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Avaliação da mama na lactação por termografia e presença de dor

Resumo

Objetivo:

Identificar evidências científicas das alterações na mama puerperal baseadas no exame clínico, na medição da dor por algometria de pressão e termografia.

Métodos:

Estudo descritivo, experimental, de abordagem qualiquantitativa, realizado com seis lactantes em um Banco de Leite Humano. Por meio de exame clínico, algometria de pressão e termografia, foram coletados dados das mamas em fase puerperal. Efetuou-se a análise descritiva das variáveis quantitativas expressas por médias, valores mínimos, máximos e desvios-padrão.

Resultados:

As mamas flácidas foram as mais frias com temperatura média de 32,7°C (DP±0,32386) e mais tolerantes à dor, com média de 1,87 kgf (DP±0,29558). Quanto maior a intensidade do ingurgitamento, maior foi a temperatura encontrada. A análise das imagens foram realizadas utilizando o software Therma CAM™ 2,9 (FLIR Systems, Inc).

Conclusão:

Os resultados indicam que, a partir do exame clínico, algometria de pressão e termografia infravermelha, foi possível delinear um padrão diferencial entre os vários eventos que acometem a mama no processo da lactação.

Descritores
Transtornos da lactação; Termografia; Medição da dor; Diagnóstico de enfermagem; Período pós-parto

Abstract

Objective:

To obtain scientific evidence of alterations in puerperal breast based on clinical examinations and pain measurements using pressure algometry and thermography.

Methods:

This qualitative descriptive and experimental study examined six lactating women included in a Human Milk Bank. Using clinical examinations, pressure algometry, and thermography, data from puerperal mammary glands were collected. A descriptive analysis of the quantitative variables expressed as averages, minimal and maximal values, and standard deviations was conducted. Image analyses were performed using a ThermaCAM™ 2.9 (FLIR Systems, Inc.) software.

Results:

Flaccid mammary glands were the coldest, with an average temperature of 32.7°C (SD±0.32386°C), and more tolerant to pain, with an average of 1.87 kgf/m2 (SD ±0.29558 kgf/m2). The greater the degree of engorgement, the higher the temperature observed.

Conclusion:

The results indicate that it is possible to use clinical examinations, pressure algometry, and infrared thermography to delineate patterns between various events affecting the mammary glands during lactation.

Keywords
Lactation disorders; Thermography; Pain measurement; Nursing diagnosis; Postpartum period

Introdução

Embora as vantagens do aleitamento materno venham sendo discutidas,(11. Sullivan S, Schanler RS, Kim JH, Patel AL, Trawöger R, Kiechl-Kohlendorfer U, et al. An exclusively human milk-based diet is associated with a lower rate of necrotizing enterocolitis than a diet of human milk and bovine milk-based products. J Pediatr. 2010; 156(4):562-567.e1.,22. Mangesi L, Dowswell T. Treatments for breast engorgement during lactation. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library [Internet]. 2010 [cited 2014 Oct 8]; Issue 8, Art. no. CD006946. DOI: 10.1002/14651858.CD006946.pub9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4161489.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
) vários fatores têm determinado a interrupção da amamentação precoce(22. Mangesi L, Dowswell T. Treatments for breast engorgement during lactation. Cochrane Database of Systematic Reviews. In: The Cochrane Library [Internet]. 2010 [cited 2014 Oct 8]; Issue 8, Art. no. CD006946. DOI: 10.1002/14651858.CD006946.pub9. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4161489.
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,33. Academy of Breastfeeding Medicine Protocol Committee. ABM clinical protocol #20: Engorgement. Breastfeed Med. 2009; 4(2):111-3.) antes dos seis primeiros meses de vida do bebê,(44. Giron-Vargas SL, Mateus-Solarte JC, Cabrera-Arana GA. Household costs of maintaining and/or abandoning exclusive breastfeeding during the first postpartum month. Rev Salud Pública. 2009; 11(3):395-405.)causando prejuízo a saúde da criança.(11. Sullivan S, Schanler RS, Kim JH, Patel AL, Trawöger R, Kiechl-Kohlendorfer U, et al. An exclusively human milk-based diet is associated with a lower rate of necrotizing enterocolitis than a diet of human milk and bovine milk-based products. J Pediatr. 2010; 156(4):562-567.e1.) Dentre os motivos para o desmame, apontam-se as infecções mamárias e o ingurgitamento mamário (IM) como problemas comuns enfrentados pelas nutrizes no processo da lactação.(55. Giugliani ERJ. Common problems during lactation and their management. J Pediatr. 2004; 80(5 Suppl):147-54.)

