Acessibilidade / Reportar erro

A Poética da Mímesis no Timeu-Crítias de Platão

The Poetics of Mimesis in Plato’s Timaeus-Critias

Resumo:

O presente estudo consiste em uma análise do processo de composição do Timeu-Crítias de Platão, sob o ponto de vista da modelagem do discurso. Pretende-se mostrar que o diálogo é marcado por uma engenhosa articulação de técnicas de composição, que combinam os aspectos pictorial e dramático da mímesis poética. Estabelecendo as Panateneias como referência implícita, a obra apresenta a performance de uma sequência de narrativas, produzidas como verdadeiras imagens discursivas. A originalidade platônica revela-se no Timeu-Crítias, portanto, no desempenho de uma construção formal ao mesmo tempo dramática e imagética, mediante um singular agenciamento mimético de formas do discurso.

Palavras-chave:
Timeu-Crítias ; diálogos platônicos; mímesis ; discurso; imagem

Abstract:

The present study is an analysis of Plato’s Timaeus-Critias composition process, from the point of view of discourse modeling. It intends to show that the dialogue is distinguished by an insightful articulation of composition techniques, which combine the pictorial and dramatic aspects of poetic mimesis. Establishing the Panateneias as an implicit reference, the work presents the performance of a sequence of narratives, produced as true discursive images. Platonic originality is revealed in Timaeus-Critias, therefore, as the accomplishment of a formal construction that is both dramatic and representational, through a singular mimetic agency of discursive forms.

Keywords:
Timaeus-Critias ; platonic dialogues; mimesis ; discourse; image

μίμησιν μὲν γὰρ δὴ καὶ ἀπεικασίαν τὰ παρὰ πάντων ἡμῶν ῥηθέντα χρεών που γενέσθαι

Mímesis e criação de imagem, tudo o que nos é dito, de algum modo, deve ser. Pl. Criti. 107b (trad. nossa)

O presente estudo nasce de uma indagação sobre o projeto de composição do Timeu-Crítias, inscrevendo-se em um debate mais amplo sobre a prática de produção de discursos, à qual se deve, em seu sentido e em seu fazer, a própria constituição da filosofia como uma forma de narrativa e como um fenômeno transdiscursivo.1 1 Os diálogos Timeu e Crítias de Platão são tomados, aqui, sob a perspectiva de um mesmo projeto de composição. Com relação ao problema da constituição da filosofia como forma discursiva, vide Menezes Neto, 2017, p. 202-208.

Como ponto de partida, está a premissa de que o Timeu-Crítias coloca em questão a produção mimética do discurso, com uma problematização que não se restringe ao contexto intradramático da obra, ao qual pertencem os personagens e a própria ação representada, mas que abrange de modo especial seu contexto extradramático, em que se situa o trabalho do autor, o agenciamento das formas e os efeitos produzidos sobre o leitor.

Entendemos, assim, ser possível encontrar nesse diálogo indicações relevantes para uma compreensão da arte platônica de fabricar discursos, de modo a alcançar uma caracterização mais específica de seu estilo de composição. Sob esse aspecto, a referida obra é tomada como uma peça textual de grande valor para a reflexão poético-filosófica, uma obra que apresenta, como veremos, uma prática determinada de escritura e de modelagem da linguagem, fundada no estatuto mimético do discurso.

A mímesis na composição de discursos

O Timeu-Crítias é construído na forma de uma sobreposição de procedimentos miméticos, que correspondem às duas acepções fundamentais de mímesis. Nesse sentido, a atividade composicional que está na base de sua construção literária articula técnicas que recobrem, ao mesmo tempo, os registros dramático e pictorial da arte poética de composição de discursos.

Com relação à dupla acepção de mímesis, vale notar que o campo semântico do termo é marcado por um processo histórico de variação. Originalmente, o centro de gravidade em torno ao qual giravam os termos μῖμος e seus cognatos (μιμέομαι, μίμημα e μίμησις) indicava o sentido de uma performance2 2 Tomamos, aqui, performance no sentido específico de execução, efetivação, desempenho ou representação de formas dramáticas. Cf. Mazzacchera, 1999, p. 223. e marcava o caráter dinâmico de uma realização, sendo por isso empregado no âmbito das artes dramáticas, da música e da dança.3 3 Em suas primeiras atestações, o termo μῖμος designa uma espécie de mímica da aparência externa, dos sons e ou dos movimentos de seres animados (um animal ou um ser humano). Esse sentido parece ter sido a base de uma concepção dramática da mímesis poética. Para uma discussão sobre a história do sentido desse termo e de seus derivados, vide Else, 1958; Havelock, 1996, p. 37-38; Veloso, 2004, p. 733-830. Em um segundo momento, porém, esse campo semântico teria se expandido, movendo-se em direção a um significado cada vez menos dramático e cada vez mais abstrato. Submetido a tal fenômeno de ampliação de sentido, o vocabulário da mímesis viria a ser aplicado também ao âmbito das artes visuais, designando a produção de imagens.

Assim, sobretudo a partir dos séculos V-IV a.C., o sentido mais antigo do grupo miméomai teria se desdobrado numa semântica cujo paradigma passaria a ser o das artes plásticas e visuais, em especial a pintura. De seu significado primeiro, próprio ao contexto performativo e dramático, seu campo de aplicação teria se estendido, compreendendo também o sentido da produção de uma imagem ou de uma cópia, próprio às artes figurativas.

Podemos dizer, por conseguinte, que o vocabulário da mímesis comporta dois sentidos fundamentais: o sentido dramático e o sentido pictorial. A partir dessa compreensão, importa-nos, assim, mostrar (i) que ambos sentidos são assimilados e operacionalizados por Platão em sua prática singular de composição;4 4 Havelock (1996, p. 75-78, n. 22) defende que o deslocamento do sentido de uma mímica viva ou representação dramática para uma amplitude mais abstrata, encontrada no sentido pictorial do termo mímesis, é um processo que se dá no contexto eminentemente platônico. Sobre o problema da mímesis em Platão, vide Brisson, 1982, cap. 6; Vernant, 1979. e (ii) que o Timeu-Crítias revela, de modo especial, esse proceder platônico, pautando como a linguagem pode ser produzida segundo diferentes usos de técnicas miméticas, ao modo de um verdadeiro banquete de miméseis.

A produção de imagens

Vejamos, primeiramente, como Platão se vale de uma prática mimética pictorial, estabelecendo, no Timeu-Crítias, uma significativa produção de imagens discursivas e de discursos imagéticos, acompanhada, ao mesmo tempo, por uma discussão sobre seu estatuto e seus efeitos poéticos.

Sócrates abre o diálogo com uma retomada da discussão realizada na véspera: o tema principal de sua fala tinha sido o que lhe parecia ser a melhor politeía e o tipo de homem mais indicado para aplicá-la.5 5 Cf. Ti. 17c-d. Tendo rememorado os principais pontos de seu discurso, ele pede, em seguida, que seus interlocutores ouçam de que maneira ficara impactado (πεπονθὼς τυγχάνω):

ἀκούοιτ᾽ ἂν ἤδη τὰ μετὰ ταῦτα περὶ τῆς πολιτείας ἣν διήλθομεν, οἷόν τι πρὸς αὐτὴν πεπονθὼς τυγχάνω. προσέοικεν δὲ δή τινί μοι τοιῷδε τὸ πάθος, οἷον εἴ τις ζῷα καλά που θεασάμενος, εἴτε ὑπὸ γραφῆς εἰργασμένα εἴτε καὶ ζῶντα ἀληθινῶς ἡσυχίαν δὲ ἄγοντα, εἰς ἐπιθυμίαν ἀφίκοιτο θεάσασθαι κινούμενά τε αὐτὰ καί τι τῶν τοῖς σώμασιν δοκούντων προσήκειν κατὰ τὴν ἀγωνίαν ἀθλοῦντα· ταὐτὸν καὶ ἐγὼ πέπονθα πρὸς τὴν πόλιν ἣν διήλθομεν.

E a partir de agora, além disso, ouvi, acerca da politeía que percorremos, de que maneira eu cheguei a ser impactado por ela. Meu páthos, na realidade, se assemelha ao seguinte: é como se, de alguma maneira, alguém contemplasse belas figuras, trabalhadas mediante inscrição e realmente viventes, ainda que mantidas em repouso, e chegasse ao ponto de um desejo de contemplá-las em movimento, a exercitar, como numa competição, aquelas coisas que parecem ser próprias a seus corpos. É isso o que eu senti com relação à pólis que percorremos. (Ti. 19b-c; tradução nossa)

Nos passos em questão, o vocabulário utilizado (πεπονθὼς, πάθος, ἐπιθυμία) traduz o apelo emocional que se quer evidenciar. Sócrates fala de seu acometimento por uma espécie de afecção e, para descrevê-lo, compara-o à impressão que alguém sofre, como espectador, ao contemplar belas figuras (τις ζῷα καλά που θεασάμενος). Vale lembrar que o termo páthos, usado por Sócrates, é recorrente nas iniciações mistéricas, nas quais designa uma experiência singular dos iniciados, inscrita com força em seus corpos e mentes, em decorrência, do mesmo modo, de uma experiência de contemplação, a epopteía.6 6 Cf. Susanetti, 2017, p. 20, 22, 29 e 101.

Embora o termo ζῷα (τὸ ζῷον) seja normalmente traduzido por “animais” ou “seres vivos”, optamos por traduzi-lo, aqui, por “figura” ou “imagem” - alternativa que sinaliza o contexto das artes visuais em jogo no referido emprego do termo.7 7 No passo 19b, estamos diante da primeira ocorrência de um termo que, em todo o conjunto da obra, aparecerá 65 vezes (59 no Timeu e 6 no Crítias). Sobre o duplo significado de tò zôon, vide Finkelberg, 2019, p. 153. Essa semântica é, com efeito, possível, sendo atestada, por exemplo, na narrativa da Caverna, onde o termo ζῷα designa as imagens feitas de pedra, de madeira e de todo o tipo de trabalho (καὶ ἄλλα ζῷα λίθινά τε καὶ ξύλινα καὶ παντοῖα εἰργασμένα, R. 7.515a), transportadas ao longo do muro, cujas sombras são projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna.

