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Liberação do túnel do tarso pela técnica endoscópica: uma proposta de acesso cirúrgico

Resumos

Estabelecer em cadáveres, dois portais, através da delimitação de pontos anatômicos e linhas geométricas, que permitam o acesso ao Túnel do Tarso pela técnica videoendoscópica e comparar a abordagem no sentido proximal para distal com a reversa. Fizeram parte do estudo 18 cadáveres, com um total de 36 tornozelos. Partindo da técnica endoscópica bi-portal inicialmente descrita, e modificada neste estudo através da padronização de pontos anatômicos e linhas geométricas, o Túnel do Tarso foi liberado nos tornozelos esquerdos com a inserção do instrumental no sentido proximal para distal e o inverso nos direitos.Nos tornozelos direitos, houve secção completa do retináculo flexor em 15 casos (83,3%) e parcial em 3 casos (16,67%). Nos esquerdos, a secção foi completa em 16 casos (88,89%) e parcial em 2 casos (11,11%). O tempo operatório no lado direito foi em média 19,44 minutos e no esquerdo 18,33 minutos. Em nenhum caso foi observada lesão de estruturas neurovasculares. Com a técnica proposta a secção total do retináculo dos flexores foi obtida em todos os casos após a curva do aprendizado, sem lesão de estruturas anatômicas do túnel do Tarso, independente do sentido utilizado na via de acesso.

Síndrome do túnel do tarso; Endoscopia


To establish to portals in cadavers, using anatomical delimitation points and geometrical lines, which allows the acess to the tarsal tunnel by the video-endoscopic technique and the comparison between the proximal-distal direction approach with the reverse one. This trial has included 18 cadavers and 36 ankles were studied. Starting with the biportal endoscopic technique, initially described and modified in this trial through geometrical lines and anatomical points delimitation, the tarsal tunnel was released in left ankles with the insertion of instruments using proximal-distal direction and the opposite to the right ankles. There were, in the right ankles, complete section of flexor retinaculum in 15 cases (83,3%) and partial section in 3 cases (16,67%). In the left ankles there were complete section of flexor retinaculum in 16 (88,89%) and partial section in 2 cases (11,11%). The average operative time was 19,44 minutes for the right limb and 18,33 minutes for the left limb. No damage to neurovascular structures has been observed in any case. According to the suggested technique, the total section of flexors retinaculum was obtained in all the cases after learning curve period without lesion of anatomical structures in the tarsal tunnel, no matter the direction chosen in the access way.

Tarsal tunnel syndrome; Endoscopy


ARTIGO ORIGINAL

Liberação do túnel do tarso pela técnica endoscópica: uma proposta de acesso cirúrgico

Marcelo José Cortez BezerraI; José Alberto Dias LeiteII; José Estrela NetoIII; Silvia RomeroIV

IMembro da SBOT e Mestrando em Cirurgia

IILivre Docente e Professor do Programa de Pós-graduação

IIIProf. Adjunto e Mestre em Cirurgia

IVBolsista de pesquisa

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marcelo José Cortez Bezerra Rua Carlos Vasconcelos, 389, Ap.1004, Bairro: Meireles Cep: 60.115.170- Fortaleza-Ceará E-mail- cantocortez@uol.com.br

RESUMO

Estabelecer em cadáveres, dois portais, através da delimitação de pontos anatômicos e linhas geométricas, que permitam o acesso ao Túnel do Tarso pela técnica videoendoscópica e comparar a abordagem no sentido proximal para distal com a reversa.

Fizeram parte do estudo 18 cadáveres, com um total de 36 tornozelos. Partindo da técnica endoscópica bi-portal inicialmente descrita, e modificada neste estudo através da padronização de pontos anatômicos e linhas geométricas, o Túnel do Tarso foi liberado nos tornozelos esquerdos com a inserção do instrumental no sentido proximal para distal e o inverso nos direitos.Nos tornozelos direitos, houve secção completa do retináculo flexor em 15 casos (83,3%) e parcial em 3 casos (16,67%). Nos esquerdos, a secção foi completa em 16 casos (88,89%) e parcial em 2 casos (11,11%). O tempo operatório no lado direito foi em média 19,44 minutos e no esquerdo 18,33 minutos. Em nenhum caso foi observada lesão de estruturas neurovasculares. Com a técnica proposta a secção total do retináculo dos flexores foi obtida em todos os casos após a curva do aprendizado, sem lesão de estruturas anatômicas do túnel do Tarso, independente do sentido utilizado na via de acesso.

