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Formação, absorção e circulação do líqüido cefalorraquidiano: Resultados dos estudos com isótopos radioativos

ATUALI Z AÇÃO

Assistente voluntário da Clínica Neurológica da Fac. Med. da Univ. de São Paulo (Prof. A. Tolosa)

Schryock e col.2 salientam que desde a publicação dos trabalhos de Weed foram estabelecidos os seguintes itens acêrca da formação, absorção e circulação do liqüido cefalorraquidiano (LCR): 1 - os plexos corióides elaboram o LCR e representam sua principal fonte; 2 - há pequena formação de LCR nos espaços perivasculares do sistema nervoso central; 3 - o LCR formado nos plexos corióides dos ventrículos laterais passa para o terceiro ventrículo pelos buracos de Monro e, pelo aqueduto de Sylvius, vai para o quarto ventrículo e, dêste, passando pelos orifícios de Luschka e Magendie, se escoa para o espaço subaracnóideo; 4 - há formação de LCR também nos plexos corióides dos terceiro e quarto ventrículos; 5 - a partir da cisterna magna, já no espaço subaracnóideo, o LCR banha a medula e, circulando rostralmente, atinge as cisternas da base do cérebro e o espaço subaracnóideo periencefálico; 6 - a absorção do LCR se faz especialmente pelas vilosidades aracnóideas que penetram nos seios venosos intracranianos e, em menor quantidade, através das bainhas pia-aracnóideas que envolvem as raízes raquianas e dos nervos cranianos, atingindo, por essa via, os vasos linfáticos situados fora das meninges.

Desde então inúmeras foram as discussões levantadas em tôrno dêstes problemas, advindas da aquisição de novos argumentos de ordem morfológica ou funcional, ou resultantes do estudo de observações clínico-patológicas.

O emprêgo dos isótopos radioativos trouxe novos elementos para o estudo dos problemas da formação, absorção e circulação do liqüido cefalorraquidiano, acumulando-se até o presente - decorridos quase 15 anos desde a sua introdução - novos conhecimentos que permitem melhor compreensão da dinâmica do sistema liquórico.

Considerando o interêsse que para a Clínica Neurológica representam êstes novos conhecimentos, empreendemos esta revisão, na qual os aspectos fundamentais são agrupados segundo estejam relacionados com o comportamento da água, dos eletrólitos e de proteínas no LCR.

ESTUDOS COM A ÁGUA

Sweet e col.4 citam diversos estudos em que foi empregada a água pesada (D20) associada ou não com o sódio marcado (Na24), seja em animais (Sweet, Solomon e Selverstone) ou no homem (Sweet e Locksley; Sweet, Selverstone, Soloway e Stetten; Boldrey, Low-Beer, Stern e Adams; Low-Beer; Merrit e Fremont-Smith), pelos quais foi verificado que as moléculas de água pesada entram (formação) e saem (absorção) do LCR em toda a extensão dos compartimentos ventriculares e subaracnóideos. Entretanto, a velocidade de entrada e de saída da água varia conforme o local; quando comparada com a do Na24, ela é 250 vêzes mais rápida que a dêste ion na cisterna magna e apenas 8 vêzes mais rápida nos ventrículos. Tanto Bering como Merrit e Fremon-Smith, também citados por Sweet e col.4, admitem que a D20 assim se comportaria em virtude de dois fatôres: extensão da área (o espaço subaracnóideo tem área maior que os ventrículos, permitindo maior passagem da D20); espessura da parede a atravessar (as membranas do espaço subaracnóideo têm maior espessura que as dos plexos corióides e do epêndima).

Por êstes mesmos estudos foi verificado que não existe uma corrente liqüida, isto é, uma quantidade de massa liqüida circulante "no sentido de um rio que corre" e, sim, uma constante renovação ou fluxo em todos os locais, no sentido de manutenção de determinado equilíbrio dinâmico5.

ESTUDOS COM ELETRÓLITOS

Pesquisas com isótopos de ions que entram na composição normal do LCR - Na24, K42, Cl38 e P32 - mostraram que tais elementos entram no sistema liquórico e dêle saem com curvas de radioatividade semelhantes, isto é, curvas obtidas a partir das percentagens de detecção dos isótopos, tanto no sangue como no liquor, em determinados tempos após a injeção do elemento radioativo (Sweet, Solomon e Selverstone; Benda, Planiol, Tubiana e Constans; Boldrey, Low-Beer e Stern; Low-Beer; Sweet e Locksley, todos citados por Sweet e col.4).

Entretanto, há diferenças quanto à velocidade com que o fazem; esta velocidade é maior na região ventricular (em minutos) que na cisterna magna e na região espinal lombar (em horas). Mesmo assim, a velocidade de passagem dêsses ions no LCR é muito lenta em comparação com a do Na24 no fluido extracelular ou em outras partes do corpo humano3; assim, 78% do Na plasmático, no homem, é trocado em cada minuto com o sódio extracelular; uma pequena quantidade de Na24 injetada por via intravenosa é misturada completamente nas veias e artérias de todo o corpo no prazo de 3 minutos. Por aí se vê que, sendo as curvas de radioatividade obtidas no LCR em minutos ou horas, os eletrólitos se misturam muito lentamente, sendo muito lenta sua difusão no sistema liquórico. Neste particular já vimos que não há massa liqüida circulante de LCR; seus componentes não "circulam" mas se difundem lentamente, não havendo pròpriamente direção ou sentido de "circulação"; os componentes podem ir em direção ântero ou retrógrada1 conforme as condições dinâmicas locais. As diferenças de concentração dêstes ions podem, provàvelmente, ser explicadas pela maior ou menor diluição em que se encontram, conforme os locais de maior ou menor troca de água.

