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DE VOLTA À CAVERNA DE PLATÃO: NOTAS SOBRE EXPOSIÇÕES IMERSIVAS* * Agradeço a Luciano Gatti pela interlocução e incentivo à escrita deste artigo.

BACK TO PLATO’S CAVE: NOTES ON IMMERSIVE EXHIBITIONS

DE VUELTA A LA CAVERNA DE PLATÓN: NOTAS ACERCA DE EXHIBICIONES INMERSIVAS

RESUMO

O artigo aborda a concepção de exposição imersiva como vertente em expansão da arte digital contemporânea, cuja proposta é oferecer experiências intensas em ambientes multissensoriais que pretendem envolver o visitante por completo. Tanto obras inéditas, concebidas em vista de tais tecnologias, quanto pinturas de nomes canônicos da história da arte podem ser apresentadas pelas imersivas. Levando em conta um histórico de experiências de intensificação sensorial associadas a espaços expositivos, o artigo propõe que as imersivas sejam entendidas por contraste com a concepção do cubo branco, o que permite situá-las diante de questões pertinentes ao meio artístico contemporâneo como um todo, do patrocínio corporativo ao sucesso de público mediado pelas redes sociais.

Exposições imersivas; Atelier des Lumières; Cubo branco; Patrocínio; Redes sociais

ABSTRACT

The article approaches the concept of immersive exhibition as an expanding aspect of contemporary digital art whose proposal is to offer intense experiences in multisensory environments that intend to fully involve the visitor. Both new works conceived in view of such technologies and paintings by canonical names in the art history can be featured by such exhibitions. Taking into account a history of sensory intensification experiences associated with exhibition spaces, the article proposes that immersive exhibitions be understood in contrast to the concept of the white cube, which allows them to be placed before issues pertinent to the contemporary artistic environment as a whole, from corporate sponsorship to public success mediated by social networks.

Immersive Exhibitions; Atelier des Lumières; White Cube; Sponsorship; Social networks

RESUMEN

El artículo trata de la concepción de exhibición inmersiva en cuanto vertiente en expansión del arte digital contemporáneo, cuya propuesta es ofrecer experiencias intensas en ubicaciones multisensoriales los cuales intentan involucrar el visitante por completo. Tanto obras inéditas, concebidas en vistas de tales tecnologías, como pinturas de nombres canónicos de la historia del arte pueden ser presentadas por las inmersivas. Teniendo en cuenta un histórico de experiencias de intensificación sensorial relacionadas a espacios expositivos, el artículo propone que las inmersivas sean comprendidas por contraste con la concepción del cubo blanco, lo que hace posible ubicarlas delante de cuestiones pertinentes a lo medio artístico contemporáneo en un todo, desde el patrocinio corporativo hasta el suceso de público mediado por las redes sociales.

Exhibiciones inmersivas; Atelier des Lumières; Cubo blanco; Patrocinio; Redes sociales

Quando o crítico de arte Clement Greenberg disse que não lhe interessava o que uma obra significa, mas sim o que ela faz, não podia imaginar tudo o que as obras fariam no início do século XXI. Rain Room ( figura 1 ), instalação apresentada no MoMA em 2013, reproduz numa sala fechada o cair da chuva, que cessa onde e quando o corpo do visitante é detectado por uma das muitas câmeras com sensor de movimento distribuídas pelo recinto. As pessoas podem então atravessar o “temporal” sem se molharem. Segundo o museu, “ Rain Room oferece aos visitantes a experiência de controlar a chuva” 1 1 . Exceto quando indicado o contrário, todas as traduções são da autora deste texto. . Floating Flower Garden , do celebrado coletivo teamLab ( figura 2 ), tem um princípio parecido. Milhares de orquídeas – de verdade – pendem do teto formando uma massa de flores, que flutuam acima das pessoas quando estas se movem, e voltam a descer depois que passam. Os organizadores destacam que “o cheiro no espaço da obra de arte muda a cada momento entre a manhã, o dia e a noite”. Outro sucesso do teamLab é Forest of Resonating Lamps , que responde à interação humana: quando alguém se detém perto de uma das milhares de luminárias feitas com vidro de Murano, esta brilha mais intensamente e transmite sua cor para todas as outras luminárias da instalação 2 2 . Rain Room , patrocínio Volkswagen. Site da exposição: https://www.moma.org/calendar/exhibitions/1352 . Acesso em: 12 jul. 2021; Floating Flower Garden , site da exposição: https://www.teamlab.art/pt/w/ffgarden/odoru_manabu/ . Acesso em: 12 jul. 2021; Forest of Resonating Lamps , patrocínio construtora Mori Building Co. e Epson. Site da exposição: https://borderless.teamlab.art/ew/forest_of_resonating_lamps_springmountainfields/ . Acesso em: 12 jul. 2021. . As palavras-chave dessas exposições – cujos exemplos vão muito além destes três – são “imersão”, “experiência” e “interação”, frequentes nos releases e repetidas nos blogs e sites .

