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Ser idoso com incapacidade e seus cuidadores familiares

Resumos

OBJETIVO: Identificar o ponto de discussão dos autores sobre o idoso com incapacidade funcional, correlacionando com o tempo ontológico heideggeriano. MÉTODOS: Estudo do tipo bibliográfico, sistemático e qualitativo. Os dados foram coletados no banco de dados do Scientific Electronic Library Online. Do total de 123 publicações identificadas, foram selecionados 15 estudos, conforme os critérios de inclusão adotados. RESULTADOS: Com base na análise temática de Bardin, foram constituídas as seguintes categorias de análise: ser-cuidador do idoso com incapacidade, ser-idoso com incapacidade, dinâmica familiar. CONCLUSÃO: Compreendeu-se que fatores relacionados à mundanidade dessas pessoas como relação familiar, apoio dos serviços formais e informais, situação econômica, social, entre outras, fazem parte da historicidade destas influenciando seus modos de ser. Buscar a compreensão desses fatores é importante para promover a saúde dessas pessoas, pensando nos cuidados biológicos e existenciais.

Idoso; Saúde da pessoa com deficiência; Filosofia em enfermagem; Literatura de revisão como assunto; Cuidadores


OBJECTIVE: To identify the authors` point of discussion on the elderly with functional dependence, correlating it with the ontological time discussed in Heidegger. METHODS: This is a bibliographic, systematic and qualitative study. Data was collected in the Scientific Electronic Library Online database. A total of 123 studies were identified, 15 studies were included considering the inclusion criteria. RESULTS: Based on the semantic analysis of Bardin, the following categories of analysis were established: being caregiver for the elderly with functional dependence, being elderly with functional dependence, family dynamics. CONCLUSION: It was understood that factors related to the worldliness of these people as family relationships, support of formal and informal services, economic and social situation, among others, are part of the history of these people influencing their modes of being. Searching to understand these factors is important to promote the health of these people, thinking of the biological and existential care.

Aged; Disabled health; Philosophy, nursing; Review literature as topic; Caregivers


OBJETIVO: Identificar el punto de discusión de los autores sobre el anciano con incapacidad funcional, correlacionando con el tiempo ontológico heideggeriano. MÉTODOS: Estudio de tipo bibliográfico, sistemático y cualitativo. Los datos fueron recolectados en el banco de datos del Scientific Electronic Library Online. De un total de 123 publicaciones identificadas, fueron seleccionados 15 estudios, de acuerdo a los criterios de inclusión adoptados. RESULTADOS: Con base en el análisis temático de Bardin, fueron constituídas las siguientes categorías de análisis: ser-cuidador del anciano con incapacidad, ser-anciano con incapacidad, dinámica familiar. CONCLUSIÓN: Se comprendió que los factores relacionados a a relación familiar, apoyo de los servicios formales e informales, situación económica, social, entre otras, forman parte de la historicidad de éstas influenciando su modo de ser. Es importante buscar la comprensión de estos factores para promover la salud de estas personas, pensando en los cuidados biológicos y existenciales.

Anciano; Salud de la persona con discapacidad; Filosofía en enfermería; Literatura de revisión como asunto; Cuidadores


ARTIGO DE REVISÃO

Ser idoso com incapacidade e seus cuidadores familiares

Ser anciano con incapacidad y sus cuidadores familiares

Amanda Maria Souza de OliveiraI; Larissa Chaves PedreiraII

IPós-graduanda (Mestrado). Programa de Pós-graduação da Universidade Federal da Bahia-UFB, Salvador-BA, Brasil

IIProfessora Adjunto. Universidade Federal da Bahia – UFB, Salvador-BA, Brasil

Autor Correspondente

RESUMO

OBJETIVO: Identificar o ponto de discussão dos autores sobre o idoso com incapacidade funcional, correlacionando com o tempo ontológico heideggeriano.

MÉTODOS: Estudo do tipo bibliográfico, sistemático e qualitativo. Os dados foram coletados no banco de dados do Scientific Electronic Library Online. Do total de 123 publicações identificadas, foram selecionados 15 estudos, conforme os critérios de inclusão adotados.