As patologias que acometem a mama puerperal são pouco conhecidas quando comparadas à mama não lactante.(66. Geddes DT. Ultrasound imaging of the lactating breast. Methodology and application. Int Breastfeed J. 2009;4:4.) Técnicas são descritas para estudar a anatomia da mama(66. Geddes DT. Ultrasound imaging of the lactating breast. Methodology and application. Int Breastfeed J. 2009;4:4.,77. Kovacs L, Eder M, Hollweck R, Zimmermann A, Settles M, Schneider A, et al. Comparison between breast volume measurement using 3D surface imaging and classical techniques. Breast. 2007; 16(2):137-45.) e a fisiologia da lactação;(66. Geddes DT. Ultrasound imaging of the lactating breast. Methodology and application. Int Breastfeed J. 2009;4:4.)porém, estudos relacionados à temperatura e às percepções dolorosas em mamas de lactantes são escassos na literatura.

O exame físico, a partir de inspeção e palpação, é uma das principais técnicas usadas nos estudos de avaliação das mamas em lactação. A palpação manual propicia o exame das mamas ingurgitadas e a identificação dos quadrantes mais acometidos. É uma forma de avaliação empregada na prática clínica, constituindo-se em um elemento importante do exame físico.

A utilização de recursos tecnológicos na saúde cresce a cada dia e minimiza os efeitos da subjetividade, tão comuns no caso da palpação manual,(33. Academy of Breastfeeding Medicine Protocol Committee. ABM clinical protocol #20: Engorgement. Breastfeed Med. 2009; 4(2):111-3.) e vem se tornando a principal ferramenta de intervenção médico-hospitalar. Para quantificar as percepções dolorosas, tanto para fins diagnósticos, experimentais ou médico-legais, pode-se aplicar a algometria de pressão. Nesta técnica, mede-se a sensibilidade nociceptiva dos indivíduos, quantificando-se a percepção e a tolerância à dor quando evocados por meio de estímulos físicos. Permite identificar os pontos dolorosos e avaliar os resultados imediatos às intervenções terapêuticas.(88. Haddad DS, Brioschi Ml, Arita ES. Thermographic and clinical correlation of myofascial trigger points in the masticatory muscles. Dentomaxillofac Radiol. 2012; 41(8):621-9.)

Para obter informações referentes à temperatura do corpo, estudos na área médica vêm sendo desenvolvidos por meio de instrumentos do campo da termologia.(99. Chan LS, Lo JL, Kumana CR, Cheung BM. Utility of infrared thermography for screening febrile subjects. Hong Kong Med J. 2013; 19(2):109-15.,1010. Nakamura S, Ichisato SMT, Horiuchi S, Mori T, Momoi M. Pregnant women's awareness of sensitivity to cold (hiesho) and body temperature observational study: A comparison of Japanese and Brazilian women. BMC Res Notes. 2011;4:278.) Sua aplicação na medicina decorre, principalmente, por ser uma técnica inócua ao organismo. É um método que detecta a radiação infravermelha emitida por uma superfície, determinando sua temperatura. Permite a obtenção de imagens térmicas a partir de uma temperatura superior a zero absoluto. Mediante a inspeção termográfica, observam-se padrões diferenciais da distribuição de temperatura, que propiciam informações relacionadas a um determinado processo, normal ou patológico, em um organismo.(1111. Simoes R, Vardasca R, Nogueira-Silva C. Thermal skin reference values in healthy late pregnancy. J Therm Biol. 2012; 37(8):608-14.,1212. Jones BF. A reappraisal of the use of infrared thermal image analysis in medicine. IEEE Trans Med Imaging.1998; 17(6):1019-27.)

Na prática clínica, verifica-se a necessidade de ampliar o conhecimento sobre a mama puerperal, principalmente, no que concerne à evidência baseada em dados quantitativos. Por isso, o objetivo do estudo descrito neste artigo é identificar evidências científicas de alterações na mama puerperal baseadas no exame clínico, na algometria de pressão e na termografia.