Descritores: Síndrome do túnel do tarso/cirurgia; Endoscopia

INTRODUÇÃO

A síndrome do Túnel do Tarso é o termo utilizado para definir a compressão do nervo tibial posterior no seu interior ou um dos seus ramos terminais ao deixá-lo. Essa síndrome de causa neurogênica situa-se no território de distribuição do nervo tibial. O nervo tibial divide-se em três ramos: nervo calcâneo medial, nervo plantar medial e nervo plantar lateral. O túnel osteofibroso encontra-se localizado posterior ao maléolo medial, com o seu assoalho formado pela superfície talar medial, o sustentaculum tali, e a parede medial do calcâneo. Coberto pelo retináculo flexor que é continuo posteriormente com a aponeurose superficial e profunda da perna. A base do retináculo flexor corresponde a borda superior do músculo abdutor do hálux . Os locais preferenciais de compressão guardam relação anatômica direta com o seu trajeto contido entre essas estruturas inelásticas adjacentes(1,5,7).

A sua etiologia pode estar relacionada com a existência de tumores e massas no interior do túnel, anormalidades metabólicas, trauma, deformidades do pé e tornozelo, além de causas idiopática. Na apresentação clínica, os sintomas podem ser diversos com achados físicos variáveis, dificultando muitas vezes o diagnóstico inicialmente(1). Na falha do tratamento clínico, o tratamento cirúrgico poderá ser realizado através da via aberta utilizando técnicas como a descrita por Lam(6), ou mais recentemente pela técnica vídeo-endoscópica propagada por Day e Napples(3,4). No seu trabalho esses autores ressaltam a menor morbidade da via endoscópica , no entanto não foi observado a demarcação de pontos anatômicos e linhas geométricas que delimitem com precisão os portais, ao contrário do que pode ser observado em relação a via bi-portal para liberação do túnel do Carpo(2) ou túnel cubital(9) onde esses pontos e linhas são bem determinados.

A padronização da via de acesso bi-portal ao Túnel do Tarso, através da delimitação de pontos anatômicos e linhas geométricas assim como a comprovação da abertura do retináculo dos flexores em cadáveres quando realizada a abordagem utilizando o instrumental endoscópico no sentido proximal distal com a reversa , são os objetivos desse trabalho.

MÉTODOS

Fizeram parte desse estudo 18 (dezoito) cadáveres humanos, não formolizados e não reclamados, interessando 36 (trinta e seis) tornozelos, obtidos no Instituto Médico Legal do Estado do Ceará, obedecendo a regulamentação de pesquisas em seres humanos do Conselho Nacional de Saúde Ministério da Saúde ( Resolução no. 196 de 10.10.1996) devidamente aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Complexo Hospitalar da UFC (COMEPE ). O estudo foi realizado entre os meses de janeiro e agosto de 2001. Quinze cadáveres (83,3%), pertenciam ao sexo masculino e três (16,6%) ao sexo feminino. A idade aparente foi de 20 a 45 anos, com a média de idade aparente de 27,5 anos. Com relação à raça, sete eram da raça branca (38,8%), oito eram da raça mestiça (44,4%) e três eram da raça negra (16,6%). O instrumental cirúrgico foi o mesmo utilizado na técnica endoscópica do túnel carpal (Dyonics®, USA), sendo constituído de uma ótica do artroscopio com lente angular de 300 , cânula fenestrada, trocáter, palpador e gancho com lâmina cortante reversa (Figura 1).


