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ANÁLISES DE LIVROS

EPILEPSIKIRURGI. HERBERT SILFVENIUS (em colaboração com H. DAHLGREN, E. JONSSON, S. MAGNUSSON, L-A MARKÉ & A. NORDLUND). Stockholm: SBU Statens Beredning för Utvärdering av Medicinsk Metodik, 1991 (ISBN 91-87890-09-7). Um volume (20 x 26cm) em brochura, com S6 páginas de texto em sueco. (SBU, Box 16158, S-103 24 Stockholm, Suécia).

O Conselho Sueco de Avaliação Técnica dos Serviços de Saúde (SBU) é autarquia do Reino da Suécia com o encargo de avaliar aspectos médicos, sociais e econômicos do desempenho de métodos novos e tradicionais em medicina, e de estabelecer estratégias para a introdução de métodos novos e mais eficientes em substituição de métodos correntes. Os relatórios do SBU, redigidos por expertos e revisados por grupo multidisciplinar, apresentam macroanálises da experiência internacional e local de modo objetivo, útil para especialistas e apresentados em termos de fácil leitura para médicos não-especialistas. O presente relatório sobre o tratamento cirúrgico das epilepsias é composto de duas partes: uma revisão abrangente do conhecimento atual das epilepsias e suas possibilidades terapêuticas; um resumo com recomendações, redigido por expertos do SBU.

Docente Silfvenius, com a autoridade que lhe confere vasta experiência no tratamento cirúrgico das epilepsias nos Departamentos de Neurocirurgia das Universidades de Umea e de Göteborg, aborda o tema de modo didático e apresenta a experiência da escola neurológica e neurocirúrgica sueca. Introdução sobre a natureza das crises epilépticas e descrição geral dos aspectos anatômicos e localização funcional do encéfalo precede exposição dos critérios e métodos diagnósticos, etiologia e epidemiologia endereçadas ao não-especialista. Entre 5 e 10% da população sueca apresentam em seu período de vida ao menos um episódio agudo que se suspeita de natureza epiléptica e recomenda-se investigação em todos esses casos. Estima-se que existam 100.000 pacientes com epilepsia na Suécia e que controle medicamentoso adequado é alcançado em cerca de 70% dos casos. A necessidade de extensa investigação pré-operatória de pacientes com crises farmacoresistentes é enfatisada: exame clínico e neurológico, neurofi-siologia, diagnóstico com imagens (tomografia computadorizada, ressonância magnética, SPECT e PET), investigação da lateralização funcional (teste de Wada), exame neuropsicológico e psiquiátrico convencionais, e avaliação psicosocial. O plano terapêutico deve ser individualizado para cada paciente. A propedêutica invasiva, com implantação de eletrodos subdurais, epidurais e profundos, com registro do EEG combinado a videofilme, é realizada quase como rotina e por vezes repetida após uma cirurgia que inicialmente não trouxe o resultado esperado. A importância do momento clínico da cirurgia é enfatizada: em caso de lesões hemisféricas extensas a cirurgia é recomendada até mesmo em pacientes com apenas alguns meses de idade; a maioria desses casos é operada com idades entre 6 meses e um ano. Pacientes adultos são comumente operados entre 25 e 45 anos de idade e a prática corrente contraindica cirurgia em pacientes acima de 60 anos. As diversas técnicas cirúrgicas atualmente em uso, como topectomia, lobectomia, hemisferectomia, calosotomia, estereotaxia convencional e radiocirúrgica, são descritas em detalhe, bem como as particularidades da electrocorticografia transoperatória e das técnicas anestésicas especiais para esse tipo de procedimento. A morbidade e mortalidade - são em geral mínimas e os resultados obtidos, seja no plano curativo como no paliativo, dependem da correta seleção dos pacientes e dos métodos. Na Suécia o resultado cirúrgico é considerado bom ou excelente em 50 a 70% dos pacientes operados. A importância da reabilitação social após a cirurgia é enfatizada.

