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Tratamento cirúrgico da escoliose na amiotrofia espinhal progressiva

Surgical treatment of scoliosis in spinal muscular atrophy

Resumos

OBJETIVO: Descrever os resultados imediatos e tardios da cirurgia para correção de escoliose em pacientes com amiotrofia espinhal progressiva (AEP). MÉTODO: 14 pacientes com AEP submetidos a cirurgia para escoliose foram selecionados para análise retrospectiva dos prontuários e radiografias, assim como para exame radiográfico e aplicação de um questionário na consulta final. O tempo médio de seguimento foi de 22 meses. A escoliose média pré-operatória foi de 78,4° pelo método de Cobb. Todos os pacientes apresentavam obliqüidade pélvica (média de 25,5°) e 11 apresentavam cifose. A média de idade à época da cirurgia foi de 12 anos e 3 meses. Em 12 pacientes foi realizada artrodese via posterior com instrumental de Luque-Galveston, e em 2 com instrumental de Cotrel-Dubousset. RESULTADOS: Foi obtida correção no pós-operatório imediato de 64,3% da escoliose, 36,4% da cifose e 70,9% da obliqüidade pélvica. As complicações foram fístula liquórica e infecção precocemente em um caso; e tardiamente soltura da amarria de T1, em dois casos. Houve perda média de correção no final do seguimento de 0,26° da escoliose e de 1,28° da obliqüidade pélvica. Os pais e os pacientes referiram boa melhora em relação aos aspectos estéticos, postura, equilíbrio para sentar e cuidados de higiene, assim como das intercorrências respiratórias. CONCLUSÃO: A cirurgia para escoliose na AEP tem impacto satisfatório quanto à estética, qualidade de vida e função respiratória dos pacientes, com mínima perda da correção obtida com o tempo e com poucas complicações.

amiotrofia espinhal progressiva; escoliose; artrodese de coluna; tratamento ortopédico; doenças neuromusculares


OBJECTIVE: To describe the early and late postoperative data from SMA patients with surgical procedure. METHOD: Clinical data and radiographic imaging from 14 SMA patients with surgical treatment of scoliosis were reviewed, and all were reassessed clinically with new spinal radiographs and a questionnaire. The mean follow-up were 22 months. The mean preoperative Cobb angle was 78.4°. All patients presented pelvic obliquity (mean 25.5°) and 11 had cifosis. The mean age at time of surgery was 12 years and 3 months. All patients were treated with posterior spinal fusion with Luque-Galveston instrumentation in 12 and Cotrel-Dubousset instrumentation in 2. RESULTS: The average curve correction at the immediate postoperative was 64.3% for scoliosis and 36.4% for cifosis, with the pelvic obliquity correction of the 70.9%. The complications were liquoric fistula and infection earlier in one case, and lately wire looseness of T1 in 2 patients. It was detected mean lost of the correction at the final assessment of the 0.26° of the scoliosis and the 1.28° of the pelvic obliquity. Relatives and the patients related good improvement regarding to esthetic aspects, posture balance, body care, as well as respiratory problems. CONCLUSION: The spinal fusion for scoliosis in SMA patients has a satisfactory impact for esthetic, quality of life and respiratory function, with minimal lost of corrected deformities and few complications.

spinal muscular atrophy; scoliosis; spinal fusion; orthopaedic treatment; neuromuscular diseases


Tratamento cirúrgico da escoliose na amiotrofia espinhal progressiva

Surgical treatment of scoliosis in spinal muscular atrophy

Vanderson RosoI; Simone de Oliveira Bittencourt BituI; Edmar ZanoteliII; Javier Toledano BetetaII; Rogério Carvalho de CastroIII; Antônio Carlos FernandesIV

Clínicas de Escoliose e de Doenças Neuromusculares da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), São Paulo SP, Brasil

IResidente de Ortopedia Pediátrica

IINeurologista

IIIOrtopedista

IVDiretor Clínico da AACD

RESUMO

OBJETIVO: Descrever os resultados imediatos e tardios da cirurgia para correção de escoliose em pacientes com amiotrofia espinhal progressiva (AEP).

MÉTODO: 14 pacientes com AEP submetidos a cirurgia para escoliose foram selecionados para análise retrospectiva dos prontuários e radiografias, assim como para exame radiográfico e aplicação de um questionário na consulta final. O tempo médio de seguimento foi de 22 meses. A escoliose média pré-operatória foi de 78,4° pelo método de Cobb. Todos os pacientes apresentavam obliqüidade pélvica (média de 25,5°) e 11 apresentavam cifose. A média de idade à época da cirurgia foi de 12 anos e 3 meses. Em 12 pacientes foi realizada artrodese via posterior com instrumental de Luque-Galveston, e em 2 com instrumental de Cotrel-Dubousset.