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo, experimental com abordagem qualiquantitativa. O estudo ocorreu em um único atendimento no Banco de Leite Humano, na cidade de Curitiba – Paraná. A amostra constituiu-se de seis lactantes, uma que era doadora de leite humano ordenhado e as demais buscaram atendimento no Banco de Leite Humano.

As lactantes foram identificadas como (L1) lactante com mama flácida, (L2) lactante com ingurgitamento glandular leve, (L3) lactante com ingurgitamento glandular moderado não obstrutivo, (L4) lactante com ingurgitamento glandular moderado obstrutivo, (L5) lactante com ingurgitamento glandular intenso e (L6) lactante com mama D flácida e mastite na E.

Como critérios de inclusão, adotaram-se voluntárias entre o 10° e 45° dia de puerpério: pelo menos uma que estivesse em processo normal de amamentação e as demais cujas mamas apresentassem qualquer anormalidade relacionada à lactação; idade igual ou maior de dezoito anos. Como critérios de exclusão, consideram-se mulheres com história de mamoplastia e/ou com prótese mamária; história de lesão mamária palpável ou não-palpável; história anterior de mastite lactacional; integridade tissular prejudicada em qualquer região da mama, uso de analgésico menos de duas horas antes do estudo e a não aceitação do método proposto.

Neste estudo, o IM foi classificado de acordo com a intensidade dos sinais e sintomas: mama flácida - uma cruz (+); ingurgitamento leve - duas cruzes (++), ou seja, com turgescência sem desconforto; ingurgitamento moderado – três cruzes (+++), sinais de mama pesada e sensações de dor; ingurgitamento intenso – quatro cruzes (++++), mama pesada, pele esticada, avermelhada acompanhada de dor. Examinouse também a localização do ingurgitamento, sendo: (1) lobular - estase láctea associada à dor e intumescimento em um ou vários alvéolos esparsos da mama; (2) lobar - estase láctea acompanhada de dor em um conjunto de alvéolos, canículos, canais, ampola galactófora e ducto lactífero, (3) ampolar - estase láctea delimitada à borda areolar, acompanhada ou não de dor; (4) glandular - estase láctea em toda a glândula mamária e sensações de dor. Além disso, baseandose na literatura tradicional e na experiência empírica da avaliadora, levou-se em conta a obstrução produzida, ou seja, se ingurgitamento obstrutivo ou não. No ingurgitamento glandular não obstrutivo, o leite flui com facilidade. Já no glandular obstrutivo, o leite não flui ou sai com muita dificuldade.

Todos os testes foram realizados com a lactante na posição sentada, membros superiores alinhados ao tórax, em posição frontal (Figura 1a).

Figura 1
(a) Lactante durante o período de aclimatização antes da aquisição da imagem; (b) Termograma ilustrando os pontos de leitura da temperatura. Para a análise, utilizou-se o marcador Flying spotmeter e a paleta Hainhi. Aqui, o termograma foi recolorido em escala de cinza; (c) Quadrantes da mama D, ilustrada pelos autores; (d) Medida de dor utilizando o algômetro digital de pressão Modelo FDI, da marca Vagner Instruments TM

As lactantes permaneceram em um ambiente de 7,5m2, refrigerado por ar condicionado comum, com temperatura entre 23 e 24°C e a umidade relativa do ar entre 40 e 50%, medida por meio de um termo-higrômetro digital modelo 7645, do fabricante Incoterm. O ambiente permaneceu isento de fontes interferentes de calor ou correntes de ar e equipamentos que pudessem alterar a temperatura da sala de coleta.

O exame clínico foi realizado por uma enfermeira com 15 anos de experiência no manejo da amamentação. Desse modo, os dados que subsidiaram o raciocínio clínico, na formulação do diagnóstico, foram coletados por meio da inspeção/palpação.

Para avaliar tolerância à dor na mama puerperal, mediu-se a pressão equivalente por meio de um algômetro digital de pressão modelo FDI, fabricado pela Vagner Instruments.