RESULTADOS: Com base na análise temática de Bardin, foram constituídas as seguintes categorias de análise: ser-cuidador do idoso com incapacidade, ser-idoso com incapacidade, dinâmica familiar.

CONCLUSÃO: Compreendeu-se que fatores relacionados à mundanidade dessas pessoas como relação familiar, apoio dos serviços formais e informais, situação econômica, social, entre outras, fazem parte da historicidade destas influenciando seus modos de ser. Buscar a compreensão desses fatores é importante para promover a saúde dessas pessoas, pensando nos cuidados biológicos e existenciais.

Descritores: Idoso; Saúde da pessoa com deficiência; Filosofia em enfermagem; Literatura de revisão como assunto; Cuidadores

RESUMEN

OBJETIVO: Identificar el punto de discusión de los autores sobre el anciano con incapacidad funcional, correlacionando con el tiempo ontológico heideggeriano.

MÉTODOS: Estudio de tipo bibliográfico, sistemático y cualitativo. Los datos fueron recolectados en el banco de datos del Scientific Electronic Library Online. De un total de 123 publicaciones identificadas, fueron seleccionados 15 estudios, de acuerdo a los criterios de inclusión adoptados.

RESULTADOS: Con base en el análisis temático de Bardin, fueron constituídas las siguientes categorías de análisis: ser-cuidador del anciano con incapacidad, ser-anciano con incapacidad, dinámica familiar.

CONCLUSIÓN: Se comprendió que los factores relacionados a a relación familiar, apoyo de los servicios formales e informales, situación económica, social, entre otras, forman parte de la historicidad de éstas influenciando su modo de ser. Es importante buscar la comprensión de estos factores para promover la salud de estas personas, pensando en los cuidados biológicos y existenciales.

Descriptores: Anciano; Salud de la persona con discapacidad; Filosofía en enfermería; Literatura de revisión como asunto; Cuidadores

INTRODUÇÃO

O impacto de possuir na família alguém dependente égrande e merece atenção especial por parte dos programas de atenção à saúde.

Em 2008, o Ministério da Saúde publicou o Guia Prático do Cuidador(1), que traz orientações sobre os cuidados que devem ser prestados aos idosos, como agir em situações de emergência, direitos e bem-estar do cuidador, além da manutenção e reabilitação da capacidade funcional dos idosos. O mesmo guia, define cuidador como "a pessoa da família ou da comunidade, que presta cuidados a outra pessoa de qualquer idade, que esteja necessitando de cuidado por estar acamada, com limitações físicas ou mentais, com ou sem remuneração".

A incapacidade é a dificuldade para a realização das atividades de vida diária. No idoso, esta pode levar a problemas de saúde, depressão, isolamento e dependência, sendo importante a reabilitação e o apoio da família para facilitar o retorno à realização das atividades diárias, e a retomada da autonomia, fator indispensável à sua qualidade de vida. Mas, existem obstáculos na preservação dessa autonomia, como a falta de estrutura física dentro e fora do domicílio e a superproteção da família que o trata, muitas vezes, como incapaz, deixando-o em uma situação constrangedora e limitante, impedindo-o de realizar tarefas as quais ele ainda pode realizar.

Dentre as enfermidades que mais acometem e incapacitam a população idosa, destacam-se as doenças do aparelho circulatório que ocupam o primeiro lugar em proporção de internações hospitalares de idosos no Sistema Único de Saúde, na Bahia e em Salvador(2). Nesse contexto, o acidente vascular cerebral (AVC) é referido como o principal causador de incapacidade funcional em idosos no Ocidente(3). Aqueles que sofreram episódios de AVC têm seis vezes mais chances de apresentar algum tipo de dependência que os que não tiveram essa doença(4). Dessa forma, torna-se necessária a presença de um cuidador para auxiliar em suas atividades diárias, podendo ser um profissional ou um familiar.

