar da viagem que ia das Minas Gerais a Ubatuba, pela Trilha dos Tamoios, levando o ouro que seria enviado para a Europa.14 14 Cf. Campos (2011). Essa circulação favoreceu o intercâmbio de hábitos, culinárias, conhecimentos e festividades.

Em 1º de julho de 1765, desembarcou em terras brasileiras o Morgado de Mateus, nomeado pelo rei D. José I, por indicação de seu ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal. Morgado tinha por incumbência restaurar a capitania de São Paulo que, tendo sido desmembrada das Minas Gerais em 1748, ficara subordinada à administração da Capitania do Rio de Janeiro.

Uma das primeiras e principais preocupações do Morgado de Mateus foi a formação de povoações e a fixação de populações que seriam, para ele, promotoras do desenvolvimento econômico da capitania de São Paulo. Porém, as questões religiosas e sociais também precisavam ser resolvidas; ele as aponta como causadoras, em grande medida, da decadência em que se encontrava a capitania, conforme aponta Torrão Filho:

Embora destaque questões econômicas para a criação de povoações, como o aumento da produção, do comércio e da arrecadação, o ponto fulcral de sua atividade povoadora é a civilidade, a sujeição das populações dispersas à autoridade da Igreja, sem tantos homens sem batismo e confissão, e ao Estado [...] Faltava a população legitimamente reconhecida pelo Estado e pela Igreja, casada pelo rito tridentino e com filhos legítimos, aptos ao exercício das obrigações da república; não era da falta de bastardos que se queixava o governador, mas de republicanos “úteis” e “nobres”. Povoar significa também impor normas e regras de convivência [...]15 15 Torrão Filho (2005, p. 153).

Foi assim que autorizou a criação da freguesia de São Luiz do Paraitinga, no Termo da Vila de Taubaté:

[...] A 2 de maio de 1769 o governador-geral D. Luís Antônio de Sousa Botelho e Mourão defere uma petição para que seja fundada uma povoação entre Taubaté e Ubatuba, dando o nome de São Luís e Santo Antônio do Paraitinga, e à igreja a invocação de N.S. dos Prazeres.16 16 Pinto apud Petrone (1959, p. 77).

Nesse mesmo ano, em 8 de maio, o sargento-mor Manuel Antônio de Carvalho foi nomeado fundador e governador da nova povoação.

Em 9 de janeiro de 1773, São Luiz do Paraitinga foi elevada à condição de vila, em cerimônia na qual se assentou o pelourinho na praça projetada para os edifícios públicos - Igreja, Casa de Câmera e Cadeia - que seriam construídos posteriormente, assim como grande parte dos sobrados em volta da praça principal. Em 30 de abril de 1857, recebeu os foros de cidade. A regularidade e uniformidade do traçado da cidade só começaram a tomar forma em meados de 1850, quando começou a se consolidar o conjunto arquitetônico.

Assim, provavelmente, foi a essa conformação que Aguiar se referiu ao designar os fortes traços dos tempos da Colônia. Mas, como será possível ver adiante, os dias não foram de tanto esplendor e opulência...

Poucas ruas tem a cidade. São, em geral, mais largas e regulares que as das mais vilas de seu tempo. Duas ainda têm trechos pavimentados por lajes brutas e assimétricas. As outras estão privadas desse calçamento, pois suas pedras foram aproveitadas na feitura dos passeios e sarjetas. Alinham-se nessas vias umas quatrocentas casas, em sua maioria achatadas, mal divididas, sem luz direta para os cômodos interiores, todas feitas de taipa, terra batida e pau-a-pique.17 17 Aguiar, op. cit., p. 11.

Uma indicação do planejamento de Morgado de Mateus para as vilas por ele fundadas era a criação do “espaço-rua”; as ruas deveriam ser largas para comodidade de seus habitantes e para permitir uma “recreação da vista”,18 18 Cf. Iphan (2010a). e, essa regra, pela descrição de Aguiar, foi seguida em São Luiz do Paraitinga.

SÃO LUIZ DO PARAITINGA E O VALE DO PARAÍBA

Os caminhos no Vale do Paraíba, por rio e por terra, serviram, em seu segmento paulista, desde meados do século XVII, “para caminho dos bandeirantes e entradistas em busca do gentio para ser escravizado, e depois, das jazidas de ouro e das pedras em Minas Gerais, e mesmo por todo sertão”,19 19 Telles (2006, p. 13). propiciando a fundação de arraiais e vilas durante os séculos XVII e XVIII, como se pode observar no detalhe do mapa da Capitania de São Paulo (figura 2).

Figura 2
Detalhe do Mapa da Capitania de São Paulo, 1817MAPA da Capitania de São Paulo, 1817 [copiado de original de 1811, destaque]. Arquivo Público do Estado de São Paulo. (copiado de original de 1811). Em destaque, a localização de São Luiz do Paraitinga. Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Com o declínio da mineração, entre o final do século XVIII e início do XIX, começa a se estabelecer o cultivo da cana-de-açúcar, que chega a São Paulo por incentivo do Morgado de Mateus, em uma iniciativa que fazia parte de seu projeto “destinado a alterar a fisionomia pobre e despovoada de São Paulo”.20 20 Camargo (2004, p. 106).

O esgotamento das minas também provocou a transferência de alguns mineradores para o Vale do Paraíba, onde, por suas condições financeiras, puderam adquirir terras. Em sua maioria, começaram a organizar fazendas de café, com a montagem de estrutura para o cultivo e compra de escravos. Constituíram poderosos clãs rurais, sendo conhecidos como Barões do Café.21 21 Cf. Telles (2006). Em todo o Vale do Paraíba há bens tombados, quase todos relacionados ao ciclo econômico do café na região.

O auge da produção cafeeira no Vale do Paraíba foi por volta da primeira metade do século XIX. Em 1836, a região foi responsável por 86,50% da produção do café no estado de São Paulo (2.737.639 arrobas), das quais São Luiz do Paraitinga contribuiu com apenas 16.200 arrobas.22 22 Petrone (1959, p. 18). Esses números corroboram a afirmação do historiador luizense João Rafael Cursino dos Santos de que, em São Luiz do Paraitinga, a produção de café foi bem menor que em cidades vizinhas no Vale do Paraíba, não chegando a trazer grandes riquezas para a cidade e seus produtores, o que é ratificado pelo texto do dossiê de tombamento federal para o qual “a pesquisa histórica mostra que o jargão de ‘cidade do café’ que, com raras exceções, é utilizado para São Luiz do Paraitinga não se aplica a ela”.23 23 Iphan, op. cit., p. 58. Para Santos, a cidade “vai se aproveitar desse momento privilegiado da economia de todo o Vale do Paraíba, e do Brasil como um todo, naquele novo contexto internacional, mas servindo como um entreposto fundamental para o escoamento desta produção e, a partir daí, vai se desenvolver”.24 24 Santos (2015, p. 68).

Porém, esse é o período em que as ruas da cidade foram definidas, quando as edificações foram construídas e as obras urbanas foram realizadas, culminando, em 1857, com a elevação de São Luiz do Paraitinga à condição de cidade.

Não tardou, porém, para que ocorresse o esgotamento do solo do Vale, causado pela erosão, em função do sistema adotado na plantação cafeeira. Uma nova economia, em substituição ao café, estava atrelada, entre outros fatores, às possibilidades de transporte. As cidades do Vale do Paraíba, primeiramente interligadas pela Estrada de Ferro D. Pedro II e, a partir de 1928, pela ligação rodoviária Rio-São Paulo - que viria a se tornar, em 1951, a Via Dutra - configurariam, então, um território marcado pela industrialização.

É nesse contexto que o porto de Ubatuba começou a perder importância, pois o acesso a ele ainda era feito por meio das tropas que levavam a carga no lombo de burros, em contraste com a facilidade e a rapidez da ferrovia, que já se estabelecia como o melhor meio de transporte do período. Essa foi também uma das causas prováveis da estagnação de São Luiz do Paraitinga: a ausência da linha férrea - prometida, mas não construída.

A construção das estradas de ferro estava relacionada ao processo de modernização do Império, iniciado a partir da segunda metade do século XIX, atrelado a um desenvolvimento da economia, que fez os investimentos necessários em infraestrutura e na urbanização do Brasil.

Em seus estudos sobre ferrovias, Schmidt fez um levantamento que, apresentado em artigo, recebeu o título A projetada ferrovia entre o Vale do Paraíba e o mar, do qual destaca-se o seguinte trecho:

Quando ainda se planejava e organizava a estrada de ferro São Paulo-Rio de Janeiro, já os fazendeiros da região, prevendo o que sucederia tão logo a mesma entrasse em funcionamento, cuidaram de dar todo o apoio necessário para a construção de uma ferrovia que partindo de Ubatuba fosse ter ao Vale do Paraíba. A via principal, entre Taubaté e Ubatuba, deveria possuir 151.799 metros. Um ramal, partindo de determinado ponto, alcançaria São Luiz do Paraitinga, com 19.500 metros. Ao todo, 171.219 metros de via férrea deveriam ser construídos pela Companhia. Não saiu do papel.25 25 Schmidt (1953, p. 143).

