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Um patrimônio centenário em Brasília: processos patrimoniais e discursos relativos a antecedentes da Nova Capital

A Centennial Heritage in Brasilia: Heritage processes and discourses concerning the background of the New Capital

RESUMO

Este trabalho consiste numa análise documental de dossiês de tombamento relativos a construções erguidas antes da construção de Brasília e localizadas no território do Distrito Federal. Trata-se do Museu Histórico e Artístico de Planaltina, da Igreja São Sebastião de Planaltina, da Pedra Fundamental de Planaltina e da Casa da Fazenda Gama, que, por sua arquitetura e origem, contrastam com a monumentalidade moderna do Plano Piloto de Brasília. O método consistiu em coleta de dados de dossiês e análise de justificativas para os tombamentos expressas nessa documentação, o que nos permitiu investigar como ocorreu a incorporação de uma alegada "tradição goiana" em discursos patrimoniais relativos a Brasília. Nossas conclusões apontam como esse patrimônio é valorizado nos dossiês, sobretudo por seu papel no processo de implantação e construção da nova capital, em uma tentativa de reforçar a imagem monumental de Brasília.

PALAVRAS-CHAVE:
Patrimônio; Documentação; Brasília; Planaltina; Casa da Fazenda Gama

ABSTRACT

This paper bases on documental analysis of heritage-processes - dossiers - related to buildings that predate the inauguration of Brasília and are located in the Nation's Federal District territory. The buildings are the Historical Museum of Planaltina, the São Sebastião Church of Planaltina, the Foundation Stone of Planaltina and the Gama Farm House, which, due to their architecture and origins, contrast with the modern monumentality of the Pilot Plan of Brasilia. The method consisted of collecting data from the dossiers and analyzing the justifications for the selections expressed in that documentation, which allowed us to analyze how a so-called predecessor tradition was incorporated into heritage discourse related to Brasilia. Our conclusions point out to how this ancient heritage is valued in the dossiers, especially for its role in the process of establishing the new capital, as par an effort to reinforce the monumental image of Brasilia.

KEYWORDS:
Heritage; Documentation; Brasilia; Planaltina; Casa da Fazenda Gama

INTRODUÇÃO E PROBLEMÁTICA

Brasília, capital do Brasil, foi inaugurada em 1960 e teve seu núcleo inicial, o Plano Piloto, projetado a partir de preceitos modernistas derivados da Carta de Atenas resultante do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de 1933. A transferência da capital para o centro do país fora aventada por diversos políticos brasileiros e, conforme Laurent Vidal, existem registros da demarcação de sítios para esse propósito desde o século XIX.3 3 Vidal (2009). Na esteira desse debate, Jeferson Tavares analisa os vários projetos realizados para a nova capital desde 1927, identificando como tais propostas, cada qual por motivações que refletiam o cenário econômico e político da época, buscaram uma maior integração nacional.4 4 Tavares (2014). Tanto Vidal quanto Tavares apontam como apenas na década de 1950, no governo de Juscelino Kubitschek, a perspectiva da mudança da capital encontrou caminhos viáveis para se concretizar, pois, além da proposta já estar mais amadurecida, o país experimentava um período de maior estabilidade econômica e crescimento, o que favoreceu um investimento em projetos de grande escala.

Ainda que Brasília seja de construção relativamente recente, o território do atual Distrito Federal já era ocupado por fazendas e núcleos urbanos que em muito antecedem a nova capital. Contudo, a historiografia acerca da construção de Brasília ressaltou um suposto vazio demográfico e cultural na região em que ela viria a se erguer. Vidal ressalta que Juscelino Kubitschek e seus aliados utilizaram-se do discurso de que o Planalto Central seria desprovido de civilização para reforçar uma urgência da transferência da capital e da ocupação do interior do país.5 5 Vidal, op. cit. De acordo com Lauro Cavalcanti, esse discurso ganhou grande importância na década de 1950 e fez parte de uma estratégia do governo JK para solucionar as diferenças de ocupação entre o litoral e o interior do Brasil - ou, pelo menos, "torná-las menos evidentes".6 6 Cavalcanti (2017, p. 349). A ideia de que o Planalto Central seria desocupado até a construção de Brasília, entretanto, desconsidera os núcleos urbanos e rurais existentes, o que, conforme salientam Noé Sandes e Luiz Ricardo Magalhães, trata-se de uma perspectiva que reduz a história da região à construção da nova capital.7 7 Sandes e Magalhães (2017, p. 349).

Parte desses núcleos urbanos e rurais antecedentes a Brasília foi incorporada ao Distrito Federal e conserva construções antigas que foram reconhecidas como patrimônio cultural em nível local, ou seja, pelo governo do Distrito Federal. A maior parte desse patrimônio está localizada na atual Região Administrativa de Planaltina, originariamente uma cidade goiana, sendo: o Museu Histórico e Artístico, a Igreja São Sebastião e a Pedra Fundamental, todas tombadas em 1982. O Museu Histórico e Artístico e a Igreja São Sebastião estão localizados no Setor Tradicional de Planaltina, área mais antiga do núcleo. Já a Pedra Fundamental está assentada no Morro do Centenário, situado a aproximadamente nove quilômetros de Planaltina. Além disso, o Brasília Country Club, um clube recreativo, abriga a Casa da Fazenda Gama, uma sede de fazenda goiana, tombada em 2006.

Na Figura 1 apresentamos um mosaico fotográfico com essas quatro construções tombadas e, na Figura 2, sua localização em relação ao Plano Piloto de Brasília.

Figura 1
Museu Histórico e Artístico, Igreja São Sebastião e Pedra Fundamental de Planaltina, DF. Fonte: Fotografia das autoras.

Figura 2
Localização das construções tombadas em relação ao Plano Piloto de Brasília. Fonte: Elaborada pelas autoras.

Tais construções, por sua origem e estilo arquitetônico de feições tradicionais, alusivas à arquitetura luso-brasileira,8 8 Barbo (2018). configuram um contraste com a monumentalidade moderna de Brasília, representada principalmente pelo Plano Piloto. A relevância de Brasília como marco da arquitetura e do urbanismo modernos fez com que seu conjunto urbanístico fosse reconhecido como patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1987, apenas 27 anos após sua inauguração. Esse reconhecimento faz referência ao Plano Piloto e a seu entorno imediato, e o valor simbólico desse core central alude às produções de Oscar Niemeyer e Lucio Costa, nomes emblemáticos da arquitetura e do urbanismo brasileiro.

Este trabalho busca analisar e discutir o significado da representação dessa cultura preexistente a nova capital em Brasília, tendo como enfoque privilegiado o discurso do patrimônio cultural engendrado nos dossiês de tombamento, nossa fonte primária de análise.9 9 O termo dossiê foi emprestado do vocabulário dos profissionais da instituição de tombamento, a Supac/Secec, e se refere a documentos provenientes de lugares de pesquisa diversificados, como arquivos de museus, de órgãos públicos ou ainda produzidos internamente pela Supac/Secec. Esse material, que deu subsídio ao processo instrucional dos tombamentos, também varia em seu formato e função, podendo ser composto de plantas arquitetônicas, recortes de jornal, transcrição de relatos orais, fotografias ou produção textual. De modo geral, o material produzido pelos servidores da instituição de tombamento foi o mais relevante em termos de justificativas e motivações para os tombamentos. Os quatro dossiês de tombamento, cada um referente a uma construção em análise, consistem em material coletado, organizado e/ou produzido pela instituição de patrimônio distrital, a Subsecretaria do Patrimônio Cultural (Supac), subordinada à Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec).

O objetivo deste texto é investigar como o discurso dos dossiês dialoga com a imagem monumental e modernista associada a Brasília. O método consiste na coleta e análise de dados provenientes dos dossiês que apresentassem um avanço no entendimento do processo de formação desse patrimônio secular na capital modernista. A coleta de dados foi realizada nas dependências da Diretoria de Preservação (Dipres), vinculada à Supac, pois o acesso aos dossiês, que são arquivos físicos, é possível exclusivamente in loco, não sendo permitida sua retirada da instituição.

Nossa análise, ao articular patrimônio e documentação, está em sintonia com recomendações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) sobre pesquisa patrimonial. De acordo com o Dicionário do Iphan de Patrimônio Cultural, a revisita aos documentos resulta em uma discussão sempre atualizada, pois a pesquisa e a documentação patrimonial "se nutrem reciprocamente, na medida em que podem trazer à tona registros do passado e do presente, suscitando questionamentos, reflexões, olhares, percepções e problematizações sobre os nossos diversificados acervos".10 10 Pereira Filho (2015).

