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Atendimento em unidade de emergência: organização e implicações éticas

Resumos

Neste texto temos como objetivo apresentar uma reflexão sobre questões organizacionais, bem como possíveis implicações éticas, que permeiam a prática da equipe de saúde, numa unidade de urgência/emergência, no atendimento a vítimas de trauma decorrente de acidente e/ou violência. Inicialmente, focalizamos o atendimento às causas externas e sua relação com a organização do trabalho e a ética no ambiente hospitalar, abordando, a seguir, a dimensão ética no atendimento de urgências/emergências. As questões organizacionais e éticas necessitam ser assumidas, tanto pelos gestores quanto pela equipe de saúde que atua nestas unidades, já que, mesmo na precariedade, os profissionais tentam atender às vítimas de trauma, visando à beneficência, ainda que danos possam advir de um atendimento prestado em condições inadequadas.

Ética; Causas externas; Serviço hospitalar de emergência; Equipe de assistência ao paciente


This text aims to present a reflection about organizational issues, as well as possible ethical implications permeating the practice of the healthcare team at an urgency/emergency unit, providing care to victims of trauma from accidents or violence. Initially, we focused on care for external causes and its relation with work organization and ethics in the hospital environment, followed by an analysis of the ethical dimension of urgency/emergency services. The organizational and ethical issues need to be assumed by both the managers and the healthcare team working at these units since, even in precarious conditions, the professionals attempt to care for trauma victims, aiming at beneficence, even if this healthcare could cause harm when provided in inadequate conditions.

Ethics; External causes; Emergency service, hospital; Patient care team


En este texto tenemos como objetivo presentar una reflexión sobre asuntos organizacionales, así como también las posibles implicancias éticas, que permean la práctica del equipo de salud, en una unidad de urgencia/emergencia, en la atención a víctimas de trauma resultante de un accidente y/o violencia. Inicialmente, enfocamos la atención a las causas externas y su relación con la organización del trabajo y la ética en el ambiente hospitalario, abordando, a seguir, la dimensión ética en la atención de urgencias/emergencias. Los temas organizacionales y éticos necesitan ser asumidos, tanto por los gestores como por el equipo de salud que trabaja en estas unidades, ya que, no obstante la precariedad, los profesionales intentan atender a las víctimas de trauma, visando la beneficencia, a pesar de los daños que puedan surgir de una atención prestada en condiciones inadecuadas.

Ética; Causas externas; Servicio de urgencia en hospital; Grupo de atención al paciente


ARTIGO REVISÃO

Márcia Adriana PollI; Valéria Lerch LunardiII; Wilson Danilo Lunardi FilhoIII

IMestre em Enfermagem do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade de Cruz Alta UNICRUZ - Cruz Alta (RS), Brasil

IIDoutora, Professora do Programa de Mestrado em Enfermagem da Fundação Universidade de Cruz Alta UNICRUZ - Cruz Alta (RS), Brasil

IIIDoutor, Professor do Programa de Mestrado em Enfermagem da Fundação Universidade de Cruz Alta UNICRUZ - Cruz Alta (RS), Brasil

Autor Correspondente

RESUMO

Neste texto temos como objetivo apresentar uma reflexão sobre questões organizacionais, bem como possíveis implicações éticas, que permeiam a prática da equipe de saúde, numa unidade de urgência/emergência, no atendimento a vítimas de trauma decorrente de acidente e/ou violência. Inicialmente, focalizamos o atendimento às causas externas e sua relação com a organização do trabalho e a ética no ambiente hospitalar, abordando, a seguir, a dimensão ética no atendimento de urgências/emergências. As questões organizacionais e éticas necessitam ser assumidas, tanto pelos gestores quanto pela equipe de saúde que atua nestas unidades, já que, mesmo na precariedade, os profissionais tentam atender às vítimas de trauma, visando à beneficência, ainda que danos possam advir de um atendimento prestado em condições inadequadas.