O emprego de τὸ ζῷον como “figura” ou “imagem” pode ser verificado, ainda, em sete ocorrências em Heródoto. Em Hdt. 1.70.1, o autor informa que os lacedemônios teriam fabricado (ποιέω) um vaso de bronze, ornado com figuras (ζῳδίων).8 8 O termo ζῳδίων é um diminutivo de τό ζῷον. Em Hdt. 1.203, ζῷα aparece como complemento do verbo ἐγγράφω (fazer incisões, escrever, pintar), referindo-se a figuras gravadas (ἐγγράφειν) em tecido, que não poderiam ser lavadas (οὐκ ἐκπλύνεσθαι). Em Hdt. 2.3, reporta-se que os egípcios foram os primeiros a erigir altares, estátuas e templos, e a gravar figuras em pedras (ζῷα ἐν λίθοισι ἐγγλύψαι). Em Hdt. 2.124, o autor refere-se a uma estrada feita de pedras polidas, sobre as quais foram gravadas figuras (ζῴων ἐγγεγλυμμένων). Em Hdt. 2.148, encontramos a referência a uma pirâmide egípcia ornada por enormes figuras esculpidas (ἐν τῇ ζῷα μεγάλα ἐγγέγλυπται). Em Hdt. 3.47, uma couraça é descrita como um artefato de linho, com numerosas figuras de ouro e algodão, feitas na própria trama do tecido. E em Hdt. 4.88, temos uma remissão a figuras que Mandroclés teria mandado fazer (ζῷα γραψάμενος), com representações do rei Dario e seu exército.9 9 Mandroclés era um engenheiro de Samos que, cumprindo ordens de Dario, ergueu uma ponte sobre o Bósforo e mandou fazer um quadro da ponte com a imagem do rei observando suas tropas.

No Timeu-Crítias, a referência a ζῷα καλά comporta uma alusão a gravuras, efígies e epigramas que, sobretudo na Grécia arcaica, eram gravados em objetos votivos, lápides e estátuas associados a ritos funerários e cerimônias religiosas. Trata-se, segundo Sócrates, de figuras trabalhadas mediante inscrição - ὑπὸ γραφῆς εἰργασμένα -, com a propriedade de reproduzir sobre um substrato material estático o aspecto visível (figurativo) do que é vivo e está em movimento.10 10 Vide Ti. 19b-c. Para uma análise do passo 19b do Timeu, vide Oliveira, 2013; Nercam, 2015. Traduzimos, assim, γραφή por “inscrição”, que envia para o ato de marcar com uma espécie de estilete, próprio à escrita e à pintura.11 11 Vide Oliveira, 2015, p. 156. Note-se que tanto no passo 19b do Timeu quanto no passo 515a da República, o termo ζῷα está associado ao verbo ἐργάζομαι (na forma participial εἰργασμένα), indicando o sentido de um artefato que resulta da execução de um determinado fazer.12 12 Esse mesmo sentido aparece, também, em uma passagem das Leis (769a-b), em que o estrangeiro de Atenas faz referência ao trabalho dos pintores (ἡ πραγματεία ζωγράφων), que reproduzem diferentes figuras (περὶ ἑκάστων τῶν ζῴων). Também em Heródoto, como vimos, o termo aparece como complemento de verbos do léxico artesanal, como ἐγγλύφω, “gravar sobre, talhar” (Hdt. 2.3, 124, 148), ἐνυφαίνω, “tecer, bordar em” (3.47) e γράφω (4.88) - o que reforça sua acepção figurativa.

A referência socrática a “belas figuras” insere a discussão do Timeu-Crítias no campo próprio das artes visuais. O páthos que acomete Sócrates é uma experiência da visão que, como vimos, corresponde àquela de um espectador que contempla (θεασάμενος) ζῷα καλά e reconhece neles a semelhança em relação àquilo que representam. Essa semelhança se faz perceber, como observa Sócrates, pelo fato de as figuras parecerem vivas, ainda que na realidade estejam inertes.13 13 καὶ ζῶντα ἀληθινῶς ἡσυχίαν δὲ ἄγοντα, Ti. 19b. Nesse sentido, o discurso da véspera tem, sobre Sócrates, poder e efeito análogos aos de uma imagem fabricada. Assim sendo, coloca-se em destaque uma relação entre a contemplação de elementos visuais e a afecção decorrente dessa contemplação.14 14 Vide Reydams-Schils, 2002, p. 266. A ideia de que a alma é afetada pelo discurso encontra-se presente, sobretudo, na poética da afecção de Górgias, que prepara o terreno para a teoria e a prática platônica sobre a mímesis. Ver Gorg. Hel. 2.11.9-13 (fr. UB 23; DK82 B11). Ver também Mazzacchera, 1999. Funda-se, aqui, uma analogia entre discurso e imagem, que perpassará todo o conjunto do Timeu-Crítias e que estará na base mesma da noção ocidental de representação figurada.15 15 Vide Vernant, 1990.

O desejo de Sócrates

Na abertura do Timeu-Crítias, a associação do páthos de Sócrates à experiência de alguém que contempla belas figuras instala um campo de sentido marcado por um vocabulário relacionado à visão (θεασάμενος e θεάσασθαι, 19b), à artesania (ὑπὸ γραφῆς εἰργασμένα) e à mímesis (τὸ μιμητικὸν ἔθνος, μιμήσεται, εὖ μιμεῖσθαι, 19c-e). Como consequência de sua afecção, Sócrates é, então, tomado por um desejo (ἐπιθυμία) de contemplar aquelas figuras em movimento, mediante uma performance discursiva que pudesse apresentar a politeía em funcionamento.16 16 “e chegasse ao ponto de um desejo de contemplá-las em movimento (εἰς ἐπιθυμίαν ἀφίκοιτο θεάσασθαι κινούμενά τε αὐτὰ)” (Ti. 19b).

Sócrates confessa não se sentir com forças para fazer o novo discurso. Ele transfere a seus interlocutores a tarefa de realizar a incumbência, lembrando que eles haviam decidido retribuir-lhe a hospitalidade da véspera com um banquete de discursos (τὴν τῶν λόγων ἑστίασιν, 20c). O recurso a um vocabulário da refeição (sobretudo no prólogo) instala a ação no cenário simposial do comer e do beber juntos.17 17 Os termos utilizados, nos passos 17a, 20c e 27b, são δαίς, ἑστίασις, συνουσίαe ξενία. Vide Desclos, 2006, p. 183. A remissão ao encontro do dia anterior assinala que Sócrates havia recebido os demais personagens como a convidados (δαιτυμών, 17a), cabendo-lhes agora prestar-lhe uma retribuição em forma de agradecimento. Por esse motivo, na ação dramática transcorrida no Timeu-Crítias, Sócrates é levado à quietude (ἡσυχία) daqueles que estão na vez de ouvir (ἀντακούω, 27a), o que demarca seu instigante silêncio na obra como um todo.18 18 O silêncio de Sócrates remete ao silêncio do iniciado para receber a transmissão do discurso sagrado, que constituía o ponto alto das iniciações mistéricas. Vide Susanetti, 2017, p. 26. Com relação ao silêncio de Sócrates, ver Schalcher, 1998.

Apesar de seu silêncio, Sócrates se apresenta como um personagem amante de discursos, ávido por eles.19 19 Ver Phdr. 228c. Hermócrates garante-lhe que os presentes não se esquivarão frente a seu ardor (προθυμία) nem deixarão de fazer (μὴ δρᾶν)20 20 O verbo δράω (“fazer”, “realizar”), de onde vem a palavra drama, indica o caráter dramático do que vai se seguir. O termo pode indicar também a performance de ritos musicais ou o ato de oferecer sacrifícios. o que lhes é pedido (20c). Nesse sentido, o pedido de Sócrates21 21 Ver Ti. 20c, 27a-b. Sobre o “pedido de Sócrates”, vide Slaveva-Griffin, 2005, p. 315 s.; Reydams-Schils, 2002. possui um desdobramento sobre os circunstantes, que assumem a função de artesãos do discurso, em um verdadeiro quadro de aplicação de formas discursivas. A obra passa a ser, no interior da representação de um encontro conversacional, a tentativa de oferecimento de uma resposta ao ardor de Sócrates: Crítias contribuirá com um λόγος ἄτοπος e παλαιός (20d e 21a), ao passo que Timeu fornecerá um εἰκώς μῦθος (29d). 22 22 A estrutura do Timeu-Crítias pode ser assim resumida: resumo da discussão da véspera (17b-20d); a primeira intervenção de Crítias (20d-27b); a narrativa de Timeu (27c-92c); a transição Timeu-Crítias (106a-108c) e a narrativa de Crítias (108c-121c).

Para corresponder à expectativa pela imagem de uma politeía em funcionamento, Crítias apresenta o relato do passado idealizado da própria Atenas.23 23 Alguns comentadores afirmam que Crítias simplesmente teria entendido mal o pedido de Sócrates. Esse debate é colocado por Slaveva-Griffin, 2005, p. 321. Ver também Reydams-Schils, 2002, p. 276; Ives, 2017, p. xi. Ele crê efetuar, assim, uma transposição da narrativa de Sócrates para a realidade dos fatos, reivindicando para o seu discurso o estatuto de verdade com referências históricas.24 24 Cf. Ti. 26c-d. Crítias, com efeito, caracteriza sua narrativa como “história muito estranha, mas inteiramente verdadeira” (λόγου μάλα μὲν ἀτόπου, παντά πασί γεμὴν ἀληθοῦς, Ti. 20d) e como “fato verdadeiro” (ὡς ἀληθῆ, 21d), recorrendo aos registros do passado e à memória.25 25 A legitimidade de suas reminiscências está assegurada pelos escritos do sacerdote egípcio (23e-24a) e pelas notas de Sólon (113 a-b).