Particularmente interessante é o capítulo 9, que trata da cirurgia das epilepsias na Suécia de uma perspectiva histórica e atual. De 1922 a 1979 realizaram-se 693 cirurgias desse tipo na Suécia. Uma série particularmente bem documentada desse período concerne ao Hospital Karo-linska em Stockholm onde, de 154 pacientes operados com lobectomia temporal, 47% tornaram-se livres de crises, 24% apresentaram significativa redução da frequência de crises e 29% não se beneficiaram da cirurgia. De 1980 a 1988 foram operados 183 pacientes na Suécia, e em 1988-89 mais 64 casos. O seguimento de 159 desses casos recentes, operados em quatro centros regionais (Umea, Göteborg, Lund e Uppsala) é relatado. Destel, 120 pacientes tinham epilepsia de causa não tumoral, dos quais 78 eram adultos (idade 23 anos em média, com uma variação entre 17 e 60 anos) e 42 eram crianças entre 6 meses e 16 anos de idade. Os focos epilépticos foram localizados no lobo temporal em 68% dos casos, no lobo frontal em 16% e em outra

localização em 16%. A tomografia computadorizada mostrou uma lesão focal em apenas 30 desses casos. Ressonância magnética é atualmente disponível em todos esses centros e empregada como rotina. SEPECT («single protón emission computer tomography») tem se mostrado de particular valor na localização do foco epileptogênico. A calosotomia, considerada cirurgia paliativa, foi realizada em 8 casos (com técnica microcirúrgica, não estereotáxica), sendo os demais operados com ressecções de diversa magnitude. O resultado para os casos não tumorais foi total controle das crises em 48%, redução significativa da frequência de crises em 31% e nenhum benefício da cirurgia em 21%. A mortalidade cirúrgica foi zero e sequelas psiquiátricas ocorreram em casos isolados de Umea. Mortalidade tardia relacionada a epilepsia ocorreu em um único caso.

O relatório inclui três apêndices com estimativas do custo de centros especializados em investigação das epilepsias terapiaresistentes, equipamento e pessoal necessário e custo social do tratamento das epilepsias. A lista bibliográfica traz 363 referências.

Entre as recomendações do grupo de expertos do SBU destacam-se: 1) é necessário dirigir mais recursos para o tratamento das epilepsias, dado que parte considerável dos pacientes suecos não se beneficia dos recentes avanços farmacológicos e principalmente cirúrgicos; 2) todos os casos de epilepsia não controlada por terapia convencional devem ser referidos a centros regionais especializados para avaliação mais detalhada (estima-se que cerca de 100 novos pacientes são adicionados a essa categoria a cada ano); 3) apenas cerca de 50% dos casos investigados nesses centros são candidatos a cirurgia após exaustiva investigação; 4) cada equipe cirúrgica engajada nesse tipo de cirurgia deve operar no mínimo de 15 a 20 pacientes por ano para desenvolver e preservar adequada competência cirúrgica; 5) estima-se que na Suécia sejam necessários quatro centros de investigação e até três clínicas neurocirúrgicas competentes; 6) tão importante quanto a investigação e a cirurgia é a reabilitação social dos pacientes operados e em especial dos pacientes com epilepsia terapiaresistente excluídos no processo de seleção da cirurgia; 7) parte significativa dos pacientes que podem se beneficiar do tratamento cirúrgico pertence à faixa etária infantil, sendo portanto importante que médicos com competência em Neuropediatria sejam disponíveis em todo o país, bem como que se dirijam mais recursos para a reabilitação de pacientes nessa faixa etária; 8) é necessário incentivar a pesquisa em epilepsia, em especial no que concerne as formas clínicas de epilepsia na infância. O grupo de expertos reconhece que a Suécia, e mesmo toda a Escandinávia, tem uma população relativamente pequena e que estudos controlados por métodos estatísticos convencionais de avaliação dos resultados são desse modo impraticáveis. Isso porém não impede que cada caso seja acompanhado e documentado em detalhe.

Sandro Rossitti

EPILEPTOGENIC AND EXCITOTOXIC MECHANISMS. R. FARIELLO, G. AVANZINI, U. HEINEMANN, R. MUTANT, editores. Um volume (17 x 24,5 cm) com 158 páginas. London: John Libbey & Co, 1993. (John Libbey & Co Ltd, 13 Smiths Yard, Summerley Street, London SW 18 4 HR, England, UK).

Em Janeiro de 1992, em Erice (Itália), realizou-se o Segundo Curso Avançado de Epileptologia da Liga Italiana contra Epilepsia (LICE). As conferências relacionadas aos mecanismos básicos da epilepsia foram coletadas e resultaram neste livro, que constitui o Volume 8 da série «Current Problems in Epilepsy».