Também foram utilizados os seguintes materiais : estabilizador de voltagem, fonte de luz, câmera e monitor de televisão de 14 polegadas, canetas dermográficas, cabo de bisturi número 03, lâmina de bisturi número 15 , tesoura de dissecção, tesoura reta, pinça de Adson com dente, porta agulha, afastador de Farabeuf e mini-afastador autostático. Inicialmente foram realizados estudos preliminares sobre a morfometria e morfologia do Túnel do Tarso, através da utilização de peças anatômicas de adultos de ambos os sexos, no Departamento de Morfologia da UFC. Esse estudo permitiu determinar os pontos de referência anatômicos (PRA), que foram catalogados de 1 a 5. O ponto de referência anatômico 1 (PRA1) corresponde ao centro do maléolo medial (CMM). O ponto de referência anatômico 2 (PRA2) é formado por uma reta que sai do PRA1 e termina no tendão do calcâneo (TC), formando com o tendão do calcâneo no momento em que o toca um ângulo de 90º, um ponto traçado no centro dessa reta corresponde ao portal proximal.

O ponto de referência anatômico 3 (PRA3) é representado por uma linha reta que tem inicio no PRA1 e termina na inserção do tendão do calcâneo (ITC). O ponto de referência anatômico 4 (PRA4) é formado pela linha reta que parte do centro do primeiro metatarso (C1ºM) e termina no ITC. O ponto de referência anatômico 5 (PRA5) é uma linha reta que corre paralela à tíbia passando pelo PRA1.

A bissetriz formada pelo PRA3 e o PRA5 ao cruzar a linha reta formada pelo PRA4 corresponde ao portal distal. Os pontos de referência anatômicos e as suas interligações através de retas estabelecendo os portais proximal e distal. (Figura 2).


Uma vez determinados os portais proximal e distal, partiu-se para a realização do procedimento endoscópico. No tornozelo esquerdo uma incisão na pele de 1cm. é realizada no portal proximal , imediatamente abaixo do tecido celular subcutâneo encontra-se o retináculo flexor, que é suavemente tracionado com uma pinça e incisionado transversalmente para dar acesso ao instrumental cirúrgico. A atenção é direcionada para o portal distal quando uma incisão elíptica de 2(dois) cm é realizada para dar acesso ao canal abdutor (onde o retináculo flexor continua com a aponeurose plantar), o qual deverá ser liberado , objetivando a descompressão dos ramos do nervo tibial posterior.

A cânula fenestrada, contendo no seu interior o trocáter, é inserida no túnel do tarso no sentido proximal-distal. Após a retirada do trocáter, posiciona-se a ótica no túnel através do portal distal. Com o sulco da cânula fenestrada voltada para a pele, visualiza-se no monitor de televisão, as fibras transversas do retináculo flexor. Com o probe ,advindo do portal proximal, palpa-se essa estrutura. Utilizando o gancho com lâmina cortante reversa seciona-se o retináculo flexor no sentido distal-proximal. A comprovação da liberação fica claramente visível com a visualização do tecido subcutâneo no sulco da cânula. Em seguida, o trocáter é reposicionado no interior da cânula e ambos são retirados .

No tornozelo direito uma incisão elíptica de 2cm é realizada no portal distal com uma dissecção meticulosa abordando o túnel do tarso até a exposição das estruturas neurovasculares no canal abdutor. A cânula fenestrada e o trocáter são posicionados dentro do túnel do tarso no sentido distal-proximal até alcançar o portal proximal, o trocáter é retirado dando lugar à ótica introduzida através do portal proximal e o probe no distal.

Com o sulco da cânula fenestrada voltada para a face medial do pé, as fibras transversas do retináculo flexor são visualizadas e seccionadas pelo gancho com lâmina cortante reversa no sentido proximal-distal (Figura 3). O trocáter é reposicionado dentro da cânula fenestrada e ambos são retirados.