Descritores: Ética; Causas externas; Serviço hospitalar de emergência/organização & administração; Equipe de assistência ao paciente

RESUMEN

En este texto tenemos como objetivo presentar una reflexión sobre asuntos organizacionales, así como también las posibles implicancias éticas, que permean la práctica del equipo de salud, en una unidad de urgencia/emergencia, en la atención a víctimas de trauma resultante de un accidente y/o violencia. Inicialmente, enfocamos la atención a las causas externas y su relación con la organización del trabajo y la ética en el ambiente hospitalario, abordando, a seguir, la dimensión ética en la atención de urgencias/emergencias. Los temas organizacionales y éticos necesitan ser asumidos, tanto por los gestores como por el equipo de salud que trabaja en estas unidades, ya que, no obstante la precariedad, los profesionales intentan atender a las víctimas de trauma, visando la beneficencia, a pesar de los daños que puedan surgir de una atención prestada en condiciones inadecuadas.

Descriptores: Ética; Causas externas; Servicio de urgencia en hospital/organización & administración; Grupo de atención al paciente

INTRODUÇÃO

Os traumas configuram-se em eventos ou lesões que podem ou não levar à morte, originados por violência ou acidentes, denominados de causas externas

Tais eventos só refletem a ponta de um enorme iceberg, pois a magnitude das taxas de morbimortalidade ainda é muito maior, mesmo considerando-se a existência de sub-registros, com grande repercussão socioeconômica, não somente, em nosso país, mas mundialmente(4-6) .

O problema das causas externas tomou forma, no Brasil, desde a década de 1960, acompanhando o processo de urbanização. Em 1930, 2% das mortes deviam-se à violência e acidentes; em 1980, 10,5%, atingindo 13,5% aproximadamente no final da década de 1990. Durante estas duas décadas, as causas externas permaneceram em segundo lugar em morbimortalidade, abaixo das enfermidades cardiovasculares(1,7). Entre 2000 e 2004, a mortalidade por causas externas passou a ocupar o terceiro lugar(5,8) retornando, em 2005, ao segundo lugar em mortalidade geral no país e em sexto lugar em internações hospitalares(9).

O impacto desse problema pode ser melhor entendido quando se faz uma avaliação dos Anos de Vida Potencialmente Perdidos (AVPP), devido aos traumas atingirem crianças, jovens e adultos jovens, numa faixa etária ampla, dos 5 aos 49 anos de idade, principalmente dos 15 aos 29 anos(1). Estas situações, quando comparadas à expectativa de vida de 71,3 anos atingida em 2003, sugerem que a expectativa de vida poderia ser bem maior, em torno de 73,8 anos(10), caso não houvessem tantas mortes ocasionadas por causas externas, acometendo principalmente a população masculina jovem(5,7). Dessa forma, há a necessidade de buscarem-se elementos, que possam sugerir as razões de tal retrocesso ao longo do tempo, e reduzir o impacto dessas perdas, através de um olhar a violência e os acidentes como problemas sociais, e não apenas o trauma causado por ambos, no que se refere ao atendimento às vítimas nas unidades de emergência(1,11-12).

O atendimento emergencial pode ser comprometido pelas questões institucionais internas e externas que transcendem os atos, atitudes e desejos dos trabalhadores da saúde. Portanto, como uma questão social, o aumento da morbimortalidade ocasionada pelas causas externas reflete-se no atendimento em unidades de emergência, por meio das questões organizacionais e éticas dos serviços de saúde, exigindo, cada vez mais, dos profissionais da equipe de saúde, a constante atualização, de modo a capacitá-los a atender esta crescente demanda, principalmente das vítimas acometidas de traumas decorrentes de acidentes ou de violências.

