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Diretrizes para o tratamento da esclerosa mútipla com drogas imunomoduladoras

Guidelines for the treatment of multiple sclerosis with immunomodulatory drugs

Resumos

O tratamento de pacientes com esclerose múltipla (EM) com imunomoduladores e, mais recentemente, com imunossupressores, modificou o curso natural da doença nos últimos anos. As conclusões e recomendações elaboradas por inúmeros autores a partir de estudos multicêntricos, obrigam-nos a rever e atualizar conceitos, propondo modificações aos órgãos governamentais para aprimorar a assistência aos portadores de EM, objetivo principal deste trabalho. Assim, o Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia julgou oportuno atualizar as recomendações quanto aos critérios de diagnóstico, classificação das formas evolutivas da EM, criação dos centros de referência e uso de imunomoduladores.

diretrizes; esclerose múltipla; imunomoduladores


The treatment of patients with multiple sclerosis (MS) with immunomodulatory drugs, and more recently, with immunosuppressive drugs, have modified the natural history of the disease in the last years. The conclusions and recommendations elaborated by several authors based upon multicenter studies make us review and update concepts, proposing modifications to government institutions in order to improve the assistance to MS patients, the main purpose of this work. Herein, the Neuroimmunology Scientific Department of the Brazilian Academy of Neurology judged important to update the recommendations concerning MS diagnosis criteria, classification of progression patterns, foundation of reference centers and the use of immunomodulatory drugs.

recommendation; multiple sclerosis; immunotherapy


Diretrizes para o tratamento da esclerosa mútipla com drogas imunomoduladoras

Guidelines for the treatment of multiple sclerosis with immunomodulatory drugs

Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia* * www.abneuro.org

RESUMO

O tratamento de pacientes com esclerose múltipla (EM) com imunomoduladores e, mais recentemente, com imunossupressores, modificou o curso natural da doença nos últimos anos. As conclusões e recomendações elaboradas por inúmeros autores a partir de estudos multicêntricos, obrigam-nos a rever e atualizar conceitos, propondo modificações aos órgãos governamentais para aprimorar a assistência aos portadores de EM, objetivo principal deste trabalho. Assim, o Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia julgou oportuno atualizar as recomendações quanto aos critérios de diagnóstico, classificação das formas evolutivas da EM, criação dos centros de referência e uso de imunomoduladores.

Palavras-chave: diretrizes, esclerose múltipla, imunomoduladores.

ABSTRACT

The treatment of patients with multiple sclerosis (MS) with immunomodulatory drugs, and more recently, with immunosuppressive drugs, have modified the natural history of the disease in the last years. The conclusions and recommendations elaborated by several authors based upon multicenter studies make us review and update concepts, proposing modifications to government institutions in order to improve the assistance to MS patients, the main purpose of this work. Herein, the Neuroimmunology Scientific Department of the Brazilian Academy of Neurology judged important to update the recommendations concerning MS diagnosis criteria, classification of progression patterns, foundation of reference centers and the use of immunomodulatory drugs.

Key words: recommendation, multiple sclerosis, immunotherapy.

O tratamento de pacientes com esclerose múltipla (EM) com imunomoduladores e, mais recentemente, com imunossupressores, modificaram o curso natural da doença nos últimos anos1,2. Entre nós, em 1997, o Ministério da Saúde aprovou o uso de interferon beta 1 b (Betaferon®) e interferon beta 1 a (Rebif®), para dispensação gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nos últimos anos a demanda crescente na prescrição desses medicamentos, a aprovação de novos imunomoduladores para tratamento e seu alto custo, tem motivado nas sociedades neurológicas de vários países a elaboração de protocolos e recomendações para seu uso3-7. Entre nós, em 2000, foi divulgado o primeiro Consenso com esta finalidade8, no qual o Ministério da Saúde se baseou para, por meio da Portaria nº 97 da Secretaria de Assistência à Saúde de 20.3.2001, elaborar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para dispensação de imunomoduladores na EM9, em vigor até a presente data, incluindo na lista de medicamentos outro interferon beta 1a (Avonex®), e o acetato de glatirâmer (Copaxone®). Novas evidências clínicas obtidas por ensaios clínicos realizados principalmente por investigadores independentes10-12, inúmeros resultados disponíveis na literatura publicados após vários anos de uso destes medicamentos1,2, conclusões e recomendações elaboradas por inúmeros autores a partir de estudos multicêntricos13,14, obrigam-nos a rever e atualizar conceitos, propondo modificações aos órgãos governamentais para aprimorar a assistência aos portadores de EM, objetivo principal deste trabalho. Assim, o Departamento Científico de Neuroimunologia da Academia Brasileira de Neurologia (DCNI-ABN) julgou oportuno atualizar essas diretrizes, elaborando este documento a partir de reunião realizada em julho de 2004, no Rio de Janeiro, e submetido análise por via eletrônica de todos os membros do DCNI-ABN e, após as devidas alterações propostas pelos mesmos, aprovado em reunião do DCNI-ABN durante o Congresso Brasileiro de Neurologia, em outubro de 2004, em Brasília.