Muitos foram os problemas que levaram à não execução da ferrovia. Pode-se inferir que a falta de uma ligação férrea contribuiu para que São Luiz do Paraitinga não se desenvolvesse plenamente, assim como se poderia pensar que o trem teria sido o fator de mudança econômica e social para a cidade, em uma época de transformação do modo de produção.

O fato é que o acesso sempre foi um impeditivo para o crescimento de São Luiz do Paraitinga - não só pela falta da ferrovia, mas também por vias terrestres, já que nos anos 1940 o percurso de Taubaté à cidade, em seus 45 km, demorava por volta de 4 horas. A rodovia Oswaldo Cruz, atual ligação Taubaté-São Luiz do Paraitinga-Ubatuba só foi completamente inaugurada em 1976.

A localização da cidade em encosta de serras, as possibilidades de enchentes, aliadas à precária infraestrutura urbana e à falta de investimentos, tanto públicos quanto privados, acrescidas da ausência de sua ligação com outros núcleos urbanos, foram fatores que contribuíram para a lentidão de desenvolvimento. Isto concorreu para que São Luiz do Paraitinga ficasse à margem do crescimento econômico, urbanístico e social que se verificou no eixo do Vale do Paraíba.

Situação semelhante viveu a cidade de Paraty, cuja importância como porto, na época do ouro, se viu diminuída no período do café, quando o porto de Santos, ligado pela ferrovia, ganhou prioridade. Em seu estudo sobre essa cidade, Souza demonstrou a questão dos caminhos e o desejo dos paratienses de poder participar do desenvolvimento regional. Traçando um paralelo entre as cidades, esta afirmação de Souza permite entender o rumo que essas cidades iriam tomar:

O que não podiam imaginar é que a estrada era apenas uma face dos motivos de seu progresso, sendo a outra face justamente o resultado de seus anos de esquecimento pela economia regional, pois a preservação da arquitetura e da cultura tradicional, devida em grande parte à decadência e ao isolamento do município, é que se tornou seu principal atrativo na nova etapa que então se iniciou.26 26 Mello e Souza (2008, p. 92).

A preservação não intencional de seu patrimônio edificado e de sua configuração urbana tornou-se, com o tempo, o grande recurso econômico de São Luiz do Paraitinga.

A partir de meados da década de 1980, sua economia será retomada, mas agora na perspectiva de um desenvolvimento baseado no turismo histórico-cultural e de natureza, para o qual seu patrimônio cultural será acionado, principalmente com a descoberta e divulgação de suas festas populares.

OS DISCURSOS DE VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE SÃO LUIZ DO PARAITINGA

Para o Condephaat e para o Iphan, o interesse por São Luiz do Paraitinga ganha força em 1963, com a publicação do ensaio “Quadro Geral dos Monumentos Paulistas”, de autoria do engenheiro-arquiteto Luís Saia, contido em seu livro Morada Paulista.

Neste texto há apenas uma única menção à cidade, incluída no rol de vilas fundadas pelo Morgado de Mateus, durante o período em que ele administrou a capitania de São Paulo (entre 1765 e 1775), sendo este o de ocupação de novas zonas, fundação de cidades e implantação de inúmeros estabelecimentos produtivos no interior, até então inabitado. Para Saia, “a fermentação das ideias que então revolucionavam a Europa repercutiu em São Paulo, incutindo ritmo progressista à população que rapidamente se avolumou”.27 27 Saia (2005 [1963], p. 43-44). Como exemplo das ocupações instituídas no norte da capitania pelo Morgado de Mateus, ele enumera “as vilas de Cunha, São Luiz do Paraitinga e Lorena”.28 28 Ibid., p. 44.

Luís Saia foi dirigente do Iphan em sua regional de São Paulo de 1938 (quando este ainda se denominava Sphan) até 1975, ano de seu falecimento. Saia atuou também no Condephaat, entre 1969 e 1975. Na análise realizada por Walter Lowande,

A atuação de Luís Saia no âmbito das práticas preservacionistas paulistas foi marcada pelo conceito de “evolução regional paulista”, para o qual forneceu ele próprio uma interpretação bastante particular. Tal interpretação pode ser encontrada de forma bastante proveitosa em seu Morada Paulista.29 29 Lowande (2010, p. 92).

Ainda sobre sua obra, continua Lowande explicando que

Morada Paulista trata de temas, muitas vezes tomados como hipóteses de trabalho que mereceriam maior desenvolvimento posteriormente. Assim, não se pode ajuizar de sua leitura uma falta de rigor metodológico no trato relativo às fontes, quando o que se almejou foi a produção de um tipo de texto historiográfico específico, cujo objetivo é fornecer elementos orientadores de uma ação institucional dirigida à preservação de bens materiais dotados de valores nacionais.30 30 Ibid., p. 103.

Como exemplo da mudança na profundidade com que tratou alguns dos temas que já se esboçavam em Morada Paulista, Lowande cita o caso de São Luiz do Paraitinga, que mereceu estudos e pesquisas mais completos e rigorosos, desenvolvidos por Saia em coautoria com o historiador Jaelson Bitran Trindade.

Em 1973, Luís Saia publicou o artigo “Evolução de São Luís do Paraitinga”, nos Anais do VII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História, que se realizou em Belo Horizonte, em setembro daquele ano. Nele, o autor esclarece pontos relevantes para a discussão que aqui se pretende:

No presente caso, de vilas fundadas por iniciativa do governo e segundo uma idéia preestabelecida de colonização - e este é o caso específico do Morgado de Mateus - a racionalidade que transpira no texto do termo de ereção de São Luís, representaria um reflexo do iluminismo europeu que desembocaria na revolução francesa e que povoaria a cabeça de um estudioso como Luís Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus. Antes do século XVIII, salvo uma ou outra iniciativa do governo metropolitano, e em contraposição ao que acontecia na América Espanhola, onde a colonização era orientada pelo espírito organizado das Leis das Índias, a formação das cidades brasileiras era matrizada pelo empirismo da geografia, do sítio escolhido, da topografia e do rendimento imediato da instalação. O vírus instilado pelo racionalismo do Morgado de Mateus perseguiu a vila de São Luís do Paraitinga, onde se estabelece uma luta surda entre o que os dirigentes chamam de "elegância" da praça, das ruas e da cidade, e o interesse imediatista dos moradores, sempre dispostos a se aproveitar das circunstâncias para receber um quinhão mais refarto da situação urbana.31 31 Saia (1973, p. 432).

As pesquisas desenvolvidas por Saia e Trindade, entre os anos 1972 e 1974, resultaram na publicação São Luís do Paraitinga: levantamento métrico, arquitetônico e fotográfico e estudos de formação de uma cidade tradicional paulista, editado pelo Condephaat em 1977 (posteriormente ao falecimento de Saia).

Em seus estudos, os autores assinalaram que “o conjunto urbano-arquitetônico e paisagístico de São Luiz do Paraitinga é paradigmático do urbanismo planejado que pontuou a segunda metade do século XVIII no Brasil”.32 32 Iphan, op. cit., p. 24. Vincularam a malha urbana de São Luiz do Paraitinga e o conjunto arquitetônico ali instalado a um “fenômeno de maior amplitude”, que teria ocorrido na segunda metade do século XVIII: “o projeto ‘pombalino’, ‘ilustrado’, de fundar povoações ordenadas, regulares, no Reino e nas Colônias e, mais diretamente, a um plano de estruturação territorial da Capitania de São Paulo [...]”33 33 Ibid., p. 14. Porém, continuam os autores, o desenho da cidade resultante não é uma reprodução fiel do racionalismo hipodâmico que se atribui ao Morgado de Mateus; houve acomodação e algumas modificações realizadas por seus povoadores (figura 3).

Figura 3
Desenho da Vila de São Luís do Paraitinga, datado de 1850, executado por Roxales de Sousa e Silva. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Reproduzido do Dossiê São Luís do Paraitinga, Iphan/SP, 2010SILVA, Roxales de Souza e. Desenho da Vila de São Luís do Paraitinga, [ 1850]. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Reproduzido do Dossiê São Luís do Paraitinga. São Paulo, Iphan/SP, 2010.. Arquivo-IPHAN/SP

O projeto urbanizador no Brasil do século XVIII incluiu a fundação de vilas e cidades e a refundação de aldeamentos missionários, sendo todos integrados em uma rede urbana. Para Manuel Teixeira,

O vasto projeto urbanizador levado a cabo no Brasil no século XVIII incluiu a fundação de novas vilas e cidades, bem como a refundação de aldeamentos missionários, integrando-os na rede urbana. Em ambos os casos estão patentes as mesmas preocupações de regularidade e de ordenamento e o entendimento da cidade como elemento civilizacional que se devia expressar por meio de sua boa organização espacial. A racionalidade iluminista vai traduzir-se em traçados urbanos rigorosamente geométricos. A regularidade passou a estar presente não apenas no traçado urbano, mas também na padronização das estruturas de quarteirões e de loteamento, no alinhamento de ruas e de fachadas e na adoção de programas arquitetônicos uniformes aos quais todas as construções deviam obedecer.34 34 Teixeira (2012, p. 59).

