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Neurinoma do acústico operado com conservação da audição e sacrifício do ramo vestibular

Operative entfernung eines acusticus neurinoms unter erhaltung des horvermogens bei preisgabe des ramus vestibularis

Acoustic neurinoma surgically removed, with vestibular disfuntion and auditory preservation

REGISTRO DE CASOS

Neurinoma do acústico operado com conservação da audição e sacrifício do ramo vestibular

Acoustic neurinoma surgically removed, with vestibular disfuntion and auditory preservation

Operative entfernung eines acusticus neurinoms unter erhaltung des horvermogens bei preisgabe des ramus vestibularis

Carlos Gama

Chefe da Clínica Neurológica e Neurocirúrgica da Santa Casa de São Paulo (F. I. C. S.)

SUMMARY

Case report of a successfully removed tumor of the left acoustic nerve, in which audition was not only preserved but actually improved. The 15 years old pacient had a two year history which included frequent vomiting, headache, visual disturbances, paresis of the left abducens nerve, diplopia, left hypoacusia, facial asymetry through paresis of the 7th. nerve, voice changes through pharyngopalatine hemiparesis, loss of pharyngeal reflexes, horizontal - nystagmus, deficient equilibrium as evidenced by the Romberg tests. Liquoric analysis showed albumine-cytological dissociation. Erosion - of the tip of the left petrous bone. Operation performed on October 28, 1947, after Jaeger's technique, through a small retromastoideal non osteoplastic craniotomy. Intracapsulary removal of a rounded (3 cm. diameter), hard, smooth, grayish tumor mass, followed by excision of a cyst containing xanthochromic fluid, and removal of the capsule. Histologic examination confirmed the diagnosis of neurinoma. Excellent recovery after operation. After about nine months there is only left a slight dishability of the left hand. Careful repeated examinations reveal that the cochlear division of the left 8th is intact, while the vestibular part is lost (audiometry practically normal; absence of reactions to the caloric test). Left facial and abducens nerves show normal function.

ZUSAMMENFASSUNG

Verf. berichtet fiber die erfolgreiche operative Entfernung eines linksseitigen Acusticusneurinoms in toto bei einem 15 j. Jungen. Das seit 2 Jahren bestehende vielgestaltige Symptomenbild eines raumbeen-genden intracraniellen Prozesses dieses Bezirks mit teils unmittelbaren teils Fernsymptomen wird ausführlich beschrieben. Eine vorangehende, umfassende neurologische Untersuchung, ergànzt durch die ophtalmoskopische, oto-rhino-laryngologische und roentgenologische Kontrolle wird gefordert, um eine frühzeitige Erkennung des Tumors zu erreichen und den Sitz der Geschwulst möglichst exakt vorherzubestimmen. Das verbürgt bereits wesentlich den Erfolg des verbesserten operativen Vorgehens und vermindert erheblich die Gefahren fürden Patienten. Technik und Modifikationen der Operationsmethode werden eingehend geschildert, wobei sich nach den Erfahrungen des Verfassers die Methode nach Jaeger/Philadelphia bisher am best en bewährt hat. Bei dem hier beschrieben Fall, der bisher 1 Jahr lang p.op. beobachtet werden konnte, schwanden nach der geglückten Operation nicht nur die subjektiven Beschwerden fast völlig, sondern es kam darüber hinaus zu einer wesentlichen Besserung des vorher erheblich beeinträchtigten Horvermogens auf der betroffenen Seite. Ausserdem übernahm das bei dieser Operationsmethode vollkommen erhaltene Kleinhirn später die Funktionen des infolge des Tumors ausgefallenen Vestibular apparates. Diese Erfolge rechtfertigen den nachdrücklichen Hinweis auf die Notwendigkeit und die Vorteile der Frühdiagnose und somit der erfolgreichen Frühoperation.