No Brasil, a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em 1937 pelo Decreto-Lei nº 25,11 11 Brasil (1937). o sistema de proteção do patrimônio brasileiro. Atualmente, o órgão federal responsável é o Iphan. Enquanto isso, o Distrito Federal conta com um organismo local desde 1975, quando foi instituída a Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal no âmbito da Secretaria da Cultura, pelo Decreto nº 2.893.12 12 Distrito Federal (1975). Ao longo dos anos, essa divisão passou por consideráveis mudanças estruturais e de nomenclatura, e atualmente é a Supac/Secec. Os dossiês de tombamento em análise, por sua vez, encontram-se sob a égide da Diretoria de Preservação, a Dipres, subordinada à Supac.

O discurso predominante nos dossiês analisados, conforme espera-se deixar claro ao longo da discussão, se apoia fortemente na necessidade de valorização de uma cultura identificada na documentação como sendo regional e anterior a Brasília. Paralelamente a isso, os tombamentos se justificaram, conforme os dossiês, pelo alegado suporte prestado às iniciativas que buscavam a transferência da capital, um discurso que reforça o papel daqueles núcleos do Planalto Central como testemunha e auxiliar da consolidação de Brasília.

O AUXÍLIO DADO À TRANSFERÊNCIA DA CAPITAL E A ALEGADA TRADIÇÃO GOIANA: A VALORIZAÇÃO DAS ORIGENS DO TERRITÓRIO DE BRASÍLIA

Três dos bens tombados analisados neste texto localizam-se em Planaltina, cidade desmembrada do estado de Goiás e incorporada ao Distrito Federal pelo Decreto nº 4, de 1960.13 13 Distrito Federal (1960). Ao contrário da maior parte das demais regiões administrativas de Brasília, construídas a partir da segunda metade da década de 1950, Planaltina tem suas origens no século XVIII como parte do estado de Goiás. O tombamento do Museu Histórico e Artístico e da Igreja São Sebastião ocorreu em 19 de agosto de 1982, em cerimônia do 123º aniversário de Planaltina. Já o tombamento da Pedra Fundamental aconteceu no mês seguinte, em 7 de setembro de 1982, para coincidir com o 60º aniversário de lançamento da pedra e em razão das comemorações da denominada "semana da pátria".14 14 Distrito Federal (1982a).

Anos mais tarde, em 2006, foi realizado o tombamento da Casa da Fazenda Gama. Sede de uma antiga fazenda na atual região do Distrito Federal, o local tinha uma área de 171 hectares e era propriedade do casal Agostinho de Almeida e Silva e Rogélia Teles da Silva até a desapropriação do imóvel para a construção de Brasília, em 1956. A edificação é um exemplar da arquitetura que existia no Planalto Central entre os séculos XVIII e XIX, com traços da arquitetura tradicional. Em 1958, com as obras de Brasília ainda em curso, o Brasília Country Club foi inaugurado e a Casa da Fazenda Gama passou a ser propriedade do clube por estar em suas dependências.

Os tombamentos realizados em Planaltina foram precursores no âmbito da recém-estruturada Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal, e apontam a valorização do núcleo no processo de institucionalização do patrimônio de Brasília. Ainda que Planaltina seja depositária de referências próprias e tradicionais, acontecimentos e eventos ocorridos no núcleo são geralmente recuperados para frisar sua relação com a transferência da capital. Conforme Pedro Paulo Palazzo, as Missões Cruls, ocorridas entre 1892 e 1894 e cujo roteiro incluía Planaltina, são acontecimentos emblemáticos nesse sentido, pois tinham a finalidade de estudar e demarcar a área destinada à futura nova capital do país.15 15 Palazzo (2015). Em seguida, o lançamento da Pedra Fundamental do novo Distrito Federal nos arredores de Planaltina, em 1922, teve como propósito demarcar a futura capital. De acordo com Palazzo, tais eventos foram referência para que a história de Planaltina passasse a ser "narrada como um dos aspectos da transferência da capital do Brasil para o Planalto Central".16 16 Ibid., p. 373.

O estabelecimento dessa relação entre as histórias de Planaltina e de Brasília possibilitou aos dossiês a estruturação de narrativas relacionadas com uma suposta preexistência de Brasília, tendo como base eventos ocorridos no antigo núcleo originariamente goiano. Nos dossiês de tombamento analisados, de fato, a representação do Planalto Central tanto urbano quanto rural é recorrente, em especial nos dossiês do Museu Histórico e Artístico, da Pedra Fundamental e da Casa da Fazenda Gama. Já a narrativa baseada naquilo que se considera uma tradição goiana em discursos patrimoniais é latente em todos os quatro dossiês em análise, com destaque para os do Museu Histórico e Artístico, da Igreja São Sebastião e da Casa da Fazenda Gama.

A noção de que haveria uma tradição goiana expressa nos bens selecionados para compor o patrimônio do Distrito Federal é recorrente na documentação levantada. Tal noção nos remete ao conceito de tradições inventadas, como discutido por Eric Hobsbawm, para quem essas tradições seriam construídas com o objetivo de estabelecer uma continuidade com um passado idealizado, reforçando uma identidade coletiva e legitimando determinadas instituições ou práticas.17 17 Hobsbawm e Ranger (1997). A valorização de uma alegada tradição goiana como parte das origens do território do Distrito Federal, no discurso dos dossiês, pareceu incorporar narrativas consagradas sobre Brasília na escolha desse patrimônio. Essa noção reforça a ideia de que a nova capital teria sido resultado de uma aspiração antiga de personagens ilustres, como José Bonifácio ou os inconfidentes, por exemplo. Ao definir qual seria o patrimônio cultural antecedente à construção de Brasília, a Divisão do Patrimônio selecionou quais edificações seriam preservadas e por quais motivos, contribuindo para formular uma certa memória de Brasília a partir de determinadas referências históricas. Isso viria reforçar o discurso historiográfico canônico sobre um alegado anseio coletivo e secular da transferência da capital, mas ao mesmo tempo legitimando-o como parte de aspirações de comunidades urbanas e rurais do Planalto Central.

Os discursos dos dossiês de tombamento em análise dão sentido a referências identitárias que podem ser discutidas também em termos do conceito de comunidades imaginadas, de Benedict Anderson.18 18 Anderson (2008). Ainda que as comunidades não sejam unívocas ou homogêneas, elas requerem ser pensadas como tal, a fim de poderem existir enquanto comunidades. Dessa forma, em nosso caso, a valorização de uma alegada cultura ou identidade pertinente ao universo goiano pode ser vista como um modo de afirmação de grupos que lutam para se afirmar e persistir face ao processo potencialmente desagregador representado pela construção de Brasília. Mais do que um conflito, porém, destaca-se a representação coletiva de comunidades urbanas e rurais da região a partir da valorização de aspectos de uma cultura goiana preexistente a Brasília - cujas comunidades são retratadas como unidas pelas suas tradições e ansiosas pela transferência da capital.

MUSEU HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PLANALTINA: UM GUARDIÃO DE TRADIÇÕES REGIONAIS

O Museu Histórico e Artístico de Planaltina teve seu imóvel transformado em museu em 1973, sendo tombado pelo governo do Distrito Federal em 1982. O discurso predominante no dossiê recupera eventos e personagens que teriam passado pelo local em busca da transferência da capital, em uma tentativa de inserir o museu em uma narrativa consagrada sobre Brasília. Além disso, observa-se um esforço por recuperar e valorizar uma cultura centenária, incorporando à história do Distrito Federal uma alegada tradição goiana anterior a Brasília.

A análise desse bem se concentra no parecer favorável ao tombamento, intitulado Museu Histórico e Artístico de Planaltina: tombamento, sem data, de autoria de Maria Zilda de Oliveira, Adenir José de Oliveira Sousa e Celina Lamounier d'Alessandro. Esse documento tem paginação própria e reúne motivações pelo tombamento do imóvel por parte da Divisão do Patrimônio do Distrito Federal. Os demais documentos anexados ao dossiê são fotografias, uma cópia do convite oficial para o tombamento e cópias do decreto publicado no Diário Oficial do Distrito Federal.

O item do parecer "Preservação de 'uma casa com gosto de história'" apresenta o imóvel como palco de eventos que teriam contribuído para a iniciativa de Brasília, pois a casa "sempre teve suas portas abertas às caravanas e comissões que se dirigiam ao planalto buscando a concretização da mudança da capital".19 19 Distrito Federal (1982c, p. 1). O mesmo item detalha quais comissões seriam essas e reforça o valor de memória do museu por ter recebido missões, muitas das quais em épocas diferentes, que tiveram como propósito demarcar ou indicar que a região seria, no futuro, sede da capital do país. Conforme o documento,

a comunidade de Planaltina recebe os integrantes da Missão Cruls, o engenheiro Ernesto Balduíno de Almeida e sua comitiva, a Comissão Poly Coelho, a Comissão José Pessoa, cada vez que visita o seu museu histórico; esta lembrança devolve a todos eles o respeito pela coragem, pela capacidade de suas decisões, pela hospitalidade. É a exaltação dos fatos de maior expressão histórica da região e da cidade.20 20 Ibid., p. 1-2.

