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Demência semântica

CORRESPONDÊNCIA CORRESPONDENCE

DEMÊNCIA SEMÂNTICA

Ao Editor - Como é minha rotina, li com atenção os artigos dos Arquivos de Junho de 2005, entre eles "Demência semântica: avaliação clínica e de imagem. Relato de caso. Arq Neuropsiquiatr 2005;63:348-352", de L. Caixeta e L.L. Mansur.

Eu gostaria de cumprimentar os autores pela qualidade da apresentação do caso, e, respeitosamente, sugerir que sua afirmativa de que não existem "casos autóctones" seja corrigida. Nós publicamos um caso semelhante há 16 anos, nos primórdios internacionais dos conceitos sobre demências frontais, quando ainda se discutiam os limites exatos de doença de Alzheimer (Oliveira SAV, Castro MJMO, Bittencourt PRM. Slowly progressive aphasia followed by Alzheimer's dementia: a case report. Arq Neuropsiquiatr 1989;47:72-75). O caso era autóctone: o paciente pertencia a uma tradicional família brasileira. Da mesma maneira, a afirmação sobre o "relativo desconhecimento desta forma de demência no Brasil", precisa ser revista.

Imagino que nosso artigo não tenha sido revisado pelos autores pela sua antigüidade. Pode até ser um elogio indireto, que nossa publicação tenha sido muito precoce para um artigo nacional: seria o quarto mais antigo da revisão bibliográfica dos autores, publicado 7 anos após a descrição original de Marcel Mesulam. Segundo discussão em recente congresso brasileiro de neurologia, após uma mesa redonda sobre demências frontotemporais (Nitrini R, comunicação pessoal, 2002), nossa publicação fez a primeira menção à doença de Alzheimer na literatura neurológica brasileira. Portanto, faz parte da história dos estudos das demências no Brasil. É claro, passou mesmo crivo editorial que o artigo de Caixeta e Mansur.

O artigo original contém uma tomografia computadorizada que exemplifica o mesmo achado que o artigo recente descreve com uma imagem de ressonância magnética. Esta é a contribuição da descrição de caso de Caixeta e Mansur.

Paulo R.M. de Bittencourt

Membro Titular da Academia Brasileira de Neurologia, 1982

Fellow da American Academy of Neurology, 1991

Resposta dos Autores - Agradecemos o interesse demonstrado, bem como os elogios exarados pelo Dr. Paulo Bittencourt, referentes ao nosso artigo sobre demência semântica, publicado em junho nos Arquivos de Neuro-Psiquiatria. O colega sugere, entretanto, que seja revista a caracterização do caso como sendo o primeiro de um paciente brasileiro portador de demência semântica relatado na literatura científica, posto que defende seu pioneirismo neste assunto ao publicar em co-autoria um caso de afasia lentamente progressiva em 19891. Sugere ainda a revisão do comentário que fizemos sobre o "relativo desconhecimento desta forma de demência no Brasil".

Quanto à primeira questão, devemos dizer que o excelente artigo de Oliveira et al.1 foi pioneiro na caracterização de um caso brasileiro de afasia lentamente progressiva (provavelmente da forma não-fluente), mas não de demência semântica. Os conceitos de demência semântica (nosso caso) e afasia lentamente progressiva (caso do Dr. Paulo Bittencourt) são diferentes, ainda que guardem algumas semelhanças clínicas e possam, em alguns casos, compartilhar a mesma histopatologia. Neste sentido, diga-se de passagem, fizemos breve histórico em nosso artigo das divergências existentes na abordagem nosográfica destas entidades clínicas. É assim que, dentro da perspectiva de Marcel Mesulan2, a afasia progressiva primária-APP (mais precisamente o subgrupo de pacientes com afasia tipo fluente) englobaria a demência semântica (denominação que, inclusive, rejeita), opinião contestada por Julie Snowden3, para quem os casos de Mesulan se referem a uma outra entidade nosológica diferente da demência semântica. De fato, existem muitas diferenças mesmo quando comparamos a forma fluente da APP com a demência semântica. Nesta última condição, o comprometimento da cognição parece mais prevalente (quando comparado à forma fluente da APP), afetando o reconhecimento de palavras e objetos, associados à prosopagnosia, características geralmente relacionadas à disfunção temporal bilateral4,5. Acresce-se o fato de que a discalculia, freqüente na APP2, não está presente na demência semântica até as fases tardias da doença3. Diferentemente do que o Dr. Paulo Bittencourt afirma, a tomografia computadorizada de crânio (TCC) que ilustra seu artigo não descreve o mesmo achado da ressonância magnética (RM) de nosso paciente. A TCC de seu paciente ilustra um achado típico da APP (e não da demência semântica): atrofia mais marcante na região perisylviana esquerda. Já a RM de nosso paciente é clássica da demência semântica: atrofia bitemporal assimétrica. Sutis diferenças que representam muito para um diagnóstico diferencial. Também não consideramos correta a afirmação de que a RM foi a única contribuição do caso, posto que apresentamos estudo de neuroimagem funcional (SPECT), além de cuidadosa avaliação neuropsicológica e avaliação de linguagem específica para distúrbios semânticos, bem como discutimos a posição desta forma de demência no contexto do grupo das degenerações lobares frontotemporais, elementos que não fizeram parte do artigo de Oliveira et al. Por último, ainda quanto à ausência de artigos sobre casos autóctones no Brasil, fizemos levantamento no Medline com a palavra-chave 'Semantic Dementia' e não encontramos casos brasileiros desta condição até a data de envio do artigo para esta revista.

Quanto à segunda questão, nossa defesa de que a demência semântica constitui ainda uma ilustre desconhecida na maior parte da classe médica no Brasil, não deveria causar estranheza se considerarmos a origem recente deste constructo diagnóstico, o qual remonta à década de 1980. Nossa afirmação foi embasada em nossa experiência de divulgação deste grupo de demências e em enquête que temos feito ao redor do país sobre o tema. Todos os casos acumulados até o momento foram-nos encaminhados com o diagnóstico equivocado de doença de Alzheimer (caso, inclusive, do paciente relatado no artigo). É óbvio, entretanto, que a situação dos núcleos universitários e outros centros de excelência é diferente, onde existe constante difusão de novos conhecimentos, atualização e reciclagem de seus membros, oportunidades ainda raras se considerarmos a realidade da maior parte dos médicos no Brasil.

REFERÊNCIAS

1. Oliveira SAV, Castro MJMO, Bittencourt PRM. Slowly progressive aphasia followed by Alzheimer's dementia: a case report. Arq Neuropsiquiatr 1989;47:72-75.

2. Mesulan MM. Principles of behavioral and cognitive neurology. Oxford: Oxford University Press, 2000: 455-458.

3. Snowden JS, Neary D, Mann DMA. Fronto-temporal degeneration: fronto-temporal dementia, progressive aphasia, semantic dementia. London: Churchill Livingstone, 1996: 91-114.

4. Hodges JR, Garrard P, Patterson K. Semantic dementia. In Kertesz A, Munoz DG. (eds). Pick's disease and Pick complex. Wiley-Liss, 1998: 83-103.

5. Snowden JS, Griffiths HL, Neary D. Progressive language disorder associated with frontal lobe degeneration. Neurocare 1996;2:429-440.

Leonardo Caixeta

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2005
  • Data do Fascículo
    Set 2005
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