As incapacidades cognitivas e funcionais, na maioria provocadas pelo AVC, têm modificado a existência de muitos idosos e seus familiares, levando-os a dificuldades nas relações familiares. Esta modificação na existência dessas pessoas, aliada a seus contextos de vida, experiências, oportunidades entre outros, leva-os a apresentarem modos de ser diferentes.

O idoso com alguma incapacidade e seu cuidador podem mostrar-se por meio de vários modos de ser, a depender de sua abertura para o mundo, pois um modo de ser que se apresenta agora, não será igual a outro que vem depois(5). Esses modos de ser dependem da forma como cada pessoa relaciona-se com o mundo, sendo este considerado todas as coisas e pessoas a sua volta. Heidegger denomina esse entre as coisas e o homem de conjuntura ou mundanidade do mundo.

Nesse sentido, considerando-se o tempo filosófico heideggeriano como o horizonte onde o ser acontece, guarda relação com o cotidiano, no qual podemos ver os modos de ser da presença

Sendo assim, o trabalho em tela objetivou identificar o ponto de discussão dos autores sobre o idoso com incapacidade funcional, correlacionando-o com o tempo ontológico discutido em Heidegger.

MÉTODOS

Estudo bibliográfico, sistemático, qualitativo, vinculado à Linha de Pesquisa: O Cuidar em Enfermagem no Processo de Desenvolvimento Humano, do Grupo de Estudos do Cuidado em Enfermagem, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Esse tipo de pesquisa visa a usar como fonte de dados a literatura sobre determinado tema, buscando sistematizá-la, a fim de disponibilizar um resumo das evidências relacionadas às estratégias de ação. Tais estudos são importantes para selecionar informações sobre determinado tema, levantar pontos conflitantes ou coincidentes, identificar possíveis lacunas e servir como base para investigações futuras(6).

O estudo é um recorte de um projeto de iniciação científica da UFBA, financiado pelo CNPq, que objetivou identificar o estado da arte em relação ao tempo ontológico e a vivência do idoso com alguma incapacidade correlacionando com o tempo ontológico discutido em Heidegger.

O projeto caracterizou-se como uma pesquisa quanti-qualitativa, com coleta de dados no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e no Banco de dados da Scientific Electronic Library Online, considerando sua relevância científica diante do significativo número de revistas nacionais e internacionais indexadas ao mesmo, possibilitando a abrangência temática ampliada e satisfatória ao tipo de pesquisa. Foram considerados todos os países vinculados, textos em português, inglês e espanhol.

A busca foi feita com os descritores: capacidade ou incapacidade funcional, idoso e acidente cerebrovascular, filosofia e seus sinônimos, resultando em 123 publicações entre artigos, teses e dissertações.Em seguida, foram aplicados os critérios de inclusão: conter no resumo ou como palavra chave, pelo menos dois dos descritores escolhidos, ter como idioma o português, inglês ou espanhol, apresentar uma metodologia clara no resumo, e referir-se à população idosa.

Para o recorte em tela, de abordagem qualitativa, aplicou-se ainda a correlação entre tempo ontológico heideggeriano e idoso com incapacidade, que ocorreu na discussão por meio de textos referentes à temporalidade em Heidegger completo, e como critério de exclusão: artigos que apresentassem resumo incompleto, com metodologia quantitativa e não disponibilizassem o texto completo. Os textos foram analisados independente pelos dois autores.

O levantamento bibliográfico ocorreu entre agosto e novembro de 2008. Com a leitura do material, foram constituídas unidades de análise, seguindo a análise temática de Bardin, com contagem de um ou vários temas e itens de significação, em uma unidade de codificação previamente determinada(7). A correlação entre tempo ontológico heideggeriano e idoso com incapacidade, deu-se na discussão pelos textos referentes à temporalidade em Heidegger.

RESULTADOS

Foram selecionados 15 trabalhos que obedeceram aos critérios de inclusão/exclusão (Quadro 1), e nenhum com o descritor filosofia ou seus sinônimos. Não foram selecionados trabalhos da CAPES pela impossibilidade de acesso ao texto completo.


