Engajamento e qualidade de vida dos graduandos de enfermagem e medicina

Compromiso y calidad de vida de estudiantes universitarios de enfermería y medicina

Resumo

Objetivo

Investigar a correlação entre o engajamento e qualidade de vida dos estudantes de graduação em enfermagem e medicina de uma universidade privada.

Métodos

Estudo observacional analítico, transversal, abordagem quantitativa, realizado com 219 graduandos, por meio de três questionários autoaplicáveis: um com os dados sociodemográficos; Study & Well-being Survey para avaliar o engajamento do estudante e o Medical Outcomes Study 36 – Item Short-Form Health Survey (SF-36) para avaliar a qualidade de vida. Testou-se a normalidade dos dados por meio do teste de Kolmorov Smirnov e para a análise inferencial utilizou-se dentro dos padrões esperados, o teste de Correlação de Spearman entre as dimensões do engajamento e os domínios da qualidade de vida.

Resultados

Participaram 171 estudantes de medicina e 48 da enfermagem, 160 (73,06%) do sexo feminino e 59 (26,94%) do sexo masculino. O engajamento apresentou média de escore 3,57± 0,92 e a qualidade de vida com média maior que 50. A correlação entre engajamento e qualidade de vida foi considerada moderada entre a dimensão vigor e o domínio vitalidade (r=0,505) e saúde mental (r=0,332) e entre as dimensões dedicação(r=0,400) e absorção (r=0,313) com o domínio vitalidade.

Conclusão

A correlação mostrou-se fraca entre a maioria dos domínios da qualidade de vida e o engajamento dos graduandos de enfermagem e medicina.

Engajamento; Qualidade de vida; Estudantes de enfermagem; Estudantes de medicina

Resumen

Objetivo

Investigar la correlación entre el compromiso y la calidad de vida de estudiantes de enfermería y medicina de una universidad privada.

Métodos

Estudio observacional analítico, transversal, con enfoque cuantitativo, realizado con 219 estudiantes universitarios, mediante tres cuestionarios autoaplicados: uno con datos sociodemográficos, el Study & Well-being Survey para evaluar el compromiso de los estudiantes y el Medical Outcomes Study 36 – Item Short-Form Health Survey (SF-36) para evaluar la calidad de vida. Se probó la normalidad de los datos mediante la prueba de Kolmorov Smirnov y, para el análisis inferencial, se utilizó dentro de los estándares esperados, la prueba de correlación de Spearman entre las dimensiones del compromiso y los dominios de calidad de vida.

Resultados

Participaron 171 estudiantes de medicina y 48 de enfermería, 160 (73,06 %) de sexo femenino y 59 (26,94 %) de sexo masculino. El compromiso presentó un puntaje promedio de 3,57± 0,92 y la calidad de vida un promedio mayor a 50. La correlación entre el compromiso y la calidad de vida se consideró moderada entre la dimensión vigor y el dominio vitalidad (r=0,505) y salud mental (r=0,332) y entre las dimensiones dedicación (r=0,400) y absorción (r=0,313) con el dominio vitalidad.

Conclusión

La correlación demostró ser escasa entre la mayoría de los dominios de calidad de vida y el compromiso de los estudiantes universitarios de enfermería y medicina.

Compromiso; Calidad de vida; Estudiantes de medicina; Estudiantes de enfermería

Abstract

Objective

To investigate the correlation between nursing and medical students’ engagement and quality of life at a private college.

Methods

This is an observational, analytical, cross-sectional study with a quantitative approach, carried out with 219 undergraduate students, using three self-administered questionnaires: one with sociodemographic data; Study & Well-being Survey, to assess student engagement; and the Medical Outcomes Study 36 – Item Short-Form Health Survey (SF-36), to assess quality of life. Data normality was tested using the Kolmogorov-Smirnov test, and for inferential analysis, within expected standards, Spearman’s correlation test between the engagement dimensions and the quality of life domains was used.

Results

A total of 171 medical students and 48 nursing students participated, 160 (73.06%) female and 59 (26.94%) male. Engagement had a mean score of 3.57 ± 0.92 and quality of life with an average greater than 50. The correlation between engagement and quality of life was considered moderate between the vigor dimension and the energy/vitality domain (r=0.505), and health mental (r=0.332) and between dedication (r=0.400) and absorption (r=0.313) dimensions with the energy/vitality domain.