FIGURA 1
: Coletivo Random International, Rain Room , 2013. Instalação, dimensões variáveis. MoMA, Nova York.

FIGURA 2
: Coletivo teamLab, Floating Flower Garden , 2015. Instalação, dimensões variáveis. Museu Nacional Miraikan de Ciência e Inovação, Tóquio. Abaixo: Coletivo teamLab, Forest of Resonating Lamps , 2021. Mori Building Museu de Arte Digital, Tóquio.

A história das obras eletronicamente interativas inicia-se nos últimos anos da década de 1960, quando foram dados os primeiros passos no sentido de projetar obras de arte capazes de reagir em tempo real aos movimentos do espectador. Isso aconteceu graças às pesquisas do cientista da computação e artista digital Myron Kruger 3 3 . Para as informações sobre Kruger, baseio-me em LORENTZ (2006 , p. 28). , que desenvolvia o que à época era considerado a tecnologia de ponta em termos de “ambientes responsivos” – ou espaços eletronicamente mediados em tempo real. Na década de 1980, o artista e cientista da computação Jaron Lanier cunhou o termo “realidade virtual”, em grande parte baseado no trabalho que Kruger continuou a desenvolver. Na instalação desenvolvida por Kruger em 1992 para o evento SIGGRAPH 4 4 . SIGGRAPH (abreviação de Special Interest Group on GRAPHics and Interactive Techniques) é um congresso anual que ocorre nos Estados Unidos desde 1974, considerado o evento mais prestigiado para a publicação de pesquisas na área de computação gráfica. Parte do arquivo do evento está disponível em: https://digitalartarchive.siggraph.org . Acesso em: 12 jul. 2021. daquele ano, gráficos eram projetados nas paredes de uma sala, enquanto o público usava óculos especiais e se movia pelo espaço com o auxílio de um pequeno bastão. A partir dessa instalação, tornou-se corrente associar o “Mito da caverna” de Platão à nascente ideia de realidade virtual. Narrado no livro VII da República , o mito compara a condição terrena dos seres humanos àquela de pessoas capazes de enxergar apenas sombras projetadas no fundo da caverna onde estão presas. As sombras são, para elas, a única possibilidade de contato com os seres e objetos reais que estão do lado de fora.

No início do século XXI, passam a ganhar destaque os ambientes imersivos, combinados ou não com tecnologias interativas. As chamadas exposições imersivas colocam-se como uma vertente da arte digital contemporânea, a partir da proposta de trazer ao público experiências intensas em ambientes polissensoriais, utilizando múltiplas e simultâneas projeções de vídeo, luzes, sons, trilha sonora e às vezes até essências olfativas, no intuito de envolver o visitante por completo. Essas exposições vêm conquistando cada vez mais espaço nas instituições e na mídia, atraindo importantes investimentos e reunindo artistas e coletivos interdisciplinares interessados na intersecção entre arte, tecnologia e, por que não, entretenimento.