Na identificação das ideias levantadas pelos autores, foram encontrados os temas: deficiência do suporte formal em apoiar o idoso e a família, desempenho das atividades de vida diária e atividades instrumentais da vida diária, dinâmica familiar, enfrentamento do idoso frente à incapacidade funcional, perfil dos cuidadores e perfil dos idosos dependentes que, agrupados, formaram as unidades de análise: ser-cuidador de idoso com incapacidade ser- idoso com incapacidade e dinâmica familiar.

DISCUSSÃO

Ser cuidador do idoso com incapacidade

Autores mostram que o perfil do cuidador, geralmente, é de mulheres(8,9). Esse encaminhamento do cuidador segue padrões, mitos e crenças característicos de cada sistema familiar, que define não só seu aparecimento, mas também o papel de cada membro na família(10).

Em sua maioria, essas mulheres são idosas, e a maior parte é constituída de esposas, seguidas por filhas, com baixos níveis de renda e escolaridade. Assumem a tarefa de cuidar com pouca ou nenhuma ajuda de outros familiares, de forma improvisada e solitária, como uma obrigação inquestionável pelo fato de serem esposas de todas as horas. Além disso, seguem uma determinação cultural de que o cuidado é algo que está ligado à mulher(8,9).

Assim, assumir os cuidados é uma imposição das circunstâncias, não é uma opção, um ato pensado ou decidido em conjunto. Na maioria dos casos, a pessoa percebe-se obrigada a assumir o cuidado por indisponibilidade de outras. Infelizmente, a necessidade de redução de custos da assistência hospitalar e institucional a idosos incapacitados tem levado muitos países, como o Brasil, a indicar a permanência destes em casa, sem nenhum apoio formal (11).

O envelhecimento com dependência e o aparecimento do cuidador demandam novas formas de assistência e enfoques das Políticas Públicas que orientam a assistência a essa população. O problema do idoso dependente não se resolve, com seu cuidado recaindo sobre a família, esta, muitas vezes, sustentada pela aposentadoria do idoso, percebe-se em dificuldades para a prestação dessa assistência(12). As famílias tornam-se cada vez mais nucleares e enfrentam modificações nos papéis desempenhados por seus membros, dificultando sua participação na assistência ao idoso e levando à carência assistencial dos mais incapacitados(13-26).

Dessa forma, não só o idoso fica carente em relação a sua assistência, como há uma sobrecarga familiar. Um trabalho mostrou que cuidadores gastam no mínimo 3 horas diárias com o cuidar(14,26). Além disso, em seu cotidiano, ainda precisam dividir esse cuidado com afazeres domésticos, trabalho, cuidado com filhos, entre outros(15;26).

A respeito dessa questão, pesquisas apontam que, pela necessidade de cuidar do seu familiar em casa, muitos familiares, sobretudo as mulheres, precisaram abandonar seus empregos ou foram demitidas(11,16). Além disso, a maioria das famílias sobrevive com pouco, e tendo de arcar com despesas de medicações, alimentos, aluguel de equipamentos, entre outros(17).

Nesse contexto, os cuidadores, baseados em suas vivências, experienciam essa tarefa de modo muito particular. O modo como lidam com esse cuidado, relacionam-se com esse idoso e com suas necessidades, depende de como eles encaram e respondem às demandas a sua volta.

Nesse sentido, o humano é um ente dotado do ser da presença, cuja essência é o ex-sistir. Seu único jeito de mostrar-se é por meio de seus modos de ser, expressados em um tempo e espaço próprios(18). Para Heidegger, o tempo é a abertura, o horizonte onde o ser acontece, guardando relação com o cotidiano, no que podemos ver as manifestações do ser(19).

No início e na maior parte das vezes, temos vários modos de ser, que dependerão das várias maneiras como o mundo nos toca, a depender de um estado prévio de humor também chamado de estado de espírito(20).