RESULTADOS: Foi obtida correção no pós-operatório imediato de 64,3% da escoliose, 36,4% da cifose e 70,9% da obliqüidade pélvica. As complicações foram fístula liquórica e infecção precocemente em um caso; e tardiamente soltura da amarria de T1, em dois casos. Houve perda média de correção no final do seguimento de 0,26° da escoliose e de 1,28° da obliqüidade pélvica. Os pais e os pacientes referiram boa melhora em relação aos aspectos estéticos, postura, equilíbrio para sentar e cuidados de higiene, assim como das intercorrências respiratórias.

CONCLUSÃO: A cirurgia para escoliose na AEP tem impacto satisfatório quanto à estética, qualidade de vida e função respiratória dos pacientes, com mínima perda da correção obtida com o tempo e com poucas complicações.

Palavras-chave: amiotrofia espinhal progressiva, escoliose, artrodese de coluna, tratamento ortopédico, doenças neuromusculares.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the early and late postoperative data from SMA patients with surgical procedure.

METHOD: Clinical data and radiographic imaging from 14 SMA patients with surgical treatment of scoliosis were reviewed, and all were reassessed clinically with new spinal radiographs and a questionnaire. The mean follow-up were 22 months. The mean preoperative Cobb angle was 78.4°. All patients presented pelvic obliquity (mean 25.5°) and 11 had cifosis. The mean age at time of surgery was 12 years and 3 months. All patients were treated with posterior spinal fusion with Luque-Galveston instrumentation in 12 and Cotrel-Dubousset instrumentation in 2.

RESULTS: The average curve correction at the immediate postoperative was 64.3% for scoliosis and 36.4% for cifosis, with the pelvic obliquity correction of the 70.9%. The complications were liquoric fistula and infection earlier in one case, and lately wire looseness of T1 in 2 patients. It was detected mean lost of the correction at the final assessment of the 0.26° of the scoliosis and the 1.28° of the pelvic obliquity. Relatives and the patients related good improvement regarding to esthetic aspects, posture balance, body care, as well as respiratory problems.

CONCLUSION: The spinal fusion for scoliosis in SMA patients has a satisfactory impact for esthetic, quality of life and respiratory function, with minimal lost of corrected deformities and few complications.

Key words: spinal muscular atrophy, scoliosis, spinal fusion, orthopaedic treatment, neuromuscular diseases.

A amiotrofia espinhal progressiva (AEP) é doença genética de herança autossômica recessiva que afeta o corpo do neurônio motor no corno anterior da medula espinhal1. É uma das doenças neuromusculares mais prevalentes em crianças que estão em tratamento nos centros de reabilitação1. Clinicamente, notam-se hipotonia e fraqueza muscular difusas de predomínio nas porções proximais dos membros e arreflexia tendínea profunda1,2. Os músculos respiratórios, bulbares e paravertebrais são caracteristicamente afetados, ao contrário dos músculos faciais e oculares que tendem a ser poupados2. Outros achados incluem fasciculação de língua e tremor fino das extremidades1,2. Conforme a época do início da doença e a gravidade do comprometimento motor, a AEP tem sido classificada em três formas3: O tipo I (doença de Werdnig-Hoffmann, ou forma grave) é caracterizado por início antes dos 6 meses de vida e grave comprometimento motor e respiratório. As crianças não chegam a sentar sem apoio e, em geral, não sobrevivem após os 2 anos de idade. O tipo II (forma intermediária) apresenta sintomatologia menos intensa, com início antes dos 18 meses de vida; as crianças são capazes de sentar sem apoio, porém não chegam a deambular. O tipo III (doença de Kugelberg-Welander, ou forma leve) possui um quadro clínico mais brando, com início após os 2 anos de vida; os pacientes apresentam deambulação em algum período. Mais de 90% dos casos de AEP são causados por mutações na porção telomérica do gene SMN, sendo a análise deste de grande valor para o diagnóstico4.

Os principais fatores prognósticos na AEP são a insuficiência respiratória e a escoliose1,2. A escoliose é a principal complicação ortopédica da AEP e ocorre devido ao comprometimento dos músculos paravertebrais1. A correção cirúrgica da escoliose tem se mostrado fundamental para melhorar a qualidade de vida, a função respiratória e a sobrevida destas crianças5-8.