Conclusion

The correlation was weak between most nursing and medical students’ quality of life and engagement domains.

Engagement; Quality of life; Students, medical; Students, nursing

Introdução

Os estudantes do ensino superior, quando inseridos na universidade, muitas vezes se deparam com várias dificuldades, tais como, adaptação às novas rotinas, integração com outras pessoas do novo contexto universitário. Sobretudo, o controle de suas próprias finanças e muitas vezes distante de familiares, o que pode levar a sentimentos constantes de vulnerabilidade às alterações físicas e psicológicas. Em consequência, comprometer a sua qualidade de vida (QV), bem-estar, satisfação, seu engajamento na universidade e, consequentemente, prejudicar o seu desempenho nos estudos.(¹)

Engajamento acadêmico e QV referem-se ao bem-estar psicológico e compromisso com o estudo. O estado de bem-estar psicológico é composto pelos constructos vigor, dedicação e absorção, que são dimensões relacionadas ao engajamento com os estudos; assim como, a inteligência emocional e resiliência, que podem ser consideradas na avalição do desempenho e QV dos estudantes.(²) Vigor é caracterizado pela vontade de se dedicar, persistência mesmo diante de dificuldades; Dedicação é manifestada pelo entusiasmo, inspiração, orgulho e desafios relacionados a atividade realizada e Absorção caracteriza-se por estar totalmente concentrado, a tarefa é realizada com alegria, prazer.(³)

Saúde mental e QV de graduandos em medicina têm estado em destaque na literatura, com a justificativa de que podem comprometer o desempenho e suas atitudes no atendimento aos clientes. Evidências recentes destacam a importância do ambiente educacional como determinante para QV dos universitários. Um estudo realizado em 22 escolas médicas de todas as regiões do Brasil revelou que os estudantes de medicina do sexo feminino demonstraram pior percepção da QV que aqueles do sexo masculino e estarem menos satisfeitos com o ambiente de ensino, principalmente, nos últimos períodos do curso.(⁴)

A QV está cada vez mais associada ao conceito de saúde; apresenta um conceito amplo, que inclui o estado físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, ambiente e espiritualidade. Compreende-se que o ingresso do estudante na universidade pode motivar sensações como angústia, insegurança, medo e ansiedade. Os graduandos em Enfermagem, quando entram em contato com pessoas doentes, vivenciam experiências novas com a realização de determinados procedimentos e cuidados. Estas muitas vezes causam grande impacto em suas vidas e podem estar associadas ao abandono do curso de graduação, ao desempenho acadêmico pouco satisfatório e a problemas de saúde.(⁵)

Para a compreensão dos fatores que influenciam positivamente a vida das pessoas no seu cotidiano; os estudos sobre QV tornam-se muito importantes, tanto no meio acadêmico como nas organizações. As relações profissionais e pessoais, condições de trabalho, ambiente insalubre e carga horária excessiva, mesmo em calendários escolares são exemplos de situações de desgaste físico e emocional, que podem comprometer a QV e o engajamento dos estudantes nos estudos.(⁶)

Alguns estudos internacionais identificaram o desempenho do professor como o principal fator de influência externa na análise de engajamento e desempenho do estudante.(⁷,⁸)Outras pesquisas apontam que fatores internos como a inteligência e características de personalidade dos estudantes podem afetar os estudos e o desempenho acadêmico, enquanto outros autores afirmam a associação entre satisfação com a vida e desempenho acadêmico.(⁶)

Um estudo realizado na Espanha mostrou relações significativas entre engajamento, QV e desempenho acadêmico. Este estudo demonstrou que a QV depende da capacidade do estudante de perceber, facilitar, compreender, controlar as próprias emoções e as de outras pessoas e de superar problemas relacionados a sua vida, assim como o rendimento acadêmico depende do grau de engajamento acadêmico. Na literatura estes aspectos tem sido relatados como um importante fator de sucesso acadêmico entre universitários.(²)

Desta forma, há necessidade de aprofundar os conhecimentos e compreender os comportamentos, emoções e desempenho dos estudantes com a expectativa de intervir precocemente no processo educativo, promover o aproveitamento do estudante e reduzir o insucesso acadêmico.(²)

Acredita-se que o estudo da QV e Engajamento dos estudantes pode nortear a compreensão dos comportamentos e dos problemas educacionais persistentes, como altas taxas de evasão, tédio, alienação estudantil e ansiedade, além de outros transtornos vivenciados pelo estudante. Portanto, o objetivo deste estudo foi investigar a correlação do engajamento com a QV de estudantes de graduação em enfermagem e de medicina de uma universidade privada, com a finalidade de se obter subsídios para motivar esse estudante para os estudos e estimular a revisão das estratégias de ensino visando melhorar sua satisfação, envolvimento e desempenho.