A resistência de Crítias em criar uma história a partir do critério da verossimilhança estabelece, na realidade, um princípio de diferenciação entre as narrativas que compõem a obra.26 26 Para um estudo sobre a narrativa de Crítias, ver Haddad, 2008. A partir disso, a ação dramática é organizada segundo um revezamento de discursos que se distinguem como λόγος ἀληθινός e como μῦθος.27 27 ὡς ἐν μύθῳ (Ti. 26c), πλασθείς μῦθος (Ti. 26e); τὸν εἰκότα μῦθον (29d). Evidenciam-se, com isso, as possibilidades mesmas da construção do discurso e de seus diferentes estatutos, estabelecendo-se as bases para uma contraposição entre discurso não-fictício, construído com pretensão histórica, e discurso fictício, construído por imagens - ainda que ambos estejam radicados em um mesmo fazer poético.

Assim, em contraste com o discurso de Crítias, a narrativa de Timeu é delineada como πλασθείς μῦθος, ou seja, como uma espécie de história fabricada. O termo πλασθείς é, com efeito, o particípio do verbo πλάσσω que, proveniente do vocabulário artesanal, designa a ação de modelar substâncias como a terra, o barro ou a cera - de onde o sentido de fabricar, forjar, plasmar. Esse verbo corresponde, por sua vez, aos termos latinos fingere e fictus, origem etimológica da palavra ficção.28 28 Outras ocorrências do verbo πλάσσω confirmam a semântica da “ficção”. Ver Ap. 17c; X. An. 2.6.26; A. Pr. 1030; Pl. Ti. 26e, 50a; X. Mem. 2.6.37 e Arist. Rh. 1381b28. O termo “fingere” e suas derivações aparecem nas Metamorfoses de Ovídio; na Ars Poetica de Horácio e na Eneida de Virgílio. Ver Brisson, 1982, p. 51; Teisserenc, 2010, p. 195 (“fictions et images”); Halliwell, 2015, p. 345. Isto posto, a resposta de Timeu manifesta-se como uma descrição fictícia da gênese do universo e dos deuses, segundo os modelos oferecidos por suas respectivas figuras inteligíveis (τὰ νοητὰ ζῷα, 30c).

No relato de Timeu, o kósmos é apresentado como zôon (τὸν κόσμον ζῷον) que, em sua unicidade, abrange todos os demais zôa (τἆλλα ζῷα).29 29 Cf. Ti. 30b-c. Platão lida aqui com as possibilidades de sentido do termo ζῷον, combinando, na fala de Timeu, os sentidos de “ser vivo/animal” ao de uma “imagem” fabricada mediante o princípio da semelhança. A chave para se compreender a correspondência entre o relato de Timeu e o pedido de Sócrates está precisamente na expressão τὰ νοητὰ ζῷα, que deve ser cruzada com a expressão socrática τις ζῷα καλά (19b), no início do diálogo.30 30 Cf. Reydams-Schils, 2002, p. 167.

Assim, se kósmos e deuses são imagens de paradigmas inteligíveis eternos, todo o discurso sobre eles deve ser da mesma natureza imagética. A necessidade de um discurso a partir de imagens justifica o recurso de Timeu a um relato semelhante: τὸν εἰκότα μῦθον (29d), κατὰ λόγον τὸν εἰκότα (30b). O particípio εἰκώς, que qualifica os termos μῦθος e λόγος em diversas passagens do diálogo,31 31 Três ocorrências relativas a eikòs mûthos (Ti. 59c, 68d, 69b) e sete relativas a eikòs lógos (30b, 48d, 53d, 55d, 56a, 57d, 90e). Para outras ocorrências relativas a eikós, ver Ti. 34c, 44d, 48c, 49b, 59d e 72d. Cf. Brisson, 1982, p. 161-163; Brisson, 2001, p. 70. assinala, sob esse aspecto, aquilo que é similar ou verossímil, e envia, mais uma vez, para um grupo semântico que coloca em evidência o estatuto da imagem na cultura grega.

Etimologicamente, o substantivo εἰκών está ligado ao domínio da visão e da aparência. Ele apresenta o tema “weik-”, que indica uma relação de adequação e de conveniência, comportando a ideia de uma relação com aquilo que é representado. O termo εἰκών refere-se, desse modo, a uma imagem que não faz esquecer o modelo, mas que se estabelece continuamente sob o registro da referencialidade.32 32 Cf. Chantraine, 1970, p. 354-355 (v. ἔοικα); Vernant, 1990, p. 228-230; Vernant, 1979; Saïd, 1987; Teisserenc, 2010, p. 239 s. Ver também R. 369c, 509e-510a, 588b. O verbo ἔοικα significa, assim, “ser semelhante”, “parecer-se a”, “ter o aspecto de”; e o verbo εἰκάζω, a ação de criar uma semelhança por imagem, de representar por imagem. Lembremos que na República, ao introduzir a imagem da nau do Estado, Sócrates se apresenta como um produtor de imagens: “Ouve, então, a imagem, para verdes ainda melhor como eu a produzo obstinadamente” (ἄκουε δ᾽οὖν τῆς εἰκόνος, ἵν᾽ἔτι μᾶλλον ἴδῃς ὡς γλίσχρως εἰκάζω, R. 6.488a; trad. nossa). A imagem (ἡ εἰκών) aparece, portanto, como um discurso que pode ser ouvido (ἀκούω) e Sócrates, seu artesão, como o sujeito da ação de produzi-lo (εἰκάζω).33 33 Sobre o verbo akoúo, ver Brisson, 1982, p. 42-43.

A narrativa de Timeu ilustra, como no exemplo da República, um fenômeno de produção discursiva de imagens, efetivado segundo o princípio da semelhança.34 34 Vide Ti. 29a-c. Para a relação entre as imagens e o princípio de semelhança, ver as ocorrências das seguintes expressões: εἰς ὁμοιότητα (30c); ὁμοιῶσαι (30d); ὅμοιον (31b); ὁμοιότατον e μίμησιν (39e); μιμεῖσθαι (81b); εἰκὼν (92c). Ver também 30b-31b; 92c. O registro formal imagético adotado equivale, dessa forma, à natureza do conteúdo e revela, internamente, por parte do personagem Timeu, e externamente, por parte de Platão, o autor, o conhecimento e a habilidade nessa prática de criação, explicitamente colocada em operação à medida que o relato é executado.

Uma tecedura de imagens

Do ponto de vista de sua composição, não apenas a narrativa de Timeu, mas o próprio Timeu-Crítias, como um todo, corresponde a um encadeamento de discursos em imagens. O diálogo comporta-se, na realidade, como um complexo sistema de ζῷα καλά, construído segundo um conjunto de referências retiradas do horizonte cultural da festa das Panateneias. O contexto implícito da festa, como veremos, não se constitui de forma acidental, mas funciona como pano de fundo para o próprio projeto de composição, sendo, assim, intencionalmente estabelecido, tanto em virtude de sua dimensão pictórica e visual, quanto em virtude de sua dimensão dramática.

As Panateneias eram o festival cívico-religioso dedicado a Atena, em que se celebravam a fundação da cidade, a figura de Erictônio, o primeiro autóctone ateniense, o nascimento da deusa e a gigantomaquia da qual é vencedora.35 35 Referências platônicas às Panateneias: Cra. 418a, 530a-b; Euthphr. 6b; Hipparch. 228b; Lg. 796b; Ti. 21a. Com relação aos primeiros atenienses, entre os quais Erecteu e Erictônio ver Criti. 110a. Vide também Brisson, 2001, p. 223, n. 41; Davison, 1958. Sua primeira referência aparece no passo 21a, quando Crítias introduz a história da viagem de Solon ao Egito, que lhe havia sido transmitida por seu avô, Crítias o velho. O relato, segundo Crítias, permitiria rememorar os grandes feitos da cidade, esquecidos no passado, convertendo-se, também, numa forma de elogiar (ἐγκωμιάζω) a deusa, à maneira de um hino entoado (ὑμνέω) em sua honra, nos dias de sua festa. A expressão ἐν τῇ πανηγύρει (“no festival”), no passo 21a, associada a τῆς θεοῦ θυσίᾳ (“ao sacrifício da deusa”), no passo 26e, oferece, indiretamente, uma coordenada espaço-temporal que permite situar a ação dramática no decorrer da mencionada festividade.36 36 Ver Brisson, 1982, p. 38; Nagy, 2002, p. 83-84. Isso explica, inclusive, as preces de Timeu e de Crítias, que precedem a execução de suas respectivas narrativas, dando à obra o teor de uma paródia litúrgica.

Como é observado no próprio texto (20d-26a), a narrativa de Crítias coaduna-se, particularmente, com a celebração à deusa tutelar de Atenas, traduzindo-se em um elogio à cidade, já que retrata suas origens, seu passado idealizado, a vitória sobre Atlântida e os cidadãos nela engendrados. É por esse motivo que Sócrates observa ser ela a narrativa mais adequada para a festa sacrifical da deusa (τῆς θεοῦ θυσίᾳ). Vale lembrar que o sacrifício era, com efeito, o último ato do festival, que se encerrava com a consagração de três hecatombes realizadas na Acrópole.37 37 A carne das vítimas era distribuída entre os demoi, em uma refeição comum.