Justifica-se esta publicação por versar sôbre um caso de tumor do acústico, operado com conservação do ramo coclear e apreciável melhoria da audição, e sacrifício do ramo vestibular no qual sediava, porém com readaptação do equilíbrio pelo cerebelo cuidadosamente conservado. Não são desconhecidos casos idênticos e até admite-se uma predominância dos neurinomas de início no ramo vestibular. A constituição do ramo coclear por fibras sensorials é menos propícia à formação desses tumores. Acontece, porém, que, em geral, o diagnóstico de tumor do acústico só é firmado muito tardiamente, quando todo o nervo está comprometido pela neoformação ou pela compressão decorrente. Daí um quadro sintomatológico patognomônico que inclui os indícios do sofrimento coclear, e a surdez apontada como seqüela normal da operação dos tumores do acústico.

Por outro lado, a evolução da tática neurocirúrgica e a melhoria da técnica têm possibilitado intervenções completas nos pontos mais profundos do sistema nervoso com menor traumatismo do tecido nobre e, no caso particular, a retirada dos tumores do ângulo ponto-cerebelar sem o sacrifício parcial do cerebelo e sem grande manuseio desse órgão, possibilitam os resultados brilhantes da suplência vestibular pelo cerebelo.

Quanto aos riscos operatórios, a simplificação da intervenção e a brevidade do período pós-operatório fizeram modificar completamente o conceito clássico de gravidade dos tumores do acústico, que passaram a figurar nas estatísticas neurocirúrgicas com índices favoráveis.

Para tanto, faz-se mister precocidade no diagnóstico neurológico e aprimoramento da técnica operatória. Deveremos doravante prescindir do zumbido e da surdez, que só aparecem com o sofrimento do coclear, como elementos alertadores para a suspeita diagnostica, e encarecer a análise do vestibular, principalmente pelas provas de excitação dos canais semicirculares. Também as modificações da sensibilidade craniana faltam com freqüência em tais casos. As alterações do liqüido cefalorraquidiano e as modificações radiográficas apenas se apresentam quando grandes os tumores.

No caso que passamos a relatar existiam numerosos sinais decorrentes do sofrimento dos nervos vizinhos, mas isso também é mais próprio dos tumores de maiores dimensões.

R. C. P., sexo masculino, 15 anos, branco, brasileiro, solteiro, operário, residente em Indaiatuba, enviado por Dr. Lech Junior (Campinas) em 22-10-1947, registrado sob o n.° 7390. História: Há 2 anos, vômitos freqüentes, cefaléias, sensação de pressão intracraniana ao baixar a cabeça. Há um mês, perturbações visuais, com impossibilidade de desviar o O.E. para a esquerda. Ultimamente, diplopia. Baixa da audição à esquerda. Exame clínico-ncurológica: Assimttria facial cem paresia do facial E. Paralisia do M.O.E. esquerdo, com perda do paralelismo do olhar para a E. Alteração do timbre da voz, que é mais rou-quenh?. e com tendência bitonal. Alteração da sensibilidade do palato mole E., com abolição do reflexo faríngeo. Hipoacusia muito intensa à E. Nistagmos horizontais nos olhares laterais. Reflexos profundos vivos. Equilíbrio deficiente, com quedas nas posições de Romberg.