O objetivo deste estudo foi apresentar os resultados imediatos e tardios da cirurgia de correção da escoliose em pacientes com AEP.

MÉTODO

Foi realizada análise retrospectiva dos prontuários e radiografias de 14 pacientes (5 masculinos e 9 femininos), com diagnóstico de AEP (12 tipo II e 2 tipo III), os quais foram submetidos a cirurgia para correção de escoliose, no período de maio de 1997 a março de 2002. Os pacientes foram convocados para uma consulta final, quando foi aplicado questionário, modificado de Bridwell et al9, a respeito de dados subjetivos quanto aos resultados da cirurgia (Tabela 1). Nessa ocasião foram realizados também exames radiográficos da coluna vertebral. O seguimento (período entre o pós-operatório imediato e a última consulta) variou de 6 a 64 meses (média de 22 meses) (Tabela 2). A média de idade início dos sintomas da AEP foi de 1 ano e 11 meses, variando de 6 meses a 7 anos. Nenhum paciente tinha marcha independente antes do procedimento cirúrgico. Os métodos utilizados para a confirmação do diagnóstico de AEP foram biopsia muscular, eletroneuromiografia e estudo do gene SMN. Em todos os casos foi detectada deleção dos exons 7 e 8 do gene SMN 10. Todos os pacientes foram mantidos em tratamento fisioterápico padrão (motor e respiratório) na instituição. Este estudo foi avaliado e aprovado pelo conselho de ética da AACD.

A média de idade dos pacientes na ocasião da cirurgia foi de 12 anos e 3 meses, variando de 7 anos e 2 meses a 21 anos e 5 meses (Tabela 2). Em 12 pacientes foi realizada artrodese posterior com instrumentação de Luque-Galveston11 e em 2 pacientes (casos 6 e 7) com instrumental de Cotrel-Dubousset (CD)12. A artrodese foi realizada de T1 a S1 em 11 pacientes, e de T2 a S1 nos casos 3, 6 e 7. Foi utilizado enxerto ósseo autólogo no caso 9, liofilizado nos casos 5, 8, 10, 11, 13 e 14 ou ambos nos casos 1, 2, 3, 4, 6, 7 e 12.

O padrão da curva escoliótica foi toracolombar em 9 pacientes e dupla torácica e toracolombar em 5 (Tabela 2) (Figs 1A e 1B). A curva média pré-operatória, incluindo as curvas primárias e secundárias, variou de 40° a 135° (média de 78,4°), pelo método de Cobb13 (Tabela 2). Em 11 pacientes a escoliose estava associada a cifose, variando de 45° a 70° (média de 59,8°) (Tabela 3). Em todos os casos havia associação com obliqüidade pélvica, variando de 14° a 42° (média de 25,5°) (Tabela 4).


RESULTADOS

No pós-operatório imediato, houve correção média da curva escoliótica de 50,4° (64,3%), variando de 4° a 83° (Tabela 2) (Figs 2A e 2B). Houve correção da cifose em média de 21,8° (36,4%), variando de 11° a 32° (Tabela 3). A correção da obliqüidade pélvica média foi de 18° (70,9%), variando de 10° a 32° (Tabela 4).


Na última avaliação dos pacientes, considerando as curvas primárias e secundárias, foi detectada perda média da correção da escoliose de 0,26°, variando de uma redução da curva escoliótica de 11° a uma piora da escoliose de 6° (Tabela 2) (Figura 2C). Quanto à cifose, cinco pacientes não apresentaram alterações dois tiveram perda da correção e quatro evoluíram com retificação da curva (Tabela 3). A obliqüidade pélvica apresentou piora média de 1,28° (Tabela 4).

Quanto às complicações cirúrgicas, no caso 14 ocorreu, no pós-operatório imediato, fístula liquórica na região lombar, que necessitou de retalho miofascial para oclusão. Neste caso também houve infecção local, a qual foi controlada com limpeza cirúrgica e antibioticoterapia endovenosa. Com 12 meses de evolução, houve recidiva da infecção sendo necessária exploração cirúrgica para retirada de parte do instrumental de Luque-Galveston; obteve-se cura da infecção, porém com recidiva parcial da escoliose toracolombar e piora da obliqüidade pélvica em relação ao pré-operatório (Tabela 4). No caso 1, após 12 meses de pós-operatório, ocorreu ruptura do arco de T1 levando à soltura da amarria sublaminar, ocasionando leve cifotização da coluna acima do nível da artrodese. No caso 8, devido ao crescimento da coluna vertebral, ocorreu soltura da amarria de T1 com cifotização da coluna acima da artrodese, porém a curva manteve-se dentro dos valores normais.