Trindade reitera que

A homogeneidade volumétrica e formal que se observa no conjunto de sobrados no âmbito da praça central de São Luiz [do Paraitinga], mas também visível noutros logradouros [...] comparece ainda noutras ruas, em grupos de edificações, construídos no decorrer do século XIX, desde as primeiras décadas.3535 35 Iphan, op. cit., p. 26.

Ainda que o traçado urbano seja contemporâneo ao governo do Morgado, as edificações foram realizadas posteriormente, como indicaram Saia e Trindade: “O projeto da ‘cidade iluminista’ se consolidou, portanto, por volta da década de 1840”.36 36 Saia; Trindade (1977, p. 22, 24). Verificando a documentação da época, os pesquisadores encontraram indicações de que “as questões relativas à ‘formosura’, simetria e regularidade, postas desde o início do povoado, prevaleceram na configuração do cenário urbano local”37 37 Iphan, op. cit., p. 71. tanto em relação à praça central quanto no alinhamento das edificações (figura 4).

Figura 4
Casario na Praça Oswaldo CruzCASARIO na Praça Oswaldo Cruz. São Luiz do Paraitinga/SP, [s. d.]. Arquivo do Iphan/SP. 1. Fotografia. São Luiz do Paraitinga/SP, [s. d.]. Arquivo Fotográfico-IPHAN/SP.

Essa defasagem entre a concepção do traçado e a construção dos edifícios foi confirmada por Nestor Goulart Reis Filho, em uma intervenção durante a 66ª reunião do Conselho do Iphan, em 2010, onde declara

Apenas acrescentar que, ainda que o Plano seja de Morgado de Mateus, portanto da fase pombalina, na fase do traçado a vila tinha pouco movimento econômico. Era mais um ponto de passagem. Quando o café prosperou, na segunda metade do século XIX, é que os sobrados da praça principal foram construídos já com traços neoclássicos. E o que é impressionante, no final do século XIX, em 1880, 1890, faziam sobrados com alinhamento que haviam sido estabelecidos ao tempo do Morgado, o que mostra a força do padrão urbanístico, das normas que foram estabelecidas naquela época. Há um descompasso no tempo entre o que foi traçado e o que foi realizado.38 38 Iphan (2010d, fl. 147).

Em seus estudos sobre fundações de vilas no Brasil, Reis afirma que “essas tendências de padronização podem ser observadas ainda nos dias de hoje em determinadas ruas do centro de cidades como Belém, São Luís do Maranhão, Icó e Aracati no Ceará e São Luiz do Paraitinga, em São Paulo”.39 39 Reis Filho (2001, p.179).

Na ata apresentada, Reis cita a economia cafeeira como responsável por grande parte do desenvolvimento econômico e social na região do Vale do Paraíba, cujo auge se deu por volta dos anos 1840. Mas, em São Luiz do Paraitinga a arquitetura, embora com alguns representantes de maior destaque, não apresenta a monumentalidade das edificações encontradas em outras cidades, pertencentes, em sua maioria, aos barões do café, que as construíam nos locais mais significativos - geralmente na praça principal. Seus sobrados apresentavam, isso sim, uniformidade, pois, como já dito, seguiam o alinhamento estabelecido na época do Morgado de Mateus; os que foram construídos por aqueles que tinham mais recursos, apresentavam no andar térreo as funções de acesso e depósito, podendo até ser usado para o comércio.

Descritas por Mário Aguiar como muito simples e nem sempre adequadas aos padrões de higiene, algumas das casas térreas eram caracterizadas por fachadas com porta e uma ou duas janelas; as construções seguiam as dimensões do lote, com pequena largura de frente, em alinhamento e muitas delas eram geminadas; o sistema construtivo era simples, com paredes de pau a pique.40 40 Cf. Iphan (2010a).

A influência de Luís Saia no pensamento e nas decisões do Condephaat e do Iphan é inegável. Da mesma forma, é inquestionável a força de sua atuação nos rumos da preservação de São Luiz do Paraitinga e da utilização de seus argumentos para os tombamentos efetuados nessa cidade, empregados até os dias atuais, muitos anos após sua morte.

Por isso, é significativa a declaração de Saia de que

Apesar de sua aparente desimportância, São Luiz do Paraitinga é, no quadro da ocupação do Estado de São Paulo, uma preliminar decisiva, na medida que expressa uma orientação que vai se firmar em quinhentas cidades paulistas que vão ser fundadas em função da economia do café.41 41 Saia; Trindade, op. cit., p. 28.

O próprio Saia e outros estudiosos que o sucederam trataram de reverter essa condição de “desimportância”. Assim, São Luiz do Paraitinga foi e continua sendo centro de interesse da preservação patrimonial, com todos os benefícios e dificuldades que essa condição acarreta.

A ENCHENTE E OS NOVOS TOMBAMENTOS (2010 - 2012)

Mnemósine, mãe das musas e, portanto, de toda criação - na mitologia grega,

bem personificava a “função da memória, sagrada”, de compensar as ameaças de Lethé,

as águas do esquecimento que a morte exige atravessar42 42 Duarte (2009, p. 305).

Em 2010, as águas invadiram a cidade. Levaram objetos, documentos, roupas, móveis, casas inteiras. Prenunciaram o fim daquele lugar. Ao arrastar tudo que estava ao seu alcance, deram pistas de que nada sobraria. Mas esse rio não era Lethé. Era Parahytinga, o “rio de águas claras”, e suas águas, no lugar do esquecimento, revigoraram as lembranças, aguçaram os sentidos e fortaleceram a memória. A morte não atravessou o rio.

O inesperado episódio, em 2010, com o Rio Paraitinga subindo aproximadamente 15 metros acima de suas margens, provocou a maior enchente já sofrida pela cidade. Muitos edifícios - a maior parte localizada no Centro Histórico - ficaram submersos e não resistiram: ruíram parcial ou totalmente. Entre eles, estavam duas igrejas, a Matriz e a Capela das Mercês; o antigo Grupo Escolar (cujo projeto de adaptação havia sido realizado por Euclides da Cunha); diversos sobrados e casas térreas, além de estabelecimentos comerciais como padarias, farmácias, restaurantes, bancos, cartório43 43 De acordo com o relatório de Avaliação de Danos - Avadan, expedido pelo Sistema Nacional de Defesa Civil - Sindec, foram destruídas 80 residências e 1 edificação destinada ao ensino público e foram danificadas 146 residências, 3 edificações públicas destinadas ao atendimento público de saúde e 3 edificações destinadas ao ensino público. Outro documento, o Relatório de Situação de São Luiz do Paraitinga, de autoria de UPPH/CONDEPHAAT, mostra que 18 imóveis foram arruinados e 65 parcialmente arruinados, dentre os 426 imóveis listados pelo órgão estadual. Documentos datados de 2010 e disponíveis em <https://bit.ly/2lEKxd6>. Acesso em: mar. 2019. (figura 5). Também foram perdidos documentação, móveis e objetos oficiais e pessoais dos moradores.

Figura 5
Vista aérea da enchente em São Luiz do Paraitinga/SP, em janeiro de 2010. Arquivo Condephaat.

Naquele momento, o fluxo turístico foi interrompido - e parecia ter acabado definitivamente, já que a enchente afetou parte importante do patrimônio arquitetônico tombado e impediu a realização das festas nas ruas da cidade, abalando a vida social e cultural dos luizenses. Porém, se foi uma catástrofe sem precedentes, também foi ocasião de maior atenção por parte dos órgãos públicos e da imprensa e da entrada de recursos financeiros em um volume jamais recebido, colocando São Luiz do Paraitinga em destaque temporariamente.

O estudo para o processo de tombamento do Centro Histórico pelo Iphan estava em curso há aproximadamente três anos. Com a enchente, o Instituto desenvolveu ações emergenciais para dar suporte às equipes locais sobre procedimentos para minimizar as perdas e iniciar um processo de recuperação. Porém, faltava ao Iphan, para que pudesse desenvolver essas atividades de maneira integral, o respaldo legal para atuar no salvamento dos remanescentes e para dirigir as ações na cidade: o tombamento.

Assim, no início de fevereiro de 2010, foi constituído um processo para o tombamento provisório, acatado pelo Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (Depam), permitindo ao Iphan tomar a frente em algumas resoluções sobre a reconstrução de parte dos edifícios tombados.44 44 Cf. Iphan (2010b).