Ao indicar o modo como a comunidade de Planaltina presta homenagem a esses eventos pretéritos e a seus personagens ao visitar o museu, o documento constrói uma narrativa entre o passado e o presente do núcleo, reforçando que a população local teria consciência da importância daqueles eventos para a concretização de Brasília.

No mesmo texto esse discurso é complementado por outro, em que se alega que, apesar de Planaltina ter sido incorporada ao Distrito Federal em 1960, o núcleo teria sido capaz de conservar, nos anos seguintes, a sua própria "identidade cultural". O texto defende o acerto da escolha da edificação para transformação em museu, pois "Planaltina insere-se no novo Distrito Federal, conservando sua identidade cultural na qual o homem se integra naturalmente a seus costumes, suas vivências e suas tradições. A instalação do Museu 'em uma casa com gosto de história' é uma realização feliz".21 21 Ibid., p. 2.

Tal noção evoca uma concepção de identidade como uma construção social formada e transformada pela representação sobre os indivíduos. Nesse prisma, tal como escreve Stuart Hall, os sujeitos são fragmentados e a noção de identidade é construída a depender do contexto social, pois

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente.22 22 Hall (2006, p. 13).

Nesse sentido, só seria possível entender uma identidade regional de Planaltina como expressão de um "conjunto de significados".23 23 Ibid., p. 49. Essa "identidade cultural" de Planaltina, na qual "o homem se integra a seus costumes, vivências e tradições", ganha contornos mais precisos em outro item do parecer, intitulado "Todo um passado presente", que destaca um passado relacionado a costumes, vivências e tradições específicas, pois conforme o parecer, o museu seria originário de uma

Casa onde o acato e o repouso são concedidos aos colonizadores, às caravanas oficiais, às representações parlamentares que buscam a capital do Goiás. Objetos que falam do poder, das lutas, de colonização, dos costumes e da fé. Documentos que nos informam sobre fatos, que dizem da coragem e do pioneirismo de muitos.24 24 Distrito Federal (1982a, p. 8).

Essa descrição atribui à casa onde se estabeleceu o museu um papel central na memória de eventos selecionados, associados a determinadas referências do passado da região. O passado colonial de Planaltina, representado no documento por valores católicos, de lutas e poder, alia-se ao papel do núcleo como auxiliar na transferência da capital. Os conceitos de tradição e ânsia pela modernidade representados por Brasília, nesse prisma, são valores de preservação que justificaram o tombamento.

Essa narrativa, por reforçar a importância patrimonial do museu como referente também a uma tradição colonial, alinha-se a tópicos da atuação inicial do Sphan entre 1937 e 1967. Conforme Silvana Rubino,25 25 Rubino (1992). Márcia Chuva,26 26 Chuva (2009). Maria Cecília Fonseca27 27 Fonseca (2017). e Mariza Santos,28 28 Santos (1996, p. 98). os fundadores do órgão, sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade, privilegiaram bens coloniais e de tradição católica, em especial o barroco, para construir um discurso ligado às origens da nação. De modo eloquente, Rubino aponta que o Sphan, ao assimilar o barroco como a primeira manifestação cultural tipicamente brasileira, buscou representar o Brasil como um país "extremamente católico, guardado por canhões, patriarcal, latifundiário, ordenado por intendências e casas de câmara e cadeia".29 29 Rubino, op. cit., p. 98.

Pode-se ver um processo de seleção e afirmação de origens culturais do território do Distrito Federal, que permitiu concatenar o passado de Brasília com um imaginário colonial. Planaltina, nesse prisma, teria uma tradição que seria uma referência histórica para Brasília e, ainda que tenha acompanhado a modernidade trazida pela nova capital, teria orgulho de sua "identidade regional", conforme o discurso do dossiê.

A tradição associada ao Museu Histórico e Artístico de Planaltina também faz referência à hospitalidade que o núcleo teria oferecido. A casa que deu origem ao museu é descrita como local de acolhimento e hospedagem de personagens importantes, os "corajosos e pioneiros que buscavam a capital do Goiás", que encontrariam ali "o acato e o repouso", conforme o trecho já citado do item "Todo um passado presente", do dossiê de tombamento.30 30 Distrito Federal (1982a p. 8). Nota-se que a narrativa do acolhimento constrói uma imagem do passado em que Planaltina não seria o destino final dessas pessoas, e sim parte de uma jornada maior, indicando um local de passagem hospitaleira. Reiterando a historiografia sobre práticas luso-brasileiras, Leonora Barbo lembra que, também em Goiás, "as grandes distâncias e a precariedade dos caminhos transformaram a hospitalidade numa obrigação social, numa questão de sobrevivência".31 31 Barbo, op. cit., p. 15. Nesse aspecto, o dossiê do museu também remete a uma prática tradicional, a hospitalidade, aliando o acolhimento à própria ideia da transferência da capital.

Além do casarão, o mobiliário do imóvel que deu origem ao museu foi reconhecido como patrimônio devido ao seu alegado valor cultural, o que reforça a importância de Planaltina pelo seu valor regional. Esse discurso está evidente no item "Laudo de Avaliação para a desapropriação do imóvel", de 1973, segundo o qual o patrimônio móvel do casarão seria formado por objetos "que atestam o desenvolvimento material e social de uma cidade que durante séculos ficou vigiando o planalto, possuindo lembranças e mensagens históricas dignas de serem admiradas".32 32 Distrito Federal (1982a p. 24-25). Nessa narrativa, o documento valoriza os objetos como testemunha da passagem do tempo, pois, além de antigos, teriam ficado "vigiando o planalto".

IGREJA SÃO SEBASTIÃO DE PLANALTINA: O VALOR DE TRADIÇÕES EM RESGATE

Enquanto o dossiê de tombamento do Museu Histórico e Artístico recupera uma tradição associada em grande medida a um passado colonial, conforme vimos, o dossiê da Igreja São Sebastião mobiliza uma memória recente e nostálgica de tradições regionais que estariam em declínio. O dossiê da Igreja São Sebastião é composto por vários documentos, como plantas arquitetônicas, certidões da década de 1960 que atestam posse de terras, fotografias, atas a favor do tombamento por parte da paróquia e da comunidade, além do parecer de tombamento elaborado pelos servidores da Divisão do Patrimônio. O parecer é subdividido em itens, não tem numeração de páginas e é composto por um vasto material, por vezes incompleto. Nossas análises se concentram nesse documento, pois ele explicita as justificativas e motivações daquela divisão para o tombamento do templo.

Um item do parecer intitulado "Histórico" retrata um passado saudoso e em vias de se perder, mas ainda presente na lembrança da população idosa, que, conforme o documento, se ressentiria da perda de um cotidiano em que a igreja desempenhava um papel central na vivência de Planaltina. Conforme o mesmo documento, essa população

relembra com melancolia tempos em que a antiga matriz era largamente utilizada como espaço onde se desenrolavam as festividades do Divino Espírito Santo, novenas tradicionais, casamentos, batizados, pagamentos de promessas, fatos que revelam uma face da evolução deste núcleo social, desde a sua criação.33 33 Distrito Federal (1982b).

As festividades citadas reforçam a noção de uma tradição preexistente a Brasília, sem deixar claro se o esmorecimento de tais eventos teria relação com as transformações advindas da mudança da capital. O documento, assim, dá sentido a uma narrativa pautada na ideia de que tais tradições, ainda que remontem a tempos longínquos, teriam se mantido centrais na sociedade, pois fariam parte da memória da população idosa. Nesse sentido, o texto se esforça por elaborar uma tradição local norteada pela fé católica e que estaria em vias de desaparecer. Verifica-se que essa perspectiva se alinha ao que José Reginaldo Gonçalves sintetizou na expressão "retórica da perda",34 34 Gonçalves (2002). para se referir ao tombamento como um esforço de preservar algo importante para a memória de uma comunidade devido ao risco de desaparecimento. O lamento pela perda, segundo o autor, não é um componente externo ao discurso, mas algo que coexiste com o esforço da preservação.35 35 Ibid., p. 25. O discurso do dossiê, nessa ótica, recorre ao perigo da perda de uma memória como retórica de legitimação da preservação do templo.

O texto citado, do item "Histórico", descreve a Igreja São Sebastião como um espaço agregador da comunidade por sediar festividades relacionadas com uma tradição regional, indicando a existência de uma população que praticaria essas tradições, como as "festividades do Divino Espírito Santo, novenas tradicionais, casamentos, batizados, pagamentos de promessas".36 36 Distrito Federal (1982b). A partir dessas referências, constata-se uma diferença em relação ao discurso engendrado pelo dossiê do Museu Histórico e Artístico, pois, conforme vimos, privilegiou-se ali a descrição da casa como um local de passagem e acolhimento temporário de viajantes. Contudo, em ambos os dossiês de tombamento, nota-se um esforço em dotar Planaltina de uma cultura e tradição próprias, contrapondo-se a uma visão corrente de que a região seria vazia e desocupada antes da construção de Brasília.

