Acessibilidade / Reportar erro

Significados atribuídos por graduandos de enfermagem aos cuidados paliativos

Resumos

OBJETIVO: Desvelar o significado atribuído pelos alunos do quarto ano de curso de graduação em enfermagem à experiência de cuidados paliativos. MÉTODOS: Estudo qualitativo realizado em população de 33 graduandos de enfermagem cursaram a disciplina curricular de assistência de enfermagem ao paciente crítico. As entrevistas foram transcritas e analisadas utilizando-se a estratégia metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo. RESULTADOS: Os resultados retratam a formação profissional focada no modelo biomédico e curativo de assistência, além do despreparo para enfrentar as situações de morte e morrer no contexto da assistência paliativa. CONCLUSÃO: Foram desvelados os seguintes significados pelos graduandos: sentimentos de impotência e frustração ao lidar com a morte, o dilema entre ser enfermeiro e ser docente e a dificuldade em lidar com os familiares dos pacientes em cuidado paliativo.

Cuidados paliativos; Unidades de terapia intensiva; Estudantes de enfermagem; Temas bioéticos


OBJECTIVE: To reveal the meaning given by the students of the fourth year of nursing undergraduate course in the experience of palliative care. METHODS: Qualitative study carried out in a population of 33 nursing undergraduates who attended the curriculum subject of nursing care for critically ill patients. The interviews were transcribed and analyzed using the methodological strategy of the Collective Subject's Discourse. RESULTS: The results depict the professional training that is focused on the biomedical and curative model of care, as well as unprepared to face the situations of death and dying in the context of palliative care. CONCLUSION: The following meanings were unveiled by undergraduates: feelings of powerlessness and frustration in dealing with death, the dilemma between being a nurse and being a teacher and the difficulty in dealing with family members of patients in palliative care.

Palliative care; Intensive care units; Students, nursing; Bioethical issues


ARTIGO ORIGINAL

Significados atribuídos por graduandos de enfermagem aos cuidados paliativos

Karoline dos Santos Germano; Silmara Meneguin

Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho", Botucatu, SP, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Silmara Meneguin Av. Prof. Montenegro, s/n, Botucatu, SP, Brasil. CEP: 18618-970 silmeneguin@fmb.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: Desvelar o significado atribuído pelos alunos do quarto ano de curso de graduação em enfermagem à experiência de cuidados paliativos.

MÉTODOS: Estudo qualitativo realizado em população de 33 graduandos de enfermagem cursaram a disciplina curricular de assistência de enfermagem ao paciente crítico. As entrevistas foram transcritas e analisadas utilizando-se a estratégia metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo.

RESULTADOS: Os resultados retratam a formação profissional focada no modelo biomédico e curativo de assistência, além do despreparo para enfrentar as situações de morte e morrer no contexto da assistência paliativa.

CONCLUSÃO: Foram desvelados os seguintes significados pelos graduandos: sentimentos de impotência e frustração ao lidar com a morte, o dilema entre ser enfermeiro e ser docente e a dificuldade em lidar com os familiares dos pacientes em cuidado paliativo.

Descritores: Cuidados paliativos; Unidades de terapia intensiva; Estudantes de enfermagem; Temas bioéticos

Introdução

Os avanços científicos e tecnológicos, ocorridos nas ultimas décadas, associados ao desenvolvimento da terapêutica contribuíram para institucionalização da morte em unidades de terapia intensiva.

No entanto, o modelo de assistência preconizado nestas unidades, pautados no intervencionismo e no curativismo não permitem o cuidado em todos os seus aspectos,(1) principalmente para os terminais, que a despeito da utilização dos mais sofisticados recursos para manutenção da vida em determinado momento do quadro evolutivo da doença esgotam-se as possibilidades terapêuticas.(2)

Neste cenário, cuidados paliativos constituem modalidade emergente de assistência no fim da vida, alicerçados dentro de um modelo de cuidados totais, ativos e integrais, legitimados pelo direito de morrer com dignidade.(3)

O cuidado no contexto da assistência paliativa diferencia-se do curativo porque reafirma a vida, e encara a morte como realidade. Tem como finalidade melhorar a qualidade de vida do paciente e familiar diante de uma doença avançada, por meio da prevenção e alívio de sofrimento, tratamento de dor e valorização da cultura, espiritualidade, costumes, valores, além de desejos e crenças que permeiam a morte.(4,5)