Métodos

Estudo observacional analítico, transversal, com abordagem quantitativa, guiado pelo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE). Foi desenvolvido em uma instituição de ensino superior privada do interior do estado de São Paulo, com estudantes do curso de medicina e de enfermagem regularmente matriculados na instituição no ano de 2019. A amostra foi constituída de 219 graduandos, 31,7% do total dos estudantes ativos (691). Todos os estudantes foram convidados a participar da pesquisa em dias anteriores a coleta dos dados, com esclarecimentos sobre o período, horário da coleta dos dados, objetivos e processo da pesquisa, com destaque que não era obrigatória a participação e que a decisão era individual, portanto, responderam os questionários aqueles que aceitaram voluntariamente participar da pesquisa.

Os critérios de inclusão foram estudantes presentes em sala de aula no período de coleta dos dados, regularmente matriculados no curso de graduação em Enfermagem ou de Medicina. Foram excluídos aqueles que estavam afastados das atividades presenciais por qualquer motivo e, aqueles que não preencheram os questionários de forma completa.

Para caracterização da amostra utilizou-se um instrumento constituído por idade, sexo, estado civil, número de filhos, curso e período do curso. O instrumento que avaliou o nível de engajamento dos participantes nos estudos foi o Study & Well-being Survey (UWES-s) - versão brasileira do questionário autoaplicável, composto por 17 questões que se referem as atividades do estudante caracterizada pelas dimensões Vigor, Dedicação e Absorção.(³,⁹) Cada questão apresenta como resposta uma escala de Likert de 0 a 6 pontos (0 = nunca, 6 = todos os dias). A confiabilidade do instrumento foi quase perfeita com Alfa-Conbach de 0,858.

O nível de engajamento foi calculado por meio da média dos escores de cada dimensão (vigor, dedicação e absorção) segundo indicações do manual UWES.(³) Quanto mais baixo os escores em vigor menos energia para os estudos. Aqueles com altos escores em dedicação identificam-se fortemente com a experiência de estudar, que é significativa, inspiradora e desafiadora; e os altos escores em absorção significa, geralmente, que os estudantes estão envolvidos e imersos em seus estudos e têm dificuldades em se desapegarem deles.(³,⁹,¹⁰) A interpretação da média dos escores foi realizada considerando a frequência dos sentimentos: quando de 0 a 0,99 =1 (Algumas vezes por ano) foi interpretado como muito Baixa; de 1 a 1,99 =2 (Uma vez ou menos por mês) foi interpretado como baixa; de 2 a 2,99 =3 (Algumas vezes por mês) e de 3 a 3,99 = 4 (Uma vez por semana) como média; de 4 a 4,99 =5 (Algumas vezes por semana) como alta e de 5 a 6 = 6 (Todos os dias) Muito Alta.(³,⁹)

O instrumento utilizado para verificar a QV dos estudantes foi o Medical Outcomes Study 36 – Item Short-Form Health Survey (SF-36) que é também autoaplicável. Avalia tanto os aspectos positivos como os negativos da saúde e bem-estar; não apresenta conceitos específicos para determinada idade, doença ou grupo de tratamento; considera a percepção dos indivíduos, contemplando os aspectos mais representativos de seu próprio estado de saúde e permite comparações entre diferentes grupos de pessoas. É composto por 36 questões, divididas em oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, estado geral da saúde, dor, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental.(¹¹)

As respostas do questionário SF 36 foram mensuradas, segundo os domínios de QV, constituídas de duas fases, conforme as recomendações dos seus desenvolvedores. Fase I- Ponderação dos dados e Fase II- Cálculo de Raw Scale. Os valores das questões são transformados em notas para cada um dos oito domínios, que variam de zero (pior estado de saúde) a 100 (melhor estado de saúde) para cada domínio.(¹¹)