Para dar base aos tombamentos e subsidiar a salvaguarda do patrimônio, foi utilizado o Dossiê São Luiz do Paraitinga, estudo que

avalia o significado histórico do plano urbano, as transformações e caráter da sua morfologia, como também da configuração tipológica das construções e dos espaços abertos, e a partir destes da pertinência do tombamento e da regulamentação da sua área de preservação.45 45 Iphan (2010a, p. 11).

O conteúdo do Dossiê baseia-se, primordialmente, nos estudos de Saia e foi elaborado por Jaelson Bitran Trindade. Os motivos que já haviam justificado o tombamento e a valorização da cidade pelo Condephaat, citados anteriormente, estão presentes no Dossiê São Luiz do Paraitinga.46 46 Cf. Iphan (2010a, p. 18). Recuperado dos estudos de Saia e Trindade, apresenta a “cidade regular” contida entre o “morro da cidade” (Morro do Cruzeiro) e o Rio Paraitinga: o espaço onde se deu a implantação do plano prévio para fundar o núcleo e consequentes ajustes nele efetuados entre 1769 e 1850, assim como o legado arquitetônico espalhado por todo esse perímetro, constituído ao longo do tempo à base da incorporação das disposições edilícias que prescreviam a integração da arquitetura, via uniformidade e simetria, em harmonia com o traçado racional, visando obter a “formosura” da cidade.

Os tombamentos de 2010 e 2012 também se basearam na “ambiência urbana extremamente preservada, apesar das recentes perdas sofridas [...] que se conjuga com o território sobre o qual está implantada [...]” e pela “manutenção da legibilidade do conjunto edificado e do traçado”. Assim, o Iphan autorizou e chancelou as inscrições, com base na preservação da “relação sítio natural/traçado urbanístico/conjunto arquitetônico”, apostando que o patrimônio cultural representava, naquele momento “uma escolha da cidade por uma determinada perspectiva de desenvolvimento”, cuja construção dependia “da formulação de instrumentos como o Plano Diretor, do planejamento turístico, da preservação ambiental”.47 47 Cf. Iphan (2010b).

Vê-se que os argumentos e as pesquisas de Saia e Trindade foram utilizados novamente, agora para dar subsídio a um tombamento mais amplo. Esses procedimentos, aliados a uma ampla cobertura midiática e a interesses políticos, resultaram na inscrição de seu Centro Histórico no Livro do Tombo Histórico, em 2010; e em 2012 na inscrição da cidade no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico como “Conjunto Histórico e Paisagístico de São Luiz do Paraitinga”, ambas realizadas pelo Iphan.

As reconstruções ou restaurações dos edifícios públicos foram realizadas em pouco tempo, em grande medida pelas ações do Iphan e do Condephaat. Porém, algumas edificações tombadas pertencentes a particulares até hoje não foram totalmente recuperadas, pois seus proprietários depararam-se com dificuldades como a necessidade de documentação específica, de projetos de restauro feitos por especialistas e de obtenção de financiamentos para as obras. As festas também ressurgiram rapidamente, trazendo de volta os milhares de turistas que lotam a pequena cidade de pouco mais de 10 mil habitantes.

O CONJUNTO HISTÓRICO E PAISAGÍSTICO E OUTRAS DIMENSÕES PATRIMONIAIS

O Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga concentra a dinâmica socioeconômica local, pois nele se localiza a maior parte do comércio, dos edifícios voltados a serviços institucionais, prédios que abrigam atividades públicas, como cartório, prefeitura, Câmara Municipal, agência de correio, além de bancos, restaurantes, pousadas, igrejas e inúmeras moradias. E é sobre esta paisagem urbana central que se estabelece uma outra, a da aglomeração turística.

Não obstante esse dinamismo, os tombamentos e a interferência de órgãos de preservação, principalmente sobre o patrimônio edificado, tendem a afastar os moradores desse centro, pela dificuldade que encontram, cada vez mais, na manutenção de imóveis privados e na fruição e apropriação dos lugares públicos.

Além disso, nem todas as áreas da cidade são objeto de políticas de preservação e valorização ou se beneficiam destas. O perímetro de tombamento inclui a preservação visual do conjunto, o que pressupõe inclusão dos bairros instalados em sua envoltória, ou seja, nos morros, incluindo bairros como o Alto do Cruzeiro. Porém, além de uma proposta de Implantação do Paisagismo do Bosque Oswaldo Cruz, no âmbito do PAC Cidades Históricas 2 que até hoje não foi executado, não há qualquer diretriz que garanta a melhoria da área, visando minimizar as disparidades tanto física quanto social com o núcleo fundacional, mesmo reconhecendo que “a ocupação das cotas mais altas do Morro do Cruzeiro se deu a partir da década de 1880, quando a Câmara dá permissão para que ‘a pobreza’ ali se instale”,48 48 Iphan (2010a, p.75). sendo, portanto, uma área tão significativa cultural e historicamente quanto o próprio núcleo principal. Isso fez com que esse morro passasse a ser local de moradias com ocupações irregulares, habitações ilegais, sem regularização dos imóveis ou fiscalização, em áreas de difícil acesso, sem infraestrutura adequada, sem espaços de lazer, sem atendimento médico, entre outros problemas (figura 6).

Figura 6
Vista do Morro do Cruzeiro, São Luiz do Paraitinga/SP, 2017. Fotografia: Renata R. Allucci

Esse território, embora incluído no tombamento como parte da área a ser protegida no conjunto histórico e paisagístico pelo Iphan e nas discussões do Plano Diretor Participativo de São Luiz do Paraitinga49 49 Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de São Luiz do Paraitinga (2012). Disponível em <https://bit.ly/2lC155B>. Acesso em: jun. 2018. como elemento indissociável do conjunto, não recebeu, nos últimos anos, nenhum investimento público ou projeto específico no sentido de mitigar os problemas de qualidade dos serviços urbanos ou de inclusão cultural.

No processo inicial do tombamento federal (2010) pós-enchente - provisório e emergencial -, além do perímetro tombado na área urbana, foi estabelecida uma área envoltória de preservação visual, justificada pela importância atribuída à paisagem natural circundante, em especial ao “mar de morros” que envolve a cidade e que, formando uma moldura verde, valoriza seu conjunto arquitetônico, de acordo com o Iphan.

Entretanto, como já dito anteriormente, o Morro do Cruzeiro, principal setor da área de preservação visual, já se encontrava bastante ocupado em 2010, quando foi feito esse último tombamento. Essa situação, de fato, não é mencionada no Parecer Técnico50 50 Cf. Iphan (2010c). do processo de tombamento, redigido em fevereiro de 2010, no qual se declara que os morros que circundam a cidade merecem especial atenção, de modo a evitar a ocupação desordenada. No documento, o Iphan esclarece ainda que o conceito de paisagem utilizado abrange os aspectos relacionados à forma de implantação da cidade no território e sua relação com o conjunto, como suas características urbanas e os elementos que as diferenciam e caracterizam.

Embora o tombamento não seja, por si só, garantia de preservação e implementação de medidas econômicas e sociais necessárias, o tratamento dado ao Centro Histórico é bastante diferenciado em relação ao restante da cidade, mesmo não sendo suficiente para sua plena conservação. Problemas resultantes dos tombamentos não são raros e há um despreparo da sociedade em geral e dos políticos, em particular, para resolvê-los ou até mesmo para detectá-los.

Nesse sentido, as recomendações contidas no tombamento como Conjunto Histórico e Paisagístico (2010) para o efetivo controle de ocupação do Morro do Cruzeiro não foram muito além do que já havia sido proposto, 30 anos antes, no tombamento estadual (1982), quando os critérios para a delimitação do entorno foram definidos “em função do relacionamento funcional do núcleo urbano” em que a paisagem é concebida “à maneira de um cenário para a formação de ‘um pano de fundo’ que realce os referenciais das áreas urbanas, objeto de proteção mais rigorosa” e da viabilidade da política de proteção,51 51 Condephaat (1982, p. 36). e não por novos valores ou critérios próprios.

Há uma distinção clara em relação à dotação orçamentária municipal para investimentos dentro do perímetro tombado, que conta com a possibilidade de aplicação de instrumentos urbanísticos e compensações fiscais, previstos no Plano Diretor - citado no texto do dossiê de tombamento federal como elemento complementar necessário junto com o planejamento turístico e os instrumentos da preservação ambiental -, além da possibilidade de realização de convênios com entidades financeiras públicas e privadas para a consecução de projetos específicos de recuperação.