A despeito das evidências científicas sobre necessidade de preparar o graduando para enfrentar a morte o currículo nas instituições de ensino superior na área da saúde aindanão tem assegurado a contextualização da temática de modo consistente e realístico, como mostra a literatura.(6)

Os métodos de ensino, na maioria dos cursos de graduação da área da saúde, ainda permanecem no modelo tradicional, descontextualizado muitas vezes da realidade e focado nos aspectos fisiopatológicos e técnicos do processo saúde-doença. Com isso, o modo de cuidar continua fundamentado no modelo cartesiano de atenção, mecanicista, centrado na curae reabilitação da doença.(7)

Por isso, a morte ainda incomoda e desafia a onipotência dos profissionais de saúde, ensinados apenas a cuidar da vida, mas não da morte.(8,9) Lidar com a morte é angustiante e desgastante, gera sentimentos de impotência, frustração e insegurança, pois não são preparados para lidar com todos os de sentimentos negativos e ambivalentes presentes na situação.(8)

Neste sentido, combater a morte pode dar falsa ideia de força e controle, e quando ocorrem àsperdas, sem possibilidade de vivenciar o luto, uma das consequênciaspode ser o adoecimento, em função da excessiva carga de sofrimento sem elaboração, e muitas vezes até mesmo sem espaço para cuidar da dor.(10) Fato que nos obriga a repensar valores e considerar noção mais abrangente de vida, levando em conta a dimensão espiritual do ser humano e a unicidade de cada ser.

O objetivo deste trabalho foi desvelar o significado atribuído pelos alunos do quarto ano de curso de graduação em enfermagem à experiência de cuidados paliativos.

Métodos

Trata-se de pesquisa descritiva, exploratória e com abordagem qualitativa. A escolha por este tipo de abordagem decorreu da opção de compreender os significados, os motivos, as aspirações, as atitudes e as crenças apoiados na natureza do objeto do estudo.(11)

Foi realizada em curso de graduação em enfermagem de universidade publica do interior de SP, com atividades assistenciais, ensino e pesquisa. Os sujeitos foram constituídos de alunos regularmente matriculados, que cursaram a disciplina de assistência de enfermagem ao paciente crítico, ministrada no sétimo semestre e com vivência de estágio curricular em UTI adulto, pediátrica e neonatal.

Na intenção de que os alunos revelassem sua experiência ao cuidar de pacientes em cuidados paliativos internados em unidades de terapia intensiva, foram elaboradas quatro questões norteadoras: Conta para mim, o que significou para você a experiência de cuidar de pacientes em cuidados paliativos, durante a disciplina assistência de enfermagem ao paciente crítico? Na sua percepção, o que contribui para facilitar a assistência prestada a um paciente em cuidados paliativos? Na sua percepção, quais foram as maiores dificuldades enfrentadas ao prestar assistência a um paciente em cuidados paliativos?

Após as entrevistas, as falas foram transcritas e iniciou-se a análise dos discursos obtidos utilizado a estratégia metodológica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).

O desenvolvimento da pesquisa atendeu as normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Foram realizadas entrevistas individuais com 33 alunos, a totalidade, no segundo semestre de 2012. Destes, 97% eram do sexo feminino, idade média 23 anos, sendo a mínima de 21 e máxima de 27.

A partir da análise da transcrição das entrevistas, foram identificadasas ideias centrais, expressões-chave e organizados os discursos dos três temas que emergiram das questões norteadoras. A seguir, são apresentados os temas com as respectivas ideias centrais e o discurso do sujeito coletivo.

Tema 1. Vivenciando o processo de cuidar de pacientes no contexto da assistência paliativa

Ideias centrais:

• Experiência singular durante a graduação;

• Assistência complexa;

• Medo, insegurança e imaturidade;

• Possibilidade de prestar assistência integral;

• Despreparo emocional;

• Percepção e valorização da dor do outro;

• Preocupação em oferecer morte digna;

• Segurança transmitida pelo docente;

• Importância do relacionamento com os familiares.

