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Fatores de risco para dependência após trauma crânio-encefálico

Risk factors for dependency after traumatic brain injury

Factores de riesgo para la dependencia despues del trauma crâneo-encefálico

Resumos

OBJETIVO: identificar entre as características das vítimas de trauma crânio-encefálico contuso (idade, sexo, escolaridade, antecedentes, tempo de internação, complicações pós-traumáticas e indicadores da gravidade do trauma e lesão craniana) fatores de risco para prognóstico desfavorável. MÉTODOS: análise de 63 vítimas, com idade entre 12 e 65 anos, em seguimento ambulatorial em centro para atendimento de trauma, entre 6 meses e 3 anos após evento traumático. Utilizando-se a regressão logística múltipla foi construído um modelo para condição funcional. RESULTADOS: indivíduos que alcançaram pontuação 5 no máximo Abbreviated Injury Scale da região cabeça tiveram 4,89 vezes mais chance de dependência quando comparados com os que apresentaram escore menor. Vítimas internadas durante 12 dias ou mais mostraram 5,76 vezes mais chance para se tornarem dependentes em relação às demais. CONCLUSÃO: os fatores de risco para dependência foram o máximo Abbreviated Injury Scale da região cabeça e o tempo de internação.

Traumatismos cerebrais; Fatores de risco; Modelos logísticos


OBJECTIVE: to predict which characteristics of traumatic brain injury patients (age, sex, education, patient history, days of hospitalization, post-traumatic complications and indicators of the severity of trauma and cranial lesion) were risk factors for unfavorable prognosis. METHODS: Data were collected from 63 blunt trauma patients, aged 12 to 65 years old who were six months to three years post-trauma, and were receiving follow-up treatment at a trauma center. Multiple logistic regression was used to analyze the data and develop a model for functional status. RESULTS: Individuals who had a maximum score, five points on the Abbreviated Injury Scale (AIS) for head trauma, were 4.89 times more likely to be dependent than those who had lower scores. Trauma victims who remained hospitalized for 12 days or more were 5.76 times more likely to become dependent than those who had a shorter length of hospitalization. CONCLUSION: Highest score on the AIS, and longer length of hospitalization were the major risk factors for dependency.

Brain injuries; Risk factors; Logistic models


OBJETIVO: identificar entre las características de las víctimas con trauma encéfalo craneano (edad, sexo, escolaridad, antecedentes, tiempo de internamiento, complicaciones post traumáticas e indicadores de gravedad del trauma y lesión craneana) factores de riesgo para pronóstico desfavorable. METODOS: análisis de 63 víctimas, con edades entre 12 y 65 años, con seguimiento ambulatorio en un centro de atención de trauma, entre 6 meses a 3 años posteriores al evento traumático. Se utilizó la regresión logística múltiple y fue construido un modelo para condición funcional. RESULTADOS: los individuos que alcanzaron puntuación de 5 como máximo en la Abbreviated Injury Scale de la región de la cabeza tuvieron 4,89 veces más oportunidad de dependencia que los que presentaron menor escore. Las víctimas internadas durante 12 días o más mostraron 5,76 veces más oportunidad de tornarse dependientes que los demás. CONCLUSIÓN: los mayores factores de riesgo para la dependencia según la Abbreviated Injury Scale fueron los de la región de la cabeza y el tiempo de internamiento.

Traumatismos cerebrales; Factores de riesgo; Modelos logísticos


ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco para dependência após trauma crânio-encefálico

Risk factors for dependency after traumatic brain injury

Factores de riesgo para la dependencia despues del trauma crâneo-encefálico

Regina Márcia Cardoso de Sousa

Livre-Docente do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Regina Márcia Cardoso de Sousa Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 05403-000 São Paulo - SP E-mail: vian@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: identificar entre as características das vítimas de trauma crânio-encefálico contuso (idade, sexo, escolaridade, antecedentes, tempo de internação, complicações pós-traumáticas e indicadores da gravidade do trauma e lesão craniana) fatores de risco para prognóstico desfavorável.

MÉTODOS: análise de 63 vítimas, com idade entre 12 e 65 anos, em seguimento ambulatorial em centro para atendimento de trauma, entre 6 meses e 3 anos após evento traumático. Utilizando-se a regressão logística múltipla foi construído um modelo para condição funcional.