O livro compõe-se de 14 capítulos, em que se abordam inicialmente os modelo® animais em epilepsia, do que provém grande parte dos conhecimentos em epileptologia atualmente. A seguir são abordados mais especificamente modelos e mecanismos básicos de epileptogênese focal e generalizada. O papel dos diversos neurotransmissores é discutido em vários capítulos: o GABA, pela sua importância, é focado em dois capítulos a parte, assim como a ação de diversos neurotransmissores e íons envolvidos direta ou indiretamente na epileptogênese. Os mecanismos de ação das drogas antiepilépticas são discutidos em face da necessidade de modelos de epilepsia e não só de modelos de crises epilépticas em animais. O fenômeno de «kindling» merece também especial atenção em dois capítulos específicos. Quanto aos aspectos relacionados à excitotoxicidade, discutidos em todo o livro, é dada ênfase aos relacionados ao cérebro em desenvolvimento, em capítulo particularmente interessante. Além disso, há seção especialmente voltada para os modelos ontogenéticos em epilepsia, que auxiliam a compreensão de desordens epilépticas ocorrendo logo após o nascimento. Em todos os capítulos há extensa revisão de literatura, fornecendo atualização perfeita para o leitor.

A abordagem clínica e terapêutica das epilepsias deve ser sempre baseada nos indispensáveis conhecimentos que advêm da pesquisa básica sobre o tema. Assim, esta obra, por oferecer visão global de mecanismos básicos das epilepsias, além de fornecer, em linguagem acessível, conceitos atuais de modelos experimentais neste campo, torna-se importante para todos os que se interessam pelo assunto das Epilepsias.

Mônica Santoro Haddad

ORGANISK PSYKIATRI: TEORETISKA OCH KLINISKA ASPEKTER. GÖRAN LINDQVIST & HELGE MALMGREN. Stockholm: Almqvist & Wikseil (Norstedts Förlag AB), 1990. Um volume (16x23 cm) encadernado, com 385 páginas de texto em sueco (ISBN 91-20-09006-4).

A presente monografia apresenta uma teoria geral da natureza dos distúrbios psíquicos orgânicos e um novo sistema para classificação e diagnóstico baseado nessa teoria. Göran Lindqvist é livre-docente em Psiquiatria na Universidade de Göteborg, tendo dedicado muitos anos de sua atividade profissional à Clínica Neurocirúrgica do Hospital Sahlgrenska em Göteborg (onde um psiquiatra é membro permanente do staff em tempo integral). Helge Malmgren é livre-docente em Filosofia Teórica na Universidade de Göteborg e médico com experiência em Psiquiatria.

A psiquiatria orgânica é conceituada e sua abrangência delimitada no capítulo I. Lesões cerebrais podem resultar em sintomas psíquicos e muitos desses pacientes são remetidos a psiquiatras, seja para uma simples avaliação, seja para tratamento. Do ponto de vista clínico, à psiquiatria orgânica concerne o diagnóstico e tratamento psiquiátrico de pacientes com sintomas mentais resultantes de distúrbios da função cerebral com etiologia bem estabelecida como de natureza somática (e.g. traumatismo crânio-encefálico, tumores cerebrais, hidrocéfalo, hemorragias e tromboses intracranianas, infecções do sistema nervoso, endocrinopatias e eclâmpsia). Atualmente, o termo «orgânico» tende a ser considerado obsoleto, na medida em que a hipótese de que todos os distúrbios mentais têm base biológica é em geral aceito — sugere-se até que a expressão «distúrbio mental orgânico» seja substituída por «distúrbio mental secundário» na próxima DSM-IV. Os autores consideram que a simples substituição do termo orgânico por secundário não é suficiente para prevenir desentendimentos no plano filosófico. A interpretação correta da interação de fatores etiológicos psíquicos e orgânicos, a definição de um diagnóstico e tratamento adequados, bem como a (inevitável) questão concernente ao prognóstico, é tarefa reconhecidamente difícil.