Um dos exemplos mais destacados nesse nicho de mercado é o Atelier des Lumières, espaço dedicado exclusivamente às imersivas, inaugurado em Paris em 2018, cujo número de visitantes até o momento já se contam aos milhões. Em um de seus espaços expositivos, o Atelier tem organizado mostras de artistas contemporâneos que, interessados em explorar as novas tecnologias digitais, propõem trabalhos pensados para o local. Mas o que de fato contribui para a fama do Atelier são as exposições dedicadas a nomes consagrados, como Gustav Klimt, Egon Schiele, Hieronymus Bosch, Peter Brueghel e Vincent van Gogh ( figura 3 ), que têm suas pinturas reproduzidas digitalmente – ou “virtualizadas”, como prefere o material de divulgação do Atelier – através da técnica batizada de AMIEX® (Art & Music Immersive Experience), em desenvolvimento desde 2012. Os números impressionam: atualmente, são 140 projetores de vídeo a laser aliados a um sistema de som ambiente com 50 alto-falantes de diretividade controlada. O equipamento multimídia é capaz de projetar as obras em altíssima resolução sobre uma área total de 3.300 m 2 , usando todas as superfícies – do chão ao teto, passando por paredes de até dez metros de altura – e somando cerca de 3.000 imagens em movimento (ATELIER, 2018, pp. 3, 5). Entre os muitos patrocinadores do empreendimento, aparecem o grupo bancário Crédit du Nord, a seguradora Malakoff Médéric e a joalheria Freywille. A pandemia de Covid-19 e a necessidade de isolamento social trouxeram consequências para o espaço parisiense, que teve que suspender as visitas presenciais e adiar a abertura de duas novas mostras (sobre Salvador Dalí e Antoni Gaudí) 5 5 . No Brasil, a tendência internacional fez-se sentir com o MIS Experience, espaço expositivo inaugurado em São Paulo em 2019, resultado da parceria entre o Museu da Imagem e do Som e a Fundação Padre Anchieta, que pretende trazer ao público mostras imersivas. No início de 2021, a programação apresenta "Monalisa Illusion" e "Leonardo da Vinci – 500 anos de um gênio" (patrocínio de Cielo e Sabesp), que, no entanto, não se configuram como ambientes imersivos. Na impossibilidade de receber o público presencialmente devido à pandemia de Covid-19, a instituição formulou uma versão online da mostra sobre Da Vinci, a ser acessada gratuitamente pelo visitante no site do MIS: https://www.mis-sp.org.br/exposicoes/em_cartaz/cd6d4856-db2a-4ecb-a8f1-aac2b1b6d2ae/leonardo-da-vinci-500-anos-de-um-genio . Acesso em: 12 jul. 2021. .

FIGURA 3
: Vista da exposição “Van Gogh, La nuit étoilée”. Atelier des Lumières, 2019-2020.

Cabe aqui uma breve observação, de modo a apresentar, no âmbito das exposições imersivas, uma distinção mais clara entre o que caracterizaria a produção artística experimental e aquela mais mercadológica, a qual será o foco deste artigo. A proposta de converter o observador em participante, imergindo-o na obra e ativando outros sentidos além da visão está colocada na arte ocidental desde ao menos a década de 1960, e conheceu inúmeros desdobramentos, seja em trabalhos de Neoconcretos brasileiros, seja na contemporaneidade, com artistas como Ernesto Neto ou Olafur Eliasson, entre tantos outros.

Na produção artística, a exploração do jogo, da participação e do teor lúdico é algo interessante na medida em que está em tensão com dimensões não lúdicas, que procuram refletir sobre o fazer e colocar em questão a relação entre exterior e interior da obra, o papel do espectador, a participação, a percepção, sem que nada disso seja fechado numa resolução cabal, preservando e explorando as contradições formais ou conceituais do processo. No entanto, quando outros aspectos da obra são anulados restando apenas o lúdico, ou seja, quando este não encontra a contraposição que o tensiona, reduz-se a divertimento a ser comprado e vendido. Em outras palavras, quando privada de toda complexidade, a obra se reduz a entretenimento. Cabe à crítica e ao público analisar cada caso, de modo a avaliar como a imersão, a participação e o lúdico são agenciados, e como se articulam (ou não) com aspectos que os ultrapassam. As exposições imersivas, a meu ver, habitam essa fronteira entre a experimentação e o banal, e têm de lidar o tempo todo com o risco de submissão ao segundo – o que faz delas um fascinante objeto de reflexão. Note-se ainda que a banalização do lúdico e da participação não foi uma invenção do mercado, mas um desenvolvimento no interior da própria arte, que se volta contra si mesma. Como foco deste artigo, optei pelas exposições de tipo mais mercadológico por algumas razões. Primeiro, porque são tendência no mundo da arte, um nicho de mercado em expansão. Em segundo lugar, porque colocam de maneira mais clara questões que eu gostaria de explorar, como patrocínio, interação com redes sociais, prevalência do valor de entretenimento e avaliação quantitativa de êxito (número de visitantes / faturamento).