RESULTADOS: indivíduos que alcançaram pontuação 5 no máximo Abbreviated Injury Scale da região cabeça tiveram 4,89 vezes mais chance de dependência quando comparados com os que apresentaram escore menor. Vítimas internadas durante 12 dias ou mais mostraram 5,76 vezes mais chance para se tornarem dependentes em relação às demais.

CONCLUSÃO: os fatores de risco para dependência foram o máximo Abbreviated Injury Scale da região cabeça e o tempo de internação.

Descritores: Traumatismos cerebrais; Fatores de risco; Modelos logísticos

ABSTRACT

OBJECTIVE: to predict which characteristics of traumatic brain injury patients (age, sex, education, patient history, days of hospitalization, post-traumatic complications and indicators of the severity of trauma and cranial lesion) were risk factors for unfavorable prognosis.

METHODS: Data were collected from 63 blunt trauma patients, aged 12 to 65 years old who were six months to three years post-trauma, and were receiving follow-up treatment at a trauma center. Multiple logistic regression was used to analyze the data and develop a model for functional status.

RESULTS: Individuals who had a maximum score, five points on the Abbreviated Injury Scale (AIS) for head trauma, were 4.89 times more likely to be dependent than those who had lower scores. Trauma victims who remained hospitalized for 12 days or more were 5.76 times more likely to become dependent than those who had a shorter length of hospitalization.

CONCLUSION: Highest score on the AIS, and longer length of hospitalization were the major risk factors for dependency.

Keywords: Brain injuries; Risk factors; Logistic models

RESUMEN

OBJETIVO: identificar entre las características de las víctimas con trauma encéfalo craneano (edad, sexo, escolaridad, antecedentes, tiempo de internamiento, complicaciones post traumáticas e indicadores de gravedad del trauma y lesión craneana) factores de riesgo para pronóstico desfavorable.

METODOS: análisis de 63 víctimas, con edades entre 12 y 65 años, con seguimiento ambulatorio en un centro de atención de trauma, entre 6 meses a 3 años posteriores al evento traumático. Se utilizó la regresión logística múltiple y fue construido un modelo para condición funcional.

RESULTADOS: los individuos que alcanzaron puntuación de 5 como máximo en la Abbreviated Injury Scale de la región de la cabeza tuvieron 4,89 veces más oportunidad de dependencia que los que presentaron menor escore. Las víctimas internadas durante 12 días o más mostraron 5,76 veces más oportunidad de tornarse dependientes que los demás.

CONCLUSIÓN: los mayores factores de riesgo para la dependencia según la Abbreviated Injury Scale fueron los de la región de la cabeza y el tiempo de internamiento.

Descriptores: Traumatismos cerebrales; Factores de riesgo; Modelos logísticos

INTRODUÇÃO

Estudos sobre a avaliação das conseqüências dos traumas demostram nitidamente que os pacientes que sofreram danos encefálicos apresentam um pior prognóstico, tanto na análise da mortalidade como da morbidade(1-2).

A associação entre conseqüências pós-trauma e fatores pré-mórbidos, observações clínicas, medidas fisiológicas e dados radiológicos e laboratoriais tem sido freqüentemente pesquisada na constante busca de estabelecer indicadores seguros que permitam conhecer precocemente o prognóstico a médio e longo prazos de uma vítima de trauma(2-5).

No entanto, dificuldades surgem na busca desses indicadores, à medida que um grande número de variáveis influencia a recuperação pós-trauma, em especial das vítimas de trauma crânio-encefálico (TCE). Há uma evolução relativamente prolongada na recuperação após esse tipo de lesão e limitações nas avaliações clínicas precoces, bem como lacunas na compreensão fisiológica do TCE e sua recuperação.

A despeito das dificuldades de chegar a indicadores seguros, a perspectiva de prover a base para maior fidedignidade no prognóstico de vítimas de TCE tem propulsionado a continuidade dos estudos. Um prognóstico confiável traria muitas vantagens às pessoas envolvidas em tratamento e pesquisas em TCE: proveria um padrão para orientar familiares de vítimas e para realizar apropriadamente o tratamento e a reabilitação; ofereceria esclarecimentos dentro da fisiopatologia do TCE e poderia proporcionar novas formas de estudos terapêuticos(3).