A dor equivalente à pressão foi medida com auxílio do algômetro, como indicado na figura 1d, em quilograma força por centímetro quadrado (kgf/cm2), e obtida nos quatro quadrantes da mama, conforme ilustrado na figura 1c. As mamas foram examinadas em quadrantes: superior-externo (QSE), superior-interno (QSI), inferior-interno (QII), inferior-externo (QIE). Esses pontos de leitura foram escolhidos em conformidade com a literatura, que indica que a preponderância de certas regiões das mamas ao ingurgitamento.

A medida foi iniciada pelo quadrante superior interno, sentido horário para a mama esquerda e anti-horário para a mama direita. A avaliadora utilizou o comando verbal “concentre-se” e com a ponteira do algômentro posicionada ortogonalmente em relação à pele, pressionou de forma uniforme e gradativa. A partir da pressão exercida, instantaneamente o mostrador do instrumento expôs o valor correspondente. Para a voluntária verbalizar o menor desconforto à pressão, foi orientada a expressar a palavra “ai”; dessa forma, a avaliadora interrompia imediatamente a pressão sobre a pele. Nesse momento, o algômetro fixava a resposta no mostrador, registrando o valor correspondente à menor tolerância à pressão. Em cada quadrante, foram realizadas duas medidas. Para a análise, utilizou-se as médias das duas leituras.

As temperaturas cutâneas das mamas em lactação, em processo normal, com ingurgitamento ou com mastite, foram medidas por meio de uma câmera termográfica modelo A 325 da indústria FLIR Systems Inc (Figura 1a).

No uso da termografia, as mamas foram mantidas descobertas por 15min antes da obtenção das imagens. A câmera termográfica ficou disposta sobre um tripé com 75cm de altura, a 130cm de distância da lactante e os termogramas foram captados incluindo as duas mamas em uma única imagem, conforme ilustrado na figura 1b.

As temperaturas foram avaliadas em três pontos distintos e distribuídos pela superfície das mamas, onde apresentavam menor concentração de calor (pixel mais frio). Esses critérios foram adotados para evitar possível interferência das veias superficiais na análise das mamas, já que a circulação sanguínea periférica é mais facilmente detectada pela termografia, tornando-se, deste modo, um obstáculo à investigação.(12) Seria considerada simetria térmica quando houvesse diferença menor que 0,3°C entre as mamas da mesma mulher e assimetria quando a diferença fosse superior a 0,3°C. Adotou-se esse limiar a partir dos resultados obtidos em mulheres no final da gravidez.(1111. Simoes R, Vardasca R, Nogueira-Silva C. Thermal skin reference values in healthy late pregnancy. J Therm Biol. 2012; 37(8):608-14.)

Os dados foram digitados e analisados no programa Excel. Os resultados obtidos das variáveis quantitativas foram expressos por médias, valores mínimos, valores máximos e desvios padrões (DP). Para a análise das imagens, utilizou-se o software Therma CAM™ 2.9 da própria FLIR Systems Inc.

O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Para evidenciar o ingurgitamento mamário, a palpação permitiu identificar a intensidade do ingurgitamento. As mamas flácidas apresentavam-se macias sem qualquer sinal de ingurgitamento e a expressão manual houve saída de secreção láctea. A voluntária L2 tinha mamas com ingurgitamento leve caracterizadas pela turgidez glandular, associada a um ingurgitamento difuso em toda a glândula mamária, com presença de secreção láctea. Já a voluntária L3 apresentava mamas com ingurgitamento glandular moderado não obstrutivo identificado por uma mama cheia, com vários lóbulos e ductos moderadamente ingurgitados de forma esparsa em toda a glândula mamária e drenagem de secreção láctea à expressão manual.

A voluntária L4 tinha mamas com ingurgitamento glandular moderado e obstrutivo, caracterizado pelo intumescimento moderado em toda a mama, associado a edema e dificuldade na drenagem. A lactante L5 tinha mamas com ingurgitamento glandular intenso, as quais se encontravam severamente intumescidas. Já no caso da lactante L6 com diagnóstico de mastite, constatou-se que a mama direita estava totalmente flácida. No entanto, a mama E, com mastite, apresentava o quadrante inferior externo (QII) intumescido, vermelho, sem ponto de flutuação (Tabela 1).