A avaliação subjetiva quanto ao resultado final da correção cirúrgica está mostrada na Tabela 1.

DISCUSSÃO

A escoliose na AEP é o principal fator a influenciar negativamente a função respiratória e, portanto, a sobrevida dos pacientes1,2. Quanto maior o comprometimento motor e mais precoce o início da doença, mais cedo será o início do desenvolvimento da deformidade da coluna espinhal, e mais grave será a progressão da curva5,14. Vários estudos têm mostrado que o diagnóstico inicial da escoliose ocorre após o primeiro ano de vida, em média entre 5 e 9 anos de idade8,14-16. Aqueles pacientes com marcha preservada (AEP tipo III) tendem a desenvolver escoliose mais tardiamente16. Usualmente, a curva da deformidade na AEP é progressiva, em forma de "C", afetando a região toracolombar (80% dos casos), envolvendo mais de seis segmentos e, freqüentemente, produzindo obliqüidade pélvica17,18. Curvas puramente torácicas ou curvas duplas também são observadas17,18. As curvas torácicas são usualmente direitas e a curva dupla apresenta o desvio torácico direito e o lombar esquerdo. A deformidade da coluna na AEP tende a permanecer mais flexível que nas escolioses idiopáticas, tornando-se fixa com a evolução da doença. A cifose é outra deformidade da coluna que tende a acompanhar a escoliose na AEP, muitas vezes antecedendo a escoliose.

Há controvérsia na literatura sobre as modalidades de tratamento da escoliose na AEP, bem como quanto às indicações e ao tempo apropriado para iniciar o tratamento. A utilização do colete para a escoliose é controvertida. Aqueles autores que recomendam a sua utilização têm sugerido que seja utilizado nas fases mais precoces da doença, com o objetivo de retardar a progressão da curva e auxiliar no equilíbrio na posição sentada14,19. No entanto, outros autores têm mostrado que o colete não é método eficaz para retardar a progressão da curva20; além do mais, pode agravar a função respiratória devido ao efeito restritivo21 e, ainda, causar deformidades da caixa torácica15,17. No nosso serviço, temos indicado colete do tipo bivalvado com abertura abdominal naqueles casos com escoliose diagnosticada em idade precoce, para retardar o máximo possível a realização da artrodese. Outra abordagem fundamental, utilizada em todos os nossos pacientes, é a adequação postural e a utilização de cadeira de rodas adaptada.

A cirurgia está indicada em todos os casos, dependendo da idade, do grau da curva, e da capacidade vital pulmonar. Em geral, tem sido proposto operar após os 10 anos de idade; no entanto, alguns casos necessitam de cirurgia mais precoce para evitar efeito deletério maior sobre a função pulmonar14,22. Acreditamos que a estabilização precoce previne deformidades mais graves da parede torácica resultante da escoliose, a qual deveria ser realizada antes que o comprometimento respiratório aumente o risco da cirurgia. No nosso estudo, a cirurgia foi realizada numa idade média de 12 anos e 3 meses, porém o caso mais jovem foi de 7 anos e 2 meses. A maioria dos autores tem operado estes pacientes quando a curva encontra-se acima de 35°14,22,23. A curva escoliótica média pré-operatória no nosso estudo foi de 78,4°.

Em relação ao material de síntese utilizado para instrumentação da coluna, utilizamos, na nossa série, 12 instrumentais de Luque-Galveston e 2 de Cotrel-Dubousset. Shapiro e Bresman22, utilizando o sistema de fixação de Harrington, relataram dificuldades técnicas devido à qualidade óssea, perda das curvas fisiológicas no plano sagital, causando equilíbrio pobre e dificuldade de posicionamento, além da necessidade do uso de órtese no pós-operatório. Aprin et al17, também utilizando hastes de Harrington, mostraram a dificuldade da evolução pós-operatória de seus pacientes e os possíveis danos à função motora que poderiam ser causados devido ao uso prolongado de órteses. Brown et al24, comparando os sistemas de Luque e Harrington, mostraram índice de perda de correção e complicações pós-operatórias muito maiores com o sistema de Harrington. Riddick e Winter15, utilizando o sistema de Harrington, obtiveram cerca de 40% de complicações, sendo a pseudoartrose a mais freqüente, além de insuficiência respiratória e alterações neurológicas. O uso do instrumental de Luque e, recentemente, do sistema de Cotrel Dubousset, têm permitido mobilização precoce, eliminando a necessidade do uso de gesso ou órteses no pós-operatório24.