1. RECOMENDAÇÕES QUANTO AOS CRITÉRIOS DE DIAGNÓSTICO DA DOENÇA

Evidências na literatura recente são conclusivas em propor a adoção dos critérios firmados pelo Painel Internacional para o Diagnóstico da Esclerose Múltipla por Mc Donald e cols.15 para todos os envolvidos no atendimento de pacientes com suspeita de EM. Estes são mais sensíveis e específicos, definem a distribuição temporal e espacial da doença utilizando, quando necessário, resultados obtidos com a ressonância magnética (RM) do encéfalo e da medula espinhal; estabelecem ainda critérios para o diagnóstico das formas primariamente progressivas da doença, até então contraditórios.

2. RECOMENDAÇÕES PARA CLASSIFICAÇÃO DAS FORMAS EVOLUTIVAS DA ESCLEROSE MÚLTIPLA

Ensaios clínicos demonstram claramente que determinados medicamentos são eficazes em fases evolutivas distintas da EM. Até há alguns anos, inúmeras classificações das formas da doença foram apresentadas, mas a maioria destas não se mostrou prática e, por conseqüência, apresentaram baixa adesão nos centros mundiais, além de propiciar tratamento em fases evolutivas da doença não compatíveis com a indicação de determinada droga. A recomendação é de se adotar a classificação de Lublin e col.16, que contempla quatro formas de evolução na EM: remitente-recorrente, secundariamente progressiva, primariamente progressiva e progressiva com surtos.

3. RECOMENDAÇÕES PARA CRIAÇÃO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA

A Secretaria de Assistência a Saúde do Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 116, de 10. 4.01, criou o Grupo Técnico de Assessoramento em Esclerose Múltipla, integrado por 5 neurologistas titulares da Academia Brasileira de Neurologia e com experiência em EM, com a finalidade, entre outras, de assessorar tecnicamente os estados na tarefa de estimular a criação dos Centros de Referência em Esclerose Múltipla17. Este grupo, após estudos e reuniões, estabeleceu requisitos mínimos encaminhados ao Ministério da Saúde em 2002 e que são:

3.1 – O Centro deve estar vinculado a Hospital ou Clínica, preferencialmente universitário, conveniado com o SUS, com Serviço de Neurologia composto por médicos com Título de Especialista da AMB e coordenados por neurologista com suficiente experiência no diagnóstico e tratamento de pacientes com a doença;

3.2 – Serviço Ambulatorial com atividade mínima de 4 horas diárias;

3.3 – Serviço de Emergência, agregado ao Centro, para atendimento de intercorrências que possam ocorrer nos pacientes com EM, com consultoria neurológica de 24 horas e com, no mínimo, um leito para eventual internação de paciente em surto;

3.4 – Laboratório clínico completo, com capacidade de realizar exames complementares necessários ao diagnóstico diferencial da EM e outras doenças. Este laboratório deverá dispor de uma secção de análise do liquido cefalorraquiano completo, capaz de efetuar os testes necessários para o diagnóstico de EM e outras doenças neurológicas e que necessariamente realize a análise de síntese intratecal de imunoglobulina G (IgG), e, se possível, a pesquisa de bandas oligoclonais de IgG por focalização isoelétrica15;

3.5 – Serviço de Radiologia equipado com RM;

3.6 – Caso não possam ser preenchidos os itens 3.4 e 3.5 no local do Centro, o mesmo deverá promover um contrato de parceria com locais próximos e adequados para este fim;

3.7 – Arquivo informatizado com relação completa de pacientes, principalmente daqueles que fazem uso de medicação de alto custo;

3.8 – Acesso telefônico fácil para agendar consultas e informações pertinentes a medicamentos de alto custo;

3.9 – Ter no seu quadro pelo menos uma assistente social orientando os pacientes;

3.10 – Monitorar receitas de medicamentos de alto custo, mesmo os prescritos por neurologistas que não atuem no Centro, respeitando os preceitos de ética médica no acompanhamento destes pacientes pelo médico prescritor;

3.11 – Em cada região da União, cabe a Secretaria de Saúde compor um Comitê local de especialistas, para implantação destes Centros;

4. RECOMENDAÇÕES PARA USO DE IMUNOMODULADORES

4.1 – A prescrição de imunomoduladores para pacientes com EM deve ser restrita a neurologistas;

4.2 – Os imunomoduladores não devem ser utilizados em pacientes nos quais não haja sintomas e/ou sinais clínicos ou de RM da doença (formas remitente-recorrentes recentes ou de longa evolução com quadro estável e formas primariamente e secundariamente progressivas), devendo, entretanto, ser observados regularmente;

4.3 – O uso de imunomoduladores deve ser considerado nas fases iniciais da doença, tão logo o diagnóstico definido de EM seja estabelecido pelos critérios de McDonald e col. (lesões características à RM do encéfalo e/ou medula cervical e achados compatíveis ao exame do líquido cefalorraquiano). É fundamental a existência de evidências clínicas de atividade da doença através da presença de pelo menos um surto recente.