Tabela 1
Lactantes de acordo com o exame fisico (palpaçâo), termografia (°C) e algometria (Kgf/m2)

Conforme listado na tabela 1, as mamas flácidas da lactante L1 apresentaram as mais baixas temperaturas, com média de 32,7°C; e as mamas da voluntária L6, com mastite, as mais elevadas, atingindo a média de 37,5°C. Já as mamas que apresentavam algum tipo de ingurgitamento foram em média 2,3°C (± DP 0,65°C) mais quentes que as mamas flácidas de L1. Observou-se ainda, assimetria térmica entre as mamas D e E (temperatura >0,3°C) nos quatro tipos de ingurgitamento detectados: IM leve L2; IM moderado não obstrutivo L3, IM moderado obstrutivo L4 e IM intenso L5.

De acordo com a lateralidade, observou-se simetria térmica (T <0,3°C) entre mama direita e mama esquerda nas nutrizes (L1 e L6). Dentre as lactantes que apresentavam IM, a assimetria térmica (T >0,3°C) entre mama direita e mama esquerda ficou em média 0,6°C (±DP 0,14).

As mamas que tinham ingurgitamento leve e IM moderado obstrutivo tiveram as temperaturas muito próximas e um diferencial de 0,3°C, sendo as últimas mais quentes. Quando comparadas mamas com IM leve e mamas com IM moderado não obstrutivo, a diferença foi de 0,7°C.

Observou-se na imagem, o realce da rede de Haller, com inúmeros pontos anastomóticos, especialmente nas mamas com ingurgitamento moderado não obstrutivo e com IM intenso.

As mamas com ingurgitamento moderado obstrutivo, as mais doloridas nos testes de algometria, eram 0,4°C mais frias quando comparadas com as de ingurgitamento moderado não obstrutivo.

Ressalta-se que na lactante com ingurgitamento mamário moderado obstrutivo existiam sinais de cacifo na porção inferior da região areolar à esquerda. Nesta mama, a lactante havia realizado ordenha manual 30 min antes da obtenção da imagem. Constatou-se que a região ampolar apresentava uma imagem qualitativamente mais fria, quando comparada com a mesma região da mama direita. Já a mama direita, que havia sido submetida à ordenha manual uma hora antes da aquisição da imagem, não se observou nenhum sinal de cacifo.

Entre as mamas com ingurgitamento moderado não obstrutivo e intenso, a temperatura teve uma variação média de 0,8°C, sendo no intenso mais quente.

Na mama com mastite, a temperatura foi mais elevada com um diferencial de 1,6°C quando comparada às mamas intensamente ingurgitadas. Vale destacar que L6 verbalizou que havia apresentado febre há alguns dias, que tinha iniciado o tratamento e feito uso de antitérmico duas horas antes da aquisição das imagens. Portanto, pode-se inferir que no momento da termografia, L6 estaria com a temperatura corporal mais elevada do que se mediu em função do antitérmico, e que as mamas D e E apresentaram a mesma temperatura.

As mamas flácidas de L1 foram mais tolerantes à pressão, em média, 1,87kgf (±DP 0,10), ao contrário das mamas com ingurgitamento moderado obstrutivo, que foram em média 0,39kgf (±DP 0,01), menos tolerantes.

A mama E da L6 (com mastite) suportou uma pressão de 0,72kgf, ou seja, 0,36kgf (±DP 0,25), menos tolerante à pressão dolorosa, quando comparada a mama D (saudável).

Dentre as lactantes com IM (leve, moderado, obstrutivo, intenso), a diferença de pressão entre mama D e mama E ficou em média de 0,02kgf (±DP 0,01). Já entre as mamas flácidas (L1), a diferença foi de 0,14kgf (±DP 0,04).

Os quadrantes inferiores externos (QIE) das mamas D e E foram os que apresentaram, em geral, menor tolerância à pressão, seguidos pelos quadrantes superior externo (QIE) da mama D e inferior interno da mama E. Na lactante com mastite (L6), a mama E que estava acometida era mais dolorida que a D em quase todos os quadrantes. O quadrante inferior externo dessa mama foi o mais dolorido, justificando o grau de intumescimento, ponto crítico da infecção (Figura 2).

Figura 2
Tolerância à dor, de acordo com os quadrantes e condições das mamas das lactantes

Discussão

A maior dificuldade do protocolo experimental desenvolvido esteve relacionada ao tempo necessário para a aclimatização, pois as mamas foram mantidas descobertas por 15min antes da obtenção das imagens termográficas. Isto gerou preocupação devido às possíveis mudanças de humor e alterações hormonais comuns no puerpério.(1313. Bowen A, Bowen R, Balbuena L, Muhajarine N. Are pregnant and postpartum women moodier? Understanding perinatal mood instability. J Obstet Gynaecol Can. 2012; 34(11):1038-42.)

