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Dor como sintoma de soltura de acetábulo rosqueado

Resumos

Foram avaliadas clínica e radiograficamente 37 artroplastias totais de quadril não cimentadas tipo CO-10, com seguimento mínimo de 60 meses, onde observamos componentes radiograficamente fixos em 23 e o componente acetabular com sinais de soltura em 14. A análise dos resultados mostrou que 65% dos pacientes com o componente acetabular evidentemente solto não queixavam de dor (29%) ou a apresentavam de forma discreta (36%), enquanto que 26% dos pacientes com o acetábulo fixo apresentavam dor discreta. Desta forma, concluímos que a dor não é sintoma que deva ser esperado na maioria dos pacientes com soltura do componente acetabular tipo CO-10 e que uma parcela significativa dos pacientes com o acetábulo fixo pode apresentar dor.

Artroplastia de Quadril; Falha de Prótese; Dor


37 cementless CO-10 total hip replacements were clinically and radiographically evaluated, with a minimum follow-up of 60 months. 23 cups were found to be fixed and 14 presented signs of loosening. Nine patients (26%) with an obviously fixed cup presented some degree of pain, a symptom also referred by ten patients (36%) with signs of cup loosening, but in this latter group pain varied from mild (5/10) to moderate (3/10) and severe (2/10). Interestingly, four patients with a loose cup had no pain at all. The authors concluded that pain is not a symptom present in the majority of the patients with a loose threaded CO-10 cup and that a significant number of patients with fixed cups can present pain.

Arthroplasty; Replacement; Hip; Prosthesis Failure; Pain


ARTIGO ORIGINAL

Dor como sintoma de soltura de acetábulo rosqueado

Celso Hermínio Ferraz PicadoI; Flávio Luis GarciaII; Cyro KanabushiIII; Sílvio Cesar CarvalhoIV

IProfessor Doutor

IIMédico Assistente

IIIMédico Aprimorando

IVMembro titular da SBOT

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Av. Bandeirantes, 3.900 Campus Universitário da USP 14048-900 Ribeirão Preto, SP Tel.: (16) 602-2513; fax: (16) 633-0336 E-mail: cfpicado@fmrp.usp.br

RESUMO

Foram avaliadas clínica e radiograficamente 37 artroplastias totais de quadril não cimentadas tipo CO-10, com seguimento mínimo de 60 meses, onde observamos componentes radiograficamente fixos em 23 e o componente acetabular com sinais de soltura em 14. A análise dos resultados mostrou que 65% dos pacientes com o componente acetabular evidentemente solto não queixavam de dor (29%) ou a apresentavam de forma discreta (36%), enquanto que 26% dos pacientes com o acetábulo fixo apresentavam dor discreta. Desta forma, concluímos que a dor não é sintoma que deva ser esperado na maioria dos pacientes com soltura do componente acetabular tipo CO-10 e que uma parcela significativa dos pacientes com o acetábulo fixo pode apresentar dor.

Descritores: Artroplastia de Quadril; Falha de Prótese; Dor.

INTRODUÇÃO

A soltura do componente acetabular tem sido classicamente descrita como uma complicação mais freqüente do que a soltura do componente femoral, especialmente nas próteses cimentadas(7). Tal fato levou a popularização do uso dos acetábulos não cimentados com diferentes desenhos e materiais; ao mesmo tempo, o processo de distinção de pacientes com soltura destes implantes daqueles com dor por outros motivos tornou-se mais difícil(2).

Os resultados dos acetábulos não cimentados rosqueados foi desapontador em diversas séries(4,10,13,15). No Brasil, a prótese total primária não cimentada de quadril tipo CO-10(BaumerR), que apresenta um componente acetabular deste tipo, foi amplamente utilizada na última década e seus resultados a médio e longo prazo não são conhecidos. Fizemos um levantamento clínico e radiográfico desse tipo de prótese realizada no nosso serviço e observamos alto índice de soltura acetabular através da comparação de radiografias seriadas. O objetivo deste trabalho é avaliar e comparar a presença e características da dor nos pacientes que apresentavam o componente acetabular fixo com aqueles onde o componente acetabular se encontrava radiograficamente solto.

MATERIAIS E MÉTODOS

Entre novembro de 1989 e dezembro de 1995 foram realizadas no nosso serviço 65 artroplastias totais primárias de quadril não cimentadas tipo CO-10 (Baumer®).

Conseguimos preencher o protocolo clínico e radiográfico de 37 destas artroplastias com seguimento de 5 a 10 anos, sendo excluídas as que evoluíram com infecção, as que perderam seguimento, aquelas que não apresentavam arquivo radiológico completo e as que apresentaram sinais radiográficos de soltura femoral. A idade média dos pacientes foi de 49,3 anos com seguimento médio de 94,43 meses.

A avaliação radiográfica do componente acetabular mediu a inclinação e a posição do acetábulo, medidas estas relacionadas à gota de lágrima. Todas as medidas radiográficas foram realizadas numa radiografia obtida no pós-operatório imediato e noutra obtida com, pelo menos, 5 anos de seguimento, e os valores obtidos, comparados para cada paciente. A correção das diferentes magnificações radiográficas teve que ser feita. Considerou-se solto o componente no qual as medidas realizadas, juntamente com observações da reação óssea provocada, indicavam migração do mesmo(4,8,11) com deslocamento do componente acetabular superior a 10% do valor encontrado na radiografia inicial.

A avaliação clínica da dor foi realizada conforme o sistema proposto por Johnston et al.(11), sendo a dor graduada em:

- Ausente: sem dor;

- Discreta: dor leve e ocasional que não altera as atividades ou o trabalho;

- Moderada: dor que levou o paciente a modificar hábitos ou desistir de algumas atividades, mas ainda é ativo;

- Severa: dor forte causando limitação importante.