A ocupação de forma não planejada e a diferenciação na aplicação de políticas públicas no bairro Alto do Cruzeiro têm consequências que podem ser constatadas no documento disponibilizado no sítio da prefeitura, síntese da avaliação e das reinvindicações dos moradores do bairro, por ocasião da audiência pública realizada na elaboração do Plano Diretor da cidade (2010). Entre as medidas consideradas prioritárias pelos participantes, destacam-se: a necessidade de regularização e fiscalização dos imóveis, pois mesmo havendo controle e informação cadastrais, há muitas ocupações irregulares e habitações ilegais; o acesso aos veículos policiais (falta de patrulhamento) e ambulâncias (devido ao fechamento da Rua do Cruzeiro); a falta de espaços públicos de lazer para as crianças e jovens; a melhoria da rede de esgoto e saneamento básico pela Sabesp; a criação de oficinas profissionalizantes para as mulheres, com cursos de artesanato, culinária etc.; a criação de mais um campo de futebol, de uma área com quadra poliesportiva e de um coreto na Praça do Cruzeiro; a criação de um parque ecológico e florestal e de um mirante, como possíveis atrações turísticas no bairro; projeto e urbanização da Praça do Cruzeiro para uso de lazer, com construção de banheiros públicos e lixeiras com coleta seletiva; a revisão de ruas sem saída, sem calçadas ou com calçadas estreitas e mal acabadas; a remoção gradativa dos moradores das áreas de risco.

Depreende-se, por estas solicitações, que as necessidades dos moradores vão desde as estruturais, como redes de esgoto e de água, acessibilidade e mobilidade, até aquelas que pretendem qualificar o bairro realçando suas potencialidades culturais, turísticas e patrimoniais. Reivindica-se a utilização do bairro como ponto de atração turística, ampliando a oferta de passeios e acomodações aos visitantes (lembrando que São Luiz do Paraitinga é uma Estância Turística), colocando este território no mapa da cidade, como local de interesse cultural e, consequentemente, ampliando as possibilidades de geração de renda para seus moradores.

A definição precisa do “sítio urbano tradicional” a partir de “um princípio mais formal”52 52 Ibid., p. 36. - para usar a mesma expressão do tombamento estadual - ou “conjunto urbano arquitetônico tradicional” regido pelos princípios iluministas ordenados pelo Marquês de Pombal - conforme se reitera no tombamento federal - comparando-o ao de Vila Real de Santo Antônio, no Algarve53 53 Iphan (2010a, p. 31). (se abstraído o fato desta cidade não possuir um “mar de morros” como paisagem de fundo, já que é uma área portuária, de topografia pouco acentuada), contrasta com a recomendação mais genérica como áreas de proteção ambiental para as “encostas do ‘mar-de-morros’ recobertas de vegetação e ainda não ocupadas, que circundam a área urbanizada [...] formando assim uma moldura verde que valoriza o conjunto arquitetônico”, cujo perímetro foi estabelecido por um polígono definido apenas a partir das cotas mais altas destas elevações,54 54 Ibid., p. 35, 39. sem levar em conta as características específicas e distintas dessas áreas. Disso resulta um impacto direto para o conjunto tombado que é a valorização imobiliária e a mudança de usos das edificações e espaços públicos para adequá-los ou utilizá-los para atividades turísticas. Nesse sentido, há muito o centro de São Luiz do Paraitinga vem se transformando num lugar de atividades terciárias (comércio e serviços) em detrimento da permanência de moradores.

A reconfiguração espacial provocada pela enchente de 2010 acarretou deslocamentos forçados, com a readequação de moradias, de lugares de culto , de celebrações e de realização de festas. Atualmente, o espaço urbano já está bastante normalizado, mas algumas mudanças foram permanentes e ainda estão em processo de assimilação por parte dos moradores.

Indaga-se, portanto, se a revisão dessa diferença de tratamento da área do Centro Histórico, definida a partir de seu traçado geométrico em relação à área de proteção visual que contém o “mar de morros”, ou da própria noção de conjunto adotada, não deveria ser o ponto de partida para a efetiva preservação de São Luiz do Paraitinga (figuras 7 e 8), no sentido de efetivar a proposta de tratamento da preservação no âmbito do “planejamento e gestão urbana e regional”,55 55 Ibid., p. 35. conforme recomendação constante do Dossiê São Luiz do Paraitinga.

Figura 7
Mapa do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga, assinalando o perímetro de tombamento: imóveis pintados de roxo com diferentes intensidades para distintos graus de proteção e a delimitação dos dois perímetros: em azul, o perímetro do chamado Centro Histórico I; em vermelho, o Centro Histórico II, 1982MAPA do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga, 1982. Intervenção sobre planta original. São Paulo, Condephaat.. Intervenção das autoras sobre planta original obtida no Condephaat.

Figura 8
Mapa do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga, assinalando o perímetro de tombamento (pontos coordenados), 2010MAPA do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga, assinalando o perímetro de tombamento (pontos coordenados), 2010. Parecer Técnico n. 016/2010 do Processo de Tombamento n. 1590 T-2010, Fl. 049. São Paulo, Iphan.. Parecer Técnico n. 016/2010 do Processo de Tombamento n. 1590 T-2010, Fl. 049. Iphan. Arquivo-IPHAN/SP

O ideário fundacional e suas projeções (implantação, traçado, geomorfologia do sítio), principal argumento utilizado e reiterado para justificar o tombamento, na conclusão do dossiê de 2010,56 56 Ibid., p. 34. a despeito de seu fundamento histórico, não pode se sobrepor ao reconhecimento da cidade real e, neste caso, de que o próprio tombamento no âmbito paisagístico não é mais suficiente para operar a complexidade urbana de São Luiz do Paraitinga.

E ainda, sendo a cidade um conjunto urbano tombado pelo Condephaat e pelo Iphan, a gestão das áreas patrimoniais apresenta especificidades, entre as quais a possibilidade de atuação de programas de requalificação urbanística de áreas tombadas, em ações selecionadas para serem executadas por meio do PAC 2 Cidades Históricas, em contraste com o pequeno número de projetos voltados para o bairro do Alto do Cruzeiro - que, uma vez implantados, podem implicar a reiteração das diferenças sociais, econômicas, administrativas e estruturais entre essas regiões.

São Luiz do Paraitinga participou da primeira fase do PAC Cidades Históricas - na qual foi estabelecida uma parceria entre o município e o Iphan para fazer levantamentos e apontar ações em benefício da cidade e do patrimônio; ações que não tinham como objetivo apenas a gestão do patrimônio protegido, mas visavam também a melhoria de infraestrutura das áreas envoltórias. Após a definição de prioridades para o uso dos recursos, quatro ações foram financiadas, já no PAC 2: 1) infraestrutura para embutir fiação, cuja finalização das obras está à espera de que a prefeitura entregue o projeto; 2) o paisagismo da encosta (do rio Paraitinga) no trecho da Rua do Carvalho, cujo contrato com a empresa vencedora da licitação foi rescindido em 2016, por problemas de ordem técnica e cujo processo, reaberto em 2017, está na dependência da elaboração de projeto básico e outros elementos técnicos, alguns de responsabilidade do Iphan; 3) projeto Rua da Música, que está sendo executado; 4) a revitalização do bosque Casa Oswaldo Cruz, cujo convênio com a Caixa Econômica Federal (CEF) feito com o Instituto Elpídio dos Santos (IES) não seguiu adiante por problemas de cronograma físico-financeiro. Essa intervenção previa, entre outras ações, uma alternativa de ligação entre o Centro Histórico e o bairro do Alto do Cruzeiro.57 57 Informações obtidas nos Processos 01506.004719/2015-86 (Iphan, 2015) e 01506.006106/2017-45 (Iphan, 2017) e diretamente na Superintendência do Iphan de São Paulo.

NOVOS ATRIBUTOS PARA A VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL LUIZENSE

A paisagem urbana de São Luiz do Paraitinga é composta por elementos materiais, mas é na reiteração das práticas sociais e culturais, em especial, na interação do conjunto construído com as festas e festivais, e com as formas mais cotidianas de ocupação do espaço público, que reside o valor de conjunto dos remanescentes culturais.

As práticas culturais luizenses - que mesclam elementos caipiras, religiosos e o legado dos trabalhadores escravizados - despertaram o interesse de historiadores, antropólogos, fotógrafos e pesquisadores.

Para Antonio Candido, o caipira e seu modo de vida também surgiram com as estratégias de povoamento e a fixação da população nos núcleos criados pelo Morgado de Mateus. A imposição do sedentarismo causou a “reorganização dos hábitos e a redefinição dos valores sociais mais prezados” que configuraram “os traços fundamentais da cultura caipira, que se vinha esboçando desde o início da colonização”.58 58 Candido (1971, p.36).

Apartados de muitos signos da modernidade, distanciados de grande parte dos novos acontecimentos e equipamentos, os luizenses seguiam numa condição de vida ainda próxima do cotidiano caipira. Mais tarde, quando os interesses patrimonial e turístico passaram a prevalecer na cidade, essa condição passou a ser uma escolha, uma opção de fato; até os dias de hoje, parte da população luizense se autodenomina e se identifica com o universo caipira e o apresenta por meio do artesanato local, das reuniões para contação de histórias, das letras das canções e das marchinhas de carnaval, entre outros.