Além dos desconfortos físicos, as lactantes apresentavam padrões de sono e descanso prejudicados pelas novas atribuições, incluindo as preocupações com o cuidado do recém-nascido e o processo da amamentação. Para minimizar o desconforto, esse período foi utilizado para tirar dúvidas sobre amamentação e aconselhamentos diversos.

As técnicas de algometria e termografia infravermelha, utilizadas neste estudo, são consideradas confiáveis e já foram validadas cientificamente,(1212. Jones BF. A reappraisal of the use of infrared thermal image analysis in medicine. IEEE Trans Med Imaging.1998; 17(6):1019-27.) e dão suporte às práticas baseadas em evidências,(1414. Spruce L, Van Wicklin SA, Hicks RW, Conner R, Dunn D. Introducing AORN's new model for evidence rating. AOR J. 2014; 99(2):243-55.)pois permitiram a compreensão de mecanismos que promovem a amamentação e o manejo clínico da lactação humana.

A tolerância à pressão permitiu a diferenciação dos eventos ocorridos na mama em lactação, pois a dor nas mamas constitui uma das características marcantes do IM.(55. Giugliani ERJ. Common problems during lactation and their management. J Pediatr. 2004; 80(5 Suppl):147-54.) Pela algometria, identificou-se que os quadrantes inferiores externos eram mais doloridos. No entanto, não se encontrou na literatura outro estudo que pudesse corroborar com essa discussão.

A algometria é um método semi-quantitativo que mensura a intensidade da dor e é útil para a avaliação fornecendo resultados imediatos.(1515. Fischer AA. Pressure threshold measurements for diagnosis of myofascial pain and evaluation of treatment results. Clin J Pain. 1986; 2(4):207-14.) No uso desse método, alguns fatores podem interferir nos resultados, tais como álcool e medicamentos, que podem mascarar os limiares da percepção dolorosa.(88. Haddad DS, Brioschi Ml, Arita ES. Thermographic and clinical correlation of myofascial trigger points in the masticatory muscles. Dentomaxillofac Radiol. 2012; 41(8):621-9.) Para este estudo, a maioria das lactantes encontravam-se no purpério imediato (primeiro ao décimo dia pós -parto) e todas faziam uso de algum tipo de analgésico. Assim, excluiram-se as voluntárias que fizeram uso de analgésico nas duas primeiras horas que antecederam ao início do estudo.

Observou-se que algumas lactantes encontravam-se ansiosas e, por vezes, angustiadas. Além da dor nas mamas decorrente do ingurgitamento mamário ou da mastite, algumas estavam com seus filhos internados na UTI neonatal. Acredita-se que essas emoções possam ter interferido na tolerância dolorosa nos testes de algometria.(1515. Fischer AA. Pressure threshold measurements for diagnosis of myofascial pain and evaluation of treatment results. Clin J Pain. 1986; 2(4):207-14.)

A termografia é um método que objetiva captar a radiação infravermelha emitida por uma superfície para medir a temperatura de um corpo.(1212. Jones BF. A reappraisal of the use of infrared thermal image analysis in medicine. IEEE Trans Med Imaging.1998; 17(6):1019-27.,1616. Lahiri BB, Bagavathiappan S, Jayakumar T, Philip J. Medical applications of infrared thermography: A review. Infrared Phys Technol. 2012; 55:221-35.) A partir da inspeção termográfica, observam-se padrões diferenciais de distribuição de temperatura, propiciando informações relacionadas a determinado processo que esteja ocorrendo no organismo.(1111. Simoes R, Vardasca R, Nogueira-Silva C. Thermal skin reference values in healthy late pregnancy. J Therm Biol. 2012; 37(8):608-14.,1212. Jones BF. A reappraisal of the use of infrared thermal image analysis in medicine. IEEE Trans Med Imaging.1998; 17(6):1019-27.)