A arquitetura da Igreja São Sebastião é apresentada no dossiê de tombamento de modo a reforçar a existência de uma cultura e identidade próprias e anteriores a Brasília. Segundo o item intitulado "Ficha técnica", a igreja apresenta "forma arquitetônica e tecnologia construtiva que a identificam com outros exemplares datados do mesmo período existentes no Centro-Oeste brasileiro, especialmente no estado de Goiás".37 37 Ibid. Esse discurso insere a igreja em um conjunto mais amplo de edifícios similares na região. Em paralelo, outro item, intitulado "Preservação de patrimônio/histórico/arquitetônico/religioso", aponta que o templo seria representativo de uma "mostra original no contexto arquitetônico do Distrito Federal".38 38 Ibid. A importância arquitetônica da igreja, assim, estaria relacionada tanto a valores de uma tradição regional quanto à excepcionalidade no contexto de Brasília e sua modernidade.

Outros textos do parecer associam o patrimônio a famílias tradicionais da elite do núcleo, descrevendo-as como protagonistas para a construção do templo e para a própria formação de Planaltina. O discurso do dossiê evidencia a proeminência de famílias como a Gomes Rabello e a Carlos Alarcão, sustentando a ideia de que elas, movidas pela fé católica, teriam buscado resolver problemas graves na região de Mestre D'Armas, antiga denominação de Planaltina. Conforme consta no item "Histórico" do parecer, essas famílias doaram parte de suas terras ao mártir São Sebastião em 1811 "para que se pudesse cumprir a promessa de construção de um templo em homenagem ao santo, livrando a região de uma epidemia que se abatera sobre fazendeiros e escravos".39 39 Ibid. A construção da capela, agenciada pelas famílias, é apontada no documento como um elemento fundamental para as origens de Planaltina, pois indica que ao lado dessa capela teria se formado um aglomerado de casas, dando origem ao povoado.

O destaque dado a famílias tradicionais e de alto poderio econômico, de acordo com o trabalho de Wycler Mata, integra muitos relatos sobre Planaltina.40 40 Mata (2014). Em um desses relatos analisados por Mata, uma depoente cita nomes como Epaminondas da Silva Campos, Salviano Monteiro Guimarães e João Carlos Alarcão, referindo-se a eles como "tudo gente de poderes".41 41 Ibid., p. 66. Isso sugere que a relação de poder econômico de famílias teria acompanhado o imaginário de moradores sobre a formação do núcleo. O dossiê da Igreja São Sebastião, nesse sentido, reforça o papel simbólico das elites sociais.

Enquanto no dossiê da Igreja São Sebastião enfatiza-se o protagonismo de famílias de elite, citando-se nomes e sobrenomes, o dossiê do Museu Histórico e Artístico faz alusão, de modo mais genérico, a uma "comunidade de Planaltina", que seria coesa e orgulhosa de seus ancestrais. O item do parecer intitulado "Preservação de uma 'casa com gosto de história'" alega que "a comunidade de Planaltina vive permanentemente este 'gosto de história'". Além disso, retrata essa comunidade como sendo orgulhosa e ciente de ser a legítima herdeira da memória de Planaltina, pois por intermédio do museu, "retorna feliz a um passado de glória que lhe pertence, na história do novo Distrito Federal e do país".42 42 Distrito Federal (1982c, p. 1).

A construção de uma relação de pertencimento entre a população e o patrimônio nos aproxima das análises do historiador Dominique Poulot, para quem a noção de patrimônio "mobiliza um grupo humano, uma sociedade, capaz de reconhecê-lo como sua propriedade".43 43 Poulot (2009, p. 203). Nota-se, entretanto, que o discurso do pertencimento formulado pelos dossiês tende a articular o patrimônio à existência de um conjunto único e harmonioso de habitantes, que seria formado apenas por antigos moradores e seus descendentes, o que privilegia a experiência dos habitantes do Setor Tradicional, particularmente sua elite. Assim, os dossiês de tombamento do Museu Histórico e Artístico e da Igreja São Sebastião, ao fazerem referência aos herdeiros de um "passado de glória" ou de "festividades tradicionais" contemplam apenas a memória de uma parte dos moradores, excluindo aqueles que vieram se instalar no núcleo expandido de Planaltina a partir de fins da década de 1960.

O livro Ruas de Planaltina, editado pela Secretaria de Cultura do DF, aponta uma incompatibilidade de "identidade" entre os antigos e novos habitantes de Planaltina refletida na gestão patrimonial do núcleo. O principal obstáculo para a integração entre os moradores seria a ideia de que

só o passado colonial reflete a herança goiana da cidade e que apenas essa herança constitui o patrimônio cultural da comunidade. Por isso, muitos moradores não se sentem como participantes dessas histórias e, por essa razão, a preservação seria responsabilidade de apenas uns poucos, os tradicionais.44 44 Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (1998. p. 13).

Os dossiês do museu e da igreja reforçam um patrimônio associado à memória de grupos sediados no núcleo tradicional, deixando clara mais a cisão do que a coesão da comunidade planaltinense.

Por fim, verifica-se que o fato de os dossiês terem circunscrito as referências históricas e culturais de Planaltina ao setor tradicional pode ser entendido à luz da noção de "enquadramento da memória". Conforme Michael Pollak, o material fornecido pela história

pode sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número de referências associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de modificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em função dos combates do presente e do futuro.45 45 Pollak (1989, p. 8).

O patrimônio de Planaltina, assim, foi interpretado de acordo com um prisma parcial de eventos de sua história, agregando apenas uma porcentagem da população que poderia se identificar com esse passado selecionado para o discurso de tombamento. Uma parcela da população local, aquela formada por migrantes que vieram se instalar ali com a criação da cidade-satélite, permanece obscurecida face a referências da história tradicional ligada a famílias de uma elite local.

PEDRA FUNDAMENTAL DE PLANALTINA: UM MARCO COMEMORATIVO DA FUTURA NOVA CAPITAL DO PAÍS

A Pedra Fundamental de Planaltina é um obelisco assentado em 1922 nos arredores de Planaltina como marco comemorativo da futura capital do Brasil. A pedra foi tombada em 1982, assim como o Museu Histórico e Artístico e a Igreja São Sebastião. O dossiê da Pedra Fundamental tem um material mais diversificado do que os demais, contendo documentação representativa de trâmites institucionais - ofícios, decretos e o parecer elaborado internamente na década de 1980 -, assim como plantas arquitetônicas, certidões, fotografias, manuscritos e, por fim, decretos, pareceres, atas de reunião e outros materiais da época do lançamento da pedra, 1922. O modo de organização dessa documentação diversificada não está claro no dossiê, em que documentos de época e procedências distintas se alternam. Tomamos aqui como principal referência o parecer elaborado internamente pelos servidores da divisão do patrimônio. Contudo, outros documentos anexados ao dossiê foram também úteis para o entendimento do modo como o tombamento foi fundamentado.

Conforme um ofício de junho de 1992 anexado ao dossiê de tombamento da Pedra Fundamental, pesquisas em curso por parte da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal buscavam estudar "a interiorização e consequente implantação da Nova Capital do País".46 46 Distrito Federal (1982a). Assim, a coleta de material e o direcionamento da pesquisa sobre a Pedra Fundamental já tinham como enfoque a sua vinculação direta à trajetória de Brasília, ainda que, quando a pedra foi lançada, em 7 de setembro de 1922, com o intuito de demarcar a área da futura nova capital, não houvesse previsão para sua construção. O lançamento da Pedra Fundamental ocorreu em cumprimento ao Decreto nº 4.494, de 1921,47 47 Ibid. de autoria dos deputados Americano do Brasil e Rodrigues Machado, em seguida sancionado pelo então presidente Epitácio Pessoa, material também anexado ao dossiê.

A maneira como aconteceu a construção de uma relação histórica entre a Pedra Fundamental e Brasília evidencia-se no documento elaborado na década de 1980 por Celina Lamounier d'Alessandro, intitulado Pedra Fundamental da futura capital Federal dos Estados Unidos do Brasil, pois reforça a importância não apenas do lançamento do obelisco em 1922, mas também de personagens e acontecimentos ligados a esse evento. O documento ressalta, em especial, ações do engenheiro Balduíno de Almeida, líder da comitiva que tinha como missão inaugurar a Pedra Fundamental. À comitiva liderada por Balduíno cabiam o transporte e a instalação do obelisco, e as dificuldades enfrentadas aparecem no documento em menções como "trechos de enormes sacrifícios"48 48 Ibid. e "rampas e aclives difíceis de vencer".49 49 Ibid. Essas descrições agregam ao evento de lançamento da Pedra Fundamental um tom de aventura e desbravamento da região.