A Festa do Divino é a mais antiga da cidade. Mesmo sem uma data precisa, sabe-se que ela começou a ser realizada há mais de 200 anos. O carnaval - hoje, a maior festa da cidade em número de turistas - começou a ganhar notoriedade como festa de rua a partir de 1981. A comemoração, tímida a princípio, feita por e para seus moradores, aos poucos foi sendo conhecida em círculos mais amplos e hoje chega a receber cerca de 50.000 pessoas por dia.

O calendário cultural oficial da cidade também apresenta comemorações ligadas à cultura caipira, que fazem parte dos imaginários luizenses: Festival da Cozinha Caipira; Festival da Música Caipira de Raiz; romarias; festas juninas e o Arraial do Chi-pul-pul; Festival de Viola Caipira; o Soca Paçoca, que reúne música e pila; Festa do Saci. Ambos, patrimônio material e imaterial, começaram a ser valorizados.

Porém, como alvo de interesse turístico, a cidade se ressente das consequências do afluxo de visitantes (figura 9), levando ao questionamento sobre os rumos da cultura popular local e a possibilidade de transformação de seus objetivos essenciais e das mudanças dos seus significados e das práticas de sua produção.

Figura 9
Praça Oswaldo Cruz, Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga/SP, tomada por turistas durante o Carnaval, 2012. Fotografia: Renata R. Allucci

Assim como em outras cidades do Vale do Paraíba, em São Luiz do Paraitinga a realização das festas típicas, em geral, atende também a prerrogativas ideológicas, culturais e funcionais das municipalidades, ou seja, são operadas por um grupo específico e hegemônico (em geral, da elite local)59 59 Cf. Souza (2014). e os lugares onde se realizam são reinventados. Entretanto, associadas a outros elementos como crenças, rituais, espaços percorridos, gerações de famílias envolvidas nas atividades de preparação e, no conjunto, a reiteração dos rituais que envolvem sua realização, tais festas podem ser concebidas como “lugares de memória”, pois recriam cenários ativos (resultado de apropriação real pelos sujeitos ainda hoje) e nelas estão presentes as dimensões material, simbólica e funcional da experiência coletiva.60 60 Nora (1993, p. 7-28).

Em São Luiz do Paraitinga, a tradição é evocada para validar e legitimar seu patrimônio arquitetônico tombado. O encontro com o passado, nessa cidade, é mediado pelo patrimônio urbano-arquitetônico conservado, pelo modo de vida transcorrido em ritmos temporais menos intensos, pelas festas, pela religiosidade. O lugar propicia uma percepção diferente do tempo, que se efetiva pelo contato com a tradição.

Na reflexão de Agudo Torrico,

O valor da tradição recai precisamente em sua capacidade de evocar um tempo atemporal, de nos trasladar a tempos imaginariamente detidos e, por isso, intrinsicamente sentidos como próprios, identificadores das comunidades que os mantem, em contraposição às realidades cotidianas. Realidades cotidianas que também podem ser vividas e sentidas como modos de vida tradicionais.61 61 Agudo Torrico (2012, p. 46, tradução própria).

Ao lado da construção memorialística de São Luiz do Paraitinga relativa à fundação da cidade - o imaginário fundacional -, os luizenses, para a construção identitária de vivências sobrepostas e para corroborar essa identidade e se preservar do esquecimento, acionam a memória. Sob esse aspecto, o fator primordial para a permanência dessas memórias é seu patrimônio urbano-arquitetônico, cuja conservação, preservação e valorização pelos tombamentos o transformam em elemento de fortalecimento das identidades locais. Porém, não sem deslocamentos, provocados pelo mercantilismo e pelo turismo que colocam tal patrimônio muito mais sob o olhar e o reconhecimento externos.

Por isso, tradição e memória são algumas das estratégias de valorização do patrimônio cultural usadas pelos luizenses, apropriado, também, por meio da construção dos imaginários. Como define Lenclud, “a utilidade geral de uma tradição é fornecer ao presente uma caução para o que ele é. Ao enunciá-lo, uma cultura justifica, de certo modo, sua situação contemporânea”.62 62 Lenclud (2013, p. 158).

Isso vai ao encontro das questões tratadas no levantamento preliminar do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), realizado entre dezembro de 2010 e junho de 2011 em São Luiz do Paraitinga, em que foram elencadas as principais manifestações culturais da cidade, além de recomendações para uma futura atuação do Iphan como agente articulador entre “ações conjuntas das administrações federal, estadual e municipal visando apoiar manifestações que referenciam a cultura e a memória locais”.63 63 Iphan (2010e, p. 1).

Para isso, o método utilizado baseou-se em dois eixos teóricos: a religiosidade popular e a territorialidade. Para esta última, a escala de distrito foi escolhida para a classificação das localidades. De acordo com o documento, “a territorialidade pode ser compreendida como o conjunto dos processos sociais no interior de um espaço que é unificado por práticas socioculturais”.64 64 Ibid., p. 16. Por meio do conceito de territorialidade, foi possível o acesso e a identificação de múltiplos territórios culturais no interior de São Luiz do Paraitinga, embora tenham sido ainda tratados apenas de maneira indicativa nesse estágio do inventário.

Há, ainda, nesse documento, um reconhecimento de que “as manifestações culturais são compreendidas como um ativo atraente nesses mercados, capazes de gerar emprego e renda”,65 65 Ibid., p. 19. entendidos no âmbito da indústria cultural e do turismo. A associação entre eles é considerada também “responsável por uma nova representação simbólica do território”.66 66 Ibid., p. 19. Ao final, o INRC traz uma série de recomendações e, entre elas, que haja continuidade no trabalho e que este seja, futuramente, submetido à anuência dos portadores e interessados, embora até o momento não tenha sido retomado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os argumentos para os tombamentos, baseados no imaginário fundacional, embora tenham permitido efetivar a proteção e, com ela, a destinação de investimentos para a recuperação emergencial, não garantiu nem propiciou que a atuação do órgão de preservação fosse além da tradicional restauração do edificado. Ao não tomar para si o protagonismo na gestão integral da cidade - que praticamente coincide com o conjunto paisagístico, nas análises e definições do dossiê de tombamento -, perdeu-se a oportunidade de avançar, na prática, em questões importantes para sua preservação.

Ainda sobre esse aspecto, outro ponto importante a ser destacado é a forma de operar e intervir sobre o território das várias instâncias de gestão, além da municipal. No caso do Morro do Cruzeiro, as intervenções realizadas pelo próprio órgão de preservação federal, com o objetivo de solucionar problemas urgentes causados pela destruição da enchente, acabaram por desconsiderar a diretriz de preservação visual do Centro Histórico. Como exemplo, a interrupção do acesso de carros nas ruas que ligam o Centro ao Morro, em especial a Rua do Cruzeiro, tornou-se uma das reivindicações constantes da leitura comunitária do Plano Diretor. Essa descontinuidade impede, ainda, a criação de um possível itinerário cultural entre eles.

A valorização do território do Morro no imaginário local passa por incluir a participação dos diferentes agentes envolvidos na identificação das manifestações culturais a preservar, com instrumentos que possibilitem operar com a noção de “territórios culturais” como complemento ao tombamento.

O que se questiona, portanto, não é a importância do discurso fundacional construído e reiterado em seu perímetro, em sucessivos tombamentos, mas o fato desse perímetro ter sido privilegiado nas ações e investimentos públicos, mesmo após a recuperação emergencial.

Sugere-se, também, a possibilidade de entender os territórios e as manifestações culturais neles ancoradas, para que se possa, efetivamente, estabelecer a noção de “conjunto” pretendida com o tombamento. Neste sentido, a definição do conjunto patrimonial não pode fazer distinção a priori entre seu caráter material ou imaterial, já que ambos possuem relevância para a ressignificação constante dos espaços e valorização da paisagem ao longo do tempo.

Embora os vestígios do traçado fundacional, no presente, sejam os elementos que sustentam a patrimonialização da cidade e os interesses turísticos, a fragilidade das políticas urbanas implementadas para dar suporte às atividades geradas, ao longo do tempo pode levar a um aumento do contraste das condições de vida de distintas populações que hoje convivem diariamente, uma vez que os eventos turísticos animam esse cotidiano de forma plena ao longo de todo o ano.

O exposto revela a necessidade de outra forma de abordar o problema da preservação de conjuntos urbanos, que inicia por considerá-los no âmbito das políticas urbanas territoriais e por reconhecer que os valores atribuídos ao patrimônio são criados pela sociedade, para quem eles adquirem significado identitário e de memória.