De acordo com a International Academy of Clinical Thermology - IACT, (1717. Umadevi V, Raghavan SV, Jaipurkar S. Framework for estimating tumour parameters using thermal imaging. Indian J Med Res. 2011; 134(5):725-31.) a termografia é um procedimento confortável e seguro. Contribui na avaliação da vascularização de órgãos sólidos,(1616. Lahiri BB, Bagavathiappan S, Jayakumar T, Philip J. Medical applications of infrared thermography: A review. Infrared Phys Technol. 2012; 55:221-35.) e de patologias em tecidos moles,(1212. Jones BF. A reappraisal of the use of infrared thermal image analysis in medicine. IEEE Trans Med Imaging.1998; 17(6):1019-27.) estabelecendo-se, neste momento, como um componente auxiliar de diagnóstico.(1818. Rustemeyer J, Radtke J, Bremerich A. Thermography and thermoregulation of the face. Head Face Med. 2007;3:17.) Além de identificar anomalias térmicas e vasculares,(1212. Jones BF. A reappraisal of the use of infrared thermal image analysis in medicine. IEEE Trans Med Imaging.1998; 17(6):1019-27.,1919. Zaproudina N, Närhi M, Lipponen JA, Tarvainen MP, Karjalainen PA, Karhu J et al. Nitroglycerin-induced changes in facial skin temperature: “cold nose” as a predictor of headache? Clin Physiol Funct Imaging. 2013; 33(6):409-17.) a termografia é considerada adequada para estudos relacionados à dor, que pode ser medida após procedimentos terapêuticos para avaliação imediata ou em tratamentos de longa duração.(1818. Rustemeyer J, Radtke J, Bremerich A. Thermography and thermoregulation of the face. Head Face Med. 2007;3:17.)

Na mama ingurgitada, há um aumento da vascularização,(5) acúmulo de leite e, secundariamente, estase linfática e venosa.(55. Giugliani ERJ. Common problems during lactation and their management. J Pediatr. 2004; 80(5 Suppl):147-54.) Alterações fisiológicas foram detectadas por meio da termografia, comprovadamente um método de análise fisiológica.(12,16,19)Vale destacar que neste estudo não se processou digitalmente as imagens termográficas a fim de visualizar as estruturas anatômicas internas das mamas, tais como ductos e alvéolos secretores de leite, ficando a avaliação de tal possibilidade para estudos futuros.

A termografia foi considerada uma metodologia adequada, pois permitiu identificar padrões diferentes de distribuição térmica entre mamas flácidas, com ingurgitamento ou mastite. Assim, como assimetria térmica entre as mamas da mesma mulher, definiu-se o limiar diferencial de 0,3°C.(1111. Simoes R, Vardasca R, Nogueira-Silva C. Thermal skin reference values in healthy late pregnancy. J Therm Biol. 2012; 37(8):608-14.)

Os resultados desta pesquisa contribuem com a área de saúde por meio dos conhecimentos científicos e tecnológicos que emergiram a partir do desenvolvimento de instrumentação biomédica inovadora. Também embasam a prática da enfermagem no manejo clínico da lactação, especialmente nas lactantes com ingurgitamento mamário. Entretanto, as técnicas requerem aprimoramento protocolar e, ainda, determinação dos limiares de sensibilidade e especificidade para o tecido mamário.

Conclusão

Os resultados indicam que a partir do exame clínico, algometria de pressão e termografia infravermelha, é possível delinear padrões diferenciais de dor e calor que acometem as mamas em processo da lactação, e promover assistência de enfermagem com qualidade. As técnicas são de fácil manuseio, seguras, inócuas, bem toleradas, embora a termografia requeira um ambiente apropriado e um período de aclimatização.

A aplicação generalizada dos resultados aqui discutidos ainda requer a realização de estudos multicêntricos aplicados a um conjunto amostral de maior dimensão para que se possa concluir, a real efetividade das técnicas aplicadas.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao Prof. MSc. Marcos Antônio Muniz de Moura, que deu apoio técnico e treinamento no manejo da câmera termográfica utilizada nesta pesquisa; ao Instituto Brasileiro de Therapias e Ensino - IBRATE, de Curitiba, que cedeu o algômetro para a realização desta pesquisa; ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq; bolsa de PQ2 para Percy Nohama) e à SETI-PR, pelo apoio financeiro.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Dez 2014
  • Aceito
    20 Jan 2015
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