A coleta dos dados foi realizada no período entre os dias oito e 18 de setembro de 2019. Os questionários foram distribuídos para cada graduando, que aceitou o convite, em envelope sem identificação. A entrega ocorreu nos últimos quinze minutos da última aula do período da manhã, pelo professor responsável da aula, para ambos os cursos (Medicina e Enfermagem), com prévio esclarecimento sobre os objetivos, metodologia e destino dos dados, assim como, o sigilo deles. Aqueles estudantes que aceitaram o convite para participar do estudo permaneceram na sala e após assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) responderam aos instrumentos na própria sala de aula em cerca de 15-20 minutos e entregaram os envelopes não identificados sobre a mesa. Todos responderam completamente os questionários.

Os dados coletados foram tabulados e analisados com o auxílio do software Programa IBM-SPSS, versão 24.0 para Windows (SPSS, Inc., Chicago, IL, USA), atrelados às funcionalidades da ferramenta Excel®, versão 2016.

Para a análise dos dados, testou-se a normalidade pelo teste de Kolmorov Smirnov. No âmbito inferencial realizou-se dentro dos padrões esperados, os testes estatísticos Mann – Whitney para a análise bivariada entre as variáveis dependentes (variável resposta): os domínios da QV SF-36 e as variáveis independentes (explanatórias): sexo, idade e curso, e a Correlação de Spearman entre as dimensões do Engajamento e os domínios da QV (SF-36). Foram considerados os seguintes valores do ρ de Spearman: de zero a 0,30 correlação fraca, acima de 0.30 a 0.50 correlação moderada e acima de 0.50 correlação forte.(¹²)Considerou-se o nível de significância o valor de p < 0,05. Todos os testes contemplaram erro alfa de 5% e confiabilidade de 95%.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto- SP, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 12984319.3.0000.5415, parecer n^o. 3.427.534.

Resultados

Dos 219 graduandos participantes; 48 (21,9%) eram do Curso de Enfermagem e 171 (79,0%) do Curso Médico; 104 (47,49%) do primeiro ano do curso; 48 (21,92%) do segundo, 18 (8,22%) do terceiro e 49 (22,37%) do quarto ano; com média de idade de 21,8 ± 4,05 anos; 160 (76,1%) do sexo feminino e 59 (26,9 %) sexo masculino; 208 (95,0%) solteiros e sete (3,2%) com filhos. O nível de engajamento dos graduandos foi interpretado como médio nas dimensões vigor e absorção e alto em dedicação, com escore total de engajamento médio, conforme mostra a tabela 1.

Tabela 1
Níveis de engajamento dos graduandos de enfermagem e medicina de uma instituição de ensino superior privada (n=219)

Dimensões UWES	Min	Max	Md	Média±DP	IC (95%)	Interpretação
Vigor	1,00	6,00	3,16	3,23±0,99	3,10-3,36	Médio
Dedicação	1,80	6,00	4,20	4,12±1,11	3,97-4,27	Alto
Absorção	0,83	5,66	3,33	3,46±1,02	3,32-3,60	Médio
Escore geral	1,76	5,58	3,58	3,57±0,92	3,45-3,69	Médio

• Min - Mínimo; Max - Máximo; Md- Mediana; DP - desvio padrão; IC - intervalo de confiança 95%

Os valores médios dos escores dos domínios da QV dos graduandos em Enfermagem e Medicina estão apresentados na tabela 2, onde se observa os menores escores nos domínios Vitalidade e Aspectos emocionais; considerando-se o conceito de QV como o grau de satisfação com a vida e o controle que exerce sobre ela.