Ainda conforme o mesmo documento, a escolha do local para o lançamento da Pedra Fundamental ficou a cargo de Balduíno, e o fato de o engenheiro não ter selecionado o local exato onde a capital foi posteriormente erguida foi ali atribuído ao exíguo tempo de que a comitiva disporia para executar a tarefa. Nesse documento, Balduíno é descrito como obstinado e eficiente em suas decisões e improvisos, justificando-se o suposto "erro", pois,

impossibilitado de visitar os quatorze mil quilômetros quadrados, na exiguidade de tempo que lhe era concedido, para formar opinião definitiva para a localização da Nova Capital, e cravar aí o Marco da Pedra Fundamental, o Dr. Balduíno decide por uma colina nas proximidades de Mestre d'Armas, região muito elogiada por Varnhagen. [...] A escassez do tempo não permitiu que Dr. Balduíno observasse a região entre os rios Descoberto e Preto, área escolhida definitivamente para receber a Nova Capital do País. Ressalta-se, contudo, o dinamismo do engenheiro para atender o encargo que lhe fora imposto.50 50 Ibid.

Conforme o trecho citado, Balduíno teria escolhido um local que havia sido elogiado por Francisco Adolfo de Varnhagen em 1877, reforçando como decisões e atos do engenheiro teriam posto em prática ideias precursoras a ele quanto à mudança da capital.

Esse texto, embora faça referência a eventos e relatos dos anos 1920, foi elaborado nos anos 1980. Dessa forma, importa considerar que tais relatos ganharam um novo sentido pelo discurso do tombamento, na medida em que eles são recuperados e valorizados em relação ao processo da transferência da capital, mas com Brasília já inaugurada havia duas décadas. Isso se evidencia no item Solenidade de lançamento da Pedra Fundamental do novo Distrito Federal:

Durante os anos, da morte do engenheiro [Balduíno] até a doação do documentário [pela viúva de Balduíno, Velleda Menezes de Almeida, que em 1939 doou ao Museu do Ipiranga documentação referente ao lançamento da Pedra Fundamental], havia grande incredibilidade quanto à concretização dos planos de transferência da capital, razão por que não se atribuiu valor à importância dos registros.51 51 Ibid., p. 20.

Conforme se lê nesse trecho, os registros acerca da Pedra Fundamental teriam ficado esquecidos, mas foram revalorizados depois da construção de Brasília. O dossiê, ao cerzir acontecimentos selecionados do passado para compor uma narrativa histórica, remete ao que Manoel Guimarães denomina "domesticação do passado", pois, conforme o autor, tal processo consiste em "ordenar, dar forma e tornar significativo um conjunto disperso de experiências e vivências segundo certos padrões e dispositivos capazes de serem apreendidos por uma comunidade de leitores/intérpretes".52 52 Guimarães (2006, p. 47).

No discurso do dossiê, a valorização da Pedra Fundamental como marco simbólico e histórico da transferência da capital envolveu também destacar o que se considera sua modéstia e simplicidade. Ainda no parecer, o item "Esta pedra, a antemanhã de Brasília", aponta que a pedra seria um "monumento modesto que guarda, no silêncio do morro onde se localiza, os gritos de liberdade de uma nova civilização".53 53 Distrito Federal (1982c p. 1). Outro documento, um ofício interno da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, salienta que o valor da Pedra Fundamental, pela sua modéstia, estaria amparado em recomendações da Carta de Veneza de 1964, que reconheceu o valor de uma arquitetura considerada simples.54 54 Ibid. Esse ofício se apoia no texto da citada carta, indicando que

A noção de monumento histórico [do conceito oriundo da Carta de Veneza] abrange a criação arquitetônica isolada, assim como o sítio urbano ou rural que expressa o testemunho de uma determinada civilização, de uma evolução significativa e de um acontecimento histórico. Tal noção compreende não somente as grandes criações, senão também as obras modestas que com o tempo têm adquirido um significado cultural.55 55 Ibid.

A Carta de Veneza é um documento que favoreceu a ampliação da noção de patrimônio cultural ao considerar como monumento exemplares de uma arquitetura tida por menor e cotidiana. Para Marcia Sant'Anna, essa carta, "ao definir como monumento uma arquitetura trivial e menor, ampliou consideravelmente o universo a tombar e a proteger".56 56 Sant'Anna (2014, p. 207-208). Embora a Pedra Fundamental não seja propriamente elemento de arquitetura, e sim um artefato, o discurso de tombamento privilegiou uma leitura da Carta de Veneza que a considerou como um monumento modesto, porém "testemunho de uma determinada civilização, de uma evolução significativa e de um acontecimento histórico".57 57 Distrito Federal (1982c). A referência à Carta de Veneza confere legitimidade ao tombamento no campo patrimonial. Ao mesmo tempo, a ênfase na modéstia do monumento é condizente com tópicos da historiografia acerca de uma capital grandiosa erguida a partir de recursos escassos.

CASA DA FAZENDA GAMA: UM EXEMPLAR RURAL ASSOCIADO A JUSCELINO KUBITSCHEK

A Casa da Fazenda Gama é um casarão que abriga um museu atualmente localizado nas dependências do Brasília Country Club. Em outubro de 1956, a casa, então sede da Fazenda Gama, serviu de hospedagem para Juscelino Kubitschek e sua comitiva em visita ao sítio destinado à construção de Brasília, momento no qual o local passou a compor a narrativa política da transferência da capital. A casa dispunha de localização privilegiada, pois, conforme aponta Antônio Moreira da Silva, estava próxima do aeroporto provisório e apresentava condições favoráveis para servir de ponto de apoio inicial à empreitada promovida por JK.58 58 Moreira da Silva (2010). A hospedagem do presidente foi divulgada em fotografias oficiais que o retratavam, no planalto goiano, em meio a um espaço rural que estaria destinado a se transformar na nova capital do país. Para Noé Sandes e Luiz Ricardo Magalhães, a intenção era retratar a comitiva presidencial como "emissários do futuro" e, assim, promover a imagem de desenvolvimento prometida pela mudança da capital.59 59 Sandes e Magalhães, op. cit., p. 345. O tombamento da Casa da Fazenda Gama, em 2006, ocorreu por solicitação de dirigentes do próprio clube recreativo, o Brasília Country Club.

Ainda na década de 1980, porém, o local já havia sido considerado numa perspectiva preservacionista desenvolvida pelo GT-Brasília, grupo que havia sido formado para estudar e propor meios para a preservação de Brasília. Para o grupo, a importância cultural de Brasília abrangia todo o Distrito Federal, e não apenas o Plano Piloto, pois nas investigações dessa iniciativa constavam

os primórdios das razões da mudança da capital, os artefatos produzidos pelos moradores que aqui ocupavam o espaço rural, a paisagem existente e modificada, a evolução de ocupação deste espaço desde as manifestações vernáculas de Brazlândia e Planaltina, a criação de cidades-satélites, os acampamentos de obras até a implantação e desenvolvimento do projeto modernista de Lucio Costa.60 60 Ribeiro (2005, p. 79).

A legislação de proteção de Brasília, contudo, não foi elaborada a partir de seus estudos, e sim da proposta do arquiteto Ítalo Campofiorito, com anuência de Lucio Costa, que privilegiou o Plano Piloto e seu entorno imediato como objeto de preservação. A atuação do GT-Brasília, no entanto, é relevante, pois é abordada por Sandra Ribeiro,61 61 Ibid. Thiago Perpétuo62 62 Perpétuo (2015). e Jéssica Silva63 63 Silva (2019). como responsável por inovações na proposta da preservação de Brasília. O vanguardismo do GT é geralmente associado à noção de preservação dinâmica, em decorrência das propostas visando não o tombamento da cidade, mas a manutenção de características essenciais do espaço.

O GT-Brasília catalogou cerca de quarenta exemplares rurais no Distrito Federal e recomendou a preservação de alguns deles, entre os quais a Fazenda do Gama. Conforme o relatório do GT-Brasília, essas fazendas "conservam, até hoje [1980], ainda que parcialmente, seus caracteres tradicionais e deixam, assim, muito claro, o contraste entre duas épocas e duas formas de ocupação deste território".64 64 Vianna (2016, p. 129). Como se vê, tratava-se não apenas do valor intrínseco àquelas construções, mas daquilo que representavam face à contraposição com a modernidade de Brasília. Dos aproximadamente quarenta exemplares de antigas fazendas da região que haviam sido identificadas pelo GT-Brasília, a Casa da Fazenda Gama é a única que foi reconhecida como patrimônio pelo Distrito Federal. Esse processo foi desencadeado quando o Brasília Country Club formalizou o pedido de tombamento junto à Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal, DePHA, órgão que sucedeu a Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico.

