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Análises de livros

Análises de livros

LA APRAXIA CONSTRUTIVA. SU VALOR COMO SINTOMA FOCAL Y COMO EXPRESSION DE LA REGRESSION OPERATORIA HASTA EL NIVEL DE LA CONDUCTA INVOLUTIVA DE ASIMIENTO. Luiz Barraquer Bordas. Tese doutoral apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de Navarra, 1966.

Freqüentemente, por imposição da vida universitária, somos obrigados a ler teses de neurologistas que enfrentam os vários graus da carreira e, com raras exceções, podemos prever o nível do candidato pela escolha do tema. Há os que procuram se situar dentro de uma fortaleza inexpugnável, limitando sua pesquisa a setores de mínima amplitude, no qual os conceitos básicos já estão bem firmados, a bibliografia é escassa em virtude dos limites mesmo do tema em estudo, as conclusões estão claramente ligadas à pesquisa e fluem como uma decorrência natural da hipótese proposta. Outros candidatos situam-se, pelo contrário, em campo aberto, estudando audaciosamente um tema de limites imprecisos, sujeito a críticas múltiplas e insuspeitadas. A tese de Luiz Barraquer Bordas é um dos melhores exemplos deste último tipo de trabalho. Seu autor não apenas estudou um tema obscuro e controvertido, procurando esclarecê-lo através da análise de vasta casuística. Indo mais longe, decidiu explorar a "terra de ninguém", aquela em cujas fronteiras param cautelosamente os filósofos, os psicólogos e os neuro-psiquiatras, e que Bergson chamou de fronteira de "1'ame et le corps". Com efeito as apraxias, tal como as afasias, estão situadas no campo de atividades do investigador de distúrbios que rejeitam a análise simples e a correlação anátomo-clínica ortodoxa. Orientado por Ajuriaguerra, um dos grandes psiconeurólogos contemporâneos que, como Luria, Critchley, Russel Brain, Hecaen e poucos outros, vem trazendo luzes para campos até agora mal conhecidos por isto que estudados mais em plano de cogitações teóricas, Luiz Barraquer Bordas realizou contribuição da maior valia, estudando o significado da apraxia construtiva como sinal focal e como expressão de regressão intelectiva operacional, regressão esta que chega a um plano de conduta involutiva a que denomina "síndrome de asimiento", expressão para a qual não existe tradução satisfatória em português.

O capítulo introdutório em que é exposta a situação geral da questão é bastante rico e esclarecedor. O autor procura, de início, criticar o conceito tradicional da Neurologia, que distingue cuidadosamente os defeitos do reconhecimento da realidade corporal ou extra-corporal — as agnosias — das falhas na execução da seqüência de gestos em uma sucessão ordenada e adequada, as apraxias. Esta separação teórica entre os dois campos, deve ser revista na medida em que existe uma unidade viva, constantemente "tecida", entre os processos de reconhecimento e a organização gestual. Através da análise da casuística apresentada nos convencemos da intimidade que existe entre a organização das integrações gestuais com o reconhecimento dos objetos situados no campo perceptivo, constituindo o campo das apracto-agnosias, muito mais amplo do que se poderia presumir teoricamente. O autor não põe em dúvida o fato de que a apraxia não é, em si mesma, um defeito essencialmente intelectivo, porém ressalta o caráter óbvio da observação de que há uma falência na "inteligência operatoria" enxertada no núcleo da desintegração apráxica. A apraxia é definida (Ajuriaguerra e Hecaen) como um transtorno da atividade gestual, surgindo em pacientes cujos aparelhos de execução da ação mantém-se intactos, e que possuem pleno conhecimento do ato a cumprir. Este último item da definição torna-se de difícil interpretação, quando se estuda a dispraxia nos quadros involutivos de desintegração ou nos quadros demenciais. O autor não temeu investigar os problemas dos transtornos do manejo operativo inteligente das realidades, que não podem ser considerados aparte das agnosias nem aparte da inteligência, embora não se deva confundir com o núcleo da demencia em si mesma. Estudou 100 pacientes com lesões hemisféricas direitas e/ou esquerdas com diversos quadros psiquiátricos: psicoses clássicas, psicoses involutivas, personalidades psicopáticas, demência senil, moléstia de Alzheimer e um grupo especial (Série D) estudado com as provas de Piaget, destinadas a avaliar o nível operatorio! Este último grupo ofereceu aspectos particularmente interessantes, na medida em que foi possível verificar correspondência quase perfeita entre o grau e as qualidades da apraxia construtiva e o nível do enfermo no que diz respeito à conservação operatoria.