Nos cuidadores, esse estado prévio de humor estará sempre relacionado às suas dificuldades ou facilidades na prestação cotidiana do cuidar: ajuda dos sistemas formais e informais de apoio, situação econômica, outros afazeres, possibilidades de lazer, entre outros(29).

Ser idoso com incapacidade

Se para a família édifícil o cotidiano do cuidado ao idoso dependente, para este, estar dependente também nem sempre éfácil. Embora um estudo(21) tenha demonstrado uma redução do número de idosos com incapacidade, entre 1998 e 2003, justificando o resultado pela melhoria de saúde da população, o número de idosos com incapacidade ainda é alto, considerando-se o processo de envelhecimento, suas perdas e as doenças crônico degenerativas com suas consequências, entre elas, o AVC.

Um trabalho sobre a limitação funcional em idosos na América Latina e Caribe aponta que o Brasil tem o maior número de idosos com deterioração cognitiva, com o pior nível educacional e com o maior nível de depressão. Em relação à frequência das incapacidades e enfermidades não transmissíveis em idosos, o País tem o maior número de pessoas com dificuldades para atividades da vida diária e atividades instrumentais da vida diária e, quanto à frequência do AVC, o Brasil fica em 2º lugar(22).

Assim, estar dependente, mesmo que de forma parcial, é um desafio que provoca diversas respostas que dependem de uma série de fatores, como: experiências, visões de mundo, características dos indivíduos, acesso e qualidade da rede de suporte formal e informal, entre outros.

Rabelo e Neri, relatam que os fatores mais influentes na recuperação e no ajustamento psicológico de idosos com dependência são os programas sociais de apoio e de reabilitação, o suporte informal, a maior escolaridade, a boa capacidade cognitiva, a continuidade de uma ocupação produtiva, a manutenção das atividades instrumentais de vida diária e o humor positivo(31).

Em relação à importância da educação e das circunstâncias materiais no processo de adaptação do idoso à dependência, um estudo aponta que estes são fatores dominantes das diferentes respostas das mulheres à incapacidade funcional(21). Dessa forma, quanto mais integrados psicológica e socialmente, mais ajustados os idosos dependentes se sentir-se-ão, diminuindo assim o ônus para a família, serviços de saúde e cuidadores.

Outro ponto levantado por Marques et al é o fato de o cuidado no domicílio ou em outros ambientes de assistência à saúde exacerbar o sentimento de impotência, "paralisando" a pessoa, limitando suas possibilidades de controle sobre si e o que está à volta. É nesse sentido que surge a perda da autonomia do sujeito dos cuidados(17).

Ainda nesse sentido, há uma tendência à redução das atividades externas ao domicílio, por idosos com comprometimentos funcionais. Isso gera a redução progressiva dos contatos externos e do círculo de relacionamentos, levando a uma diminuição da rede de apoio social, maior dependência do idoso a outras pessoas e aumento da sobrecarga familiar(12).

Assim, o idoso com alguma incapacidade sendo cuidado no domicílio pode mostrar-se por meio de vários modos de ser, como da ocupação, da indiferença, da agressividade, da passividade, entre outros, a depender de sua abertura para o mundo, do modo como recebe as demandas de mundo e as responde a cada momento.

Muitas vezes, o idoso com incapacidade funcional, está em um estado de humor que anula suas possibilidades, lançando-se em um cotidiano no qual tudo já está dado, aparentemente sem perspectivas de mudanças. Muitas vezes, as possibilidades desses idosos já estão lançadas, geralmente, pela família. Assim, retira-se a autonomia do outro, impondo-o ao que convém.

Dinâmica familiar

Um estudo que procurou identificar mudanças nas relações familiares após um AVC constatou que, a maioria das famílias, apesar de sobreviver com pouco, desestrutura-se, mas a harmonia e o entendimento entre seus membros podem reorganizar esse sistema familiar(17).

Marques et al, enfatizam a importância da relação interpessoal entre os membros da família, pela comunicação e entendimento mútuo. Essa situação, imposta pela prestação do cuidado à pessoa idosa, proporciona a idosos e cuidadores uma oportunidade de obter um novo olhar sobre si mesmo e aos outros, além de novas oportunidades de aproximação da família(17).