Exames complementares — Exame neuroeular: Visão normal: Paralisia do reto externo E. (diplopia) e estase incipiente das papilas em A. O., um pouco mais acentuadas em O.E. (Dr. Lech Junior). Exame ncurotorrinolaringológico: Desvio do eixo corporal para a esquerda (?), queda para a esquerda na posição erecta, disdiadococinesia à E. (?); dismetria no membro superior E., desvio do index E. para dentro; paresia do 6.° par à E. (?); paresia na hemiface E., de tipo periférico; hipoestesia cutaneomueosa no 5.° par E.; hemiparesia velofaríngea à E.; nistagmo espontâneo, horizontal, para ambos os lados, mais acentuado para a direita, hipoexcitabiliciade calórica fria do vestibular E., hipoacusia de percepção à E.. Conclusão: Síndrome centra], tipo fossa posterior, predominando à E. Síndrome do ângulo pontocerebelar? (J. E. Rezende Barbosa). Exame do liqüido cefalorraquidiano; Punção suboccipital, deitedo; pressão inicial 23; pressão final 14; volume 18 cm3; Qr-6, Qrd-0.9; aspecto límpido e incolor; cloretos 7,60 por litro; alburrina 0,40 por litro; r. Pandy e Nonne positivas; r. benjoim coloidal 01100.22221.00000.0; r. colofônia 000.000.210.0; r. Takata-Ara positiva (tipo misto); r. Wassermann negativa; r. Kahn negativa; r. para cisticercose negativa (Dr. A. Freitas). Exame radiográjico: Compacta craniana com impressões vasculares pronunciadas. Sela turca com nítidas alterações : adelgaçamento e abaixa-mento do soalho com erosão do dorso, elevação de uma das apófises clinóides anteriores e pequena imagem de calcificação supra-selar: tumor intra e extra-selar (Dr. H. Nascimento). Exame radiográfico ulterior permitiu verificar alterações na ponta da pirâmide esquerda (posições de Schüller e Stenvers).

Operação em 28-10-1947 - Anestesia local com novecaína a 1%, 60 cm.s; Craniotomia occipital esquerda não osteoplástica, atingindo a mastóide e não interessando o foramen magnum; incisão retilínea e paralela à linha mediana, feita a meia distância desta e do bordo da mastóide, e indo da altura da protuberânda occipital externa até à altura de G; retirada de um tumor globoso, duro, liso, acinzentado, medindo aproximadamente 3 cm. de diâmetro, pelo processo intracapsular, e de um cisto anexo cem liqüido xantocrômico e, por fim, da própria cápsula, de forma total. O cerebelo foi apenas afastado para trás. Post-operatório bom; observou-se paresia do facial esquerdo, anestesia do trigêmeo, surdez no ouvido esquerdo. Exame anátomo-patológico: neurinoma (Dr. A. J. Brandi).

Em 9-1-1948, a família informou que o paciente passava muito bem. Em 8-7-1948, novo exame neuroeular demonstrou condições inteiramente normais (Dr. Durval Prado). Repetidos e meticulosos exames neurotorrinológicos feitos Fe^° Dr. Ernesto Moreira, provaram que o ramo coclear foi inteiramente conservado, enquanto que o vestibular do lado esquerdo não reage (audiometria quase normal e ausência de reação às provas calóricas no ouvido esquerdo). Hipoestesia dos ramos mandibular e maxilar superior esquerdo. Facial normal. O paciente queixase de golfadas de saliva espessa na boca, com mau gosto, produzindo náuseas. A voz ainda é fanhosa. Refere também inabilidade na mão esquerda.

COMENTÁRIOS

Trata-se de caso com grande riqueza de sinais, no qual o diagnóstico se impunha. Vem a propósito chamar a atenção para um desvio da orientação clinica verificado com colega de grande preparo e conceito no meio médico, e que é justificável pelas razões que passamos a apontar. Nos casos de obstáculos ao livre trânsito do L.C.R., aumenta a pressão intracraniana independentemente do volume do tumor que, na verdade, não produz quase nunca as altas cifras manométricas encontradas nos bloqueios ventriculares, mas de forma a realizar alterações ósseas de importância no crânio, particularmente ao nível da sela turca, que é o ponto mais frágil. Tais modificações selares induzem, por vezes, ao diagnóstico de tumores intra ou suprasselares, como no caso presente.