Ainda que predizer resultados após o trauma venha sendo o foco de numerosos estudos nas últimas décadas, pouco se conhece sobre a relação das múltiplas variáveis, indicadas como fatores relacionados com a recuperação, na perspectiva de prever conseqüências a médio e longo prazos.

A análise conjunta desses fatores reconhece a complexidade do contexto natural, onde múltiplas são as variáveis que influenciam no resultado a longo prazo do TCE. Entre elas, a gravidade do trauma, da lesão craniana e a idade têm se destacado, porém, sexo, escolaridade, antecedentes, tempo de internação, complicações pós-traumáticas também têm sido investigadas(3).

É claro que a recuperação das vítimas de TCE tem como fator determinante principal a gravidade de um trauma craniano e das lesões extracranianas associadas. Mas é na dificuldade de mensuração da gravidade do TCE e de estimar a magnitude do efeito de lesões associadas, que se encontra o grande obstáculo para que indicadores prognósticos fidedignos pós-trauma sejam obtidos.

No atual estudo, os parâmetros utilizados para estabelecer a gravidade global do trauma foram o Injury Severity Score (ISS) e o New Injury Severity Score (NISS). Para estimar a gravidade da lesão craniana, utilizou-se a Escala de Coma de Glasgow (ECGl) e o máximo Abbreviated Injury Scale (AIS) da região cabeça (MAIS/cabeça).

A habilidade para prever os resultados das variáveis independentes é influenciada pela variável dependente ou resposta estudada(2-3). Embora numerosos fatores clínicos, funcionais, psicológicos e econômicos possam ser selecionados, a capacidade funcional tem sido considerada aspecto fundamental para avaliar conseqüências nas vítimas que sobrevivem ao TCE.

O tempo de tratamento após trauma, em que a vítima é avaliada, é relacionado com as conseqüências pós-traumáticas, à medida que a recuperação do trauma é um processo dinâmico, dependente do tempo, com evolução relativamente prolongada. Pesquisas prévias, assim como as observações clínicas têm sugerido substancial melhora durante o primeiro ano, sobretudo durante os primeiros seis meses, havendo após esse período a estabilização do processo de recuperação(6-7). Portanto, o período de seis meses após trauma tem sido recomendado como marco inicial para avaliar as conseqüências em vítimas sobreviventes.

Tendo em vista a importância do TCE como causa de incapacidades e desvantagens sociais em nosso meio e o interesse no prognóstico das vítimas sobreviventes, no presente estudo optou-se por identificar entre as características das vítimas, da fase aguda do trauma, fatores de risco para prognóstico desfavorável, entre seis meses e três anos após o TCE, quando a capacidade funcional é a variável resposta investigada.

MÉTODOS

O presente estudo apresenta abordagem quantitativa, descritiva correlacional, utilizando dados tanto da fase aguda do tratamento, coletados retrospectivamente em prontuários, como também das entrevistas e avaliações realizadas entre seis meses e três anos após o trauma. Foi realizado em hospital governamental, centro de referência para atendimento de vítimas de trauma na região oeste da Grande São Paulo, após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.

Foram alvo da investigação as vítimas de TCE contuso, atendidas no Pronto-Socorro desse hospital, nas primeiras 72 horas após evento traumático, que necessitaram de internação hospitalar e, posteriormente, mantiveram consultas agendadas no ambulatório para continuidade do tratamento.

Foram também critérios de inclusão no estudo: a idade das vítimas, entre 12 e 65 anos; o comparecimento à consulta agendada, entre seis meses e três anos, após TCE; e o consentimento em participar do estudo.

Entre julho de 1999 e março de 2000, todas as vítimas com consultas agendadas no ambulatório, que atenderam aos critérios de inclusão pré-estabelecidos, tiveram seus prontuários criteriosamente analisados e deles extraídos os dados demográficos e clínicos necessários. O escore referente a ECGl foi obtido do registro da primeira avaliação neurocirúrgica, realizada no Pronto-Socorro do hospital. Pela leitura do prontuário também foram identificadas as descrições das lesões conseqüentes do trauma consideradas para o cálculo do ISS, NISS e para estabelecer o MAIS/cabeça.