Discurso do Sujeito Coletivo

Cuidar de um paciente em cuidados paliativos, é bem diferente, é bem complicado, você pode ler 500 mil artigos, pode procurar na literatura, mas é uma experiência que você nunca terá se não vivenciar. Agora posso olhar a assistência de outro jeito, antes era uma coisa médica, olhava mais o problema, agora olho o paciente e como um todo. É muito complexo, no começo temos medo, ficamos inseguros, pois além de bloqueios pessoais é muito aparelho e tecnologia. Eu ficava bastante insegura durante os procedimentos, sentia um pouco de medo de causar alguma coisa para o paciente, algum desconforto, pois são pessoas que queremos que estejam bem, mas ao mesmo tempo ainda somos muito imaturas. Apesar de estarmos no quarto ano, ainda não temos preparo emocional suficiente para cuidar deste tipo de paciente, mas com a tutoria da professora fica mais tranquilo. Para mim, trouxe também a valorização da dor do outro, valorizo agora muito mais a situação daquela pessoa que não tem condição de falar, de se mover, e de interagir. Os profissionais da equipe de enfermagem são os únicos nesta área que tem percepção da dor do outro. Aprendi a dar mais valor para a vida, para o paciente, mesmo sabendo que não vai ter mais cura, que não tem mais prognóstico. Você aprende a dar mais valor para a vida, para o seu paciente, mesmo que você saiba que ele não vai mais ter cura, que não tem prognóstico, você tenta dar o melhor de você, para conseguir colaborar para uma morte digna. Também se deve ter sensibilidade para perceber que o paciente está inserido em um meio social, e a enfermagem tem que saberlidar com a dor família. Foi como cuidar de um paciente com um bom prognóstico, enquanto existir vida existe cuidado, concomitante a isso, há nós, enfermeiros.

Tema 2. Facilidades identificadas pelos graduandos no contexto da assistência paliativa

Idéias centrais

• Atuação docente;

• Interdisciplinaridade;

• Comunicação;

• Amor a profissão;

• Sistematização da Assistência de Enfermagem;

• Preocupação com morte digna;

• Humanização no atendimento.

Discurso do Sujeito Coletivo

Para prestar qualquer tipo de assistência precisamos ter sensibilidade e nos colocarmos no lugar do paciente, até porque você vai fazer aquilo que você gostaria que fizessem com você. Ter o docente ao lado para tirar as nossas dúvidas também facilitou o cuidado, pois nos passam segurança. E na atuação, a interação com a equipe interdisciplinar facilita a assistência porque acaba tendo um compartilhamento de saberes. A comunicação é fundamental, um facilitador do cuidado e imprescindível na passagem de plantão. A sistematização da assistência facilitou o atendimento durante o estágio, pois através dela pudemos realizar um atendimento completo, coletando informações importantes e que servirampara toda equipe. A humanização e o respeito são essenciais e sempre que possível era permitido que a família permanecesse com o paciente neste momento delicado. Não podemos pensar somente em cura, temos que pensar em prestar uma assistência humanizada para que ele tenha uma morte digna. Para trabalhar com cuidados paliativos é necessário amor à profissão para prestar uma assistência de qualidade.

Tema 3. Cuidados paliativos: sentimentos, dificuldades e necessidades

Ideias centrais:

• Dificuldade no relacionamento com familiares;

• Dificuldade em lidar com a morte;

• Dificuldade em estabelecer comunicação não verbal;

• Sentimento de impotência e frustração;

• Preocupação com morte digna;

• Complexidade do cuidado;

• Registros incompletos no prontuário;

• Falhas na comunicação interpessoal.

Discurso do Sujeito Coletivo

Para mim a maior dificuldade de prestar assistência a esse paciente é saber que ele vai embora. O próprio fato de lidar com a morte é complicado, pois num primeiro momento vem o sentimento de impotência, é difícil aceitar a ideia de que aquele seu paciente, que muitas vezes você cuidou por um longo período, que criouvínculo, está ali na sua frente e já não se pode oferecer um tratamento curativo.Nós, profissionais da área da saúde, temos um bloqueio para a morte que deve ser vencido, chegamos da graduação querendo apenas a cura, querendo salvar vidas, mas em cuidados paliativos temos que entender que devemos oferecer o melhor, para que o paciente tenha uma morte digna. O tema "morte" precisa ser muito bem tratado em sala de aula, falamos muito de vida, mas ninguém fala de morte, tratamos como se não fosse acontecer com ninguém, com nenhum paciente, e quando você cuida de um paciente em cuidados paliativos a morte fica muito próxima. Precisamos perceber também que o tempo é um agente facilitador e ele faz com que passemos a aceitar mais facilmente a morte. Outra dificuldade é ele não interagir com você, ele é totalmente dependente, é preciso de muita gente para cuidar de um só paciente, além de ser muito complexo. Por outrolado, lidar com a família é muito complicado, pois estão muito sensibilizados e na faculdade não aprendemos a lidar com esta situação. A impossibilidade do paciente de se comunicar também dificulta a assistência, pois é importante conhecermos as sensações do paciente, se ele sente dor, frio, fome, entre outras sensações. Para tanto, devemos utilizar todo conhecimento adquirido durante os primeiros anos de faculdade em comunicação. Os registros incompletos no prontuário também dificultama transmissão de informações a respeito do paciente, além dos problemas de comunicação entre a equipe, que deveria ser interdisciplinar.