A associação entre o “Mito da caverna” e os ambientes imersivos, proposta nos anos 1990, continua pertinente para pensarmos essa modalidade de exposição nos dias atuais. Assim como na caverna platônica, onde os objetos reais não estavam presentes senão enquanto sombras, uma das características marcantes das imersivas é a ausência da obra original. Ao público é oferecido não um acesso direto ao objeto artístico, mas apenas reproduções digitais dele. No relato que escreveu sobre uma visita ao Atelier des Lumières, a curadora Sheila Leirner ressalta: “Nenhum quadro há para ser visto. Não existem obras, apenas imagens a partir delas. Reproduções que se fundem em transições, como num videoclipe gigante, criando uma experiência sensorial vigorosa” (LEIRNER, 2017, n.p). A ausência das obras ali reproduzidas – e ao mesmo tempo fetichizadas, pois apresentadas como objetos a serem cultuados a partir das ideias de celebridade e genialidade – tem como contraponto o bombardeamento sensorial, cujo intuito parece ser o de compensar tal ausência. No entanto, esses dois elementos típicos – reprodução e bombardeio sensorial – não bastam para definir as exposições imersivas. Um breve histórico pode revelar outros traços que convergem para sua caracterização.

O anseio pela imersão dos sentidos e a busca pelos meios de alcançá-la não são, de modo algum, fenômenos novos. Proporcionadas pelas artes visuais e guiadas por critérios estéticos, as experiências de intensificação sensorial acompanham a humanidade desde os primórdios. No cerne do mito platônico está a imagem de um ambiente isolado, a princípio associado à ignorância, mas que, no entanto, é o ponto de partida para o processo de ascese através do conhecimento, de iluminação por meio do aprendizado. O isolamento sensorial resultante das qualidades físicas e espaciais de uma caverna é, assim, parte essencial daquilo que deve ser vivenciado. Encontramos aqui um paralelo histórico com o final do período paleolítico, quando, na tentativa de lidar com a misteriosa realidade que os circundava, os seres humanos criaram práticas ritualísticas em cavernas como a de Les Trois Frères e Lascaux, na região dos Pireneus franceses 6 6 . As informações a respeito da caverna de Les Trois Frères baseiam-se em LORENTZ (2006, p , pp. 13-16). , e em inúmeras outras grutas ao redor do mundo. Sabemos que a presença humana nas duas cavernas francesas não está ligada a propósitos funcionais de sobrevivência, pois trata-se, nos dois casos, de locais inabitáveis devido ao frio e à escuridão no seu interior. O que parece ter interessado aos povos primevos é justamente a dificuldade de acesso e as dramáticas qualidades físicas desses ambientes.

A caverna de Les Trois Frères, por exemplo, cujo comprimento é de cerca de 1,6 quilômetros, possui um espaço de transição entre o exterior e o interior: um túnel longo e estreito que alguém só pode percorrer se rastejar. Ao fim deste espaço comprimido, abre-se uma grande galeria com paredes cobertas por pinturas zoomorfas. Uma das hipóteses da arqueologia afirma que esse espaço abrigava rituais de iniciação à caça, e sua importância estava na possibilidade de isolar da realidade habitual aqueles que passavam pelas transformações ritualísticas, favorecendo a experiência mística – reencontramos aqui os temas do limiar e da transformação, igualmente presentes no texto platônico. Ainda que não haja evidências cabais, é possível que formas primevas de música, canto e dança também tenham ocorrido nesses recintos, enquanto componentes dos ritos ali celebrados. Por isso, cavernas como a de Les Trois Frères são consideradas o precedente mais antigo de um “ambiente simulado e multissensorial” ( LORENTZ, 2006LORENTZ, Diana. A Study of the Notions of Immersive Experience in Museum Based Exhibitions . 2006. Dissertação de Mestrado em Design. University of Technology Sydney, Austrália. Disponível em: https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453/20228 . Acesso em 28 abr. 2021.
https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453...
, p. 13), pois reúnem experiência visual (pinturas nas paredes), auditiva (música e canto), olfativa (ervas aromáticas ou incensos), gustativa (alimentos e bebidas sagrados) e tátil-cinestésica (dança). Esses locais possuem características típicas do ambiente imersivo: potencial interativo, vivacidade sensorial e transferência de informações com base numa experiência coletiva de reconhecido valor para o grupo que a promove.