A complexidade das relações que se estabelecem nesses locais gera conflitos, dilemas e sofrimento aos trabalhadores, com implicações éticas no atendimento a esta população. Apesar dos altos índices de vítimas de violência, o modo como as instituições de saúde estão organizadas podem estar comprometendo, ainda mais, tais índices de morbidade e mortalidade, já que não correspondem adequadamente às necessidades de atendimentos destes usuários. Assim, temos como objetivo apresentar uma reflexão sobre as questões organizacionais e as possíveis implicações éticas que permeiam a prática da equipe de saúde, no atendimento a vítimas acometidas por traumas ou atos violentos, os quais classificam-se como causas externas, numa unidade de urgência/emergência

Assim, inicialmente focalizamos o atendimento às causas externas e sua relação com a organização do trabalho e a ética no ambiente hospitalar, abordando, a seguir, a dimensão ética permanentemente presente no atendimento a urgências e emergências.

O ATENDIMENTO A VÍTIMAS DE CAUSAS EXTERNAS: ORGANIZAÇÃO E ÉTICA

A organização da saúde no Brasil está constituída por meio de diversas modalidades de assistência: segundo seu modelo tecnológico, em unidades de saúde pública e atendimento hospitalar, decorrente do tipo de sistema, ou seja, privado, filantrópico, previdenciário e estatal; e, ainda, segundo a incorporação tecnológica e níveis assistenciais, podendo ser de atenção básica, secundária e terciária. Dessa forma, a organização de serviços de saúde não se consolidou de forma homogênea, existindo diversas formas de produção de saúde(15). Frente a esta diversidade de modelos assistenciais encontra-se, hoje, dificuldade na disposição de estruturas, sejam hospitalares ou não hospitalares, públicas ou privadas, capacitadas e organizadas para recepção e atendimento de uma população em expansão, acometida por traumas decorrentes de atos violentos e acidentes de toda natureza.

Organização do trabalho em saúde

Observa-se, ainda hoje, que a organização do trabalho nas instituições hospitalares está, basicamente, fundamentada nas teorias da administração clássica, científica e burocrática, assim como, também cristalizada, dominada e conformada culturalmente pelas circunstâncias situacionais do surgimento do modelo neoliberal(16). Os hospitais inseridos no atual contexto deste modelo necessitam de diversas fontes de custeio para manter-se, utilizando-se de convênios privados, cooperativas e, como principal fonte de renda, na maioria das vezes, o Sistema Único de Saúde (SUS). Porém, "mesmo os hospitais com grande dependência do SUS desfrutam razoável grau de autonomia para organizarem seu próprio processo de trabalho e modelo assistencial"(14).

Dessa forma, é comum a falta de padrões de mensuração da qualidade do atendimento prestado, além de um gerenciamento eficaz do processo de trabalho, que dê conta das relações entre trabalhadores, usuários, instituições e gestores, buscando responder às diretrizes do SUS(17). Assim, na atualidade, tanto em serviços privados quanto públicos, observa-se um distanciamento entre gestores, instituições, equipe de saúde e clientela, gerando, em vários serviços de saúde, uma apatia burocrática, desinteresse e alienação, tornando-os paradigmáticos da indiferença e da falta de sensibilidade, diante do sofrimento humano. Isso representa a medicalização do usuário sem a garantia da resolução do seu problema, centrada, freqüentemente, apenas na consulta médica e em condutas de baixa resolutividade(17-19).

Portanto, pode-se concluir que muitos serviços de atendimento à saúde estão organizados "submetendo a qualidade do trabalho à produção e direcionada em maior escala, aos interesses econômicos e, em escala muito menor, à promoção do homem, seja como cliente, seja como profissional"(16). Fica evidente uma grave situação, referente à utilização do bem público em benefício do privado, uma vez que "os hospitais costumam oferecer atenção básica, especializada e de urgência [...], segundo a modalidade de pronto-atendimento"(14), ou seja, atendimento imediatista e de baixa resolutividade. Daí a necessidade da qualificação de gestão dos serviços prestados à população, por meio da incorporação à máquina pública de serviços mais eficientes, resolutivos e acolhedores, assim como a necessidade de reflexões, na busca da eticidade e moralidade dos profissionais na realização do seu trabalho, numa tentativa de romper com a subalternidade e a submissão ao sistema organizacional, para prestar um atendimento respeitando a pessoa humana em sua integralidade.