Outros ions também foram estudados, na sua forma radioativa, como sejam o Br, Rb, Sr, Ρ e I (Greenber, Aird, Boelter, Campbell, Cohn e Murayama, conforme citam Sweet e col.4), tendo sido verificado que tais ions sofriam retardo em seu aparecimento nos ventrículos, fazendo supor que os plexos corióides tenham papel secretor, seletivo, ou "constituam" fator de impedimento; êste retardo foi observado em intensidade diversa para cada um dêsses ions, na ordem decrescente acima citada, segundo seus pêsos atômicos. Com o Br e Ur (Sweet, Luessenhop e Gallimore, citados por Sweet e col.4) o mesmo fato foi verificado em relação aos ventrículos; já no espaço subaracnóideo a difusão foi mais fácil, o que fala a favor de um papel seletivo mais acentuado ao nível dos ventrículos.

ESTUDOS COM PROTEÍNAS

Empregando a albumina humana marcada com I131 (RISA) referem Greenberg, Aird, Boelter, Campbell, Cohn e Murayama e também Wasser-mann e Mayerson (citados por Sweet e col.4) que esta proteína pode entrar diretamente nos ventrículos ou no espaço subaracnóideo, fazendo-o mais ràpidamente na cisterna magna que na região lombar. Entretanto, ela parece deixar mais lentamente a região lombar (fato verificado em paciente com bloqueio ao nível da 6ª vértebra dorsal4), o que explicaria o aumento das proteínas nos bloqueios dos espaços raquidianos devido, provàvelmente, a alterações de permeabilidade. De modo geral, a absorção de proteínas, pelo estudo das curvas de radioatividade, se processa mais ràpidamente no espaço subaracnóideo periencefálico4; mesmo as proteínas do LCR contido no espaço raquidiano teriam uma difusão rostral para serem absorvidas no espaço subaracnóideo encefálico, pois ainda não foi demonstrada a existência de estrutura intratecal espinal alguma capaz de absorvê-las.

Em condições normais, isto é, em pacientes sem bloqueios do canal raquidiano, a entrada de proteínas se processa igualmente em todos os compartimentos do sistema liquórico3. Entretanto, como a absorção se dá mais intensamente no espaço subaracnóideo intracraniano pelas vilosidades aracnóideas, querem alguns autores4 ver nisso a causa das diferenças de concentração protêica entre as amostras de LCR ventricular, cisternal lombar.

Do que acabamos de expor, confirma-se que a formação do LCR dar-se-ia seja por secreção, seja por ultrafiltração. O mecanismo de secreção é aceito na região ventricular (estudos acima citados com ions pesados e pela verificação do consumo de energia nesta região 1, muito maior que em outros locais do sistema liquórico). Na região subaracnóidea é mais aceito o mecanismo de difusão ou ultrafiltração através das membranas do espaço subaracnóideo4, seja das membranas vasculares ou nos espaços perivasculares 1, mecanismo no qual diversos fatôres influem (equilíbrio de Gibbs-Donnan, pressões osmótica e oncótica1); entretanto, tal mecanismo ainda não foi provado sob o ponto de vista hidrodinâmico, conforme o foi para o humor aquoso 1.

Mesmo assim ficou provada a importância dos plexos corióides na formação e absorção do LCR, fato que é confirmado por observações clínicas como aquelas citadas por Sweet e col.4 e referentes a oclusões parciais de porções de ventrículos (Cairns, Daniel e Johnson) e a papilomas dos plexos corióides (Claisse e Levy; Davis; Kahn e Luros; Ray).

As discussões finais do simpósio promovido pela Ciba Foundation 5 sôbre a formação, absorção e circulação do LCR permitiram chegar à conclusão de que os estudos com rádio-isótopos contribuíram para dar a êstes problemas uma conceituação mais dinâmica, embora sejam ainda necessários novos estudos para estabelecer a base anatômica da produção liquórica5. Tais aspectos dinâmicos não obrigam a abandonar as idéias clássicas quanto à formação, absorção e circulação do LCR5.

Clínica Neurológica. Hospital das Clínicas da Fac. Med. da Univ. de São Paulo - Caixa Postal 3461 - São Paulo, Brasil.

  • 1. DAVSON, H. - Physiology of the Ocular and Cerebrospinal Fluid. J. A. Churchill Ltd., Londres, 1956.
  • 2. SCHRYOCK, H.; HUNT, G. M. - Mysteries of the choroid plexus and cerebrospinal fluid. Med. Arts a. Sc., 11-4:173-177, 1957.
  • 3. SWEET, W. H. - Diseases of the Nervous System: Formation and Absorption of Cerebrospinal Fluid. Annual Rev. of Med. (California), 7:448-460, 1956.
  • 4. SWEET, W. H.; BROWNELL, G. L.; SCHOLL, J. A.; BOWSHER, D. R.; BENDA, P.; STICKLEY, E. E. - The Formation, Flow and Absorption of Cerebrospinal Fluid; News Concepts Based on Studies with Isotopes. Res. Publ. Nerv. Ment. Dis., vol. 34. The Williams and Wilkins Co., Baltimore, 1954.
  • 5. WOLSTENHOLME, G. E. W.; O'CONNOR, C. M. - The Cerebrospinal Fluid: Production, Circulation and Absorption. A Ciba Foundation Symposium. J. A. Churchill Ltd., Londres, 1958.
  • Formação, absorção e circulação do líqüido cefalorraquidiano. Resultados dos estudos com isótopos radioativos

    Aron J. Diament
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1959
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