Acessibilidade / Reportar erro

Heredodegeneração cerebelo-espinhal. Antonio R. Melo

ANÁLISES DE LIVROS

Heredodegeneração cerebelo-espinhal. Antonio R. Melo. Tese de docência, Rio de Janeiro, 1 vol. - Separata de Arquivos Brasileiros de Medicina, vol. 33, números 3, 4, 7 e 8 - 1943

O A. salienta inicialmente o interesse do assunto, decorrente sobretudo do "conhecimento das formas abortadas, parcelares ou oligossintomáticas e do conhecimento dos traços de união entre as diversas enfermidades nervosas heredofamiliais." Expõe o conceito desse grande grupo de afecções degenerativas, citando especialmente os trabalhos fundamentais de Raymond que, já em 1905, sustentava a falta de limites entre as diversas enfermidades familiais do sistema nervoso, os trabalhos de Austregésilo (1918) sobre o parentesco entre atrofia neurítica tipo Charcot-Marie, atrofia Déjerine-Sottas e o mal de Friedreich, e as verificações de Guillain e Mollaret, que propuseram a denominação de heredodegeneração espinhocerebelar para o agrupamento dessas afecções familiais. Melo assinala a conveniência de ser adotada a denominação proposta por Austregésilo (1940) - heredodegeneração cerebelo-espinhal - em razão do "maior acometimento do cerebelo e suas vias, bem como pela maior nitidez das manifestações clínicas de feitio cerebelar".

Nos capítulos seguintes, o A. detém-se no estudo da enfermidade de Friedreich, da atrofia girata da coróide e da retina, da heredo-ataxia cerebelar de Pierre-Marie, da atrofia óptica hereditária de Leber e da paralisia espinhal familial de Strümpell, passando em revista a respetiva sintomatologia, diagnóstico diferencial, formas de transição e formas abortadas, anatomia patológica. Valiosas observações pessoais documentam cada um dos assuntos focalizados. Assim, a propósito da doença de Friedreich, 4 famílias são estudadas: na primeira, entre seis irmãos, dois apresentavam rica sintomatologia nervosa e ocular e dois outros, sintomas neuroculares frustos; na segunda, dois irmãos, entre oito, foram acometidos pela moléstia; na terceira, tratava-se de um caso esporádico da afecção, com sintomatologia clássica; na quarta, tratava-se de dois primos, exibindo sintomatologia semelhante (distúrbios neurológicos, oculares e endócrinos).

A propósito das alterações heredodegenerativas oculares, o A. estuda a atrofia girata da coróide e da retina, analisando o histórico, a sintomatologia, evolução e sua etiopatogenia, bem como as correlações entre as diversas heredodegenerações retinianas e a associação da atrofia coreo-retiniana às heredodegenerações cerebelo-espinhais. Relata, a respeito, a observação de um paciente portador de perturbações da série Friedreich, transtornos endócrino-metabólicos, distúrbios oculares do tipo da atrofia girata da coróide e da retina e malformação óssea e espinha bifida da 5.ª lombar. Refere ainda as observações de dois casos, o último dos quais é particularmente digno de destaque por ter sido estudado, também, sob o ponto de vista anátomo-patológico.

No capítulo seguinte, o A. aborda as caraterísticas da heredo-ataxia cerebelar de Pierre-Marie (sintomatologia, evolução, formas clínicas e anatomia patológica), relatando, a propósito, a observação de 3 irmãos. No primeiro destes casos tratava-se de uma forma de transição entre a heredo-ataxia de Marie e a amiotrofia Charcot-Marie. No segundo, estavam presentes sinais de acometimento espinhocerebelar, sinais de acometimento supra-espinho-cerebelar e transtornos tróficos (amiotrofias nas extremidades distais dos membros); a autópsia, havendo revelado, além de lesões do cerebelo, a existência de esclerose combinada dos feixes cerebelares, piramidais e do feixe de Goll, tal como na doença de Friedreich, comprovou o parentesco entre a heredo-ataxia cerebelar de Marie, a atrofia de Charcot-Marie e a moléstia de Friedreich, "ramos duma mesma árvore, elos duma mesma cadeia". No terceiro caso, o diagnóstico de heredo-ataxia de Pierre-Marie se impunha em razão da sintomatologia presente.

Depois, o A. trata da atrofia óptica hereditária de Leber, estudando a sintomatologia, anatomia patológica e sua associação com manifestações nervosas; refere a observação de um caso no qual, além da atrofia óptica, existiam sinais piramidais e cerebelares discretos. Finalmente, estuda a paraplegia espasmódica familial de Strümpell, considerando sua sintomatologia e formas intermediárias; a propósito, relata a observação de um enfermo em cuja família se registraram cinco casos de moléstias semelhantes.

A publicação é documentada com 16 observações e fartamente ilustrada (51 fotografias) destacando-se os casos anátomo-clínicos (observações 12 e 13). A propósito de cada uma dessas observações, o A. tece oportunos e justos comentários, discutindo suas particularidades mais notáveis. Trata-se, pois, de magnífica monografia sobre as enfermidades degenerativas cerebelo-espinhais que representa, sem dúvida, uma das mais importantes contribuições da escola neurológica brasileira para o estudo de tão interessante e complexo tema.

O. F. Julião

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1944
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org