Ética e saúde

Na área da saúde, principalmente em unidades de emergência, muitas equipes que nelas desenvolvem suas atividades prescindem do necessário comprometimento profissional, frente às diversas situações organizacionais que emergem, com implicações éticas no atendimento, necessitando ser discutidas e refletidas. Nessa concepção, a eticidade aparece como uma condição humana de vir a ser ético e a ética como fator emergente das emoções e da racionalidade, guiadas pelo pressuposto da autonomia(20). Desse modo, existem princípios básicos que fundamentam o fazer dos profissionais da área da saúde e funcionam como guias de conduta para a ética profissional. São eles: respeito à autonomia, beneficência, não maleficência e justiça(21).

Uma pessoa é considerada autônoma, quando é dotada de habilidades para o autogoverno, sabe deliberar e fazer escolhas. Assim, no ambiente dos serviços de saúde, deveria haver a consulta aos usuários sobre seus desejos, opções e planos, a partir de informações claras e acessíveis sobre o processo saúde-doença por eles vivenciado, "respeitando a dignidade do paciente, oferecendo a ele e a seus familiares um acolhimento global, e não apenas limitado à patologia que justificou a assistência"(22). Por outro lado, também o profissional da equipe tem direito à autonomia, mesmo que esta não seja plenamente exercida no ambiente de trabalho, devido à existência de regras e padrões hierárquicos institucionais que necessitam ser seguidos.

O princípio da não maleficência tem a rigorosa incumbência de não permitir prejudicar e não impor riscos. O ato de cuidar compreende agir de maneira apropriada para evitar danos, tal qual é exigido de pessoas prudentes e sensatas(21). Na equipe de saúde, a má prática profissional constitui exemplo de maleficência causada pela inobservância dos padrões profissionais de cuidado.

O princípio da beneficência busca prevenir e eliminar danos, pesar e fazer um balanço sobre os bens que trarão ou se subtrairão do cliente, cujo objetivo central é prover benefícios e promover o bem(21). Este princípio rege a atividade profissional da maioria das equipes que trabalham em unidades de emergência, pois todos precisam atuar baseados no fato de estarem prestando o bem, mesmo que, diante de condições adversas para o atendimento, prestem-no de forma extremamente corajosa, e até mesmo, de modo improvisado, porém sempre visando o restabelecimento emergencial de seus usuários.

O princípio da justiça trata de ações distributivas, justas, eqüitativas, apropriadas e determinadas por normas, que se justificam estruturalmente nos termos da cooperação social, estendendo-se aos direitos e responsabilidades dos cidadãos, na sociedade, em termos civis e políticos. Não existe um único princípio capaz de encaminhar todos os conflitos nesta área(21). Por isso, uma ação justa considera os princípios da ética, em casos específicos que, ponderados em contextos particulares, podem ser analisados em sua real consistência.

A dimensão ética no atendimento das urgências/emergências

O sistema de saúde, no Brasil, foi implantado com várias lacunas administrativas. Portanto, não se organizou uniformemente, pois não dispondo de estrutura própria e capacitada, buscou a terceirização do que lhe faltava ao propósito inicial de dar cobertura assistencial integral a toda a população. Não devemos esquecer o fato de haver um custo econômico elevado para os cofres públicos, quando uma das fontes de renda dos hospitais privados passou a ser o SUS. Por sua vez, a falta de indignação da população, em relação aos padrões de qualidade para os atendimentos aos usuários do SUS, contribui para que as instituições privadas permaneçam, ainda hoje, oferecendo-lhes uma infra-estrutura precária, desrespeitando o direito constitucional e ferindo os princípios éticos envolvidos no atendimento à saúde de cada indivíduo(14).

Outro fator de repercussão ética é o desvio de usuários do atendimento público para o atendimento privado, onerando o paciente que poderia estar utilizando aquele serviço, embora ocupando o espaço público para a prestação do atendimento privado. Além disso, há um custo para com a eticidade dessa relação, que se alia aos interesses econômicos mais do que em investimentos na promoção do ser humano, usuário ou profissional do serviço de saúde(16).