4.4 – O uso de imunomoduladores deve ser considerado nas fases iniciais da doença, tão logo o diagnóstico definido de EM seja estabelecido pelos critérios de McDonald e col.15 (lesões características à RM crânio e/ou medula cervical e achados compatíveis ao exame do líquido cefalorraquiano). É fundamental a existência de evidências clínicas da atividade da doença através da presença de pelo menos um surto clinico.

4.5 – Em situações especiais, como a idade inferior a 17 e superior a 55 anos ou baixo número de surtos associados à incapacidade para a deambulação (EDSS maior ou igual a 6,0), a utilização dos imunomoduladores deverá ser considerada individualmente.

4.6 – Contraindica-se o uso de interferons durante a gestação, obrigando-se as pacientes em idade reprodutiva a utilizar métodos contraceptivos eficazes. Em caso de gravidez o uso de interferons deve ser interrompido. Não há evidências de efeitos deletérios do acetato de glatirâmer na gestação.

4.7 – Contra-indica-se o uso de interferons em pacientes com depressão, doenças hepáticas e/ou cardíacas graves associadas.

4.8 – Os imunomoduladores têm eficácia semelhante independentemente das doses e via de administração, portanto não há imunomodulador de escolha em nenhuma das situações clínicas e/ou evolutivas da doença, nem quanto à dose inicial, pois não há consenso a respeito da relação dose-efeito. Cabe aos pacientes e/ou seus cuidadores a escolha do medicamento que julgar mais conveniente. Após ser devidamente informado quanto aos benefícios, eventuais riscos e efeitos colaterais de cada medicamento, estes devem concordar com avaliações médicas e laboratoriais freqüentes durante o uso dos imunomoduladores.

4.9 – É recomendável, quando necessário, alterar a dose ou o imunomodulador durante o tratamento, cabendo ao prescritor do medicamento monitorar sua eficácia, ocorrência de efeitos colaterais , assegurar a aderência do paciente e solicitar exames de laboratório necessários durante o tratamento.

4.10 – Não há evidências de que os imunomoduladores tenham efeito nas formas primária ou secundariamente progressivas, porém em alguns casos de pacientes com atividade da doença há benefícios modestos.

4.11 – Em caso de surto da doença não há indicação da suspensão do imunomodulador.

4.12 – A avaliação da eficácia de um imunomodulador deve ser feita no prazo mínimo de seis meses e deve, quando considerado benéfico, ser mantido por tempo indeterminado, contanto que se constate que a doença está inativa ou com baixa atividade inflamatória, constada pelo número menor de surtos, incapacidade funcional, ou progressão da doença quando comparado ao período anterior ao tratamento e pela ausência eventual de novos déficits neurológicos durante o mesmo. Pode-se, eventualmente, utilizar a RM como auxiliar na avaliação da atividade da EM, com a constatação do não aparecimento de novas lesões durante o tratamento;

4.13 – Efeitos colaterais intoleráveis, presença de surtos em número e gravidade igual ou superior, quando comparados a antes do tratamento, sinais clínicos que indiquem transição da forma remitente-recorrente para secundariamente progressiva, ou ainda a falta do benefício do tratamento devem ser considerados como falha terapêutica;

4.14 – Em caso de falha terapêutica pode-se alterar a dose ou o tipo do imunomodulador, (interferon para acetato de glatirâmer ou vice-versa), interromper seu uso ou associá-lo a imunossupressor;

4.15 – Os efeitos biológicos causados pela presença de anticorpos neutralizantes durante o tratamento, com eventual perda de eficácia dos interferons, não está estabelecido com clareza, portanto a dosagem dos mesmos não traz benefícios práticos.

Recebido 11 Novembro 2004, recebido na forma final 17 Março 2005. Aceito 7 Maio 2005.

Academia Brasileira de Neurologia - Rua Capitão Cavalcanti 327 - 04017-000 São Paulo SP - Brasil. E-mail: academia@abneuro.org

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  • 17
    17. Secretaria de Assistência à Saúde, Ministério da Saúde. Portaria n║ 116. Diário Oficial da União, 10 de Abril de 2001.
  • *
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Aceito
      07 Maio 2005
    • Recebido
      11 Nov 2004
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