Após a seleção das vítimas e coleta de dados dos prontuários, os selecionados foram abordados no ambulatório para entrevista, enquanto aguardavam a consulta médica agendada. Aqueles que consentiram em participar do estudo, foram entrevistados e avaliados pela Escala de Resultados de Glasgow (ERG)(6)

Ao término da coleta, os dados foram armazenados em banco de dados computadorizado e tratados eletronicamente. Para cálculo do ISS e NISS e estabelecer o MAIS/cabeça , foi identificado o código AIS, segundo AIS-90 UpDate 98(8) de cada lesão. Depois de estabelecido o código de todas as lesões descritas, analisou-se especificamente as lesões da região cabeça e determinou-se o MAIS/cabeça, o mais alto escore AIS dessa região. Procedeu-se também o cálculo do ISS e NISS, conforme proposta dos autores dos índices(9).

Na análise dos fatores relacionados com as conseqüências do TCE, as vítimas foram distribuídas em categorias dicotômicas, conforme segue.

ECGl – Esta escala, como parâmetro de gravidade do TCE, tem classificado as vítimas em três categorias, segundo escore obtido na avaliação inicial realizada: 13 a 15, trauma leve; 9 a 12, moderado, e 3 a 8, grave. Estudos têm, entretanto, demonstrado que grupos de vítimas com pontuação £8 apresentam piores conseqüências pós-traumáticas, quando comparados aos demais. Porém, quando as análises consideram grupos com indicação de trauma leve ou moderado, diferenças nesse sentido não são evidenciadas(10). Tendo em vista tais resultados, os grupos de vítimas foram constituídos por aquelas com pontuação na ECGl de 3 a 8 e de 9 a 15.

MAIS/cabeça – Na análise das lesões anatômicas, aquelas com escore maior ou igual a 3 têm sido consideradas lesões críticas, diferentemente de lesões com escore 1 ou 2 que acarretam nenhuma ou pouca ameaça à sobrevivência(8). Somente um participante da casuística deste estudo apresentou, na cabeça, a mais grave lesão com pontuação inferior a 3. Os outros apresentaram em sua grande maioria MAIS/cabeça com escore de 4 ou 5. Optou-se, assim, pela reunião das vítimas com escore de 2 a 4, sendo as com pontuação 5, separadas das demais.

ISS e NISS – Um escore ISS ³ 16 tem sido considerado como ponto crítico, correspondente a um trauma importante e indicador da necessidade de assistência em centros de atendimento ao trauma(11). Sendo assim, nas análises realizadas em relação ao ISS e NISS, as vítimas foram distribuídas, segundo valores menores ou ³ 16.

Tempo de internação – O valor da mediana do tempo de hospitalização na fase aguda de tratamento foi o critério utilizado para ajustar as vítimas em duas categorias.

Complicações na fase aguda de tratamento – Nessa variável, a categorização foi realizada considerando a presença ou não de complicações descritas em prontuário.

Idade – No processo de recuperação após o TCE, o efeito deletério da idade é um tema abordado na literatura com freqüência, havendo indicações que, provavelmente seu início ocorra a cerca de 40 anos de idade(12-13). Desta forma, as vítimas com idade ³41 anos foram separadas das demais.

Sexo – Como se trata de evento naturalmente binário, ajuste para as análises com essa variável não foram necessários.

Escolaridade – A baixa escolaridade da casuística do presente estudo, apontou para diferenciação das vítimas com escolaridade menor de 8 anos das demais.

Antecedentes – Para o estudo desta variável, a presença de história de abuso de álcool ou drogas ilícitas; distúrbio psiquiátrico diagnosticado; epilepsia e trauma anterior seguido de atendimento hospitalar foi contraposta à ausência desses fatores relacionados à personalidade pré-morbida.