Além de ser graduada, a dor foi analisada quanto a sua ocorrência em:

- Nenhuma dor;

- Dor nos primeiros passos e que logo desaparece;

- Dor que aparece após andar mais de 30 minutos;

- Dor durante toda a marcha;

- Dor durante todo o tempo.

RESULTADOS

Das 37 artroplastias avaliadas 23 se mostravam fixas e 14 apresentavam sinais de soltura acetabular.(Tabela 1 e Gráfico 1)


Dos pacientes que apresentavam o componente acetabular fixo, foi observado ausência da dor em 14 pacientes, dor discreta em 6, dor moderada em 3 e nenhum paciente com dor severa.

Em relação à ocorrência da dor nestes pacientes, 14 pacientes não relatavam dor nenhuma, 3 apresentavam dor nos primeiros passos, 3 após andar mais de 30 minutos, nenhum durante toda marcha e 3 apresentavam dor todo o tempo. (Tabela 2 e Gráfico 2)


Dos pacientes que apresentavam o componente acetabular solto no exame radiográfico, observamos 4 pacientes com ausência de dor, 5 com dor discreta, 3 com dor moderada e 2 com dor severa.

Em relação à ocorrência de dor nos pacientes com acetábulo solto, foi observado que 4 pacientes não apresentavam nenhuma dor no quadril em questão, 4 apresentavam dor nos primeiros passos, nenhum após andar mais de 30 minutos, 3 durante toda marcha e 3 durante todo tempo.(Tabela3 e Gráfico 3)


Comparando-se os resultados entre os dois grupos em relação aos diferentes graus de dor e sua ocorrência, temos as seguintes tabelas e gráficos. (Tabelas 4 e 5)

DISCUSSÃO

Admite-se que, clinicamente, o componente acetabular solto provoca dor com localização na região inguinal ou coxa quando da marcha com carga, sendo pior nos primeiros passos(7) ou como uma dor na região glútea(2).

Vários autores têm relatado elevados índices de soltura de componente acetabular não cimentado rosqueado(4,10,13,15), o que foi confirmado em nossa pesquisa (38%), embora outros tenham mostrado bons resultados (3, 6, 9).

A dor também é um item avaliado por vários escores para o estudo dos resultados dos procedimentos no quadril(8,13) e geralmente é mostrado num contexto geral. Alguns trabalhos relatam índices de 86% de pacientes sem dor após artroplastia de quadril sem cimento(5), enquanto outros mostram índices de 36% e 60% de pacientes com dor após a operação em questão(1,12).

Em 1991, Pupparo e Engh(14) publicaram um estudo onde verificaram soltura de 16 (28,57%) de um total de 56 acetábulos rosqueados após dois a quatro anos de seguimento. Destes 16, 11 pacientes (68,75%) apresentavam dor e cinco (31,25%) não sentiam dor alguma.

Constatamos em nosso levantamento, um elevado índice de pacientes onde o componente acetabular encontrava-se radiograficamente solto.

A comparação das características de grau e ocorrência da dor entre os pacientes com o componente acetabular solto mostrou que não podemos confiar no sintoma dor como indicativo de soltura acetabular da prótese rosqueada tipo CO-10.

A dor ocorreu em grau ausente ou discreta em 65% dos pacientes com acetábulo solto. Nos pacientes com acetábulo fixo este percentual é maior, sendo de 87%, como é de se esperar.

Caso fosse considerado o grau da dor no diagnóstico destes pacientes, 65% não seriam considerados como tendo o acetábulo solto, por não sentirem dor ou a terem de forma leve e ocasional sem alterações de suas atividades. Também deve ser considerado o fato que 35% dos pacientes com o acetábulo solto queixaram-se de dor importante, mas 13% daqueles com o acetábulo fixo também apresentaram este tipo de queixa.

A análise da ocorrência de dor mostrou que 58% dos pacientes com o acetábulo solto não tinham nenhuma dor ou a apresentavam somente nos primeiros passos e, portanto, este sintoma não pode ser considerado característico da soltura. Embora em 42% deste grupo a ocorrência da dor aparecesse em toda marcha ou durante todo o tempo, no grupo dos pacientes em que o acetábulo estava fixo, 13% também apresentavam esta queixa.

A soltura do acetábulo é acompanhada de perda do estojo ósseo acetabular, e quanto maior a perda óssea mais difícil torna-se a cirurgia de revisão. Cada vez mais torna-se importante a decisão do ortopedista em revisar precocemente os acetábulos soltos procurando impedir uma maior destruição óssea. Esta decisão reveste-se de maior responsabilidade quando é indicada uma grande cirurgia para um paciente que praticamente não tem dor; no entanto, nossos resultados mostram que esta é a conduta que se deve adotar.

CONCLUSÃO

Diante dos dados apresentados, os autores concluem que, na artroplastia total de quadril não cimentada tipo CO-10, a dor, isoladamente, não é sintoma indicativo de soltura do componente acetabular, e que tampouco a sua presença deva ser considerada elemento constante e imprescindível para este diagnóstico.

Texto recebido em: 04/02/03

Aprovado em 15/12/04

Trabalho realizado no Departamento de Biomecânica, Medicina e Reabilitação do Aparelho Locomotor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-USP.

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  • Endereço para correspondência

    Av. Bandeirantes, 3.900
    Campus Universitário da USP
    14048-900 Ribeirão Preto, SP
    Tel.: (16) 602-2513; fax: (16) 633-0336
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      2005

    Histórico

    • Aceito
      15 Dez 2004
    • Recebido
      04 Fev 2003
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