A partir deste contexto organizacional e frente ao vertiginoso crescimento da violência e de acidentes, buscamos estabelecer uma relação destes fatores com as unidades de emergência, portas de entrada da população acometida por lesões decorrentes dessas situações nos serviços de saúde(11), uma vez que o que vemos na prática, em relação a estas unidades, é que estão, na maioria das vezes, estruturalmente desorganizadas e despreparadas para atender ao que se propõem e, principalmente, sem profissionais suficientemente capacitados e amparados para atuarem e acolherem a população acometida por trauma decorrente de acidente ou violência. Ou seja, os profissionais têm de enfrentar dificuldades decorrentes da burocratização do serviço e da cristalização das questões organizacionais, com repercussões éticas, tais como: superlotação de usuários, sobrecarga de trabalho, carência qualitativa e quantitativa de recursos humanos, estrutura física inadequada, precariedade ou ausência de equipamentos e de materiais para o necessário atendimento, dentre outros.

O problema da superlotação vem se agravando nos locais de atendimento a urgências/emergências, fenômeno conhecido, tanto pelas instituições de saúde públicas ou privadas, sejam hospitalares ou da rede básica, como pelos profissionais de saúde, usuários e população. As conseqüências são as elevadas taxas de ocupação dos leitos de observação das emergências, devido à necessidade de uma "falsa" resolutividade e acolhimento(9,17), bem como uma elevada procura por consultas médicas, muitas vezes desnecessárias, o que implica custos individuais e desperdício de recursos públicos, já que boa parte da população que procura este serviço não necessita deste tipo de atendimento, mas de atendimentos de baixa complexidade, frequentemente voltados a doenças crônicas não transmissíveis próprias do processo de envelhecimento da população(23).

Nesta realidade, ainda com um modelo médico-centrado, as próprias unidades básicas, ao excederem seus limites de capacidade, ou ao finalizarem suas fichas de atendimento médico, direcionam pacientes aos serviços de emergência, contribuindo para a superlotação destas unidades que, sobrecarregadas, podem negligenciar parâmetros, descaracterizando-se de sua real finalidade, pois todos os espaços vão sendo ocupados, gerando dificuldades para a realização de qualquer tipo de ação, até mesmo o atendimento às necessidades mais básicas do ser humano(17).

Dessa forma, freqüentemente usuários são questionados diante de todos aqueles que dividem um espaço restrito, pela proximidade dos leitos. As abordagens feitas pela equipe de saúde são presenciadas por todos que ali se encontram e a privacidade é constantemente violada(24-25). Estas situações demonstram as limitações do ambiente, que submetem os usuários a constrangimentos físicos e morais, ferindo princípios de justiça, pois todos possuem o direito de ser respeitados na sua autonomia como cidadãos, e de receber atendimento com estrutura física, recursos materiais e equipamentos compatíveis com suas necessidades, prestado por equipe qualificada para este fim. A superlotação dos pronto atendimentos "além de provocar um óbvio desgaste, devido à sobrecarga de trabalho, causa ainda, um sentimento de desperdício da vocação maior do serviço que seria salvar vidas, bem como de subutilização do alto preparo técnico dos profissionais"(17).

Sendo assim, o excesso de atividades parece levar os profissionais da unidade de emergência a trabalharem, de forma constante, sob pressão e sobrecarga mental. Esta condição pode favorecer a ocorrência de acidentes de trabalho e sofrimento psíquico, além do surgimento de doenças psicossomáticas de diversas naturezas, bem como conduzir ao uso abusivo de medicações controladas; consumo de álcool e outras drogas lícitas ou ilícitas; absenteísmo; rotatividade; conflitos profissionais e processos administrativos de ordem disciplinar. Frente a todas estas questões vivenciadas, a equipe ainda necessita estar preparada e qualificada para minimizar os fatores de agressão representados de diversas formas, em momentos críticos e situações de crises emocionais, com equilíbrio para tomar decisões de toda ordem(17, 26-28).

