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Relato de caso raro de corpo estranho em vértebra lombar

RELATO DE CASO

Relato de caso raro de corpo estranho em vértebra lombar

Helton Luiz Antonio DefinoI; Antônio Carlos ShimanoII

I

IIEngenheiro Mecânico do Laboratório de Bioengenharia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- USP - E.Mail.: hladefin@fmrp.usp.br

RESUMO

É apresentado caso raro de corpo estranho (pedaço de tecido de confecção) no interior do corpo de L5, cujos sintomas estavam relacionados à compressão da quinta raiz lombar esquerda.

O quadro clínico e radiológico são apresentados, destacando a raridade da lesão observada, o tratamento realizado e o seu resultado após 3 anos de seguimento.

Descritores: Coluna vertebral; Infecção vertebral

INTRODUÇÃO

Na prática diária nos deparamos às vezes com situações resultantes de uma constelação de acontecimentos que culminam com um determinado tipo de lesão, a qual seria impossível de imaginarmos nas situações que envolvem os traumatismos cotidianos, e cuja probabilidade de ocorrência aproximaria-se de cifras muito reduzidas. O caso clínico que relataremos é um bom exemplo, e com muita certeza não será possível relatar um segundo até o final de nosso exercício profissional. A sua raridade e fatores associados ao seu acontecimento nos motivaram a relata-lo.

O paciente era do sexo masculino, trabalhava na construção civil e contava com 62 anos de idade no momento da nossa avaliação. Sua queixa principal era dor na região lombar com irradiação para o membro inferior esquerdo , no dermátomo correspondente à raiz de L5 . O paciente referia que a dor tornava-se mais intensa com os movimentos e melhorava com o repouso na posição de Fowley. Referia que a dor havia iniciado aproximadamente há 1 mês após sofrer queda de um andaime de construção. O paciente referia que durante a queda havia sofrido ferimento perfurante na nádega, e que o ferimento ainda encontrava-se aberto e com saída de secreção, apesar de ter sido realizado vários desbridamentos cirúrgicos.

Ao exame físico observava-se um ferimento puntiforme na nádega esquerda, com saída de secreção sero-purulenta. A coluna lombar apresentava retificação da lordose e todos os movimentos da coluna lombar apresentavam limitação dolorosa.

O exame neurológico era compatível com o comprometimento da raiz de L5 a esquerda, expressado pela diminuição da força de extensão do halux, diminuição da sensibilidade na face lateral da perna esquerda,e o teste de elevação do membro inferior esquerdo era positivo.

Os exames de imagem mostravam lesão ao nível da quinta vértebra lombar, cujo corpo apresentava material circunscrito e irregular, bem delimitado em relação ao corpo da vértebra, e que invadia parcialmente o canal vertebral. (Figura 1) O corpo de S1 e o corpo de L4 também apresentavam área de lesão em todos os cortes tomográficos. (Figura 2)



Após a análise do quadro clínico e dos exames complementares, entendiamos que estava ocorrendo uma compressão da raiz de L5 à esquerda , associada a um processo patológico da quinta vértebra lombar. Havia dúvida sobre a etiologia da lesão do corpo de L5 e também com relação ao seu período de aparecimento (haveria alguma lesão prévia no momento da queda, ou a mesma teria ocorrido após a queda?).

O paciente foi submetido à cirurgia para descompressão da raiz de L5 e biópsia do corpo de L5. Durante a exposição da raiz de L5 foi observado que a raiz encontrava-se hiperemiada, e a biópsia do corpo de L5 foi realizada pela mesma abordagem utilizada para a descompressão da raiz nervosa, tendo sido retirado um fragmento da parede posterior do corpo vertebral de L5, seguida da curetagem de parte do osso esponjoso do corpo da vértebra. Durante a remoção do osso esponjoso do corpo de L5, nos deparamos com fragmentos de tecido de confecção (jeans) no interior do corpo vertebral, que foram extraídos, exalando um odor fétido durante a sua remoção. No momento não era possível entender a origem daqueles pedaços de tecido de confecção de cerca de 1 x 3 cm , que após observação mais detalhada conclui-se que correspondiam a fragmentos da calça jeans que o paciente vestia no dia da sua queda. (Figura 3)