A associação implícita do Timeu-Crítias às Panateneias estabelece um paralelo com diversos componentes da festa, entre os quais a procissão que levava ao Parthenon, onde estava o templo de Atena. Ora, o uso do verbo διέρχομαι (percorrer, 19b-c) e dos substantivos ὁδός (caminho em 20c e abertura no Crítias) e διαπορεία (procissão, 106a) estabelece no diálogo uma atmosfera de percurso. Por esse prisma, as narrativas transcorrem, constituindo uma travessia do lógos à guisa da procissão que se realizava nas Panateneias. A alusão a esse evento religioso é reforçada, inclusive, pela presença de personagens estrangeiros na ação dramática - Timeu de Locre e Hermócrates de Siracusa - tal qual ocorria no cortejo das Panateneias, que reunia, no mesmo evento, estrangeiros e atenienses.38 38 Timeu e Hermócrates estão em Atenas, aparentemente, para algum propósito em comum. Em 17b, Timeu declara terem sido recebidos por Sócrates (χθὲς ὑπὸ σοῦ ξενισθέντας) como hóspedes ou estrangeiros. Ver também Ti. 20a.

O mote da procissão é significativo, sobretudo, em virtude de seu aspecto figurativo. A marcha era conduzida ao Parthenon, um verdadeiro cenário paidêutico, repleto de esculturas e de representações pictóricas.39 39 A construção do Parthenon é datada de 447-432 a.C., no governo de Péricles. Abrigava a colossal estátua de Atena, feita por Fídias em ouro e marfim (vide Hp. Ma. 290b). No período clássico, com efeito, santuários e templos contavam com considerável produção artística, que representavam narrativas mitológicas, teomaquias, batalhas cósmicas e épicas. Em Descrição da Grécia (séc. II d.C.), Pausânias faz inúmeras referências a pinturas (γραφαί), imagens (εἰκόνες) e estátuas dos deuses (θεῶν ἀγάλματα) na Acrópole.40 40 Vide Paus. 1.17.2, 23.4, 24.5, 27.1-3, 27.6, 28.2; 5.11.10. Sob esse aspecto, o conjunto de elementos que formavam o Parthenon constituía-se como uma efetiva narrativa em imagens, dando a conhecer uma gama de conteúdos míticos como o nascimento de Atena e a competição da deusa contra Posídon.

Na procissão que levava à Acrópole, havia, ainda, mais um elemento expressivo: carregava-se uma túnica sagrada, que seria oferecida à estátua de Atena.41 41 Uma das referências mais antigas a esse artefato encontra-se em Il.5.734-735, onde se diz que Atena o teria feito com as próprias mãos, obra de fino lavor que ela própria tecera e enfeitara. O peplo aparece também em uma significativa passagem do Eutífron (6b-c). Sobre o péplos, ver verbete “Panathenaia” em Atsma, 2017. O πέπλος era um manto estampado, com uma padronagem de imagens trabalhadas artesanalmente, bordadas ou pintadas, com motivos relativos à guerra entre os deuses e à fundação da cidade. Todo o processo de preparação e de tecedura da túnica ocupava um lugar de destaque na vida social, possuindo, inclusive, relevante caráter ritualístico.

A dimensão figurativa das Panateneias comportava uma função político-pedagógica, estabelecendo a validade de uma narrativa de fundação da sociedade ateniense.42 42 A crítica formulada no Eutífron deve ser lida em paralelo com a República (vide R. 2.379a s. Ver também 377c-378e; Nagy, 2015, p. 122; Conelly, 2014, p. 35. Sobre a escultura e a pintura no período clássico, cf. Jones, 1997, p. 347 s. O festival compreendia, assim, um conjunto de elementos que funcionavam como um livro em imagens. As referências textuais do Timeu-Crítias à festa parecem situar o diálogo nesse mesmo domínio figurativo, colocando em evidência, mais uma vez, a correlação entre discurso e imagem. A obra parece fixar, desse modo, uma correlação entre a produção artesanal de imagens no campo das artes visuais e a produção de imagens no campo da arte do discurso. O estabelecimento dessa relação de correspondência vem a ser, na realidade, uma das primeiras formulações de uma reflexão sobre o poder imagético da linguagem.43 43 Sobre Platão como pensador do visual, vide Palumbo, 2008; Maiatsky, 2005.

Os discursos fabricados por Platão no Timeu-Crítias constituem, em termos metafóricos, uma nova tecedura do peplo oferecido a Atena.44 44 Em seu comentário ao passo 21a do Timeu, Proclo apresenta uma interpretação alegórica das Panateneias, observando que a narrativa de Crítias é dedicada à deusa como um tipo diferente de peplo. Vide Procl. in Ti. 1.84.10-13; 1.85.9-19. Ver também Nagy, 2002, p. 83-98; Hutchinson, 2017. O diálogo corresponde, nesse sentido, à fabricação de um tecido (“textus”)45 45 No latim, o termo “textus” significa, originalmente, o “material de tecido” e deriva do verbo “texere”, que significa “tecer”. de discursos/imagens e de imagens/discursos, visivelmente grafados em rolos de papiro, guardando, de algum modo, uma condição material e uma função narrativa análogas àquelas do manto estampado de Atena. Estamos, assim, diante de um fazer poético que vincula à escritura a arte visual de criação de discursos. O Timeu-Crítias requer, nessa medida, a contemplação das belas figuras nele talhadas. Por esse prisma, o autor aparece como um talhador (γραφεύς) e sua arte configura-se como produção de imagens (εἰδωλοποιία), como sugere Crítias no passo 107b.46 46 Crítias faz referência à arte do γραφεύς como a produção de imagens dos corpos dos deuses ou dos homens (τὴν δὲ τῶν γραφέων εἰδωλοποιίαν περὶ τὰ θεῖά τε καὶ τὰ ἀνθρώπινα σώματα; 107b). Além dessa ocorrência, o termo εἰδωλοποιία aparece em Platão apenas em Ti. 46a (τὴν τῶν κατόπτρων εἰδωλοποιίαν: a formação de imagens produzidas pelos espelhos). Não seria justamente essa a arte própria do escritor de diálogos?

Em síntese, a definição do discurso como ζῷον, o critério da semelhança para a produção de narrativas e as referências intratextuais às Panateneias formam um panorama que assinala a composição mimética do diálogo segundo o sentido pictorial. Com o efeito de dar a ver imagens, o Timeu-Crítias aparece como um novo peplo que, colocando de lado a sustentação ideológica da cidade de Atenas, reformula o tradicional discurso dos poetas. Um novo peplo que, assim como aquele das Panateneias, apresenta também uma narrativa figurativa do kósmos, do divino e da vida na pólis. Trata-se, no fundo, de uma refundação e de uma reescritura da poesia tradicional, com a afirmação de uma nova arte e de um novo gênero do discurso.47 47 Cf. Regali, 2012.

Uma sucessão de performances

No Timeu-Crítias, um conjunto de técnicas miméticas de criação de imagens combina-se com um conjunto de outras tantas técnicas miméticas de composição de uma obra dramática. No que se refere aos expedientes dramáticos, a mímesis aparece como instrumento fundamental, que permite que o autor se expresse como se fosse um outro, dando a impressão de que não é ele quem fala, mas os personagens. Sob esse aspecto, a mímesis está relacionada ao posicionamento de quem fala - no caso, sempre personagens - sendo garantida pelas marcas linguísticas de enunciação e pelo ocultamento da voz autoral.48 48 O tratamento da mímesis na República constitui um critério de classificação do estilo e de diferenciação das formas poéticas, entre as quais o gênero dramático. A tragédia aparece, nesse contexto, como o protótipo por excelência do estilo mimético de composição. Vide R. 392d-393d; Havelock, 1996, p. 42.

A ação dramática é estabelecida, desse modo, como uma sucessão de performances narrativas desempenhadas pelos personagens, mediante a reprodução de suas próprias vozes. Essa sucessão de discursos é pontuada na seguinte intervenção de Crítias, passo 27a: “Então observa, Sócrates, a disposição da festa de tua recepção, como a organizamos” (σκόπει δὴ τὴν τῶν ξενίων σοι διάθεσιν, ὦ Σώκρατες, ᾗ διέθεμεν). O substantivo διάθεσις (disposição, ordem) e o verbo διατίθημι (dispor, distribuir, organizar) sinalizam, no trecho, a ideia de uma distribuição ordenada dos papéis. E Crítias acrescenta: “Pareceu-nos que Timeu seja o primeiro a falar (ἔδοξεν γὰρ ἡμῖν Τίμαιον μέν πρῶτον λέγειν) ; em seguida sou eu (ἐμὲ δὲ μετὰ τοῦτον)”, comentário que explicita, por meio das expressões πρῶτον λέγειν e μετὰ τοῦτον, a disposição de uma sequência entre os falantes, sensivelmente distinta da usual distribuição dos papéis de perguntador e respondente nos diálogos socráticos.

A performance apresenta-se, ainda, sob o horizonte de uma competição de discursos. O caráter agonístico é denotado, com efeito, na referência a juízes (δικαστάς em Ti. 27b; κριταί em 29d) e à obtenção de um troféu (τρόπαιον em108c), o que justifica a preocupação dos personagens oradores em demandar a generosidade e a indulgência de seus ouvintes. Ora, a estrutura de narrativas em sequência na forma de uma competição insere o Timeu-Crítias no cenário dos concursos rapsódicos que eram realizados por ocasião das Panateneias - destacando, mais uma vez e por outra via, a referida festividade como pano de fundo privilegiado.