Discussão

A realização deste estudo possibilitou desvelar o significado atribuído pelos alunos do quarto ano de curso de graduação em enfermagem em relação à experiência de cuidar de pacientes em cuidados paliativos.

Apesar da recente construção desta filosofia, em todos os níveis de atenção no país, há número considerável de estudos sobre a temática, principalmente após implantação do Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos.(12) No entanto, as lacunas existentes na formação dos profissionais de saúde têm sido apontadas na literaturacomo obstáculo para o cuidado ao paciente fora de possibilidades terapêuticas de cura.(5)

Cuidados paliativos transcendem o modelo assistencial tradicional, pois são pautados em abordagem holística, interdisciplinar, humanizada e sem intervenções para antecipar ou adiar a morte. O conceito de morte que ainda prevalece no meio acadêmico e profissional está relacionado ao fracasso, pois são ensinados a cuidar da vida e não da morte,(13) como evidenciado nos relatos dos participantes.

A morte ainda é considerada um momento de derrota, é como se travassem uma luta imaginária, em que morrer significa perder a batalha.(14,15) Cuidados paliativos não necessariamente determinam o insucesso das intervenções em saúde, mas constituem abordagem de cuidado diferente, que visa melhorar a qualidade de vida do paciente e familiar, por meio do alivio da dor e do sofrimento, controle de sintomas, aliados ao suporte psicossocial e espiritual.(5)

A despeito destas considerações desvelasse nos relatos sentimentos de impotência e frustração ao lidar com a morte. Dados estes corroborados em estudo realizado com graduandos que cuidaram de pacientes terminais, e que atribuíram as dificuldades à própria incapacidade de aceitar a morte, ao despreparo e à inexperiência.(16)

Diante deste contexto, as diretrizes da educação nacionalpara os cursos de graduação em enfermagem trazem a necessidade de formação de profissionais preparados para enfrentar a morte e qualificados para prestar assistência pautada em princípios éticos e humanistas.

Durante a disciplina de assistência de enfermagem ao paciente crítico há espaço formal programado para orientação e discussão com o grupo acerca das dificuldades vivenciadas no campo de estágio, principalmente relacionadas ao enfrentamento da morte. Nota-se que as percepções são subjetivas e individuais e muitas vezes atreladas às experiências prévias de morte de entes queridos que ficaram internados na unidade de terapia intensiva, em condição similar.

Neste processo, o graduando começa a reviver o fato ocorrido com entes queridos e aflora a dificuldade até então velada em lidar com o fato, pois o modo pelo qual as pessoas morrem permanece na memória dos que continuam vivos.(17)

Para tanto, deve-se considerar as experiências sociais acumuladas de cada aluno e seu contexto social, de modo a construir a partir daí, um ambiente acolhedor em que o aluno se sinta parte do todo e esteja totalmente aberto a novas aprendizagens. Além disso, o docente deve estar ciente de que não basta tratar somente conteúdos atuais em sala de aula, mas também resgatar conhecimentos numa perspectiva ampla, para que os alunos possam interpretar suas experiências e suas aprendizagens na vida social.(18)

É fato também que ainda existem muitas indagações de como o processo da morte e do morrer vem sendo trabalhado na formação do graduando de enfermagem, pois o educar para cuidar de pessoas em processo de morte requer reflexão do existir humano, do pensar e aceitar a própria finitude.(19)

Desse modo, deve-se também considerar o preparo do docente para abordar o assunto no campo de estágio frente à ocorrência de morte. Estudo sobre morte no âmbito hospitalar mostrou que os docentes de enfermagem agem nestas circunstâncias sem reflexão, desvinculando muitas vezes o fazer do sentir.(20)

Neste momento, há o dilema entre ser enfermeiro e ser docente, e com isso a postura esperada de atitude e acolhimento do aluno pelo mesmo nem sempre é colocada em prática, pois também depende da sua concepção de morte.(19)