Tabela 2
Valores médios dos escores dos domínios da qualidade de vida (SF36) dos graduandos em enfermagem e medicina de uma instituição de ensino superior privada (n=219)

Domínios	Média Total (± DP)	Medicina (± DP)	Enfermagem (± DP)
Capacidade funcional	89,25 ± 14,00	90,08 ± 14,01	86,25 ± 13,64
Aspectos físicos	56,74 ± 39,31	56,43 ± 39,31	57,81 ± 38,87
Dor	66,52 ± 20,71	67,37 ± 20,76	63,45 ± 20,62
Estado geral de saúde	68,12 ± 20,66	68,35 ± 20,73	67,29 ± 20,06
Vitalidade	44,27 ± 19,98	43,68 ± 19,79	46,35 ± 29,21
Aspectos sociais	59,08 ± 24,94	58,84 ± 24,76	53,89 ± 25,06
Aspectos emocionais	35,46 ± 39,69	31,96 ± 39,61	47,91 ± 39,45
Saúde mental	55,85 ± 20,16	56,07 ± 20,03	55,08 ± 20,29

• DP - Desvio padrão

A tabela 3 apresenta correlação moderada entre a dimensão Vigor, Dedicação e Absorção com Vitalidade; e Vigor com Saúde mental; enquanto as demais correlações entre as dimensões do engajamento do estudante com os domínios da QV apresentaram-se fraca.

Tabela 3
Correlação entre a qualidade de vida (SF36) e o engajamento dos estudantes de Enfermagem e Medicina de uma instituição de ensino superior privada (n=219)

Componentes do SF-36ª	Vigor		Dedicação		Absorção
	r	p-value	r	p-value	r	p-value
Domínios
Capacidade funcional	0,170	0,003	0,055	0,138	0,109	0,145
Aspectos físicos	0,143	0,075	0,097	0,191	0,117	0,125
Dor	0,158	0,039	0,081	0,280	0,093	0,295
Estado geral de saúde	0,288	0,000	0,175	0,011	0,145	0,054
Vitalidade	0,505	0,000	0,400	0,000	0,313	0,000
Aspectos sociais	0,235	0,000	0,171	0,010	0,117	0,082
Aspectos emocionais	0,277	0,000	0,271	0,000	0,122	0,049
Saúde mental	0,332	0,000	0,286	0,000	0,200	0,003

• r-Correlação de Spearman

Discussão

Neste estudo, houve predomínio de acadêmicos do sexo feminino, concordando com outras pesquisas nas escolas de Medicina do Brasil e do exterior. O processo de aumento do sexo feminino na profissão médica vem sendo marcante desde os anos sessenta. Entre 2005 e 2015, o número total de médicos em exercício na União Europeia era mulher, com os Estados Membros do Báltico, Romênia, Eslovênia e Croácia a força de trabalho médico era maior ou igual a 60% constituída por mulheres.(¹³,¹⁴)O fato de a maioria dos participantes ser solteiro, sem filhos reflete a atual realidade brasileira, onde os jovens têm optado por se casar mais tarde, priorizando sua formação profissional e inserção no mercado de trabalho.(¹⁵)

Estudos sobre engajamento entre estudantes do ensino superior é um constructo recente, em especial à realidade brasileira. Uma pesquisa com estudantes do ensino superior em Ciências da Saúde, também realizada em uma instituição privada, no estado do Paraná demonstrou dados semelhantes ao atual estudo, acrescentando que os estudantes engajados sentem-se conectados às atividades percebendo-as como um desafio positivo, ao contrário dos estudantes que sofrem estresse acadêmico.(¹⁶)

O nível de engajamento do estudante está diretamente relacionado a sua satisfação com a vida que é influenciada pelo ambiente escolar, o que pode motivar o envolvimento do estudante nas atividades de aprendizagem. Observa-se que a utilização das tecnologias de informação e de comunicação durante as aulas têm o potencial de gerar ambientes mais criativos e inovadores, que estimulam o engajamento do estudante no ensino superior. Nessa perspectiva de raciocínio, a inovação didática, a adequação do currículo, a diversificação de estratégias de ensino e de avaliação da aprendizagem são fatores que propiciam o engajamento e o aproveitamento do conteúdo por parte dos graduandos.(¹⁷-¹⁹)

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos destaca que para a manutenção do engajamento do estudante é importante o equilíbrio entre fatores sociais e psicológicos; uma vez que é o estado mental e social do estudante que impacta diretamente na qualidade das atividades acadêmicas. Os fatores vinculados a estes aspectos podem ser o apoio social e familiar, o desempenho nas atividades acadêmicas, o auxílio de colegas e amigos, recursos pessoais e psicológicos do estudante, valores e crenças, estratégias de enfrentamento utilizadas, confiança em seus atos, recursos e demandas da instituição de ensino, além da resiliência.(²⁰)