O Hiparco (228b-c)49 49 Situado entre os diálogos atribuídos a Platão, o Hiparco é um diálogo entre Sócrates e um interlocutor anônimo. Nele encontramos uma digressão sobre Hiparco (dirigente político, irmão do tirano Hípias e filho de Psístrato), da qual é extraído o trecho em destaque. Além de Hipparch. 228b-c, outras atestações referenciam a competição de rapsodos: ver D.L. 1.57 e os versos 184-191 do canto 9 da Ilíada. Seguimos, aqui, os estudos de Nagy: vide Nagy, 2002, p. 10-12, 16-18, 37. apresenta uma importante atestação para o agón de rapsodos nas Panateneias, esclarecendo, ademais, o seu funcionamento: nesses eventos, ao tomar a palavra, cada rapsodo deveria dar continuidade à narrativa do rapsodo precedente, no ponto exato em que seu antecessor havia parado.50 50 Vale lembrar que Íon, no diálogo homônimo, é um rapsodo de Éfeso que vem a Atenas para competir pelo primeiro prêmio no contexto das Panateneias (Ion 530a). Sobre tais competições, ver ainda Licurgo (in Leoc. 102), Isócrates (Paneg. 159), Ael. VH 8.2; Davison, 1958, p. 38. Esse procedimento ficaria conhecido como “regra panatenaica”:

πολίτῃ μὲν ἐμῷ τε καὶ σῷ, Πεισιστράτου δὲ ὑεῖ τοῦ ἐκ Φιλαϊδῶν, Ἱππάρχῳ, ὃς τῶν Πεισιστράτου παίδων ἦν πρεσβύτατος καὶ σοφώτατος, ὃς ἄλλα τε πολλὰ καὶ καλὰ ἔργα σοφίας ἀπεδείξατο, καὶ τὰ Ὁμήρου ἔπη πρῶτος ἐκόμισεν εἰς τὴν γῆν ταυτηνί, καὶ ἠνάγκασε τοὺς ῥαψῳδοὺς Παναθηναίοις ἐξ ὑπολήψεως ἐφεξῆς αὐτὰ διιέναι, ὥσπερ νῦν ἔτι οἵδε ποιοῦσιν

Hiparco, filho de Psístrato e de Filedes, o mais velho dos filhos de Psístrato, e também o mais sábio. Além de muitas e excelentes provas de sabedoria, foi o primeiro a trazer para nossa terra os poemas de Homero, obrigando os rapsodos a recitá-los nas Panateneias, um depois do outro, como até hoje fazem. (Hipparch. 228b; trad. Nunes, 1980NUNES, C. A. (trad.) (1980). Platão. Diálogos. Vol. 10: Sofista-Político, Apócrifos ou Duvidosos. Belém, EDUFPA.)

No excerto citado, a forma de execução da performance rapsódica é designada pelos termos ὑπόληψις (“por revezamento”) e ἐφεξῆς (“em sequência”, “em ordem”, “um atrás do outro”).51 51 Notem-se as expressões ἐξ ὑπολήψεως ἐφεξῆς em Hipparch. 228b e ἐξ ὑποβολῆς em D.L. 1.57. Os termos ὑπόληψις e ἐφεξῆς são traduzidos por Nagy (2002, p. 10), respectivamente, como “by relay” e “in sequence”. O verbo ὑπολαμβάνω (“receber”) marca a resposta a um falante antecedente, uma réplica, como se vê por exemplo em R. 1.331d (ἔφη ὑπολαβὼν = “ele disse em resposta”). A construção dramática do Timeu-Crítias corresponde, precisamente, à integração desse modelo. Nesse sentido, a estrutura formal do diálogo equivale, como argumenta Nagy, ao esquema panatenaico da recitação rapsódica, donde se esclarecem, com grau maior de acuidade, as referências internas ao contexto da festividade.

Uma das principais consequências da compreensão do Timeu-Crítias como obra dramática é que as narrativas de Timeu (de 27c a 92c, com uma única intervenção de Sócrates em 29d) e de Crítias (de 108e a 121c, terminando de maneira abrupta) não podem ser tomadas, segundo esse ponto de vista, como monólogos ou narrativas simples (no sentido da haplè diégesis do livro 2 da República). A obra não pode ser reduzida, dessa forma, a uma justaposição de discursos contínuos retóricos, como sustenta Hadot (1983HADOT, P. (1983). Physique et poésie dans le Timée de Platon. Revue de Théologie et de Philosophie 115, p. 113-133., p. 126), ou, como sugere Regali (2012REGALI, M. (2012). Il poeta e il demiurgo. Teoria e prassi della produzione letteraria nel Timeo e nel Crizia di Platone. Sankt Augustin, Academia Verlag., p. 134-135), a uma obra marcada pela prevalência da diégesis e um uso limitado da mímesis. Em contraste com essas posições, verifica-se no diálogo uma complementaridade entre narrativa e drama, marcando-se, com isso, seu caráter mimético-dramático - ainda que não apresente as mesmas convenções formais dos diálogos normalmente classificados como dramáticos.

O Timeu-Crítias é, assim, a mímesis de uma execução de discursos conforme o esquema panatenaico. Nesse horizonte dramático, as referências textuais a ouvintes (τῶν ἀκουόντων, 107b), espectadores (τοῖς ὁρῶσιν, 107c) e público (τό θέατρον, 108b e d) colocam em evidência, também, o universo da recepção. De fato, no contexto interno da obra, destaca-se o comentário de Crítias, segundo o qual a satisfação e o prazer da audiência dependem, por um lado, de sua inexperiência e ignorância em respeito ao assunto abordado; por outro, da eficácia da semelhança produzida.52 52 Cf. Criti. 107a-b. Nesse sentido, Crítias compara a produção de discursos à arte do pintor, cujo sucesso junto ao espectador deve-se ao mínimo de semelhança (σμικρῶς εἰκότα, 107d) que é capaz de produzir, ainda que ela seja “um sombreado um tanto vago e ilusório” (σκιαγραφίᾳ δὲ ἀσαφεῖ καὶ ἀπατηλῷ, 107d).53 53 Cf. Criti. 107a-c. Sobre a questão da arte pictórica no Timeu-Crítias, vide Oliveira, 2013; Oliveira, 2015.

Assim, se admitirmos o Timeu-Crítias como obra mimética que entrelaça as concepções pictórica e dramática de mímesis, é preciso pontuar, também, que tipo de efeito essa obra produz sobre seu leitor. Ora, como espectador de uma sucessão de narrativas num movimento contínuo e encadeado de retomada da palavra, o leitor do Timeu-Crítias é lançado no fluxo de imagens verossímeis, sendo simultaneamente levado a engajar-se na ação representada. Ocorre, por conseguinte, um fenômeno de integração do leitor, colocado no jogo interno da obra, sem o distanciamento e a fragmentação que, por sua própria natureza, a escrita pode produzir. Esse fenômeno é alcançado pelo desempenho de expedientes composicionais muito bem definidos, como o enquadramento dialógico, as falas em estilo direto, a alternância de narrativas, a imitação da fala por meio de partículas, o estilo em prosa, o vocabulário, entre outros.54 54 Vide Menezes Neto, 2017.

Desse modo, por sua própria estrutura discursiva, o Timeu-Crítias favorece o engajamento do leitor, inserindo-o naquilo que Nagy chama de “poética do movimento”. Ao leitor cabe, portanto, a tarefa de tomar lugar na sucessão rapsódica, de modo a reatualizar o modelo original dramatizado.55 55 Desclos (2006, p. 188 s.), seguindo as análises de Nagy, fala de um modo de recepção segundo uma reatualização dramática. A hipótese levantada é a de que seria possível aplicar, por analogia, a noção de composição-na-execução (a ideia de que o poeta se representa como aquele que executa no momento mesmo em que compõe) também para o destinatário, na medida em que este re-compõe no ato mesmo de execução da leitura (recomposição-na-execução). Isso explica por que o Timeu-Crítias tem um caráter de inacabamento, terminando de maneira abrupta. Trata-se de um texto em progresso, que está continuamente se fazendo, se recompondo, se reatualizando na singularidade da execução de cada leitura. E isso o torna suscetível de apresentar novas variações, escapando à rigidez, à fixidez e à esterilidade da escrita.56 56 Cf. Desclos, 2006, p. 194.

Conclusão

No passo 107b, Crítias formula uma compreensão que traduz um princípio colocado na base da própria composição do diálogo, ao afirmar que, como um todo, o discurso é mímesis e apeikasía (“criação de imagem”).57 57 Ver epígrafe. Desse modo, a questão central do Timeu-Crítias é, como nos parece, o problema da produção do discurso. A obra apresenta, magistralmente, uma articulação de práticas miméticas de composição, que combina os sentidos pictorial e dramático de mímesis. Esses sentidos se entrelaçam e integram a obra como um todo. A modelagem do discurso aí engendrada corresponde, assim, a um complexo agenciamento de técnicas de composição que, ao mesmo tempo em que produzem imagens discursivas e discursos imagéticos, constituem uma sequência bem definida de performances narrativas.

Em sua tecedura, o diálogo faz convergir a materialidade plástica da imagem e o movimento da representação dramática em um jogo de formas do discurso. Uma de seus pontos capitais está em mostrar que os discursos são imagens: belas figuras que se deixam contemplar. Figuras que afetam a alma do contemplante e que têm a potencialidade de criar outras imagens. A obra tem, por conseguinte, o mérito de mostrar como as imagens são produzidas no discurso, mediante um processo de artesania da linguagem segundo o princípio da semelhança. O Timeu-Crítias é, portanto, um diálogo sobre a potencialidade do ato de plasmar o discurso. Ele coloca em evidência a virtualidade do plastheís mûthos-lógos, permitindo entrever como essa virtualidade opera segundo a produção de imagens (eikónes) na escrita (graphé).

O Timeu-Crítias é, também, a mise-en-scène de um encontro dialógico, no qual uma sequência de narrativas é alinhavada em uma mesma trama dramática. A ação representada encontra-se, de fato, inserida nas molduras de uma conversação, na qual os interlocutores realizam verdadeiras performances recitativas, em um encadeamento que marca o próprio movimento do lógos. Trata-se, com efeito, de uma obra panatenaica, que se apresenta tanto como um novo peplo quanto como um novo agón rapsódico.