Contudo, algumas famílias não conseguem harmonizar-se com piora de suas relações com ofensas verbais e a não aceitação dos cuidados, entre outros. Esses casos podem estar ligados à vivência dessas pessoas e sua relação: idosos e familiares, antes do evento que ocasionou a dependência.

A respeito desse aspecto, é apontada a importância de se defender o fortalecimento das relações entre o sujeito dos cuidados com seus familiares e os profissionais de saúde, superando a dimensão autoritária e paternalista dessas relações, e caminhando no sentido de expandir a autonomia, à medida que se avança o processo terapêutico(23).

O surgimento do AVC desorganiza a família, exigindo a adoção rápida de estratégias de enfrentamento. Entre os momentos mais fragilizantes, estão: a ocorrência do evento, a hospitalização e a chegada do paciente em casa(28).

Dessa forma, a família reage utilizando estratégias de acolhimento e cuidados, embora não esteja preparada para desenvolver tais tarefas. O enfrentamento é favorecido pela existência de uma rede de suporte efetiva no suprimento das demandas físicas, sociais, financeiras e emocionais e sua importância está relacionada à gravidade do déficit apresentado pelo familiar.

As mudanças no ritmo de vida da família quando do surgimento de uma doença, desequilibram sua estabilidade, quando são postos em questão mitos, padrões e crenças(10). Nesse sentido, é importante compreender que ser e tempo andam juntos, não se podendo tentar compreender o ser, por meio de seus modos de ser, sem considerar sua temporalidade, marcada pela mundanidade de cada um. As pessoas enfrentam e reagem às suas demandas de modo muito particular, por isso, cada indivíduo tem sua temporalidade.

Nessa mesma linha de pensamento, um trabalho sobre família de idosos dependentes mostra o quanto pensar no contexto dos cuidadores e dos idosos é importante para compreensão dos modos de ser dessas pessoas, a fim de se planejar intervenções adequadas(25).

É preciso que a equipe de saúde, em seu cotidiano do cuidar, tente buscar compreender os modos de ser do outro, com base em sua mundanidade, ultrapassando o pensamento lógico, e tentando chegar à essência daquilo que se mostra. Por isso, há necessidade de implementação de programas de caráter educativo, dirigidos aos familiares e cuidadores de pessoas com dependência, com o objetivo de prepará-los para o enfrentamento de uma doença crônica.

Além disso, é importante lutar por investimentos em suportes formais e capacitação das pessoas para o suporte informal a essa população, sendo este um caminho para melhorar a autonomia do idoso, diminuir a sobrecarga dos cuidadores e os conflitos familiares.

CONCLUSÃO

A incapacidade funcional e o AVC são temas ainda pouco abordados, porém, em crescimento, acompanhando o maior interesse nessa população por parte dos pesquisadores.

Não foram encontrados estudos referentes à temporalidade, embora muitas pesquisas tenham abordado situações de conflito entre idosos e seus cuidadores. É importante pensar a temporalidade na realização desses estudos, pois o envelhecimento populacional traz demandas sociais, que podem ser melhor entendidas pela busca de outros campos do saber.

O trabalho mostrou a necessidade de investimentos nos suportes formais e informais de apoio a essa população, sendo este um caminho para diminuir a sobrecarga dos cuidadores e conflitos familiares. Além da importância da equipe de saúde ver o sujeito de seus cuidados com base em sua temporalidade, tentando ultrapassar o pensamento lógico, enxergando além do que se mostra.

Enfim, é preciso estar atento para mediar essas relações, atentar para fatores que melhorem o bem-estar nesse domicílio, sendo importante que a enfermeira com outros profissionais atentem para isso nas visitas domiciliares e na formação e acompanhamento de cuidadores.

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  • Corresponding Author:

    Larissa Chaves Pedreira
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      11 Ago 2010
    • Aceito
      07 Ago 2012
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