Por outro lado, nas sindromes de hipertensão intracraniana, as reações para o lado do aparelho vestibular podem ser de molde a levantar a suspeita da sede do tumor em sua imediação, ainda que situadas em sítios distantes. Também aqui a chave do diagnóstico reside no exame sistemático do comportamento dos canais semicirculares em face das excitações calóricas", rotatórias ou galvânicas. As alterações do equilíbrio, pelas quais se responsabiliza também o cerebelo comprimido, vêm assinaladas nas queixas desses pacientes. A repercussão da hipertensão é sensível nos fundos oculares, e outros nervos cranianos podem dar sinais de sofrimento. Finalmente, a quebra do equilíbrio de funções reguladas principalmente pelo infundíbulo e núcleos do tronco cerebral pode dar repercussões à distância.

Quanto à tática cirúrgica convém salientar, ainda que ligeiramente, a evolução realizada neste setor de neurocirurgia. Em 1905, Cushing preconizava uma incisão em arco de flecha abrangendo toda a bossa occipital; Frazier optava por um traçado em quadrado; Clovis Vincent usava um traçado em ferradura. Mais tarde, em 1912, De Martel revolucionou o problema, indicando as vantagens das operações na fossa cerebelar. ficando o paciente sentado em cadeira apropriada, que se transformava em mesa, permitindo o decúbito caso as condições do operando o exigissem. O próprio De Martel propugnara pelo emprego de incisão retilínea mediana, quer em certos casos graves, quer como primeiro tempo de intervenção, pois naquela época essas intervenções eram feitas em duas ou mais sessões. Como progresso mais recente convém lembrar as incisões retilíneas lateralizadas, retromastóideas, empregadas por Jaeger.

A craniotomia também sofreu, no particular, uma evolução digna de especiais comentários. De início foram realizadas grandes aberturas, osteoplásticas ou não, com tendência a ser ampliadas com larga abertura do foramen magnum, retirada do arco posterior do atlas e até do áxis, para obviar ao cone de pressão descrito por Clovis Vincent e que constituía o terror dos médicos, dadas as freqüentes mortes por engasgamento das amígdalas cerebelares e síncopes bulbares. À medida que a técnica do manuseio do tecido nervoso melhorou, os perigos decorrentes do edema agudo diminuíram e, quando o diagnóstico aperfeiçoou e menores tumores foram enviados para operações, as craniotomias se reduziram, simplificando e tornando menos perigosas as intervenções. Como fase transitória, assistimos às hemicraniotomias ainda com incisões arqueadas de trabalhosa reparação, mas hoje se generaliza o emprego de aberturas limitadas, retromastóideas, invadindo mesmo algumas células pneumáticas, quando estas estejam indenes.

Pode-se dizer que caminhamos para uma cirurgia endoscópica no tratamento operatório dos tumores do acústico, isto é, nos aproximamos do ideal, que consiste em operar precocemente, com diagnóstico seguro, de forma radical, e com o menor traumatismo. Só assim podem ser atendidas as condições exigidas para obter recuperações satisfatórias. No atual momento da neurocirurgia, preenchidas essas exigências, aparecem os casos concretos cuja documentação devemos fazer. Justificam-se então exames objetivos que visam, no diagnóstico, avaliar o grau de sofrimento do tecido nervoso e, no prognóstico, aquilatar a importância da recuperação, ou seja, exprimir em algarismos os fatos observados.

Para o futuro há de se constituir um critério que enquadre os diversos casos nos dois sentidos, dando ao neurocirurgião, de um lado, uma garantia de tranqüilidade para seu trabalho e, de outro, uma exigência para uma técnica que permita, com o mínimo de traumatismo, não agravar as lesões produzidas pela moléstia. Esse critério nascerá no dia em que a evolução da neurocirurgia puder colocá-la como perfeita.

Trabalho apresentado ao V Congresso Inter-americano de Cirurgia reunido em La Paz (Bolívia) em 21-10-1948.

Rua Bahia, 499 - São Paulo

  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2015
    • Data do Fascículo
      Set 1949
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