A partir dessa observação, e revendo os exames de imagem, foi possível entender o mecanismo da lesão que o paciente havia sofrido. Durante a queda o pedaço de ferro que penetrara pela nádega, havia levado um pedaço da roupa do paciente até o corpo da vértebra de L5. Esse fragmento de tecido produzira a infecção do corpo da vértebra, que juntamente com o trauma sofrido, havia provocado a sua destruição parcial e compressão da raiz de L5. Desse modo a saída de secreção pelo ferimento podia ser agora entendida, bem como a dificuldade em obter a sua cicatrização com os desbridamentos realizados.

A evolução clínica foi favorável e no momento com 3 anos de seguimento clínico o paciente encontra-se assintomático.

DISCUSSÃO

O tipo de lesão que descrevemos apresenta aspectos pitorescos da sua ocorrência, pois a haste de ferro penetrou pela nádega do paciente, atingiu o sacro e penetrou até a quarta vértebra lombar, deixando um fragmento de tecido da calça do paciente no interior do corpo da vértebra de L5. O trajeto da haste de ferro ficou restrito somente ao tecido ósseo, e pela proximidade das outras estruturas e órgãos que não foram atingidos, torna-se algo raro.

Por uma questão simplesmente de sorte foi possível a remoção do fragmento da calça do paciente, que permitiu não somente a realização do diagnóstico, mas também a resolução do problema. Com relação à realização da biópsia, a mesma poderia ter sido realizada pelo pedículo vertebral, e com muita probabilidade não teríamos removido o fragmento de tecido. Não conseguimos imaginar qual teria sido a evolução, caso o fragmento de tecido não houvesse sido removido durante a cirurgia que foi realizada.

Na época do atendimento não dispunhamos da ressonância magnética, que certamente teria auxiliado na elucidação do diagnóstico, oferecendo subsídios adicionais.

Com relação ao tratamento realizado, foi feita a fixação de L4 a S1 por meio de retângulo de Hartchild durante a descompressão da raiz e biópsia do corpo da vértebra (Figura 4), pois acreditávamos que seria necessário a limpeza e desbridamento anterior do corpo vertebral, que somente não foi realizado pela falta de condições locais. Temíamos na época a abordagem desse sítio da coluna vertebral, que estava acompanhado de infecção. Talvez hoje, com maior experiência com o tratamento cirúrgico das infecções, nossa abordagem teria sido sem dúvida alguma o desbridamento anterior do corpo de L5, associado a colocação de enxerto córtico esponjoso. O método de fixação utilizado nos dias atuais seria um sistema de fixação vertebral utilizando parafusos pediculares, associado ao desbridamento anterior do corpo vertebral com enxerto de ilíaco. Porém, o resultado alcançado com o método de tratamento realizado foi satisfatório do ponto de vista clínico e radiológico, tendo ocorrido a anquilose do segmento vertebral L4-L5,ainda que com perda da lordose desse segmento da coluna lombar, com remissão total dos sintomas e cicatrização da fístula da nádega. (Figura 4)


O material utilizado na fixação foi removido após 2 anos da realização da cirurgia, devido à presença de saída de secreção pela incisão cirúrgica. O paciente apresentou saída de secreção e fístula na incisão posterior, apesar de ter ocorrido anquilose na parte anterior da coluna. Com a retirada do material de síntese ocorreu a cicatrização da incisão cirúrgica e da fistula, tendo o paciente apresentado boa evolução clínica.

Trabalho recebido em 25/05/2000. Aprovado em 15/12/2000

Trabalho realizado com auxílio do CNPq.

Agradecimento - Os autores agradecem a BAUMER pela confecção dos implantes utilizados nos ensaios mecânicos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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