Outro estudo realizado na Austrália, também mostrou que o nível de engajamento de um estudante de Enfermagem impacta na sua aprendizagem atual, futura e no seu desempenho em cuidados clínicos, assim como, na permanência na profissão. A estratégia de ensino, a criatividade, sem repetição de conteúdos pode facilitar o engajamento do graduando e contribuir para um melhor desempenho acadêmico e profissional.(²¹)

A relação interpessoal entre o corpo docente e o estudante é um componente vital para o engajamento do estudante na escola. O engajamento nas práticas de ensino efetivas considera três categorias de comportamento dos estudantes: o esforço cognitivo, participação ativa e a interação com professores ou instrutores.(¹⁸,²²)

As associações positivas entre o engajamento e QV dos universitários são impulsionadas pela interação mantida com os colegas e professores, pois cada um destes fatores apresenta-se associado à empatia afetiva, aspectos de bem-estar no ambiente de aprendizagem e envolvimento com os seus estudos.(²³)

A análise dos dados sobre QV evidenciou que os estudantes de Medicina e Enfermagem apresentaram em média bons escores em todos os domínios considerados no instrumento de QV SF-36; maior valor médio foi no domínio capacidade funcional, dados semelhantes ao estudo realizado em 2016, com graduandos de fisioterapia de uma instituição de ensino privada.(²⁴) Em ambos os cursos, o escore médio do domínio vitalidade e aspectos emocionais apresentaram-se ruins, abaixo de 50; o mesmo foi observado entre os sexos, com destaque para o sexo masculino que apresentou escore mais baixo no domínio Aspectos Emocionais que o sexo feminino.

Os pesquisadores têm demonstrado preocupação com o aspecto emocional dos estudantes de medicina. Um estudo de acompanhamento destes estudantes durante dois anos identificou alta prevalência e incidência de transtornos emocionais. Os níveis de QV e saúde mental dos estudantes mantiveram-se estáveis ao longo do curso e os problemas de saúde mental foram de natureza cíclica. Os fatores de base como depressão, ansiedade, estresse, baixa renda, baixa atividade de lazer, uso de drogas psicoativas, insatisfação com o desempenho acadêmico, desinteresse e insatisfação com o curso, falta de apoio emocional no ambiente acadêmico e estar distante dos familiares foram associados a pior saúde mental.(²⁵)

Por outro lado, um estudo realizado com estudantes de medicina, na Inglaterra, demonstrou que aulas regulares em grupo, de condicionamento físico pode ser uma solução para melhorar o bem-estar emocional e o nível de estresse dos estudantes de Medicina. A diferença foi estatisticamente significativa quando comparada com o grupo que realizava a prática regular de exercícios por conta própria ou que não a praticava regularmente.(²⁶,²⁷)

Estudos demonstraram que a satisfação com a vida está intimamente relacionada não só com a ocupação profissional, mas com a educação, recursos financeiros, lazer e relacionamento com a família.(²⁸)Outra pesquisa destaca que a QV é um importante preditor do engajamento dos estudantes universitários e no desempenho acadêmico.(²⁸,²⁹)

Na análise das forças de correlação linear, os dados estatísticos apontam que não há correlação forte entre a QV e Engajamento dos estudantes. Outro estudo realizado na Indonésia constatou que existe uma correlação significativa entre o aluno engajado e a satisfação com a própria vida e traz a reflexão de que o ambiente escolar pode encorajar o aluno a ser mais engajado; quanto mais envolvido o estudante estiver em atividades de aprendizagem na escola mais chance ele terá de alcançar o sucesso acadêmico e a satisfação com a sua vida.(³⁰)

Este estudo contribui para a reflexão dos coordenadores dos cursos, assim como professores, no sentido de observar e valorizar as condições individuais de saúde física e psicológica dos estudantes no decorrer da sua formação. Sobretudo, rever continuamente as estratégias de ensino, com práticas interativas e colaborativas, com o envolvimento do próprio estudante e seu esforço pessoal na aprendizagem; aspectos que podem estar diretamente relacionados ao incentivo para participação dos estudantes em atividades dentro e fora da sala de aula, como organização de eventos, grupos de estudo, ligas, campanhas, assim como atividades de lazer em grupo. Isto pode promover a mediação entre engajamento acadêmico e QV.(²) Acredita-se que estas ações podem promover maior engajamento e bem estar do estudante na universidade com a melhora da percepção sobre de si mesmo e suas potencialidades o que pode resultar em melhor desempenho e satisfação com os estudos.(³⁰)

O estudo apresenta limitações tais como: ser um estudo de corte transversal desenvolvido em apenas uma instituição, não explorou a renda familiar dos estudantes, que é um dado importante que pode influenciar a QV e o engajamento do estudante na universidade e também não avaliou a variação de respostas entre os períodos do curso.