O presente artigo busca evidenciar as sutilezas de um uso singular da linguagem, marcado pela heterogeneidade estilística. Trata-se, sobretudo, de sinalizar que no campo diferencial entre os níveis intra e extradramático reside a singularidade do diálogo platônico. Trata-se de sinalizar, também, que mediante as relações aí estabelecidas, o leitor é levado a esquecer sua condição exterior, tendo a impressão de integrar, ele mesmo, a ação que se desenrola nas linhas do texto. Este é, por assim dizer, o mais importante êxito logrado pelo texto mimético e uma das propriedades do diálogo platônico: fazer esquecer-se como medium.

Platão constitui-se, assim, como um autor figurativo e dramático, que domina com maestria as técnicas da arte mimética, o que define o seu estilo de composição. Não estaria aí a nota fundamental da philosophía e o seu problema mais central? Não estaríamos, consequentemente, diante de uma precisão da própria atividade do filósofo? O Timeu-Crítias não responderia, desse modo, a pergunta sobre a natureza do filósofo e de sua ação? Não caberia ao filósofo, afinal, a contínua tarefa de uma artesania de imagens (zôa kalá) no discurso?

Bibliografia

  • ATSMA, A. J. (2017). “Panathenaia”. Theoi Project Disponível em https://www.theoi.com/Festival/Panathenaia.html Acesso em 25/05/2020.
    » https://www.theoi.com/Festival/Panathenaia.html
  • BRISSON, L. (1982). Platon, les mots et les mythes Paris, Maspero.
  • BRISSON, L. (trad.) (2001). Platon. Timéé/Critias Traduction, introduction et notes par Luc Brisson avec la collaboration de Michel Patillon. 5 ed. Paris, Flammarion.
  • BURNET, J. (ed.) (1903). Platonis Opera Oxford, Oxford University Press.
  • CHANTRAINE, P. (1970). Dictionnaire Étymologique de la Langue Grecque Histoire des Mots. Tome 2 : E-K. Paris, Klincksieck.
  • CONNELLY, J. B. (2014).The Parthenon Enigma New York, Knopf.
  • DAVISON, J. A. (1958). Notes on the Panathenaea. The Journal of Hellenic Studies 78, p. 23-42.
  • DESCLOS, M.-L. (2006). Les prologues du Timée et du Critias : un cas de rhapsodie platonicienne. Études platoniciennes 2, p. 175-202.
  • ELSE, G. F. (1958). Imitation in the Fifth Century. Classical Philology 53, p. 73-90.
  • FINKELBERG, M. (2019). The Gatekeeper Narrative Voice in Plato’s Dialogues. Leiden/Boston, Brill.
  • GODLEY, A. D. (trans.) (1920). Herodotus. The Histories Cambridge, Harvard University Press.
  • HADDAD, A. B. (2008). A narrativa de Crítias: uma interpretação desde a discussão de seu gênero. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • HADOT, P. (1983). Physique et poésie dans le Timée de Platon. Revue de Théologie et de Philosophie 115, p. 113-133.
  • HALLIWELL, S. (2015). Fiction. In: DESTRÉE, P.; MURRAY, P. (eds.). A Companion to Ancient Aesthetics Oxford, Wiley-Blackwell, p. 341-353.
  • HAVELOCK, E. (1996). Prefácio a Platão Trad. Enid Abreu Dobránzsky. Campinas, Papirus.
  • HUTCHINSON, D. M. (2017). The Timaeus-Critias as a reweaving of the peplos presented to Athena? Classical Inquiries Studies on the Ancient World from the Center for Hellenic Studies. Disponível em https://classical-inquiries.chs.harvard.edu/the-timaeus-critias-as-a-re-weaving-of-the-peplos-presented-to-athena/ Acesso em 25/05/2020.
    » https://classical-inquiries.chs.harvard.edu/the-timaeus-critias-as-a-re-weaving-of-the-peplos-presented-to-athena/
  • IVES, C. (2017). Socrates’ Request and the Educational Narrative of the Timaeus London, Lexington Books.
  • JONES, P. (org.) (1997). O Mundo de Atenas: uma introdução à cultura clássica ateniense. Trad. Ana Lia de Almeida Prado. São Paulo, Martins Fontes.
  • JONES, W. H. S. (trans.) (1918). Pausanias. Description of Greece Cambridge, Harvard University Press. (Loeb Classical Library 93).
  • KURY, M. G. (trad.) (1985). Heródoto. História Brasília, Editora Universidade de Brasília.
  • LOPES, R. N. (trad.) (2011). Platão. Timeu-Crítias Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra.
  • MAIATSKY, M. (2005). Platon penseur du visuel Paris, L’Harmattan.
  • MAZZACCHERA, E. (1999). Agatone e la μίμησις poetica nelle Tesmoforiazuse di Aristofane. Lexis: poetica, retorica e comunicazione nella tradizione classica 17, p. 205-224.
  • MENEZES NETO, N. A. (2017). A Poética da Mímesis e a Composição dos Diálogos Platônicos Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • NAGY, G. (2002). Plato’s Rhapsody and Homer’s Music The Poetics of the Panathenaic Festival in Classical Athens. Washingon/Athens, Center for Hellenic Studies.
  • NAGY, G. (2015) Masterpieces of Metonymy: From Ancient Greek Times to Now Washington, Center for Hellenic Studies.
  • NERCAM, N. (2015). L’introduction problématique du Timée (17a-27a). Plato Journal 15, p. 41-57.
  • NUNES, C. A. (trad.) (1980). Platão. Diálogos Vol. 10: Sofista-Político, Apócrifos ou Duvidosos. Belém, EDUFPA.
  • NUNES, C. A. (trad.) (2001). Platão. Diálogos Timeu, Crítias, o Segundo Alcibíades, Hípias Menor 3ed. Belém, EDUFPA.
  • OLIVEIRA, L. O. A. M. (2013) O caráter pictórico da cidade ideal: uma análise do passo 19b do Timeu de Platão. Kleos 16-17, p. 231-253.
  • OLIVEIRA, L. O. A. M. (2015). Da Mímesis Divina à Humana: um breve estudo sobre as noções de pintura e escultura nos diálogos Sofista, Timeu e Leis de Platão. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
  • PALUMBO, L. (2008). Mímesis. Rappresentazione, teatro e mondo nei dialoghi di Platone e nella Poetica di Aristotele. Napoli, Editore Loffredo.
  • PEREIRA, M. H. R. (trad.) (1987). Platão. A República 5ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
  • REGALI, M. (2012). Il poeta e il demiurgo Teoria e prassi della produzione letteraria nel Timeo e nel Crizia di Platone. Sankt Augustin, Academia Verlag.
  • REYDAMS-SCHILS, G. (2002). La Requête de Socrate dans le Timée (19b-20c) et les dieux. Philologus 146, n. 2, p. 265-276.
  • SAÏD, S. (1987). Deux noms de l’image en grec ancien : Idole et icône. Comptes Rendus de l’Académie des Inscriptions et Belles Lettres, 1987, p. 310-330.
  • SCHALCHER, M. G. F. F. (1997). Mito e Participação no Timeu de Platão. Kleos 1, p. 157-165.
  • SCHALCHER, M. G. F. F. (1998). O silêncio de Sócrates no proêmio do Timeu. Letras Clássicas 2, p. 187-199.
  • SLAVEVA-GRIFFIN, S. (2005). A Feast of Speeches: Form and Content in Plato’s Timaeus. Hermes 133, n. 3, p. 312-327.
  • SUSANETTI, D. (2017). La via degli dei Sapienza greca, misteri antichi e percorsi di iniziazione. Roma, Carocci editore.
  • TARRANT, H. (ed.) (2006). Proclus. Commentary on Plato’s Timaeus Vol. 1: Proclus on the Socratic State and Atlantis. Cambridge, Cambridge University Press.
  • TEISSERENC, F. (2010). Langage et image dans l’œuvre de Platon Paris, Vrin.
  • VELOSO, C. W. (2004). Aristóteles mimético São Paulo, Discurso Editorial.
  • VERNANT, J.-P. (1990). Figuration et image. Mètis: Anthropologie des mondes grecs anciens 5, n. 1-2, p. 225-238.
  • VERNANT, J.-P. (1979). Image et apparence dans la théorie platonicienne de la mimésis. In: Religions, Histoires, Raisons Paris, Maspero, p. 105-137. (Pub. orig. 1975.)
  • 1
    Os diálogos Timeu e Crítias de Platão são tomados, aqui, sob a perspectiva de um mesmo projeto de composição. Com relação ao problema da constituição da filosofia como forma discursiva, vide Menezes Neto, 2017MENEZES NETO, N. A. (2017). A Poética da Mímesis e a Composição dos Diálogos Platônicos. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro., p. 202-208.
  • 2
    Tomamos, aqui, performance no sentido específico de execução, efetivação, desempenho ou representação de formas dramáticas. Cf. Mazzacchera, 1999MAZZACCHERA, E. (1999). Agatone e la μίμησις poetica nelle Tesmoforiazuse di Aristofane. Lexis: poetica, retorica e comunicazione nella tradizione classica 17, p. 205-224., p. 223.
  • 3