A morte, além de ser evento biológico, também é uma construção social que pode ser vivida de distintas maneiras pelos profissionais de acordo com os significados compartilhados para esta experiência, uma vez que são influenciadas pelo contexto histórico, social e cultural. Portanto, deve ser concebida como um processo e não como fim, e deste modo ser trabalhada durante a graduação.(21)

A ação docente é a base de uma boa formação escolar e contribui para a construção de uma sociedade pensante e transformadora. Entretanto, para que isso seja possível, o docente precisa assumir seu verdadeiro compromisso e encarar o caminho do aprender a ensinar, responsabilidade esta que precisa ser trabalhada e desenvolvida.(22)

Posto que, o cuidado não é tarefa ou relação simples, mas via de mão dupla em que os profissionais são continuadamente desafiados ao ensino, aprendizagem e ao diálogo consciente, sejam com o cliente, a família ou equipe interdisciplinar.(23)

Na análise dos depoimentos foi possível apreender também a dificuldade dos alunos em lidar com os familiares de pacientes no contexto da assistência paliativa internadosem unidade de terapia intensiva. A família, neste contexto, deve ser entendida como unidade social que pode ter ou não laços legais ou de consanguinidade com o paciente, e cujo envolvimento é condição indispensável para humanização da assistência.

Mesmo quando a família se encontra emocionalmente abalada e fragilizada continua ocupando papel de destaque na vida do paciente, e certamente, contribui para que o mesmo se sinta protegido, seguro, amado e amparado nesta situação de imensa fragilidade.

Na terminalidade os familiares costumam ocultar o que sente para a pessoa em fase de terminalidade, no esforço para transmitir uma falsa alegria e não demonstrar o pesar com a chegada da morte.(24) Reconhecer a singularidade do paciente e dos seus entes queridos, nesse momento de sua vida, requer do profissional respeito profundo de sua condição humana e de sentimentos diante da morte, eque também devem contemplar as demandas do cuidado na formação deste futuro profissional.

Assim como a comunicação, pedra angular no contexto da assistência paliativa e parte integrante do cuidado de saúde, que não se resume apenas em troca de mensagens. É processo subjetivo e complexo à medida que ocorre entre pessoas com experiências, cultura, valores, interesses e expectativas diferentes, e que expressam pensamentos desiguais,(25) e portanto deve ser valorizada e incentivada.

A percepção dos graduandos de enfermagem atribuída à experiência de cuidar de pacientes fora de possibilidades terapêuticas de cura retrata a formação profissional focada no modelo biomédico e curativo de assistência. A análise dos depoimentos evidencia que os participantes não estão preparados para lidar e vivenciar o processo de morte em UTI, apesar de alguns participantes terem verbalizado a preocupação em oferecer morte digna.

Embora a disciplina de assistência de enfermagem ao paciente crítico tenha espaço para reflexão acerca da temática em sua grade, como sugerido na literatura, os resultados mostram que talvez isto não seja suficiente para atender as demandas de formação deste profissional e construção de seu próprio conhecimento.

A educação para a morte também deve contemplar a sensibilização dos alunos para sentimentos e reflexões acerca do assunto de uma maneira mais ampla e com abordagem do tema desvinculado-a somente do contexto hospitalar, além de abordagens teóricas e multidisciplinares que trazem a riqueza de vários pontos de vista.(10)

Nesta mudança de paradigma, uma gama de informações deve fundamentar o ensino na graduação e precisa ser disseminada e articulada com um conhecimento que não se esgota na sala de aula, mas que deve ser considerado ponto de partida para espaços de reflexão individual e coletiva, que propicie mudanças na prática assistencial de enfermagem.(26)

Realizar uma abordagem sobre estas questões também nos remete a reflexão acerca do papel de educador, das nossas próprias concepções de finitude e também de aceitação da morte como parte integrante da vida, desvelando assim o pano de fundo que a sustenta.(27)

Conclusão

Foram desvelados os seguintes significados pelos graduandos: sentimentos de impotência e frustração ao lidar com a morte, o dilema entre ser enfermeiro e ser docente e a dificuldade em lidar com os familiares dos pacientes em cuidado paliativo.

Agradecimentos

Pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, processo 2012/04973-0

Colaborações

Germano KS contribuiu com a concepção, coleta e análise dos dados e redação do artigo. Meneguin S colaborou com a concepção, elaboração do projeto, análise e interpretação dos resultados, redação do artigo e revisão para publicação.

Submetido 22 de Outubro de 2013

Aceito 27 de Novembro de 2013

Conflitos de interesse: não há conflitos de interesse a declarar.