Conclusão

O engajamento e qualidade de vida entre os graduandos apresentaram escores semelhantes nos dois cursos, com exceção do domínio aspectos emocionais, em que os da Enfermagem apresentaram-se melhor que os da Medicina. A correlação mostrou-se fraca entre a maioria dos domínios da QV e o engajamento. Portanto, promover maior interação professor-aluno e valorização das potencialidades dos graduandos deve ser uma estratégia utilizada nesta instituição e em outras similares para melhorar o engajamento, a qualidade de vida e, consequentemente, o desempenho do estudante e do futuro profissional.

Referências

• ¹
  Zeng W, Chen R, Wang X, Zhang Q, Deng W. Prevalence of mental health problems among medical students in China: A meta-analysis. Medicine (Baltimore). 2019;98(18):e15337.
• ²
  García-Martínez I, Landa JM, León SP. The mediating role of engagement on the achievement and quality of life of university students. Int J Environ Res Public Health. 2021;18(12):6586.
• ³
  Schaufeli W, Bakker AB. Escala de Engagement no Trabalho de Utrecht - Manual. Tradução de Rosana Angst, Ana Maria T. Benevides-Pereira, Paulo C. Porto-Martins. Curitiba: GEPEB; 2009 [citado 2019 Dez 04]. Disponível em: https://www.wilmarschaufeli.nl/publications/Schaufeli/Test%20Manuals/Test_manual_UWES_Brazil.pdf
  » https://www.wilmarschaufeli.nl/publications/Schaufeli/Test%20Manuals/Test_manual_UWES_Brazil.pdf
• ⁴
  Paro HB, Perotta B, Enns SC, Gannam S, Giaxa RR, Arantes-Costa FM, et al. Medical students’ quality of life: does the learning environment matter? Rev Med (São Paulo). 2019;98(2):140-7.
• ⁵
  Viana AG, Sampaio L. Qualidade de vida dos Universitários em período de Conclusão de Curso. Id on Line Rev Mult Psic. 2019;13(47):1085-96.
• ⁶
  Ventre IM, Felden EP, Teixeira CS. Qualidade de vida e condições de trabalho: a percepção de empregadores e empregados. Rev Persp Cien Saúde. 2018;3(1):108-26.
• ⁷
  Filipello P, Buzzai C, Costa S, Orecchio S, Sorrenti L. Teaching style and academic achievement: The mediating role of learned helplessness and mastery orientation. Psychol Sch. 2020;57(1):5–16.
• ⁸
  Prewett SL, Whitney SD. The relationship between teachers’ teaching self-efficacy and negative affect on eighth grade US student’ Reading and math achievement. Tech Dev. 2021;25:1-17.
• ⁹
  Vazquez AC, Magnan ES, Pacico JC, Hutz CS, Schaufeli WB. Adaptation and Validation of the Brazilian Version of the Utrecht Work Engagement Scale. Psico USF. 2015;20(2):207-17.
• ¹⁰
  Datu JA, Bernardo AB. The blessings of social-oriented virtues: Interpersonal Character strengths are linked to increased life satisfaction and academic success among Filipino high school students. Soc Psychol Personal Sci. 2020;11:983-90.
• ¹¹
  Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39:143–50.
• ¹²
  Ajzen I, Fishbein M. Understanding attitudes and predicting social behavior. New Jersey: Prentice-Hall; 1998. p. 97-9.
• ¹³
  Wolfert C, Rohde V, Mielke D, Hernández-Durán S. Female neurosurgeons in europe-on a prevailing glass ceiling. World Neurosurg. 2019;129:460-6.
• ¹⁴
  Garcia EG, Andrade BG, Moura LJ, Esperidião MA, Souza JP. Perfil dos médicos Programa Mais Médicos na Bahia e a utilização da ferramenta do Telessaúde. Rev Baiana Saúde Pública. 2022;(1):222-34.
• ¹⁵
  Moura IH, Nobre RS, Cortez RM, Campelo V, Macedo SF, Silva AR. Qualidade de vida de estudantes de graduação em enfermagem. Rev Gaúcha Enferm. 2016;37(2):e55291.