Quanto à variável resposta, nos estudos recentes vem sendo estabelecido que, quando se analisa capacidade funcional em categorias dicotômicas, as vítimas sejam divididas em dependentes e independentes. Esta prática reconhece que, embora a restrição em realizar uma atividade seja o foco do processo de reabilitação; em geral, a expectativa da avaliação das conseqüências do TCE está no quanto o indivíduo é limitado para plenamente assumir seu papel social e, portanto, na análise da implicação de suas incapacidades para família e sociedade. No presente estudo, a ERG(6) fundamentou a distribuição das vítimas nas duas categorias. Segundo critérios estabelecidos, são indivíduos independentes aqueles incluídos nas categorias boa recuperação e incapacidade moderada e dependentes, os sobreviventes com incapacidade grave ou que permaneceram em estado vegetativo persistente.

Os dados deste estudo foram submetidos a provas estatísticas, conforme orientação de especialista da área. Estatísticas descritivas foram feitas e Intervalos de Confiança de 95% foram usados para estimar o valor médio real das variáveis relacionadas com a gravidade do trauma e TCE.

Na análise dos fatores relacionados com a condição funcional após TCE, tabela de contingência foi organizada. Nesta tabela, o teste de associação do Qui-quadrado foi utilizado para verificar a associação entre as variáveis. Porque alguns valores das freqüências esperadas foram menores que 5, algumas vezes essa prova foi substituída pelo teste exato de Fisher.

Utilizando a regressão logística múltipla foi construído um modelo para análise dos fatores preditivos independentes para condição funcional. A adequação do modelo foi avaliada pelo teste de Hosmer –Lemeshow.

As provas estatísticas foram feitas admitindo-se erro de primeira espécie de 5%.

RESULTADOS

No período de coleta de dados foram avaliadas 63 vítimas em acompanhamento ambulatorial que tiveram lesão contusa e atenderam aos demais critérios de inclusão estabelecidos para este estudo. Para determinar as conseqüências pós-traumáticas, as vítimas foram entrevistadas entre 6 meses e 3 anos após o TCE. O tempo médio após o trauma, em que ocorreu essa entrevista, foi 16,9 meses e o valor mediano desse tempo foi 13 meses.

A análise das vítimas com idade de 12 a 65 anos, mostrou maioria das vítimas menores de 41 anos (66,6%), do sexo masculino (81,0%), com escolaridade inferior a 8 anos (74,6%). Foi longo o tempo que as vítimas deste estudo permaneceram internadas, durante o período crítico do trauma. Vítimas com 12 dias ou mais de internação foram 31, e 10 delas permaneceram internadas período superior ou igual a 30 dias.

A presença dos antecedentes investigados foi observada em 44,4% das vítimas. O uso abusivo de álcool ou drogas ilícitas foi referido por 20 entrevistados (31,7%). Trauma anterior seguido de atendimento hospitalar foi relatado por um quarto da amostra, 16 vítimas, e em 9 delas, o abuso de álcool ou drogas ilícitas também foi detectado. Pouco freqüentes foram os antecedentes de epilepsia e de distúrbio psiquiátrico diagnosticado, referido por 4 e uma vítima, respectivamente.

Descrições de complicações pós-traumáticas foram observadas em 52,4% dos prontuários das vítimas, na fase aguda de tratamento. No total, 52 complicações foram registradas no prontuário de 33 vítimas. As mais freqüentes complicações foram as respiratórias, com 25 ocorrências, seguidas pelas complicações cranianas, 23, e 4 outras complicações. As complicações respiratórias observadas incluíram 16 casos de broncopneumonia, 3 de pneumotórax, 3 de complicações decorrentes de traqueostomia ou intubação, além de atelectasia de hemitórax, empiema e derrame pleural. Entre as complicações cranianas, 11 foram fistulas liquóricas e 4 meningites. As demais complicações cranianas distribuíram-se em: laceração cirúrgica da dura-máter, empiema subdural, complicações de incisão cirúrgica craniana, hidrocefalia hipertensiva e osteomielite de ossos cranianos.

Na Tabela 1, a gravidade das vítimas está retratada por meio da estatística descritiva dos valores obtidos no ISS, NISS, ECG1 e MAIS/cabeça. Quanto às informações referentes à ECG1, vale explicitar que a ausência de registros dessa escolas em prontuário, relacinado à primeira avaliação da neurocirurgia, excluíram três vítimas dessa análise.