REFERÊNCIAS
FONTES ICONOGRÁFICAS

  • CASARIO na Praça Oswaldo Cruz. São Luiz do Paraitinga/SP, [s. d.]. Arquivo do Iphan/SP. 1. Fotografia
  • MAPA da Capitania de São Paulo, 1817 [copiado de original de 1811, destaque]. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
  • MAPA do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga, 1982. Intervenção sobre planta original. São Paulo, Condephaat.
  • MAPA do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga, assinalando o perímetro de tombamento (pontos coordenados), 2010. Parecer Técnico n. 016/2010 do Processo de Tombamento n. 1590 T-2010, Fl. 049. São Paulo, Iphan.
  • SILVA, Roxales de Souza e. Desenho da Vila de São Luís do Paraitinga, [ 1850]. Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Reproduzido do Dossiê São Luís do Paraitinga. São Paulo, Iphan/SP, 2010.

FONTES IMPRESSAS

  • CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado. Estudo de Preservação e Tombamento do Núcleo Histórico de São Luiz do Paraitinga. São Paulo, 1982.
  • IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê São Luiz do Paraitinga. São Paulo: IPHAN, 2010a.
  • IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Parecer relativo ao Tombamento do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga. Processo de Tombamento n. 1590-T-10. São Paulo: IPHAN , 2010b.
  • IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Parecer Técnico 001/2010. Processo de Tombamento no. 1590_T 10. Rio de Janeiro, 2010c.
  • IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ata 66ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. 9 dez. 2010. Rio de Janeiro, 2010d.
  • IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) de São Luiz do Paraitinga. Relatório III. São Paulo: IPHAN , 2010e.
  • IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo 01506.004719/2015-86. São Paulo: IPHAN , 2015.
  • IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo 01506.006106/2017-45. São Paulo: IPHAN , 2017.

LIVROS, ARTIGOS E TESES

  • AGUDO TORRICO, Juan. El tiempo de las identidades híbridas. In: GUERRA DE HOYOS, Carmen; PÉREZ HUMANES, Mariano; TAPIA MARTÍN, Carlos (coords.). Temporalidades contemporáneas: incluído el pasado en el presente. Junta de Andalucia: Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico. PH Cuadernos, 2012, p. 40-53.
  • AGUIAR, Mário. São Luiz do Paraitinga (Usos e Costumes). AMI São Luiz: São Luiz do Paraitinga, [1949] 2011.
  • CAMARGO, Maria Daniela B. de. São Paulo moderno: açúcar e café, escravos e imigrantes. In: Terra Paulista. A formação do Estado de São Paulo, seus habitantes e o uso da terra. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004, p. 103-155.
  • CAMPOS, Judas Tadeu de. A Imperial São Luiz do Paraitinga: história, educação e cultura. 2ª ed. Taubaté: UNITAU, 2011.
  • CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito - estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 2ª. ed. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1971.
  • CARRIÓN, Fernando. Cultura urbana, ¿ un asunto de imaginarios? In: Quito en la obra de... Quitología y arte urbano. Quito: FONSAL: Casa de la Cultura Ecuatoriana, 2010, p. 125-146.
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  • LENCLUD, Gérard. A tradição não é mais o que era... Sobre as noções de tradição e de sociedade tradicional em etnologia. Revista História, Histórias. Brasília, vol.1, n.1, p. 148-163, 2013.
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  • NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, 1993.
  • PETRONE, Pasquale. A região de São Luís do Paraitinga: estudo de geografia humana. Revista Brasileira de Geografia. n. 3, p. 3-100, jul./set. 1959.
  • PINTO, Adolfo Augusto. História da Viação Pública, de São Paulo, (Brasil) - São Paulo, 1903, p.504. In: PETRONE, Pasquale. A região de São Luís do Paraitinga: estudo de geografia humana. Revista Brasileira de Geografia. n. 3, p. 3-100, jul./set. 1959.
  • REIS FILHO, Nestor Goulart. Importância da vida urbana no Brasil colonial. In: Atas do 5o Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte. Faro: Algarve, Portugal, 2001.
  • SAIA, Luís; TRINDADE, Jaelson Bitran. São Luís do Paraitinga. Publicação no. 2. Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado - São Paulo: Condephaat, 1977.
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  • SAIA, Luís. Morada Paulista. 1ª reimpr da 3ª ed. 1995. São Paulo: Perspectiva, 2005.
  • SANTOS, João Rafael Coelho Cursino dos. A cultura como protagonista da reconstrução de São Luiz do Paraitinga. 2015. 420 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de História. São Paulo, 2015.
  • SCHMIDT, Carlos Borges. A projetada ferrovia entre o vale do Paraíba e o mar. Revista de História. v. 6, n. 13, 1953, p. 143-156. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2kwXWUm Acesso em: nov. 2017.
    » https://bit.ly/2kwXWUm
  • SOUZA, Marina de Mello e. Paraty: a cidade e as festas. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2008.
  • SOUZA, Giane Maria de. Encontros com a memória: uma experiência de educação em patrimônio histórico In: LEAL, Elisabete; PAIVA, Odair da Cruz (Org.) Patrimônio e História. Londrina: Unifil, 2014, p.49-62.
  • TEIXEIRA, Manuel C. A forma da cidade de origem portuguesa. São Paulo: Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2012.
  • TELLES, Augusto C. da Silva. O Vale do Paraíba e a Arquitetura do Café. Rio de Janeiro: Capivara, 2006.
  • TORRÃO FILHO, Amilcar. O “milagre da onipotência” e a dispersão dos vadios: política urbanizadora e civilizadora em São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765-1775). Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXXI, n. 1, p. 145-165, jun. 2005.