    Em suas primeiras atestações, o termo μῖμος designa uma espécie de mímica da aparência externa, dos sons e ou dos movimentos de seres animados (um animal ou um ser humano). Esse sentido parece ter sido a base de uma concepção dramática da mímesis poética. Para uma discussão sobre a história do sentido desse termo e de seus derivados, vide Else, 1958ELSE, G. F. (1958). Imitation in the Fifth Century. Classical Philology 53, p. 73-90.; Havelock, 1996HAVELOCK, E. (1996). Prefácio a Platão. Trad. Enid Abreu Dobránzsky. Campinas, Papirus., p. 37-38; Veloso, 2004VELOSO, C. W. (2004). Aristóteles mimético. São Paulo, Discurso Editorial., p. 733-830.
  • 4
    Havelock (1996HAVELOCK, E. (1996). Prefácio a Platão. Trad. Enid Abreu Dobránzsky. Campinas, Papirus., p. 75-78, n. 22) defende que o deslocamento do sentido de uma mímica viva ou representação dramática para uma amplitude mais abstrata, encontrada no sentido pictorial do termo mímesis, é um processo que se dá no contexto eminentemente platônico. Sobre o problema da mímesis em Platão, vide Brisson, 1982BRISSON, L. (1982). Platon, les mots et les mythes. Paris, Maspero., cap. 6; Vernant, 1979VERNANT, J.-P. (1979). Image et apparence dans la théorie platonicienne de la mimésis. In: Religions, Histoires, Raisons. Paris, Maspero, p. 105-137. (Pub. orig. 1975.).
  • 5
    Cf. Ti. 17c-d.
  • 6
    Cf. Susanetti, 2017SUSANETTI, D. (2017). La via degli dei. Sapienza greca, misteri antichi e percorsi di iniziazione. Roma, Carocci editore., p. 20, 22, 29 e 101.
  • 7
    No passo 19b, estamos diante da primeira ocorrência de um termo que, em todo o conjunto da obra, aparecerá 65 vezes (59 no Timeu e 6 no Crítias). Sobre o duplo significado de tò zôon, vide Finkelberg, 2019FINKELBERG, M. (2019). The Gatekeeper. Narrative Voice in Plato’s Dialogues. Leiden/Boston, Brill., p. 153.
  • 8
    O termo ζῳδίων é um diminutivo de τό ζῷον.
  • 9
    Mandroclés era um engenheiro de Samos que, cumprindo ordens de Dario, ergueu uma ponte sobre o Bósforo e mandou fazer um quadro da ponte com a imagem do rei observando suas tropas.
  • 10
    Vide Ti. 19b-c. Para uma análise do passo 19b do Timeu, vide Oliveira, 2013OLIVEIRA, L. O. A. M. (2013) O caráter pictórico da cidade ideal: uma análise do passo 19b do Timeu de Platão. Kleos 16-17, p. 231-253.; Nercam, 2015NERCAM, N. (2015). L’introduction problématique du Timée (17a-27a). Plato Journal 15, p. 41-57..
  • 11
    Vide Oliveira, 2015OLIVEIRA, L. O. A. M. (2015). Da Mímesis Divina à Humana: um breve estudo sobre as noções de pintura e escultura nos diálogos Sofista, Timeu e Leis de Platão. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro., p. 156.
  • 12
    Esse mesmo sentido aparece, também, em uma passagem das Leis (769a-b), em que o estrangeiro de Atenas faz referência ao trabalho dos pintores (ἡ πραγματεία ζωγράφων), que reproduzem diferentes figuras (περὶ ἑκάστων τῶν ζῴων).
  • 13
    καὶ ζῶντα ἀληθινῶς ἡσυχίαν δὲ ἄγοντα, Ti. 19b.
  • 14
    Vide Reydams-Schils, 2002, p. 266. A ideia de que a alma é afetada pelo discurso encontra-se presente, sobretudo, na poética da afecção de Górgias, que prepara o terreno para a teoria e a prática platônica sobre a mímesis. Ver Gorg. Hel. 2.11.9-13 (fr. UB 23; DK82 B11). Ver também Mazzacchera, 1999MAZZACCHERA, E. (1999). Agatone e la μίμησις poetica nelle Tesmoforiazuse di Aristofane. Lexis: poetica, retorica e comunicazione nella tradizione classica 17, p. 205-224..
  • 15
    Vide Vernant, 1990VERNANT, J.-P. (1990). Figuration et image. Mètis: Anthropologie des mondes grecs anciens 5, n. 1-2, p. 225-238..
  • 16
    “e chegasse ao ponto de um desejo de contemplá-las em movimento (εἰς ἐπιθυμίαν ἀφίκοιτο θεάσασθαι κινούμενά τε αὐτὰ)” (Ti. 19b).
  • 17
    Os termos utilizados, nos passos 17a, 20c e 27b, são δαίς, ἑστίασις, συνουσίαe ξενία. Vide Desclos, 2006DESCLOS, M.-L. (2006). Les prologues du Timée et du Critias : un cas de rhapsodie platonicienne. Études platoniciennes 2, p. 175-202., p. 183.
  • 18
    O silêncio de Sócrates remete ao silêncio do iniciado para receber a transmissão do discurso sagrado, que constituía o ponto alto das iniciações mistéricas. Vide Susanetti, 2017SUSANETTI, D. (2017). La via degli dei. Sapienza greca, misteri antichi e percorsi di iniziazione. Roma, Carocci editore., p. 26. Com relação ao silêncio de Sócrates, ver Schalcher, 1998SCHALCHER, M. G. F. F. (1998). O silêncio de Sócrates no proêmio do Timeu. Letras Clássicas 2, p. 187-199..
  • 19
    Ver Phdr. 228c.
  • 20
    O verbo δράω (“fazer”, “realizar”), de onde vem a palavra drama, indica o caráter dramático do que vai se seguir. O termo pode indicar também a performance de ritos musicais ou o ato de oferecer sacrifícios.
  • 21
    Ver Ti. 20c, 27a-b. Sobre o “pedido de Sócrates”, vide Slaveva-Griffin, 2005SLAVEVA-GRIFFIN, S. (2005). A Feast of Speeches: Form and Content in Plato’s Timaeus. Hermes 133, n. 3, p. 312-327., p. 315 s.; Reydams-Schils, 2002REYDAMS-SCHILS, G. (2002). La Requête de Socrate dans le Timée (19b-20c) et les dieux. Philologus 146, n. 2, p. 265-276..
  • 22
    A estrutura do Timeu-Crítias pode ser assim resumida: resumo da discussão da véspera (17b-20d); a primeira intervenção de Crítias (20d-27b); a narrativa de Timeu (27c-92c); a transição Timeu-Crítias (106a-108c) e a narrativa de Crítias (108c-121c).
  • 23
    Alguns comentadores afirmam que Crítias simplesmente teria entendido mal o pedido de Sócrates. Esse debate é colocado por Slaveva-Griffin, 2005, p. 321. Ver também Reydams-Schils, 2002, p. 276; Ives, 2017IVES, C. (2017). Socrates’ Request and the Educational Narrative of the Timaeus. London, Lexington Books., p. xi.
  • 24
    Cf. Ti. 26c-d.
  • 25
    A legitimidade de suas reminiscências está assegurada pelos escritos do sacerdote egípcio (23e-24a) e pelas notas de Sólon (113 a-b).
  • 26
    Para um estudo sobre a narrativa de Crítias, ver Haddad, 2008.
  • 27
    ὡς ἐν μύθῳ (Ti. 26c), πλασθείς μῦθος (Ti. 26e); τὸν εἰκότα μῦθον (29d).
  • 28
    Outras ocorrências do verbo πλάσσω confirmam a semântica da “ficção”. Ver Ap. 17c; X. An. 2.6.26; A. Pr. 1030; Pl. Ti. 26e, 50a; X. Mem. 2.6.37 e Arist. Rh. 1381b28. O termo “fingere” e suas derivações aparecem nas Metamorfoses de Ovídio; na Ars Poetica de Horácio e na Eneida de Virgílio. Ver Brisson, 1982BRISSON, L. (1982). Platon, les mots et les mythes. Paris, Maspero., p. 51; Teisserenc, 2010TEISSERENC, F. (2010). Langage et image dans l’œuvre de Platon. Paris, Vrin., p. 195 (“fictions et images”); Halliwell, 2015HALLIWELL, S. (2015). Fiction. In: DESTRÉE, P.; MURRAY, P. (eds.). A Companion to Ancient Aesthetics. Oxford, Wiley-Blackwell, p. 341-353., p. 345.
  • 29
    Cf. Ti. 30b-c.
  • 30
    Cf. Reydams-Schils, 2002REYDAMS-SCHILS, G. (2002). La Requête de Socrate dans le Timée (19b-20c) et les dieux. Philologus 146, n. 2, p. 265-276., p. 167.
  • 31
    Três ocorrências relativas a eikòs mûthos (Ti. 59c, 68d, 69b) e sete relativas a eikòs lógos (30b, 48d, 53d, 55d, 56a, 57d, 90e). Para outras ocorrências relativas a eikós, ver Ti. 34c, 44d, 48c, 49b, 59d e 72d. Cf. Brisson, 1982BRISSON, L. (1982). Platon, les mots et les mythes. Paris, Maspero., p. 161-163; Brisson, 2001BRISSON, L. (trad.) (2001). Platon. Timéé/Critias. Traduction, introduction et notes par Luc Brisson avec la collaboration de Michel Patillon. 5 ed. Paris, Flammarion., p. 70.
  • 32
    Cf. Chantraine, 1970CHANTRAINE, P. (1970). Dictionnaire Étymologique de la Langue Grecque. Histoire des Mots. Tome 2 : E-K. Paris, Klincksieck., p. 354-355 (v. ἔοικα); Vernant, 1990VERNANT, J.-P. (1990). Figuration et image. Mètis: Anthropologie des mondes grecs anciens 5, n. 1-2, p. 225-238., p. 228-230; Vernant, 1979VERNANT, J.-P. (1979). Image et apparence dans la théorie platonicienne de la mimésis. In: Religions, Histoires, Raisons. Paris, Maspero, p. 105-137. (Pub. orig. 1975.); Saïd, 1987SAÏD, S. (1987). Deux noms de l’image en grec ancien : Idole et icône. Comptes Rendus de l’Académie des Inscriptions et Belles Lettres, 1987, p. 310-330.; Teisserenc, 2010TEISSERENC, F. (2010). Langage et image dans l’œuvre de Platon. Paris, Vrin., p. 239 s. Ver também R. 369c, 509e-510a, 588b.
  • 33
    Sobre o verbo akoúo, ver Brisson, 1982BRISSON, L. (1982). Platon, les mots et les mythes. Paris, Maspero., p. 42-43.
  • 34