Obtivemos correção da escoliose média de 50,4° (64,3%), enquanto,na maioria das séries publicadas, a correção varia de 31 a 60%5,9,14,15,17,18,24-27. Em 11 casos nas quais a cifose estava associada, tivemos correção média de 21,8° (36,4%). Outros autores tiveram correção de 44 a 58%5,9,18. A obliqüidade pélvica estava presente em todos os pacientes e obtivemos correção de 70,9%. Na literatura, encontramos correções que variaram de 39 a 68%5,9,18,25. Vários fatores podem determinar as diferenças encontradas entre os diversos estudos: o número de casos, a gravidade da deformidade, as técnicas utilizadas.

Ao final do acompanhamento, observamos que, em alguns dos nossos casos, ocorreu melhora da escoliose, enquanto que outros tiveram perda da correção. Assim, a perda média de correção da escoliose, considerando os que melhoraram e os que pioraram, foi de 0,26°. Outros autores têm detectado perda da correção variando de 4° a 8°5,18,25. Tal diferença está diretamente relacionada ao tempo de seguimento, assim como à metodologia cirúrgica utilizada. A perda de correção da obliqüidade pélvica foi de 1,28°; na literatura encontramos variações de perda de 1,3° a 5°18,25. Quanto à cifose, 5 pacientes não mostraram perda da correção obtida com a cirurgia, 2 evoluíram com perda da correção e 4 com retificação da curva. Não encontramos na literatura dados relacionados à evolução da cifose no pós-operatório tardio.

As complicações cirúrgicas no pós-operatório imediato mais freqüentemente citadas na literatura são insuficiência respiratória, atelectasias e pneumonias6,17. Óbito tem sido relatado mais raramente14,28. Outras complicações precoces descritas incluem íleo paralítico e disfunção de bexiga6. No nosso estudo não tivemos complicações respiratórias ou relacionadas com o instrumental utilizado. No entanto, tivemos um caso com fístula liquórica e infecção local. Tardiamente, as complicações usualmente relatadas incluem pseudoartrose e perda da correção da curva15,18,23, sendo possível a reintervenção cirúrgica, com artrodese via anterior e revisão da artrodese via posterior. Outras complicações descritas incluem protrusão ou quebra da haste, fraqueza muscular cervical, dor no quadril e limitação para sentar6,17. Em dois dos nossos casos, ocorreram ruptura do arco de T1 e soltura da amarria de T1 levando à cifotização da coluna acima do nível da artrodese, não sendo necessária reintervenção cirúrgica por ter ocorrido estabilização dentro dos valores normais para as curvas.

Neste estudo aplicamos o questionário utilizado por Bridwell et al9, previamente validado estatisticamente, sobre a avaliação dos familiares e do próprio paciente quanto aos resultados cirúrgicos. Foram feitas algumas modificações com o objetivo de torná-lo mais sucinto. Tal como demonstrado em outros estudos, a correção da escoliose teve grande efeito quanto aos aspectos estéticos, posturais, equilíbrio para sentar e cuidados de higiene, conferindo melhora na qualidade de vida tanto da criança quanto dos familiares9. Tal fato pode ser comprovado pela ótima aceitação dos familiares para realização uma nova cirurgia em caso de necessidade. Embora tenha havido referência a melhora da função dos membros superiores em alguns dos nossos pacientes, devido ao grave comprometimento motor pré-operatório e ao fato da doença ter um curso lentamente progressivo, fica difícil avaliar o real efeito da cirurgia sobre a função dos membros superiores. No entanto, outros autores têm mostrado mais claramente tal benefício9. Embora não tenhamos realizado avaliação dos efeitos da correção cirúrgica sobre a função respiratória, através de prova de função ventilatória, a redução das intercorrências respiratórias tais como infecções, sugere efeito benéfico da cirurgia também sobre o sistema pulmonar.

Em suma, nosso estudo mostrou que a cirurgia para correção de escoliose na AEP tem impacto satisfatório quanto à estética, qualidade de vida e função respiratória, com mínima perda da correção obtida com o passar do tempo e com poucas complicações, sendo, portanto, tratamento eficaz nos casos de escoliose na AEP.

Recebido 27 Novembro 2002, recebido na forma final 29 Janeiro 2003

Aceito 17 Fevereiro 2003

Dr. Vanderson Roso - Rua Francisco Giuliani 970 - 97200-000 Restinga Seca RS - Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Aceito
    17 Fev 2003
  • Revisado
    29 Jan 2003
  • Recebido
    27 Nov 2002
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