Os dados da Tabela 2 demonstram a condição das vítimas em relação às conseqüências pós-traumáticas observadas no período da avaliação. Aplicando-se a ERG original e tendo em vista os critérios descritos no método foram identificadas 42 (66,7%) vítimas independentes (boa recuperação + incapacidade moderada) e 21 vítimas dependentes, 33,3% do total da amostra (incapacidade grave). Vítimas extremamente dependentes, em estado vegetativo persistente, não foram identificadas.

Para responder à questão inicial da pesquisa sobre fatores de risco para prognóstico desfavorável pós-TCE apresenta-se, na Tabela 3, os resultados dos testes estatísticos com a distribuição das vítimas, segundo as variáveis estudadas.

Entre as características das vítimas analisadas, apenas as variáveis MAIS/cabeça, NISS, tempo de internação e complicações pós-traumáticas apresentaram associação estatisticamente significativa com a capacidade funcional entre seis meses e três anos pós-trauma (Tabela 3).

A Tabela 4 apresenta os resultados da análise dos fatores preditivos independentes para capacidade funcional. Essa análise, realizada pelo método de regressão logística, mostrou que os fatores de risco para dependência no presente estudo foram o MAIS/cabeça e o tempo de internação. Vítimas que alcançaram pontuação 5 no MAIS/cabeça tiveram 4,89 vezes mais chance de dependência quando comparadas com as que apresentaram escore de 2 a 4. Quando se analisou a variável tempo de internação, vítimas internadas durante 12 dias ou mais mostraram 5,76 vezes mais chance para se tornarem dependentes pós-trauma em relação às demais. A avaliação da adequação do modelo pelo Teste de Hosmer e Lemeshow demostrou um ajuste quase perfeito do modelo de regressão logística.

DISCUSSÃO

Na atual investigação, a casuística descrita evidenciou as variáveis MAIS/cabeça e tempo de internação como fatores relacionados com dependência após TCE.

A importância da gravidade do TCE para predizer resultados pós-trauma a médio e longo prazos pode, por meio dos atuais resultados, ser considerada ambígua, caso não se considerem as limitações inerentes aos instrumentos de mensuração utilizados. Enquanto se observa uma importante associação entre a condição funcional independente e MAIS/cabeça de 2 a 4, o mesmo não ocorre em relação à ECGl > 8.

Há problemas bem reconhecidos verificados no uso da ECGl para predizer morbidade e mortalidade na fase aguda do TCE: na ECGl, escores baixos podem não retratar a gravidade do trauma encefálico no atendimento inicial, mas sim, alterações sistêmicas graves que podem alterar esse parâmetro, ou ainda, ser conseqüência do uso de drogas ou estado pós-ictal. Por isso, tem sido recomendado que para avaliar a gravidade do TCE seja utilizada a pontuação obtida seis ou mais horas pós-trauma. O período de seis horas, entretanto, pode ser problemático à medida que intervenções precoces, tais como cirurgias, administração de medicamentos, sobretudo sedação possam alterar drasticamente esse parâmetro(10).

Na presente pesquisa, procurou-se amenizar essas limitações, uma vez que a primeira avaliação da equipe de neurocirurgia, em geral precede às condutas mais drásticas em relação ao TCE, porém, rotineiramente, só é solicitada após avaliação e estabilidade respiratória e hemodinâmica da vítima.

Quando se considera o uso da ECGl para prognóstico, além da dificuldade em manter a validade na medida inicial para indicar gravidade do TCE, outro aspecto a ser considerado é que mesmo vítimas com baixos escores na ECGl apresentam condição funcional independente no período pós-traumático.

Revisão de literatura recente concluiu que se a ECGl inicial for obtida de forma confiável e sem subestimação pelo uso de medicação ou intubação, aproximadamente, 20% dos pacientes com os mais baixos escores na ECGl irão sobreviver e 8% a 10% apresentarão condição funcional independente(14).

Outros autores já têm apontado vantagens na escolha do MAIS/cabeça para prognosticar resultados, frente aos atuais protocolos de atendimento das vítimas de TCE que incluem intubação e sedação precoce, ainda nos serviços de emergência, quando a pessoa é gravemente traumatizada. Isto proporciona a antecipação da avaliação com a ECGl ou ajustes no valor obtido que nem sempre retratam a verdadeira gravidade do TCE(15).