O dossiê de tombamento da Casa da Fazenda Gama, finalizado em 2006, reúne um material bastante diversificado, compreendendo certidões da década de 1950-1960 elucidativas do processo de desapropriação das terras da fazenda; registros dos estudos do GT-Brasília da década de 1980 sobre as características das fazendas e a necessidade de sua preservação; memorandos internos sobre os trâmites do processo; pareceres favoráveis ao tombamento; fotografias registrando o trabalhos dos servidores do DePHA em visita técnica ao local, dentre outros.

O ofício de solicitação enviado à DePHA pelo Brasília Country Club abre o dossiê, indicando tanto os valores atribuídos à edificação pelo clube quanto as expectativas de sua diretoria em relação ao tombamento.65 65 Distrito Federal (2006, p. 1). Em um primeiro momento, o documento recupera o reconhecimento de Brasília como patrimônio mundial pela Unesco, em 1987, e insere a Casa da Fazenda Gama nesse discurso preservacionista, reforçando o papel da edificação como apoio para a realização da nova capital. Conforme o texto do documento,

Se Brasília, na vanguarda e ousadia de sua proposta urbanística, arquitetônica e de estratégia geopolítica, foi consagrada como patrimônio histórico nacional e mundial, esse status se pauta não só nas imagens modernistas que frequentaram as Antologias da Arquitetura e do Urbanismo Mundial à época de sua construção, mas em todo o contexto cultural que forneceu cenário e suporte à sua realização. Nesse cenário incluem-se as antigas fazendas existentes na região, os núcleos urbanos pré-existentes no território onde se delimitou o Distrito Federal, o patrimônio arqueológico, o próprio patrimônio natural.66 66 Ibid., p. 1.

O texto reforça que a consagração de Brasília como patrimônio mundial deveu-se não apenas às referências modernistas ali materializadas, mas também ao "contexto cultural que forneceu cenário e suporte à sua realização". Desse modo, assim como vimos no caso da Pedra Fundamental, a ênfase não está em supostas características intrínsecas ao bem a ser tombado, mas em seu valor para a construção de Brasília.

Com o intuito de reforçar a representação da Casa da Fazenda Gama nesse cenário, o mesmo documento reitera a importância das manifestações e referências que existiam no território anteriormente à construção de Brasília. Para tanto, recupera e valoriza os tombamentos que haviam sido efetuados em Planaltina em 1982, indicando como a Casa da Fazenda Gama se somaria a esse repertório. De acordo com o texto, "o Governo do Distrito Federal já reconheceu parte deste contexto quando dos tombamentos, em Planaltina, da igrejinha de São Sebastião, do Museu e da Pedra Fundamental".67 67 Ibid., p. 1. Assim, alega-se que o tombamento da Casa da Fazenda Gama integraria um trabalho em curso, por parte do Governo do Distrito Federal, de valorização dos marcos regionais representativos da história de Brasília.

Um dos tópicos mais marcantes na documentação do dossiê, em semelhança ao discurso de tombamentos realizados em Planaltina, é a indicação de que a edificação seria depositária de tradições regionais. Isso se mostra no documento elaborado pelos servidores do DePHA intitulado Tombamento da Casa da Fazenda Gama, que aponta como o local seria o único remanescente de um conjunto de outras sedes de fazenda da região que já teriam sido demolidas, denominadas Ponte Alta e Ipê. Em um primeiro momento, o documento descreve o modo de vida rural que prevaleceria na região, pois "essas Fazendas [Ponte Alta, Ipê e Gama], provavelmente, foram demarcadas durante a segunda metade do século XVIII e seus proprietários sobreviviam de roças de subsistência e de criação de gado".68 68 Ibid. Ainda conforme o documento, essas sedes de antigas fazendas teriam sido pontos de apoio importantes para acolher caravanas e comissões que se dirigiam ao Planalto Central, o que tornaria a Casa da Fazenda Gama testemunha remanescente daquele contexto sociocultural rural. Segundo o texto,

Relatos dos viajantes que visitaram o Planalto Central, nas primeiras décadas do século XIX, contam que a Fazenda Ponte Alta serviu de hospedagem para o naturalista austríaco Dr. Johan Emanuel Pohl, em 1818; o cientista francês Auguste Provençal de Saint-Hilaire, em 1819, e o marechal Raymundo José da Cunha Mattos, nascido em Portugal e Comandante de Armas da Capitania de Goyaz, em 1823. A Casa da Fazenda Gama é o único testemunho histórico dessa época que ainda resta, as demais foram demolidas.69 69 Ibid.

Esse trecho nos remete ao discurso de tombamento do Museu Histórico e Artístico de Planaltina, de 1982. Conforme vimos, aquele dossiê buscou reforçar a importância do imóvel que deu origem ao museu como um local de acolhimento de comissões que estavam de passagem pela região. Neste caso, embora se trate de viajantes europeus que palmilhavam Goiás nas primeiras décadas do século XIX, há similar ideia de acolhimento e hospitalidade.

O discurso do dossiê valoriza ainda a Casa da Fazenda Gama como representante da "arquitetura vernácula" de Brasília. Isso implicou ressaltar que as características arquitetônicas e construtivas da edificação aludiam a um modo de vida de uma sociedade que havia se estabelecido no local muito antes da construção de Brasília, pois, conforme o documento elaborado pelos servidores do DePHA em 2005, Arquitetura vernácula,

A arquitetura vernácula do Centro-Oeste brasileiro caracteriza-se por apresentar aspectos representativos dos modos de vida e produção de tempos remotos dessa região. Várias referências urbanas e rurais, registros que antecedem à construção de Brasília, são muitos semelhantes. As construções, na maioria dos casos, são de adobe ou pau-a-pique, com paredes espessas, telhados em telhas de barro, estrutura em madeira, características que se adaptam às condições oferecidas pela região no que diz respeito ao clima, solos e matérias-primas facilmente encontráveis.70 70 Ibid., p. 30.

Como se vê, trata-se mais uma vez de valorizar tais bens, sobretudo por serem precedentes a Brasília e por configurarem um contraste à capital. Além disso, em implícita contradição à noção de que o território de Brasília seria caracterizado por um vazio demográfico e cultural antes da mudança da capital, o documento elaborado pelo DePHA, intitulado Tombamento da Casa da Fazenda Gama, descreve e valoriza festividades e celebrações referentes a uma cultura remota que continuaria influente na região. O documento ampara-se em descrições de ações de um líder religioso que teria sido essencial para impulsionar tradições regionais, o padre Luiz da Gama. Conforme o mesmo documento, os eventos organizados por ele teriam influenciado toda a região, pois

Padre Gama foi o grande responsável pela celebração da Festa do Divino, manifestação de cunho histórico-cultural daquela região. Fé e harmonia, música, dança, boa comida e acolhida e um número expressivo de visitantes, assim era a Festa do Divino organizada por Padre Gama. Hoje, com mais de dois séculos de tradição, a Festa tornou-se uma atração cultural da região que atrai turistas do Brasil e do mundo, graças à iniciativa daquele pioneiro.71 71 Ibid.

Depreende-se do texto a invenção de uma tradição regional marcada pela fé e pela boa convivência, caracterizada ainda pela fartura e hospitalidade. Ainda conforme esse texto, a Festa do Divino seria uma celebração importante também na contemporaneidade, e tinha valor de atração turística.

O documento sugere que "a Fazenda Gama, o platô e o ribeirão, provavelmente, originaram-se do nome do Padre Luiz da Gama e Mendonça que, em 1747, chegou às Minas de Santa Luzia, hoje Luziânia e foi o primeiro sacerdote da região".72 72 Ibid. Não está claro se o padre teria residido mesmo na Fazenda Gama ou arredores, mas, ainda assim, o documento se empenha em conciliar imprecisões para estabelecer uma relação entre a Casa da Fazenda Gama e a importância cultural atribuída à atuação do Padre Gama. A edificação, nesse discurso, deveria ser protegida e valorizada como o último vestígio material entre as fazendas da região e, portanto, única testemunha dessas tradições.

O documento sugere, ainda, que Juscelino Kubitschek estaria ciente da importância dessas festividades e tradições quando decidiu se hospedar no local em 1956. Após relatar a contribuição do padre Gama para o desenvolvimento cultural da região, o mesmo documento aponta que "a Fazenda Gama foi escolhida pelo Presidente Juscelino Kubitscheck para, junto à sua equipe, tratar de assunto de grande relevância - a transferência da Capital Federal para o Planalto Central - dada a importância histórico-cultural do local".73 73 Ibid. O discurso do dossiê, a partir dessa referência, busca agregar à decisão presidencial de se hospedar no local um sentido simbólico, e não apenas uma decisão de ordem pragmática.

A hospedagem de Juscelino Kubitschek no local é descrita como um marco simbólico da transferência da capital em vários documentos do dossiê, como num memorando interno que assim justifica o tombamento do local:

Registramos, por oportuno, que a Casa da Fazenda Gama hospedou a comitiva do Presidente Juscelino Kubitschek, quando de sua primeira visita ao Planalto Central, ocorrida em 2 de outubro de 1956, representando, simbolicamente, o marco da transferência da Capital Federal para Brasília.74 74 Ibid., p. 4.