  • 1. Chaves AA, Massarollo MC. Perception of nurses about ethical dilemmas related to terminal patients in intensive care units. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(1):30-6.
  • 2. Gutierrez PL. O que é o paciente terminal? Rev  Assoc  Med  Bras. 2001;47(2):92.
  • 3. Floriani CA, Schramm FR. Palliative care: interfaces, conflictsand necessities. Cienc Saúde Coletiva. 2008;13(Supl 2):2123-32.
  • 4. Seki NH, Galheigo SM. The use of music in palliative care: humanizing care and facilitating the farewell. Interface Comunic  Saúde  Educ. 2010;14(33):273-84.
  • 5. Boemer MR. About palliative care. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(3):500-1.
  • 6. Silva AM, Silva MJ. Preparation of student nurses to approach the theme of death and organ donation. Rev Esc Enferm UERJ. 2007;15(4):549-54.
  • 7. Costa SC, Figueiredo MR, Schaurich D. Humanization within adult intensive care units (ICUs): comprehension among the nursing team. Interface - Comunic  Saude  Educ. 2009;13(Supl 1):571-80.
  • 8. Rezende VL, organizador. Reflexões sobre a vida e a morte: abordagem interdisciplinar do paciente terminal. Campinas: Unicamp; 2000.
  • 9. Gutierrez BA. O processo de morrer no cotidiano do trabalho dos profissionais de enfermagem de unidades de terapia intensiva [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 2003.
  • 10. Kovács MJ. Educação para a morte: desafio na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003.
  • 11. Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11a ed. São Paulo: Hucitec; 2008.
  • 12
    Brasil. Ministério da Saúde. Portarian.º 19GM/MS, de 03 de janeiro de 2002 [Internet]. [citado 2013 Nov 26]. Disponível em: http://www.saude.mg.gov.br/images/documentos/portaria_019.pdf
    » link
  • 13. Oliveira JR, Brêtas JR, Yamaguti L. Nursing students' reflections on death and dying. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(4):477-83.
  • 14. Marengo MO, Flávio DA, Silva RH. Completion of life: bioethics and humanization in health. Medicina (RibeirãoPreto). 2009;42(3): 350-7.
  • 15. Oliveira JR, Brêtas JR, Yamaguti L. Death and dying according to nursing students' representations. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(3):386-94.
  • 16. Sadala ML, Silva FM. Taking care of terminal patients: nursing students' perspective. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):287-94.
  • 17. Donchin Y, Seagull FJ. The hostile environment of the intensive care unit. Curr Opin Crit Care. 2002;8(4):316-20.
  • 18. Bulgraen VC. Papel do professor e sua mediação nos processos de elaboração do conhecimento. Rev  Conteúdo. 2010;1(4):30-8.
  • 19. Pinho LM, Barbosa MA. The professor-student relationship in coping with dying. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(1):107-12.
  • 20. Carvalho MD, Valle ER. Sendo como aluno no mundo da enfermagem: a morte no cotidiano do hospital [tese]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 1998.
  • 21. Fratezi FR, Gutierrez BA. Family caregiver of elderly patients in palliative care: the process of dying at home. Cienc Saúde Coletiva. 2011;16(7):3241-8.
  • 22. Freire, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30a ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
  • 23. Waldow VR. Cuidado humano: o resgate necessário. 3a ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto; 2001.
  • 24. Kübler-Ross E. Sobre a morte e o morrer. 9a ed. São Paulo: Martins Fontes; 2008.
  • 25. Araújo MM. A comunicação no processo de morrer. In: Cuidados paliativos: discutindo a vida, a morte e o morrer. Santos FS, editor. São Paulo: Ateneu; 2009.
  • 26. Camacho AC, Santo FH. Reflecting on nursing care and teaching. Rev Latinoam Enferm. 2001;9(1):13-7.
  • 27. Bellato R,Araujo AP, Ferreira HF, Rodrigues PF. The process of dying and the death's approach made by teachers in a nursing graduation course. Acta Paul Enferm. 2007;20(3):255-63.
  • Autor correspondente:

    Silmara Meneguin
    Av. Prof. Montenegro, s/n, Botucatu, SP, Brasil. CEP: 18618-970
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Out 2013
    • Aceito
      27 Nov 2013
    Escola Paulista de Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo R. Napoleão de Barros, 754, 04024-002 São Paulo - SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 5576 4430 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: actapaulista@unifesp.br