O simples enunciado do projeto mostra o âmbito do trabalho realizado por Luiz Barraquer Bordas e a dificuldade de expor os resultados a que chegou. O trabalho é difícil de ser sintetizado, pois envolve não apenas a desintegração da apraxia construtiva como sintoma focai unilateral, mas também nas lesões bilaterais, estabelecendo uma comparação entre os dois tipos de desintegração. A linha de pensamento do autor é muito influenciada pelas idéias de Piaget, amplamente expostas, permitindo-lhe sintetizar a estruturação psicológica do espaço, o realismo do desenho infantil e a estruturação das praxias na infância. Com suporte nas idéias de Vallon e Voreecken o autor nos proporciona, depois, uma visão da evolução das praxias construtivas nos primeiros anos de vida, em função do desenvolvimento da noção de espaço. Podemos verificar, então, os tipos de construção próprios de cada idade, sendo que Ajuriaguerra e Stambak propõem mesmo uma escala evolutiva para estas formas de atividades, constatando-se que a criança vai construindo seu campo espacial, situando-se em relação aos objetos a partir de seu próprio corpo como ponto de referência, valendo-se da investigação cinética e visual. A seguir, é exposto o conceito de apraxia de evolução de Stambak e colaboradores, verificando-se que, nas crianças, obedece a dois tipos principais: 1) com dificuldades motoras prevalentes; 2) com transtornos psicológicos complexos de tipo apracto-asomatognósico. Finalmente são expostos a noção de organização da imagem do próprio corpo e os comportamentos instintivo-reflexos primitivos na criança: reflexos peri-orais, de perseguição com o olhar e de preensão. Após esta exposição podemos entender a desintegração da praxia construtiva no seio da síndrome demencial. Trata-se de uma perspectiva nova para interpretar as apraxias construtivas, pois aproveita os quadros demenciais, pouco abordados pelos que têm estudado as apraxias, tendo em vista a definição clássica que presume a ausência de distúrbio mental apráxico. Não é fácil resumir o resultado da análise de 84 casos de lesões bilaterais com apraxia construtiva ou a comparação com quadros decorrentes de lesões unilaterais. O resumo faz perder boa parte das nuances mais finas da análise clínica. Pode-se tentar sintetizar esquemáticamente, distinguindo 3 tipos de apraxia construtiva: 1) a apraxia construtiva conseqüente a lesões unilaterais direitas (nos destros), fundamentalmente ligada a um transtorno da apreciação visuo-espacial; 2) a apraxia construtiva conseqüente a lesões unilaterais esquerdas (nos destros), na qual ocorre defeito mais global do planejamento práxico; 3) a apraxia construtiva nas lesões bilaterais progressivas, nas quais há nítido quadro de regressão operatoria. Nas conclusões vários fatos importantes são assinalados, dentre os quais destacamos alguns. A apraxia construtiva deve ser minuciosamente conhecida pelo neurologista, pois é a forma mais freqüente de apraxia, sendo, nas lesões unilaterais, indicação muito importante de foco retrorolândico. Por outro lado, a apraxia construtiva é sintoma muito freqüente nas lesões cerebrais bilaterais. Quando se trata de lesões cerebrais bilaterais da demência senil ou da moléstia de Alzheimer, a apraxia construtivo é um sinal muito preciso da regressão que apresenta o paciente ao longo da escala operatoria, de acordo com o conceito estabelecido por Piaget. Neste curso regressivo surge, em nível bastante profundo, o fenômeno da aproximação e superposição ao modelo, que pode ser acompanhado de reflexos de preensão e de aderência do olhar, complexo sintomático estabelecido pela escola de Ajuriaguerra e denominado pelo autor "síndrome de asimiento".