O sistema de Lindqvist e Malmgren não segue a abordagem rigidamente operacional que tem dominado o pensamento psiquiátrico nas últimas décadas. Os conceitos são fundamentados tanto em observações empíricas como em considerações teóricas. As bases epistemológicas e semânticas da teoria são discutidas no capítulo II, que inclui também uma discussão geral sobre os sistemas de classificação e diagnóstico dos distúrbios psiquiátricos. Os autores consideram que os sistemas de classificação e critério diagnóstico correntes (DSM-III e DSM-III-R) tão em princípio inadequados, por terem sido desenvolvidos na ausência de uma teoria psico-patogênica geral e de modo isolado do atual desenvolvimento da filosofia da ciência. Esses sistemas baseiam-se em teorias sobre a semântica de definições operacionais abandonadas há algumas décadas pelos filósofos da ciência de linha empiricista. Segundo os autores, aceitaram-se nesse sistema termos com definição semântica imprecisa, convidando a raciocínio simplista e superficial, desse modo comprometendo a prática clínica que se torna assim inconsequente. A abordagem geral da DSM-III e DSM-III-R é descritiva e de modo geral sem implicação etiológica. Uma visão clara, coerente e clinicamente aplicável dos distúrbios psiquiátricos é impossível se os conceitos fundamentais do sistema diagnóstico não se referirem a um grau mais profundo que o meramente observacional. Entusiastas ortodoxos do DSM-III-R devem considerar reacionárias as idéias de Lindqvist e Malmgren, uma tentativa de reestabelecer na psiquiatria a abordagem nosológica clássica desenvolvida por autores como Wemicke, Charcot, Bleuler e Jasper, profundamente embasada na filosofia analítica de seu tempo. Em ciência, como em atitudes do dia-a-dia, ortodoxia é fonte de preconceitos e obstáculos ao progresso. O progresso científico pode ser descrito de modo geral como uma curva assimptótica, que se aproxima mas jamais alcança o limite. Sistemas como o DSM-III-R são adaptativos e não vejo razões para que a teoria de Lindqvist e Malmgren não seja usada para aprimorar ainda mais esse sistema. Ambos têm, em comum, forte embasamento fenomenológico, o que considero um bom ponto de partida para desenvolvimento mútuo.

O capítulo III é concernente às seis síndromes fundamentais da psiquiatria orgânica definidas pelos autores: distúrbio asteno-emocional (AED), sonolência-torpor-coma (SSCD), alucinação-cenestopatia-despersonalização (HCDD), distúrbio confusional (CD), embotamento emotivo-motivacional (EMD) e distúrbio amnéstico de Korsakoff (KAD) — traduzo os termos literalmente. São descritas as etiologias mais comuns, os sintomas típicos, a evolução de cada síndrome e algumas formas de interação entre elas. Os conceitos diagnósticos tradicionais em psiquiatria (com ênfase na escola centroeuropéia) bem como as definições do DSM-III-R são apresentados em detalhe. Seu grau de adequação às categorias diagnosticas do novo sistema é criticamente testado neste capítulo e no que se segue. Os autores são particularmente minuciosos quanto à terminologia, que é multilinguística e relaciona também conceitos alternativos encontrados na literatura. O distúrbio asteno-emocional (caracterizado por dificuldade de concentração e memória, fatigabilidade, irritabilidade e instabilidade emocional e, nas formas mais severas, reduzida capacidade de abstração e de associação) recebe particular ênfase por ser, na experiência dos autores, a síndrome mais frequente em psiquiatria orgânica, especialmente em suas formas leve e moderada. As características das síndromes básicas do novo sistema recentemente sumariadas em inglês (infelizmente sem a minuciosa análise semântica e terminologia alternativa) e não vejo razões para descrevê-las em detalhe nesta resenha — a referência é citada a seguir.

Outras síndromes psiquiátricas de relevância, suas interações com as seis síndromes principais e suas implicações no diagnóstico diferencial são sumariadas no capítulo IV: alucinações auditivas, euforia, mania, angústia, depressão, estados esquizofreniformes e paranóides, distúrbios sexuais, comportamento agressivo e exaustão psíquica. No capítulo V são sumariados alguns testes psicométricos úteis na avaliação desses distúrbios. O texto conclui com onze relatos de caso comentados.

A bibliografia (231 referências) abrange textos clássicos de psiquiatria e neurologia desde Esquirol (1838). O índice de autores e de palavras-chave foi impecavelmente preparado. O próprio livro pode tornar-se um clássico, porém seguramente deve gerar controvérsias e é de difícil acesso por ser escrito em sueco. Para maior difusão internacional o sistema foi recentemente sumariado em inglês, em Lindqvist G, Malmgren H: Classification and diagnosis of organie mental disorders. Acta Psychiatr Scand 1993, V0l 88, Suppl 373 (esse suplemento abrange também estudos sobre hidrocéfalo de pressão normal; a teoria de Lindqvist e Malmgren ocupa as páginas 5-17 e 33-64). Recomendo o livro ou sua versão resumida para neurologistas e psiquiatras. O livro pode também ser lido com proveito por todos os interessados em localização funcional no cérebro, na relação cérebro-mente e em filosofia da ciência.

Sandro Rossitti

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Nov 1993
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