No entanto, não se pode minimizar duas importantes limitações existentes no MAIS/cabeça: ele ignora lesões associadas na região cabeça, considerando só a mais grave lesão; fundamentalmente, utiliza diagnósticos das lesões obtidos através de tomografia computadorizada, recurso que evidencia muitas lesões graves, porém não apresenta sensibilidade para os menores danos encefálicos, que embora tenham pouca relevância para mortalidade são de importância para a morbidade(16).

O MAIS/cabeça tem sido utilizado de forma pouco expressiva como parâmetro para prognosticar capacidade funcional após TCE. Quando utilizado, geralmente, reúne os escores 1 e 2, como lesão leve, mantém AIS 3, como lesão moderada e considera-se AIS 4 e 5, como lesão grave. Nessa distribuição, pouca relevância tem sido atribuída ao uso desse escore para prognosticar incapacidade e reintegração social(17). No presente estudo, a separação dos escores que determinam lesão grave nessa categorização permitiu evidenciar o escore 5 na previsão das conseqüências pós-traumáticas. Convém, no entanto, comentar que dados de outros estudos já haviam mostrado a importância dessa pontuação para esse fim(1,15).

Provavelmente, o valor prognóstico do MAIS/cabeça como indicador único, fortaleça-se em vítimas de TCE grave, como as analisadas neste estudo, em que a presença de lesão com escore 5, foi um importante divisor de resultados.

É interessante ainda, salientar que todas as vítimas que obtiveram pontuação 5 no MAIS/cabeça e ECGl £6, tornaram-se dependentes no período pós-trauma. Talvez seja essa uma indicação da necessidade de investigações que aprofundem a questão da combinação dos diferentes escores de diversos indicadores de gravidade para estimar conseqüências pós-traumáticas.

Menores períodos de permanência hospitalar na fase aguda de tratamento foi associado com a condição independente. Possivelmente, longos períodos de internação refletiram a gravidade inicial do trauma das vítimas ou complicações pós-trauma.

Nenhum dos fatores pré-mórbidos analisados (idade, sexo, escolaridade e antecedentes) apresentou associação com capacidade funcional pós–traumática. Dois aspectos podem ser relacionados a tais resultados. Primeiro, a menor importância desses fatores para estimar capacidade funcional frente à sua expressão no prognóstico de desvantagens sociais. Segundo, a semelhança dos grupos investigados, onde mesmo os indivíduos com a mais alta escolaridade apresentaram somente escolaridade fundamental ou média completa e os mais velhos tinham até 65 anos de idade.

No final, o modelo contemplou duas variáveis relacionadas à gravidade do trauma, fortalecendo a importância desse parâmetro na estimação da capacidade funcional e trazendo um modelo acurado para predizer a capacidade funcional entre seis meses e três anos pós-TCE, com apenas duas medidas clínicas, facilmente mensuradas em hospitais de referência para atendimento de vítimas de trauma.

Convém lembrar, que a principal limitação do presente estudo relacionou-se ao fato de tratar-se de uma amostra específica, conforme relatado no método. O número de casos relativamente reduzido requereu junção de categorias das variáveis para apropriado tratamento estatístico, perdendo-se, às vezes, o detalhamento da informação coletada. No entanto, acredita-se que diretrizes importantes puderam emergir dos dados analisados, devendo o estudo contribuir para a identificação, na prática clínica, de grupos de risco para resultados desfavoráveis, o que fornece diretrizes para o tratamento dessas vítimas, sendo também um parâmetro de valia na avaliação das intervenções realizadas.

CONCLUSÃO

A análise das 63 vítimas com idade de 12 a 65 anos, em acompanhamento ambulatorial entre seis meses e três anos após TCE, permitiu concluir que, as variáveis MAIS/cabeça e tempo de internação são fatores de risco para dependência após TCE. Vítimas que alcançaram pontuação 5 no MAIS/cabeça ou permaneceram internadas durante 12 dias, ou mais, apresentaram mais chance para se tornarem dependentes que as demais.

Artigo recebido em 22/02/05 e aprovado em 02/06/05

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  • Autor correspondente:
    Regina Márcia Cardoso de Sousa
    Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419
    05403-000
    São Paulo - SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Recebido
      22 Fev 2005
    • Aceito
      02 Jun 2005
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