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In Memoriam

In Memoriam

Com a morte de Edgard Pinto César, perdeu nossa Psiquiatria a 28 de abril de 1974 um grande cultor. Voltado para a pesquisa psiquiátrica, metódico na colheita dos dados tanto neurológicos quanto psiquiátricos, objetivo e comedido na apreciação dos resultados, timbrava em não adiantar hipóteses apressadas. Já na tese inaugural declarava: "Tivemos sempre em mira evitar excessos de interpretação, procurando sempre ser muito fiel na descrição dos fatos observados".

Nascido em Piracicaba a 1.° de janeiro de 1901, matriculou-se em 1922 na Faculdade de Medicina, cujo curso encerrou com brilho, defendendo tese na Clínica Neuriátrica e Psiquiátrica, dirigida por Enjolras Vampré. Dez anos depois, em 1937, conquistou a Docência-livre em concurso de títulos e provas, já na Clínica Psiquiátrica desmembrada da originária; e se houve de modo tão notável que suscitou cumprimentos entusiásticos do insigne Vampré.

Ao iniciar a fase clínica dos estudos médicos, foi interno da Enfermaria do Prof. Ovidio Pires de Campos e, logo depois, em 1925, ingressou na carreira psiquiátrica, como interno acadêmico do Hospital de Juqueri. Daí por diante, sempre na organização psiquiátrica do Estado, a princípio limitada ao Hospital de Juqueri, depois ampliada em Serviço, e ainda ulteriormente em Departamento de Assistência a Psicopatas, exerceu sucessivamente os cargos de alienista em tempo parcial (1928), médico interno em tempo integral (1929-1932), Vice-Diretor da Clínica Psiquiátrica da Capital (1933), Vice-Diretor do Hospital Central de Juqueri (1934-1937) — denominação corrigida então como de Diretor — (1937-1944), Diretor da Clínica Psiquiátrica em substituição (1944) e a seguir como efetivo (1944-1946); como Diretor do Departamento de Assistência a Psicopatas (1947), foi afastado mediante comissão até o ano em que completou 30 anos de serviço público (1955), aposentando-se.

Na defesa da tese inaugural — "Da catatonia e de suas relações com os núcleos opto-estriados" — obteve grande distinção. Faz aí o estudo anátomo-clínico de 10 pacientes: 4 com hipocinésia, 3 com profunda carência de iniciativa, 1 com negativismo e sitiofobia, 1 com esteriotipias e colecionismo, 1 com alternância entre acinesia e agitação. No total de mais de 300 lâminas histológicas examinou células nervosas, fibrilas, neuróglia, fibras mielínicas, documentando as alterações, de tipo degenerativo, que relacionou com o quadro clínico. Em 1932, em alentada monografia, de 96 páginas, sobre "Nosologia psiquiátrica em novas bases", propôs a denominação de "encefalose difusa juvenil" para os quadros da esquifrenia. E em 1939 documentou tal aspecto histopatológico em 5 esquizofrênicas, também do Hospital de Juqueri, porém agora não em estudo pós-morte: recorreu à punção cerebral, atualmente em voga: excelentes microfotografias ilustram as conclusões do autor.

Foi o 8.° Presidente do Departamento de Neuro-Psiquiatria da APM (1938) e recebeu o título de sócio honorário do Centro de Estudos "Franco da Rocha", do qual não poderia ser Presidente por exercer cargo de direção na Assistência a Psicopatas; da Sociedad de Neurologia y Psiquiatria de Buenos Aires e da Sociedad Argentina de Biotipologia y Eugenésia, também de Buenos Aires. Representou o DAP nos Congressos psiquiátricos internacionais de Lima, em 1939, e de Buenos Aires em 1944. Em 1948 integrou a Comissão de 8 membros encarregada pelo Departamento Nacional de Saúde Mental de reformular a Classificação Nacional de Doenças Mentais.

Na Direção do Hospital de Juqueri, pôde revelar a capacidade administrativa que o qualificava. Seguramente, depois de Franco da Rocha, foi Edgard Pinto César quem organizou esse grande Hospital: estruturou o Arquivo Clínico, estabeleceu a datilografia das observações clínicas em duas vias, instituiu os pavilhões de observação inicial, modernizou o fichário clínico nos pavilhões; e a partir de 1936, com a colaboração de Coriolano Roberto Alves, instalou a Secção de Biotipologia, a de identificação datiloscópica de todos os pacientes, e o fichário clínico permanente. Procedeu à revisão e à sistematização dos medicamentos a serem utilizados, e publicou em 1941 o "Formulário do Serviço de Assistência a Psicopatas" do Estado de São Paulo (168 páginas).

Dotado como foi, de capacidade clínica e de pesquisa, dois fatores explicam que não produzisse toda a bagagem científica que seria de esperar: muito cedo, aos 6 anos da carreira clínica, foi absorvido pelos encargos administrativos; e depois, é necessário que se diga, foi afastado do serviço público — a pretexto de proceder ao levantamento dos hospitais psiquiátricos particulares do Estado — desde 1947 até o final da carreira. Privado assim de hospital público desde os 47 anos de idade, só lhe seria possível coligir dados de consultório particular. E daí resultou o livro que se achava em conclusão quando a morte o colheu: "Psicoterapia Dinâmica".

Aníbal Silveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1975
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