Esse discurso é complementado pela experiência de Juscelino Kubitschek no local, quando é retratado como um homem idealista e sonhador. Isso se mostra no documento já citado Tombamento da Casa da Fazenda Gama, que aponta:

Ao sentar-se num tronco de árvore, nas proximidades da Casa Velha, o Presidente JK, num registro do seu testemunho para a história, pronunciou a frase: "Deste Planalto Central, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu País e antevejo esta alvorada com uma confiança sem limites no seu grande destino".75 75 Ibid.

Ressalte-se que a célebre frase atribuída a Juscelino Kubitschek atualmente estampa uma das paredes do Museu da Cidade, monumento situado na Praça dos Três Poderes. Nota-se como o dossiê constrói uma narrativa de modo a atribuir a essa frase um produto de iluminação súbita, sugerindo que JK teria sido positivamente influenciado pelo ambiente da Casa da Fazenda Gama. Assim, esse trecho agrega ao discurso patrimonial da casa uma imagem duradoura da determinação pessoal do então presidente para a construção de Brasília.

Esse mesmo padrão discursivo se repete quando o texto do documento alega que Juscelino Kubitschek, ao se deparar com o cenário natural do local, teria exclamado "que paisagem deslumbrante!".76 76 Ibid. O documento, assim, privilegia uma narrativa de exaltação dos atributos naturais da Fazenda Gama, reforçando as experiências positivas de JK.

Contudo, se considerarmos as descrições do próprio ex-presidente sobre a Fazenda Gama, em seu livro Por que construí Brasília, de 1975, nota-se um contraste em relação à narrativa do dossiê de tombamento. Em suas memórias, JK tende a depreciar o ambiente em geral:

Até então [1956], o local onde iria ser Brasília não passava de um carrascal, infestado de cascavéis, com a terra seca esturricada, aberta em fendas pela inclemência do sol. O único testemunho da passagem do homem por ali era um pardieiro, pretensiosamente denominado Fazenda do Gama, e que se resumia numa casa de telhado baixo, com um cercado no fundo, no qual viviam, confinados, uns cinco bois e uns três leitões.77 77 Kubitschek (2000, p. 56).

O trecho registra a impressão de lugar inóspito e repleto de serpentes peçonhentas, e desqualifica a edificação sede da Fazenda Gama, prevalecendo a ideia de que erguer Brasília em um local nessas condições havia sido um grande desafio para seu governo. O discurso do dossiê de tombamento da Casa da Fazenda Gama, por sua vez, reforça, numa interpretação posterior, que as impressões iniciais do então presidente teriam sido positivas e inspiradoras, em um discurso que intencionou valorizar a edificação e a paisagem natural a seu redor.

Além disso, o documento Tombamento da Casa da Fazenda Gama se esforça em destacar que as interações entre Juscelino Kubitschek e a família que morava na Fazenda Gama teriam sido amigáveis. Para tanto, descreve o então presidente como uma pessoa simpática e de hábitos simples. Isso se evidencia na descrição de um evento ocorrido na Casa da Fazenda Gama que ficou bem conhecido devido às fotografias divulgadas na época, com a legenda Café da Zenaide. Conforme o texto, os integrantes da comitiva presidencial em 1956,

Ao chegarem à sede da Fazenda Gama, uma casa antiga a uns cem metros do local [a nascente de água visitada anteriormente], foram recepcionados com o cafezinho (servido numa bandeja e xícaras de ágata), feito por Zenaide, morena simpática, esposa de Arnaldo, zelador da Fazenda. O Presidente JK dirigiu-se à jovem com a pergunta: "Você já me conhece?" E obteve a resposta: "Sei... e´ o Presidente Juscelino Kubitschek." Sorriu o Presidente.78 78 Distrito Federal (2006)

O registro do encontro entre o chefe de Estado e pessoas humildes e interioranas reforça a ideia de desenvolvimento que a transferência da capital prometia. Ainda assim, o documento ressalta a simplicidade desse encontro em torno de um singelo café. As fotografias mais difundidas desse momento registram tanto Juscelino Kubitschek junto a Zenaide, servindo-se do café, quanto o ex-presidente tomando o café, em pé, cercado por leitões e galinhas. Atualmente essas fotografias compõem o acervo da Casa da Fazenda Gama (Figura 3).

Figura 3
O "Café da Zenaide" como parte do acervo da Casa da Fazenda Gama. Fonte: Fotografia das autoras.

Para Noé Sandes e Luiz Ricardo Magalhães, o discurso expresso nessas fotografias, em 1956, aponta como JK buscou construir uma imagem de "bandeirante moderno":

No flash que paralisou o ano de 1956, é possível identificar o bandeirante moderno em Juscelino Kubitscheck que, juntamente com uma trupe de burocratas e políticos, são recebidos no terreiro da Fazenda Gama pela família de Zenaide Barbosa.79 79 Sandes e Magalhães, op. cit., p. 345.

Para os autores, a estratégia política do governo Juscelino Kubitschek, ao divulgar essas fotografias, era retratar como o atraso e o subdesenvolvimento da região seriam deixados para trás com a construção de Brasília. Ao mesmo tempo, sublinhava-se a ideia do líder próximo ao povo. E, novamente, por contraste, o discurso do dossiê se esforçou em demonstrar que um local marcado por fazendas isoladas, um café prosaico, porcos, galinhas e uma natureza selvagem fora predestinado a dar espaço para a nova capital e o desenvolvimento dela decorrente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta análise de tombamentos de construções localizadas no atual território do Distrito Federal buscou contribuir para um olhar mais abrangente sobre Brasília, em uma proposta que expande a discussão patrimonial para além do Plano Piloto. Ao longo do texto, vimos como os dossiês analisados buscaram articular referências preexistentes no território à modernidade do Plano Piloto, inserindo as construções tombadas em uma narrativa sobre os primórdios da capital, seja pelo contraste que representariam, seja por seu papel auxiliar e de suporte na construção da capital, ou ainda pelo papel que se lhes atribui na preservação de memórias e valores tradicionais da região.

O processo de formação do território do Distrito Federal integrou o discurso de tombamento das construções localizadas em Planaltina, tombadas em 1982 - o Museu Histórico e Artístico, a Igreja São Sebastião e a Pedra Fundamental - além da Casa da Fazenda Gama, tombada em 2006. O patrimônio de Planaltina foi associado principalmente a um grupo que ali vivia há mais tempo, o que desconsiderou sua expansão urbana e demográfica como cidade-satélite. Já a Casa da Fazenda Gama, ainda que descrita como representativa de um rol mais amplo de antigas fazendas identificadas pelo GT-Brasília, destaca-se delas em razão de ter hospedado Juscelino Kubitschek no local em 1956, fator que contribuiu para sua valorização e tombamento.

Ao longo da análise, observamos como a documentação pertencente ao dossiê da Casa da Fazenda Gama valorizou o local como parte do contexto necessário para a construção de Brasília, o que contribuiu para a formulação de um conjunto patrimonial expressivo e indicou uma atuação continuada por parte da instituição do patrimônio local. A Casa da Fazenda Gama e as construções tombadas em Planaltina são descritas como suportes para a consolidação da nova capital, enquanto o lançamento da Pedra Fundamental e a hospedagem de JK na Casa da Fazenda Gama são eventos descritos como parte dos preparativos para a construção de Brasília. Ademais, a exaltação de festividades e tradições locais contestou o discurso de que a região seria caracterizada por um vazio demográfico e cultural.

Como se viu, os discursos de valorização de uma alegada cultura e uma identidade regional foram um meio de inserir aqueles bens na história e na memória do processo de implantação da nova capital, assimilando esse patrimônio a noções de epopeia e da monumentalidade da obra de construção de Brasília. Desse modo, a ideia de uma Brasília moderna que propõe romper com usos e práticas do passado rural convive, sem contradições evidentes, com o reconhecimento de um patrimônio mais antigo que teria sido fundamental para a própria existência da nova capital.