RESULTADOS

Os resultados encontrados nesse estudo estão demonstrados nas tabelas com seus respectivos gráficos de acordo com sexo (Tabela 1, Gráfico 1), raça (Tabela 2, Gráfico 2), liberação do retináculo se completa ou parcial (Tabela 3 e 4 Gráfico 3 e 4), Presença ou não de complicações (lesão vascular e/ou neurológica) e o tempo cirúrgico (Tabela 5, Gráfico 5), sempre comparando o tornozelo direito com o tornozelo esquerdo.






Através da estatística de Wald, foi verificado que não existe diferença significativa entre os tornozelos direito e esquerdos na liberação do retináculo ao nível de significância de 0,05, p-valor igual a 0,52 após a cirurgia.

Não houve complicação após cirurgia em nenhum dos tornozelos (direito e esquerdo).

Através do teste t de Student, os níveis de significâncias de 5% e 1%, constatou-se que não houve diferença significativa entre o tempo médio operatório dos tornozelos direitos e esquerdos, p valor 0,71.

DISCUSSÃO

O Túnel do Tarso comporta no seu interior estruturas passíveis de sofrerem compressão (nervo tibial posterior e seus ramos), com conseqüente repercussão clínica(1,8).

Day e Napples(3,4), demonstraram com sucesso a descompressão do túnel do tarso pela técnica endoscópica . Para determinar o portal proximal e distal basearam-se na palpação de estruturas anatômicas e no posicionamento do pé em eversão e dorsiflexão. Diferentemente desses autores, procuramos determinar o acesso ao Túnel do Tarso criando os portais proximal e distal não baseados na palpação de estruturas anatômicas mais sim através de linhas geométricas que partiram de pontos anatômicos pré-estabelecidos e da interligação das mesmas, conseguindo-se assim de maneira matemática determinar o portal proximal e o distal. O que pode, por exemplo, facilitar o uso da técnica em pacientes que por algum motivo apresentam restrição da mobilidade do pé ou tornozelo.

O acesso ao Túnel do Tarso no sentido proximal - distal no tornozelo direito e de distal - proximal no tornozelo esquerdo não apresentaram diferenças estatísticas quanto à liberação do retináculo flexor; em ambos, a liberação se deu de maneira parcial nos primeiros casos, o que pode ser explicado pela curva de aprendizado enfrentada pelos autores. No entanto, houve maior facilidade quando o acesso distal foi utilizado, fato esse que pode ter sido determinado pela rigidez cadavérica.

Em nenhum dos tornozelos estudados detectou-se a presença de lesões de estruturas neuro-vasculares produzida pela técnica endoscópica, o que está de acordo com os estudos de Day e Napples(3,4) . A ausência de aderências do retináculo aos tecidos provavelmente determinados pelo fato de todos os cadáveres serem jovens e não apresentarem doenças prévias na região estudada, corroborou para a ausência total de lesão neurológica e/ou vascular.

O tempo médio operatório nos tornozelos não teve diferença significativa através do estudo estatístico. Nos primeiros casos o tempo operatório foi maior e foram decrescendo na medida em que houve uma familiarização com o método.

Este estudo nos permitiu a utilização clínica desta técnica na Síndrome do Túnel do Tarso em pacientes portadores de Mal de Hansen, enfermidade freqüente em nosso meio.

A realização de um estudo clinico mais amplo, comparando a técnica aberta com endoscópica poderá trazer maiores esclarecimentos com relação às vantagens de uma sobre a outra.

CONCLUSÕES

1. Os portais determinados permitiram o acesso ao Túnel do Tarso pela técnica endoscópica , a secção total do retináculo dos flexores foi obtida em todos os casos após a curva do aprendizado.

2 . A utilização do portal no sentido proximal -distal ou reverso não interfere no resultado final.

Texto recebido em: 10/05/04

Aprovado em 29/11/04

Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação Stricto Sensu do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (DC/FM/UFC).

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  • Endereço para correspondência

    Marcelo José Cortez Bezerra
    Rua Carlos Vasconcelos, 389, Ap.1004, Bairro: Meireles
    Cep: 60.115.170- Fortaleza-Ceará
    E-mail-
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Aceito
      29 Nov 2004
    • Recebido
      10 Maio 2004
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