• ¹⁶
  Silva JO, Pereira Junior GA, Coelho IC, Picharski GL, Zagonel IP. Engajamento entre Estudantes do Ensino Superior nas Ciências da Saúde (Validação do Questionário Ultrecht Work Engagement Scale (UWES-S) com Estudantes do Ensino Superior nas Ciências da Saúde). Rev Bras Educ Med. 2018;42(2):15–25.
• ¹⁷
  Butkus R, Serchen J, Moyer DV, Bornstein SS, Hingle ST; Health and Public Policy Committee of the American College of Physicians; Kane GC, Carney JK, Gantzer HE, Henry TL, Lenchus JD, Li JM, McCandless BM, Nalitt BR, Viswanathan L, Murphy CJ, Azah A, Marks L. Achieving Gender Equity in Physician Compensation and Career Advancement: A Position Paper of the American College of Physicians. Ann Intern Med. 2018;168(10):721-3.
• ¹⁸
  Black RA. Understanding how perceptions of power and identity influence student engagement and teaching in undergraduate art history survey courses. Art History Pedagogy Practice. 2020;5(1):1-33.
• ¹⁹
  Silva AS, Ribeiro ML. Engajamento estudantil na educação superior. Rev Eletr Pesq. 2020;12(26):50–63.
• ²⁰
  Tackett S, Wright S, Colbert-Gertz J, Shochet R. Associations between learning community engagement and burnout, quality of life, and empathy among medical students. Int J Med Educ. 2018;9:316–22.
• ²¹
  Elliott M, McErlain P. Nursing student engagement with their learning: a mixed methods study. World J Nurs Res. 2022;1(1):21-37.
• ²²
  Safira ZR, Monika. Student engagement and student life satisfaction of high school student. Adv Social Science Educ Humanities Res. 2020;478:718–25.
• ²³
  Oliveira C, Nunes MF, Legal EJ, Noronha AP. Bem-estar subjetivo: estudo de correlação com as forças de caráter. Aval Psicol. 2016;15(2):177-85.
• ²⁴
  Costa PH, Silva FS, Machado CJ. Nível de atividade física e qualidade de vida dos estudantes de fisioterapia de uma instituição privada de ensino superior. Rev Interd Ciên Médicas. 2018;1(2):46-53.
• ²⁵
  Moutinho IL, Lucchetti AL, Ezequiel OD, Lucchetti G. Mental health and quality of life of Brazilian medical students: Incidence, prevalence, and associated factors within two years of follow-up. Psych Res. 2019;274:306-12.
• ²⁶
  Yorks DM, Frothingham CA, Schuenke MD. Effects of group fitness classes on stress and quality of life of medical students. J Am Osteopath Assoc. 2017;117(11):e17–25.
• ²⁷
  Snedden TR, Scerpella J, Kliethermes SA, Norman RS, Blyholder L, Sanfilippo J, et al. Sport and physical activity level impacts health-related quality of life among collegiate students. Am J Heal Promot. 2019;33(5):675–82.
• ²⁸
  Solis AC, Lotufo-Neto F. Predictors of quality of life in Brazilian medical students: a systematic review and meta-analysis. Braz J Psychiatry. 2019;41(6):556–67.
• ²⁹
  Antaramian S. Assessing psychological symptoms and well-being: application of a dual-factor mental health model to understand collefe student performance. J Psyhoeduc Assess. 2015;33:419-29.
• ³⁰
  Almarghani EM, Mijatovic I. Factors affecting student engagement in HEIs-it is all about good teching. Teach High Educ. 2017;22:940–56.

Editado por

Editor Associado (Avaliação pelos pares): Thiago da Silva Domingos (https://orcid.org/0000-0002-1421-7468) Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  18 Ago 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  15 Dez 2022
• Aceito
  31 Maio 2023