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  • VIDAL, Laurent. De Nova Lisboa a Brasília: a invenção de uma capital (séculos XIX-XX). Brasília DF: Editora UnB, 2009.
  • 3
    Vidal (2009VIDAL, Laurent. De Nova Lisboa a Brasília: a invenção de uma capital (séculos XIX-XX). Brasília DF: Editora UnB, 2009.).
  • 4
    Tavares (2014TAVARES, Jeferson. Projetos para Brasília. 1927-1957. Brasília, DF: Iphan, 2014.).
  • 5
    Vidal, op. cit.
  • 6
    Cavalcanti (2017CAVALCANTI, Lauro. Brasília: a construção de um exemplo. In: MIRANDA, Wander Melo (org.). Anos JK: margens da modernidade. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Rio de Janeiro: Casa Lúcio Costa, 2002. p. 50-62., p. 349).
  • 7
    Sandes e Magalhães (2017SANDES, Noé Freire; MAGALHÃES, Luiz Ricardo. Sertão planaltino na perspectiva dos lugares, nomes e acontecimentos em um tempo marcado pela presença da nova capital. Territórios e Fronteiras, Cuiabá, v. 10, n. 1, 2017. DOI: 10.22228/rt-f.v10i1.599.
    https://doi.org/10.22228/rt-f.v10i1.599...
    , p. 349).
  • 8
    Barbo (2018BARBO, Leonora. Uma modalidade arquitetônica primitiva e autêntica. Revista Thésis, Rio de Janeiro, v. 2, n. 5, 2018. DOI: 10.51924/revthesis.2018.v2.197.
    https://doi.org/10.51924/revthesis.2018....
    ).
  • 9
    O termo dossiê foi emprestado do vocabulário dos profissionais da instituição de tombamento, a Supac/Secec, e se refere a documentos provenientes de lugares de pesquisa diversificados, como arquivos de museus, de órgãos públicos ou ainda produzidos internamente pela Supac/Secec. Esse material, que deu subsídio ao processo instrucional dos tombamentos, também varia em seu formato e função, podendo ser composto de plantas arquitetônicas, recortes de jornal, transcrição de relatos orais, fotografias ou produção textual. De modo geral, o material produzido pelos servidores da instituição de tombamento foi o mais relevante em termos de justificativas e motivações para os tombamentos.
  • 10
    Pereira Filho (2015PEREIRA FILHO, Hilário Figueiredo. Documentação. In: REZENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia (org.). Dicionário Iphan de patrimônio cultural. Rio de Janeiro, Brasília, DF: Iphan, 2015, s/p. Disponível em <Disponível em http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPatrimonioCultural/detalhes/27/documentacao >. Acesso em 20 jul. 2023.
    http://portal.iphan.gov.br/dicionarioPat...
    ).
  • 11
    Brasil (1937BRASIL. Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Rio de Janeiro: Iphan, 1937.).
  • 12
    Distrito Federal (1975DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 2.893, de 13 de maio de 1975. Aprova o Regimento da Secretaria de Educação e Cultura e dá outras providências. Diário Oficial do Distrito Federal, Brasília, DF, 16 maio 1975.).
  • 13
    Distrito Federal (1960DISTRITO FEDERAL. Decreto nº 4, de 10 de maio de 1960. Dispõe sôbre a divisão do território do Distrito Federal, para efeito de fiscalização e arrecadação das rendas públicas. Diário Oficial do Distrito Federal , Brasília, DF, 20 maio 1960.).
  • 14
    Distrito Federal (1982a).
  • 15
    Palazzo (2015PALAZZO, Pedro Paulo. Planaltina e suas narrativas: cultura, memória e patrimônio em publicações locais desde o século XX. Historiae, Rio Grande, v. 6, n. 2, p. 360-382, 2015.).
  • 16
    Ibid., p. 373.
  • 17
    Hobsbawm e Ranger (1997HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.).
  • 18
    Anderson (2008ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a expansão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.).
  • 19
    Distrito Federal (1982cDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 321.013/73. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico , 1982c., p. 1).
  • 20
    Ibid., p. 1-2.
  • 21
    Ibid., p. 2.
  • 22
    Hall (2006HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006., p. 13).
  • 23
    Ibid., p. 49.
  • 24
    Distrito Federal (1982aDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 125.274/81. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, 1982a., p. 8).
  • 25
    Rubino (1992RUBINO, Silvana. As fachadas da história: os antecedentes, a criação e os trabalhos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937-1968. 1992. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992.).
  • 26
    Chuva (2009CHUVA, Márcia Regina Romeiro. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (anos 1930-1940). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009.).
  • 27
    Fonseca (2017FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ , 2017.).
  • 28
    Santos (1996SANTOS, Mariza Veloso Motta. O tecido do tempo: o patrimônio cultural no Brasil e a academia SPHAN: a relação entre o modernismo e o barroco. Brasília, DF: Editora UnB, 2018., p. 98).
  • 29
    Rubino, op. cit., p. 98.
  • 30
    Distrito Federal (1982aDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 125.274/81. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, 1982a. p. 8).
  • 31
    Barbo, op. cit., p. 15.
  • 32
    Distrito Federal (1982aDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 125.274/81. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, 1982a. p. 24-25).
  • 33
    Distrito Federal (1982bDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 320.644/73. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico , 1982b.).
  • 34
    Gonçalves (2002GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ: Iphan, 2002.).
  • 35
    Ibid., p. 25.
  • 36
    Distrito Federal (1982bDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 320.644/73. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico , 1982b.).
  • 37
    Ibid.
  • 38
    Ibid.
  • 39
    Ibid.
  • 40
    Mata (2014MATA, Wylcler Cruzeiro da. A produção do espaço urbano no Distrito Federal: da construção de Brasília à expansão urbana de Planaltina/DF: o viés histórico-social. 2014. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014.).
  • 41
    Ibid., p. 66.
  • 42
    Distrito Federal (1982cDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 321.013/73. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico , 1982c., p. 1).
  • 43
    Poulot (2009POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente, séculos XVIII-XXI: do monumento aos valores. São Paulo: Estação Liberdade, 2009., p. 203).
  • 44
    Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (1998DEPARTAMENTO DE PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DO DISTRITO FEDERAL. Ruas de Planaltina: inventário do patrimônio cultural de Planaltina. Brasília, DF: Depha, 1998.. p. 13).
  • 45
    Pollak (1989POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 3, p. 3-15, 1989., p. 8).
  • 46
    Distrito Federal (1982aDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 125.274/81. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico, 1982a.).
  • 47
    Ibid.
  • 48
    Ibid.
  • 49
    Ibid.
  • 50
    Ibid.
  • 51
    Ibid., p. 20.
  • 52
    Guimarães (2006GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. Escrever a história, domesticar o passado. In: LOPES, Antonio Herculano; VELOSO, Monica Pimenta; PESAVENTO, Sandra Jatahy (org.). História e linguagens: texto, imagem, oralidade e representações. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006. p. 45-58., p. 47).
  • 53
    Distrito Federal (1982cDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 321.013/73. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico , 1982c. p. 1).
  • 54
    Ibid.
  • 55
    Ibid.
  • 56
    Sant'Anna (2014SANT'ANNA, Marcia. Da cidade-monumento à cidade-documento: a norma de preservação de áreas urbanas no Brasil 1937-1990. Salvador: Oiti, 2014., p. 207-208).
  • 57
    Distrito Federal (1982cDISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 321.013/73. Brasília, DF: Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico , 1982c.).
  • 58
    Moreira da Silva (2010MOREIRA DA SILVA, Antônio. Brasília e sua história. Goiânia: Cidade Gráfica Editora, 2010.).
  • 59
    Sandes e Magalhães, op. cit., p. 345.
  • 60
    Ribeiro (2005RIBEIRO, Sandra Bernardes. Brasília: memória, cidadania e gestão do patrimônio cultural. São Paulo: Annablume, 2005., p. 79).
  • 61
    Ibid.
  • 62
    Perpétuo (2015PERPÉTUO, Thiago Pereira. Uma cidade construída em seu processo de patrimonialização: modos de narrar, ler e preservar Brasília. 2015. Dissertação (Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural) - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, 2015.).
  • 63
    Silva (2019SILVA, Jéssica Gomes da. O GT-Brasília na trajetória de patrimonialização da capital. 2019. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2019.).
  • 64
    Vianna (2016VIANNA, Márcio. O vernáculo da Região Centro-Oeste. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. GT Brasília: memórias da preservação do patrimônio cultural do Distrito Federal. Brasília, DF: Iphan , 2016. p. 129-135 ., p. 129).
  • 65
    Distrito Federal (2006DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 150.001.907/2005. Brasília, DF: Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico, 2006., p. 1).
  • 66
    Ibid., p. 1.
  • 67
    Ibid., p. 1.
  • 68
    Ibid.
  • 69
    Ibid.
  • 70
    Ibid., p. 30.
  • 71
    Ibid.
  • 72
    Ibid.
  • 73
    Ibid.
  • 74
    Ibid., p. 4.
  • 75
    Ibid.
  • 76
    Ibid.
  • 77
    Kubitschek (2000KUBITSCHEK, Juscelino. 1902-1976. Por que construí Brasília. Brasília, DF: Senado Federal, 2000., p. 56).
  • 78
    Distrito Federal (2006DISTRITO FEDERAL. Secretaria de Estado de Cultura. Processo nº 150.001.907/2005. Brasília, DF: Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico, 2006.)
  • 79
    Sandes e Magalhães, op. cit., p. 345.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2023
  • Aceito
    30 Jun 2023
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