A tese de Luiz Barraquer Bordas precisa ser lida e relida pelo neurologista interessado em problemas de psiconeurologia. É ela mais um ramo que se destaca dessa escola excepcional que é a de Ajuriaguerra. Tal como nas afasias em que os fenômenos de regressão foram estudados por Alajouanine, Ombredane e

Durand, agora Barraquer Bordas, inspirado nos trabalhos de Ajuriaguerra e amplamente nutrido nos conceitos de Piaget, oferecem-nos uma perspectiva nova para o estudo, interpretação e correlação anátomo-clínica das apraxias construtivas. Uma bibliografia de 48 obras citadas no texto enriquece ainda mais esta tese.

Antonio B. Lefèvre

PSYCHIATRY AND ART. Irene Jakab, ed. Um volume (16X24) com 211 páginas, 114 figuras e 5 tabelas. S. Karger AG., Basel-New York, 1968.

Este livro, ricamente ilustrado, contém os trabalhos apresentados ao IV Coloquio Internacional sobre Psicopatologia da Expressão, reunido em Washington, em 1966, sendo a maioria constituída por contribuições ao estudo da expressão não verbal: arte patológica e arteterapia. São também relatadas pesquisas sobre a coordenação da psicoterapia verbal com a arteterapia. Conforme assinalaram alguns dos autores a produção gráfica foi encarada inicialmente como curiosidade, passando, após a monografia de Prinzhorn (1922), a ocupar o devido lugar como meio auxiliar no diagnóstico, na avaliação prognostica e no tratamento das doenças mentais. Segundo outros trabalhos, fica evidente a passagem da comunicação verbal para a não verbal, no decurso da regressão psicótica. A influência de cada síndrome psicopatológica pode ser evidenciada pelo desvio na forma e no conteúdo do trabalho criativo. Assim é que Pisarovic, estudando a expressão psicopatológica dos pintores, fala de "síndrome de progressiva paralisia da projeção criativa" que pode chegar até à destruição da habilidade criativa. A estruturação do espaço e do tempo — contração e expansão — é estudada em esquizofrênicos e em indivíduos sob a ação de psicodislépticos (L.S.D., psilocibina). Similaridades de estrutura entre a arte das civilizações primitivas e a dos psicóticos são demonstradas. Estudos sobre obras de alguns pintores (Van Gogh, Leonardo da Vinci), músicos (Rossini, Donizetti, Verdi) ampliam o interesse do livro, confirmando a assertiva de Volmat de que o objetivo da Sociedade Internacional de Expressão é o conhecimento dos meios e das possibilidades de expressão e de informação, a fim de permitir a instalação de melhores comunicações, maior facilidade nas relações entre os homens e os povos, objetos indispensáveis ao bem estar, à civilização e à liberdade.

Jayme Gonçalves

PROBLEME DER PSYCHOTHERAPIE ALTERNDER MENSCHEN. N. Petrilo-Witsch. Um volume (16X24) com 138 páginas. Segunda edição aumentada. S. Karger AG., Basel-New York, 1968.

Já no título, dificilmente traduzivel para o português, deixa o autor perceber sua posição em relação ao problema, pois são as pessoas que estão envelhecendo e necessitam de psicoterapia que constituem o objeto de seu estudo. O autor considera o processo de envelhecimento como algo qualitativo, até certo ponto independente do aspecto puramente quantitativo da idade física do indivíduo. O autor inicia o livro mostrando que na época em que vivemos, na qual a psicanálise ultrapassou todas as fronteiras do domínio médico e psicológico para se tornar tema corriqueiro de literatura de divulgação, influenciando todas as artes e muito da atitude básica atual diante da vida, a ponto de ser hoje mais um "movimento" do que uma teoria científica, é estranhável que ela praticamente não tenha influenciado a geronto-psiquiatria. Coloca a psicoterapia do "envelhecente" como um filho "enjeitado" da psicanálise e explica esse fato em parte pela posição assumida de princípio pelos psicanalistas ao considerarem as pessoas de mais de 40 anos fora do alcance terapêutico desse método. Com Frankl, critica essa posição e acrescenta que outra razão é a inoperância desse método, não apenas em função de uma relativa "estruturação" da problemática do velho; entretanto, considera como pouco frutífera a posição, que chama de "analítico-arqueológica", de desenterrar conflitos da vida infantil para com eles resolver problemas que coloca como atuais, antropológicos e existenciais.