A equipe que atua na unidade de emergência necessita estar preparada com o mais alto nível de profissionalização para atender aos usuários acometidos por causas externas, principalmente em se tratando de um setor onde a lógica e o pensamento voltam-se ao modelo biomédico. Dessa forma, a educação continuada e permanente, assim como os treinamentos para utilização de protocolos de atendimento imediato ao trauma, possibilitam maior autonomia aos profissionais da equipe de saúde, rompendo paradigmas e exigindo transformações conceituais no atendimento a esta população específica(1,6,18,29).

A qualificação dos recursos humanos na prestação de atendimento aos serviços pré-hospitalares, hospitalares e de reabilitação, bem como, a tentativa crescente de conhecer o impacto da violência sobre a saúde, requer novas habilidades, equipamentos e organização do sistema de saúde, com uma estrutura física planejada, equipamentos, materiais e equipes completas, considerando as características do hospital, com o objetivo de atender a finalidade à qual se destina(9,29-30). Esses desafios exigem amplas reflexões, decisões e ações, que fazem parte das políticas públicas, dentre elas a Política Nacional de Redução de Acidentes e a Violências(9,31).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os traumas decorrentes de acidentes, assim como da violência são problemas epidemiológicos de grande repercussão, não somente em paises em desenvolvimento, mas mundialmente, acometendo a todos, sem distinção de nacionalidade ou classe social, com grande impacto na área da saúde. Frente à contundência dos acidentes e da violência e o impacto que representam na saúde, os profissionais desta área necessitam conscientizar-se da gravidade do problema, pois é uma condição de difícil tratamento e extremamente onerosa. Por isso, há necessidade de um sistema verdadeiramente integrado de atendimento (rede básica, setor secundário e terciário), e qualificação da equipe, por meio de políticas públicas eficientes, para tentarmos reduzir a morbimortalidade desta população especifica, pois é possível agir frente a esse fenômeno em uma lógica de prevenção, promoção e valorização da vida(31).

As questões organizacionais das unidades de emergência e suas implicações éticas necessitam ser assumidas, tanto pelos gestores da saúde quanto pela equipe de saúde que atua nestas unidades, pois apesar das condições de atendimento intra hospitalar ainda não estarem como preconizado pelas políticas públicas, os profissionais necessitam atender às vítimas do trauma, visando à beneficência e buscando reduzir o risco de danos associados a esse tipo de atendimento.

Embora esta discussão ainda seja limitada, sempre haverá a possibilidade de que, em outros estudos, se aprofundem aspectos que envolvam organização, ética e atendimento nos serviços de emergência, o que contribuirá para diminuir a distância entre a baixa produção científica sobre o tema no Brasil, comparada com a enorme importância que esse problema epidemiológico representa para a população, não só em termos sociais, econômicos, mas de respeito à vida humana.

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  • Atendimento em unidade de emergência: organização e implicações éticas

    Atención en una unidad de emergencia: organización e implicancias éticas
  • *
    , cuja grande variabilidade pode ser, desde uma fratura de colo de fêmur de uma pessoa idosa, até uma tentativa de homicídio/suicídio de um jovem adulto: "A violência consiste em ações humanas individuais, de grupos, classes, nações, ou omissões, que ocasionam a morte de seres humanos, ou afetam sua integridade física, moral, mental ou espiritual"
    (1). Todas as causas externas, desde "colisões com veículos, passando por esfaqueamentos e suicídios até afogamentos, têm uma coisa em comum: transferência de energia"
    (2). Assim, o trauma pode ser definido "como um evento nocivo que advém da liberação de formas específicas de energia ou de barreiras físicas ao fluxo normal de energia"
    (2).
  • **
    . Para essa revisão bibliográfica, do tipo narrativa, segundo Rother
    (14),selecionamos textos, dentre os quais artigos, livros, teses, resoluções e portarias divulgadas entre 1995 e 2008, nas Bases de Dados SciELO, Biblioteca Virtual em Saúde e Banco de Teses da CAPES.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      17 Dez 2007
    • Aceito
      26 Maio 2008
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