    Vide Ti. 29a-c. Para a relação entre as imagens e o princípio de semelhança, ver as ocorrências das seguintes expressões: εἰς ὁμοιότητα (30c); ὁμοιῶσαι (30d); ὅμοιον (31b); ὁμοιότατον e μίμησιν (39e); μιμεῖσθαι (81b); εἰκὼν (92c). Ver também 30b-31b; 92c.
  • 35
    Referências platônicas às Panateneias: Cra. 418a, 530a-b; Euthphr. 6b; Hipparch. 228b; Lg. 796b; Ti. 21a. Com relação aos primeiros atenienses, entre os quais Erecteu e Erictônio ver Criti. 110a. Vide também Brisson, 2001BRISSON, L. (trad.) (2001). Platon. Timéé/Critias. Traduction, introduction et notes par Luc Brisson avec la collaboration de Michel Patillon. 5 ed. Paris, Flammarion., p. 223, n. 41; Davison, 1958DAVISON, J. A. (1958). Notes on the Panathenaea. The Journal of Hellenic Studies 78, p. 23-42..
  • 36
    Ver Brisson, 1982BRISSON, L. (1982). Platon, les mots et les mythes. Paris, Maspero., p. 38; Nagy, 2002NAGY, G. (2002). Plato’s Rhapsody and Homer’s Music. The Poetics of the Panathenaic Festival in Classical Athens. Washingon/Athens, Center for Hellenic Studies., p. 83-84.
  • 37
    A carne das vítimas era distribuída entre os demoi, em uma refeição comum.
  • 38
    Timeu e Hermócrates estão em Atenas, aparentemente, para algum propósito em comum. Em 17b, Timeu declara terem sido recebidos por Sócrates (χθὲς ὑπὸ σοῦ ξενισθέντας) como hóspedes ou estrangeiros. Ver também Ti. 20a.
  • 39
    A construção do Parthenon é datada de 447-432 a.C., no governo de Péricles. Abrigava a colossal estátua de Atena, feita por Fídias em ouro e marfim (vide Hp. Ma. 290b).
  • 40
    Vide Paus. 1.17.2, 23.4, 24.5, 27.1-3, 27.6, 28.2; 5.11.10.
  • 41
    Uma das referências mais antigas a esse artefato encontra-se em Il.5.734-735, onde se diz que Atena o teria feito com as próprias mãos, obra de fino lavor que ela própria tecera e enfeitara. O peplo aparece também em uma significativa passagem do Eutífron (6b-c). Sobre o péplos, ver verbete “Panathenaia” em Atsma, 2017ATSMA, A. J. (2017). “Panathenaia”. Theoi Project. Disponível em https://www.theoi.com/Festival/Panathenaia.html. Acesso em 25/05/2020.
    https://www.theoi.com/Festival/Panathena...
    .
  • 42
    A crítica formulada no Eutífron deve ser lida em paralelo com a República (vide R. 2.379a s. Ver também 377c-378e; Nagy, 2015NAGY, G. (2015) Masterpieces of Metonymy: From Ancient Greek Times to Now. Washington, Center for Hellenic Studies., p. 122; Conelly, 2014CONNELLY, J. B. (2014).The Parthenon Enigma. New York, Knopf., p. 35. Sobre a escultura e a pintura no período clássico, cf. Jones, 1997JONES, P. (org.) (1997). O Mundo de Atenas: uma introdução à cultura clássica ateniense. Trad. Ana Lia de Almeida Prado. São Paulo, Martins Fontes., p. 347 s.
  • 43
    Sobre Platão como pensador do visual, vide Palumbo, 2008PALUMBO, L. (2008). Mímesis. Rappresentazione, teatro e mondo nei dialoghi di Platone e nella Poetica di Aristotele. Napoli, Editore Loffredo.; Maiatsky, 2005MAIATSKY, M. (2005). Platon penseur du visuel. Paris, L’Harmattan..
  • 44
    Em seu comentário ao passo 21a do Timeu, Proclo apresenta uma interpretação alegórica das Panateneias, observando que a narrativa de Crítias é dedicada à deusa como um tipo diferente de peplo. Vide Procl. in Ti. 1.84.10-13; 1.85.9-19. Ver também Nagy, 2002NAGY, G. (2002). Plato’s Rhapsody and Homer’s Music. The Poetics of the Panathenaic Festival in Classical Athens. Washingon/Athens, Center for Hellenic Studies., p. 83-98; Hutchinson, 2017HUTCHINSON, D. M. (2017). The Timaeus-Critias as a reweaving of the peplos presented to Athena? Classical Inquiries. Studies on the Ancient World from the Center for Hellenic Studies. Disponível em https://classical-inquiries.chs.harvard.edu/the-timaeus-critias-as-a-re-weaving-of-the-peplos-presented-to-athena/. Acesso em 25/05/2020.
    https://classical-inquiries.chs.harvard....
    .
  • 45
    No latim, o termo “textus” significa, originalmente, o “material de tecido” e deriva do verbo “texere”, que significa “tecer”.
  • 46
    Crítias faz referência à arte do γραφεύς como a produção de imagens dos corpos dos deuses ou dos homens (τὴν δὲ τῶν γραφέων εἰδωλοποιίαν περὶ τὰ θεῖά τε καὶ τὰ ἀνθρώπινα σώματα; 107b). Além dessa ocorrência, o termo εἰδωλοποιία aparece em Platão apenas em Ti. 46a (τὴν τῶν κατόπτρων εἰδωλοποιίαν: a formação de imagens produzidas pelos espelhos).
  • 47
    Cf. Regali, 2012REGALI, M. (2012). Il poeta e il demiurgo. Teoria e prassi della produzione letteraria nel Timeo e nel Crizia di Platone. Sankt Augustin, Academia Verlag..
  • 48
    O tratamento da mímesis na República constitui um critério de classificação do estilo e de diferenciação das formas poéticas, entre as quais o gênero dramático. A tragédia aparece, nesse contexto, como o protótipo por excelência do estilo mimético de composição. Vide R. 392d-393d; Havelock, 1996HAVELOCK, E. (1996). Prefácio a Platão. Trad. Enid Abreu Dobránzsky. Campinas, Papirus., p. 42.
  • 49
    Situado entre os diálogos atribuídos a Platão, o Hiparco é um diálogo entre Sócrates e um interlocutor anônimo. Nele encontramos uma digressão sobre Hiparco (dirigente político, irmão do tirano Hípias e filho de Psístrato), da qual é extraído o trecho em destaque. Além de Hipparch. 228b-c, outras atestações referenciam a competição de rapsodos: ver D.L. 1.57 e os versos 184-191 do canto 9 da Ilíada. Seguimos, aqui, os estudos de Nagy: vide Nagy, 2002NAGY, G. (2002). Plato’s Rhapsody and Homer’s Music. The Poetics of the Panathenaic Festival in Classical Athens. Washingon/Athens, Center for Hellenic Studies., p. 10-12, 16-18, 37.
  • 50
    Vale lembrar que Íon, no diálogo homônimo, é um rapsodo de Éfeso que vem a Atenas para competir pelo primeiro prêmio no contexto das Panateneias (Ion 530a). Sobre tais competições, ver ainda Licurgo (in Leoc. 102), Isócrates (Paneg. 159), Ael. VH 8.2; Davison, 1958DAVISON, J. A. (1958). Notes on the Panathenaea. The Journal of Hellenic Studies 78, p. 23-42., p. 38.
  • 51
    Notem-se as expressões ἐξ ὑπολήψεως ἐφεξῆς em Hipparch. 228b e ἐξ ὑποβολῆς em D.L. 1.57. Os termos ὑπόληψις e ἐφεξῆς são traduzidos por Nagy (2002NAGY, G. (2002). Plato’s Rhapsody and Homer’s Music. The Poetics of the Panathenaic Festival in Classical Athens. Washingon/Athens, Center for Hellenic Studies., p. 10), respectivamente, como “by relay” e “in sequence”. O verbo ὑπολαμβάνω (“receber”) marca a resposta a um falante antecedente, uma réplica, como se vê por exemplo em R. 1.331d (ἔφη ὑπολαβὼν = “ele disse em resposta”).
  • 52
    Cf. Criti. 107a-b.
  • 53
    Cf. Criti. 107a-c. Sobre a questão da arte pictórica no Timeu-Crítias, vide Oliveira, 2013OLIVEIRA, L. O. A. M. (2013) O caráter pictórico da cidade ideal: uma análise do passo 19b do Timeu de Platão. Kleos 16-17, p. 231-253.; Oliveira, 2015.
  • 54
    Vide Menezes Neto, 2017MENEZES NETO, N. A. (2017). A Poética da Mímesis e a Composição dos Diálogos Platônicos. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro..
  • 55
    Desclos (2006DESCLOS, M.-L. (2006). Les prologues du Timée et du Critias : un cas de rhapsodie platonicienne. Études platoniciennes 2, p. 175-202., p. 188 s.), seguindo as análises de Nagy, fala de um modo de recepção segundo uma reatualização dramática. A hipótese levantada é a de que seria possível aplicar, por analogia, a noção de composição-na-execução (a ideia de que o poeta se representa como aquele que executa no momento mesmo em que compõe) também para o destinatário, na medida em que este re-compõe no ato mesmo de execução da leitura (recomposição-na-execução).
  • 56
    Cf. Desclos, 2006DESCLOS, M.-L. (2006). Les prologues du Timée et du Critias : un cas de rhapsodie platonicienne. Études platoniciennes 2, p. 175-202., p. 194.
  • 57
    Ver epígrafe.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2019
  • Aceito
    25 Maio 2020
Universidade de Brasília / Imprensa da Universidade de Coimbra Universidade de Brasília / Imprensa da Universidade de Coimbra, Campus Darcy Ribeiro, Cátedra UNESCO Archai, CEP: 70910-900, Brasília, DF - Brasil, Tel.: 55-61-3107-7040 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: archai@unb.br