Nos 11 capítulos do livro o autor estuda, sempre à luz de sua experiência clínica e com agudo senso crítico, os fatores que levam à compreensão da problemática do velho em nossa época. Assim, expõe os problemas existenciais à luz dos suicidio-propensos, dando destaque às questões sócio-psocológicas que ajudam à compreensão desses casos; importante, nesse capítulo, é a maneira cuidadosa como o autor discute a insegurança do "status" e do papel do velho no mundo atuai. Segundo êle, um dos atuais problemas sociológicos é a dificuldade de adaptação, causada pelo fato de que grande número de estímulos exteriores Obrigam as pessoas a viverem muito mais do que antigamente numa atitude "extratensiva"; da) resulta que o indivíduo que envelhece procura permanecer jovem por mais tempo mesmo depois que a juventude cronológica se foi, com um estilo de vida não adequado à sua idade, tendendo, portanto, a colecionar frustrações. Por assim dizer, já não é "valorizada" a situação do velho, pois cada vez menos existe um papel à sua disposição. A mudança da estrutura aas famílias seria outro fator importante de "marginalização" dos velhos. No capítulo em que trata de psicoterapia sintomática o autor expõe com riqueza de detalhes sua visão da logoterapia de Frankl. Revida à críticas contra esse método terapêutico, dizendo que as dúvidas surgem naqueles que esperavam um "modo de usar" aplicável a todos os casos sem distinção. Os demais capítulos, todos unindo considerações doutrinárias e teóricas à prática clínica, versam sobre análise existencial, normas concretas a respeito de uma orientação de vida "protecionista" para o velho, consciência da situação do velho e psicoterapia existencial. Especial atenção merece o capítulo sobre hipocrisia e "mentira vital" (Heuchelei und Lebenslüge), em que o autor estuda importante aspecto geralmente descurado por todas as escolas psicológicas ou de orientação psicoterapêutica, dando aí talvez o mais importante de sua contribuição. Acredita que o indivíduo velho necessitado de psicoterapia freqüentemente teria sua problemática numa contradição entre hipocrisia e "mentira vital", de um lado, e sua aspiração por auto-identificação verdadeira, de outro. Coloca, por exemplo, a hipocrisia como fato importante e cotidiano da vida de cada um de nós, embora descuidado em termos de estudo psicológico, exatamente em função de uma posição moralista (e não realista) em que nos colocamos diante da mesma. Reconhece nela uma "forma de comunicação social", além de outras formas mais próximas do patológico. No último capítulo o autor discute, com visão clínico-prática, a associação de terapia farmacológica e psicológica.

O livro de Petrilowitsch não é de leitura fácil, não chega mesmo a ser sempre agradável. É, entretanto, cheio de conteúdo, denso em experiência e visão crítica de alguém que mostra conseguir se mover com segurança dentro da floresta das concepções doutrinárias da Psiquiatria atual. Por todos os títulos é uma leitura recomendável, não apenas para quem se interessa pela psicoterapia das pessoas idosas, mas também para todos que, de um modo geral se interessem por psicoterapia.

Antonio C. Cesarino

Livros recebidos

Nota da Redação — A notificação dos livros recentemente recebidos não implica em compromisso da Redação da revista quanto à publicação de uma apreciação. Todos os livros recebidos são arquivados na Biblioteca da Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

  • PROBLEME DER PSYCHOTRERAPIE ALTERNDER MENSCHEN. N. Petrilo Witsch. Um volume (16X24) com 138 páginas. Segunda ediçăo aumentada. S. Karger AG, Basel-New York, 1968. Preço: US$ 4,55.
  • PSYCHIATRY AND ART. Irene Jakab, ed. Um volume (16 x 24) com 211 páginas, 114 figuras e 5 tabelas. A. Karger AG, Basel-New York, 1968. Preço: US$ 13,20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    Set 1968
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