SITES

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    » https://bit.ly/2DaeHeC
  • SECRETARIA DE PLANEJAMENTO. Plano Diretor. Prefeitura Municipal de São Luiz do Paraitinga. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2lC155B >. Acesso em: jun. 2018.
    » https://bit.ly/2lC155B
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    » https://bit.ly/2lEKxd6
  • UPPH/CONDEPHAAT. Relatório de Situação São Luiz do Paraitinga. Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) e Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat): São Paulo, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2lEKxd6 >. Acesso em: mar. 2019. Acesso em: nov. 2018
    » https://bit.ly/2lEKxd6
  • 1
    Versão ampliada e reelaborada de trabalho publicado nos anais do 17º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Enanpur) em 2017.
  • 4
    Aguiar (2011AGUIAR, Mário. São Luiz do Paraitinga (Usos e Costumes). AMI São Luiz: São Luiz do Paraitinga, [1949] 2011. [1949], p. 68).
  • 5
    O Iphan tombou, em 1956, a Casa Natal de Oswaldo Cruz; o Condephaat realizou os tombamentos da Casa Natal de Oswaldo Cruz, em 1975; do Sobrado n. 3 da Praça Oswaldo Cruz e da Capela de Nossa Senhora das Mercês, ambos em 1981.
  • 6
    Cf. Saia; Trindade (1977)SAIA, Luís; TRINDADE, Jaelson Bitran. São Luís do Paraitinga. Publicação no. 2. Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado - São Paulo: Condephaat, 1977..
  • 7
    Cf. Iphan (2010a)IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê São Luiz do Paraitinga. São Paulo: IPHAN, 2010a..
  • 8
    Ibid., p. 15.
  • 9
    Carrión (2010CARRIÓN, Fernando. Cultura urbana, ¿ un asunto de imaginarios? In: Quito en la obra de... Quitología y arte urbano. Quito: FONSAL: Casa de la Cultura Ecuatoriana, 2010, p. 125-146., p. 132-133, tradução própria).
  • 10
    A expressão foi criada no final da década de 1930 pelo geógrafo francês Pierre Deffontaines - fundador da cadeira de Geografia na USP, em 1934 (Iphan, op. cit., p. 17).
  • 11
    Ibid., p. 17.
  • 12
    É importante assinalar que, em termos demográficos, a população total permaneceu praticamente estável. Em 1980, a população era de 9.745 habitantes, segundo o Seade, e hoje, segundo o IBGE, estima-se uma população total de 10.684 habitantes (IBGE: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-luiz-do-paraitinga/panorama>).
  • 13
    Iphan op. cit., p. 21.
  • 14
    Cf. Campos (2011)CAMPOS, Judas Tadeu de. A Imperial São Luiz do Paraitinga: história, educação e cultura. 2ª ed. Taubaté: UNITAU, 2011..
  • 15
    Torrão Filho (2005TORRÃO FILHO, Amilcar. O “milagre da onipotência” e a dispersão dos vadios: política urbanizadora e civilizadora em São Paulo na administração do Morgado de Mateus (1765-1775). Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXXI, n. 1, p. 145-165, jun. 2005., p. 153).
  • 16
    Pinto apud Petrone (1959PINTO, Adolfo Augusto. História da Viação Pública, de São Paulo, (Brasil) - São Paulo, 1903, p.504. In: PETRONE, Pasquale. A região de São Luís do Paraitinga: estudo de geografia humana. Revista Brasileira de Geografia. n. 3, p. 3-100, jul./set. 1959., p. 77).
  • 17
    Aguiar, op. cit., p. 11.
  • 18
    Cf. Iphan (2010a)IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê São Luiz do Paraitinga. São Paulo: IPHAN, 2010a..
  • 19
    Telles (2006TELLES, Augusto C. da Silva. O Vale do Paraíba e a Arquitetura do Café. Rio de Janeiro: Capivara, 2006., p. 13).
  • 20
    Camargo (2004CAMARGO, Maria Daniela B. de. São Paulo moderno: açúcar e café, escravos e imigrantes. In: Terra Paulista. A formação do Estado de São Paulo, seus habitantes e o uso da terra. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004, p. 103-155., p. 106).
  • 21
    Cf. Telles (2006)TELLES, Augusto C. da Silva. O Vale do Paraíba e a Arquitetura do Café. Rio de Janeiro: Capivara, 2006..
  • 22
    Petrone (1959PETRONE, Pasquale. A região de São Luís do Paraitinga: estudo de geografia humana. Revista Brasileira de Geografia. n. 3, p. 3-100, jul./set. 1959., p. 18).
  • 23
    Iphan, op. cit., p. 58.
  • 24
    Santos (2015SANTOS, João Rafael Coelho Cursino dos. A cultura como protagonista da reconstrução de São Luiz do Paraitinga. 2015. 420 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Departamento de História. São Paulo, 2015., p. 68).
  • 25
    Schmidt (1953SCHMIDT, Carlos Borges. A projetada ferrovia entre o vale do Paraíba e o mar. Revista de História. v. 6, n. 13, 1953, p. 143-156. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2kwXWUm . Acesso em: nov. 2017.
    https://bit.ly/2kwXWUm...
    , p. 143).
  • 26
    Mello e Souza (2008SOUZA, Marina de Mello e. Paraty: a cidade e as festas. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2008., p. 92).
  • 27
    Saia (2005SAIA, Luís. Morada Paulista. 1ª reimpr da 3ª ed. 1995. São Paulo: Perspectiva, 2005. [1963], p. 43-44).
  • 28
    Ibid., p. 44.
  • 29
    Lowande (2010LOWANDE, Walter Francisco Figueiredo. Os Sentidos da Preservação: História da Arquitetura e Práticas Preservacionistas em São Paulo (1937-1986). 2010. 201 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2010., p. 92).
  • 30
    Ibid., p. 103.
  • 31
    Saia (1973SAIA, Luís. Evolução urbana de São Luiz do Paraitinga. In: VII Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História - ANPUH. 1973. Belo Horizonte. Anais. Belo Horizonte: ANPUH, 1973., p. 432).
  • 32
    Iphan, op. cit., p. 24.
  • 33
    Ibid., p. 14.
  • 34
    Teixeira (2012TEIXEIRA, Manuel C. A forma da cidade de origem portuguesa. São Paulo: Unesp: Imprensa Oficial do Estado, 2012., p. 59).
  • 35
    Iphan, op. cit., p. 26.
  • 36
    Saia; Trindade (1977SAIA, Luís; TRINDADE, Jaelson Bitran. São Luís do Paraitinga. Publicação no. 2. Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado - São Paulo: Condephaat, 1977., p. 22, 24).
  • 37
    Iphan, op. cit., p. 71.
  • 38
    Iphan (2010dIPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ata 66ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural. 9 dez. 2010. Rio de Janeiro, 2010d., fl. 147).
  • 39
    Reis Filho (2001REIS FILHO, Nestor Goulart. Importância da vida urbana no Brasil colonial. In: Atas do 5o Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte. Faro: Algarve, Portugal, 2001., p.179).
  • 40
    Cf. Iphan (2010a)IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê São Luiz do Paraitinga. São Paulo: IPHAN, 2010a..
  • 41
    Saia; Trindade, op. cit., p. 28.
  • 42
    Duarte (2009DUARTE, Luiz Fernando Dias. Memória e reflexividade na cultura ocidental. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (orgs.) Memória e patrimônio. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009, p. 305-316., p. 305).
  • 43
    De acordo com o relatório de Avaliação de Danos - AvadanSINDEC - Sistema Nacional de Defesa Civil. Avaliação de Danos - Avadan. Brasília, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2lEKxd6 >. Acesso em: mar. 2019.
    https://bit.ly/2lEKxd6...
    , expedido pelo Sistema Nacional de Defesa Civil - Sindec, foram destruídas 80 residências e 1 edificação destinada ao ensino público e foram danificadas 146 residências, 3 edificações públicas destinadas ao atendimento público de saúde e 3 edificações destinadas ao ensino público. Outro documento, o Relatório de Situação de São Luiz do Paraitinga, de autoria de UPPH/CONDEPHAATUPPH/CONDEPHAAT. Relatório de Situação São Luiz do Paraitinga. Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico (UPPH) e Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado (Condephaat): São Paulo, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2lEKxd6 >. Acesso em: mar. 2019. Acesso em: nov. 2018
    https://bit.ly/2lEKxd6...
    , mostra que 18 imóveis foram arruinados e 65 parcialmente arruinados, dentre os 426 imóveis listados pelo órgão estadual. Documentos datados de 2010 e disponíveis em <https://bit.ly/2lEKxd6>. Acesso em: mar. 2019.
  • 44
    Cf. Iphan (2010b)IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Parecer relativo ao Tombamento do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga. Processo de Tombamento n. 1590-T-10. São Paulo: IPHAN , 2010b..
  • 45
    Iphan (2010aIPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê São Luiz do Paraitinga. São Paulo: IPHAN, 2010a., p. 11).
  • 46
    Cf. Iphan (2010aIPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê São Luiz do Paraitinga. São Paulo: IPHAN, 2010a., p. 18).
  • 47
    Cf. Iphan (2010b)IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Parecer relativo ao Tombamento do Centro Histórico de São Luiz do Paraitinga. Processo de Tombamento n. 1590-T-10. São Paulo: IPHAN , 2010b..
  • 48
    Iphan (2010aIPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê São Luiz do Paraitinga. São Paulo: IPHAN, 2010a., p.75).
  • 49
    Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de São Luiz do Paraitinga (2012SECRETARIA DE PLANEJAMENTO. Plano Diretor. Prefeitura Municipal de São Luiz do Paraitinga. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2lC155B >. Acesso em: jun. 2018.
    https://bit.ly/2lC155B...
    ). Disponível em <https://bit.ly/2lC155B>. Acesso em: jun. 2018.
  • 50
    Cf. Iphan (2010c)IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Parecer Técnico 001/2010. Processo de Tombamento no. 1590_T 10. Rio de Janeiro, 2010c..
  • 51
    Condephaat (1982CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado. Estudo de Preservação e Tombamento do Núcleo Histórico de São Luiz do Paraitinga. São Paulo, 1982., p. 36).
  • 52
    Ibid., p. 36.
  • 53
    Iphan (2010aIPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê São Luiz do Paraitinga. São Paulo: IPHAN, 2010a., p. 31).
  • 54
    Ibid., p. 35, 39.
  • 55
    Ibid., p. 35.
  • 56
    Ibid., p. 34.
  • 57
    Informações obtidas nos Processos 01506.004719/2015-86 (Iphan, 2015IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo 01506.004719/2015-86. São Paulo: IPHAN , 2015.) e 01506.006106/2017-45 (Iphan, 2017IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Processo 01506.006106/2017-45. São Paulo: IPHAN , 2017.) e diretamente na Superintendência do Iphan de São Paulo.
  • 58
    Candido (1971CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito - estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 2ª. ed. São Paulo: Editora Duas Cidades, 1971., p.36).
  • 59
    Cf. Souza (2014)SOUZA, Giane Maria de. Encontros com a memória: uma experiência de educação em patrimônio histórico In: LEAL, Elisabete; PAIVA, Odair da Cruz (Org.) Patrimônio e História. Londrina: Unifil, 2014, p.49-62..
  • 60
    Nora (1993NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, 1993., p. 7-28).
  • 61
    Agudo Torrico (2012AGUDO TORRICO, Juan. El tiempo de las identidades híbridas. In: GUERRA DE HOYOS, Carmen; PÉREZ HUMANES, Mariano; TAPIA MARTÍN, Carlos (coords.). Temporalidades contemporáneas: incluído el pasado en el presente. Junta de Andalucia: Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico. PH Cuadernos, 2012, p. 40-53., p. 46, tradução própria).
  • 62
    Lenclud (2013LENCLUD, Gérard. A tradição não é mais o que era... Sobre as noções de tradição e de sociedade tradicional em etnologia. Revista História, Histórias. Brasília, vol.1, n.1, p. 148-163, 2013., p. 158).
  • 63
    Iphan (2010eIPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) de São Luiz do Paraitinga. Relatório III. São Paulo: IPHAN , 2010e., p. 1).
  • 64
    Ibid., p. 16.
  • 65
    Ibid., p. 19.
  • 66
    Ibid., p. 19.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    03 Dez 2018
  • Aceito
    18 Jun 2019
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