Elementos semelhantes ocorrem ainda em outro precedente, as igrejas barrocas. Nelas, combinam-se arquitetura, pintura, escultura, simbolismo, música e movimentação litúrgica, de modo a criar para o devoto uma experiência religiosa intensa e de forte carga emotiva. Aos estímulos visuais somava-se o som da música sacra executada por coro, órgão ou alaúdes, que cumpria o propósito específico de falar diretamente aos sentidos e às emoções. Não apenas o sensorial, mas também o aspecto intelectual era contemplado, através da leitura e interpretação dos textos sagrados. A interatividade ficava por conta da participação dos fiéis na oração. Além do polissensorialismo, dois outros traços da igreja barroca guardam semelhança com as exposições imersivas.

Como sabemos, a pintura religiosa incumbia-se de criar um espaço celestial ilusório em tetos e abóbadas, assim como elementos decorativos falsamente tridimensionais, perceptíveis para o fiel que se colocasse em ângulo de visão favorável. Calcada na perspectiva, a visualidade da igreja barroca criava um espaço que emitia instruções para o posicionamento do observador, prescrevia maneiras de ver e de ocupar o espaço. De modo análogo, a expografia das imersivas ocorre em bases normativas, pois dirige a atitude e o olhar do visitante segundo concepções específicas de espaço e exibição (as obras são projetadas em sequências pré-determinadas, há um percurso a cumprir, os visitantes têm um tempo limite para permanecer no recinto etc.). Outro traço em comum é o intuito de afirmar o poder político-econômico de um determinado grupo: no caso dos templos barrocos, arquitetos, compositores e pintores eram chamados a criar espaços que, ao sublimar o culto cristão, reiteravam o poder do catolicismo na sociedade. A associação com a elite econômica será, como veremos adiante, um fator estruturante na organização de mostras blockbuster em geral e das imersivas em particular.

Como terceiro precedente, podemos citar um entretenimento bastante popular na Europa até o final do século XIX: o panorama, patenteado pelo pintor irlandês Robert Barker em 1787 e apresentado ao público pela primeira vez na Leicester Square de Londres em 1793 7 7 . As fontes para os comentários acerca do panorama são LORENTZ (2006, p , pp. 21-22) e GRAU (2003, p , pp. 56-71). . O exemplar pioneiro mostrava uma paisagem pintada, vista em 360 graus, montada no interior de uma grande estrutura circular com altura equivalente a dois andares, que não permitia ao visitante ter contato com o que estava do lado de fora ( figura 4 ). O sucesso de público e a crescente comercialização dos panoramas fizeram com que as possibilidades de instalação se ampliassem – foram desenvolvidos tamanhos padrão das peças necessárias na montagem, as telas podiam ser enroladas e toda a estrutura desmontada, de modo que o panorama fosse facilmente transportado para diversos locais. Diferindo da caverna ritual e da igreja barroca pela função de entretenimento, o panorama compartilhava com elas, no entanto, a potencialidade polissensorial, dado que alguns exemplares contavam com sons, iluminação especial e até mesmo fumaça. Tudo para envolver o visitante e criar, a partir da encenação, a ilusão mais completa possível de lugares distantes ou cenas de batalha, pois “a essência do panorama era a suposição de estar envolto pelo real” ( GRAU, 2003GRAU , Oliver . Virtual Art: From Illusion to Immersion . Cambridge, MA : MIT Press , 2003 . , p. 70). Assim como seus precedentes imersivos, o panorama também proporcionava isolamento sensorial e transferência de conhecimento. Deixava a desejar, no entanto, no quesito interatividade. Nisto, contraria um princípio geral das exposições imersivas, segundo o qual “o participante ou visitante do museu prefere a participação ativa à observação passiva” ( LORENTZ, 2006LORENTZ, Diana. A Study of the Notions of Immersive Experience in Museum Based Exhibitions . 2006. Dissertação de Mestrado em Design. University of Technology Sydney, Austrália. Disponível em: https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453/20228 . Acesso em 28 abr. 2021.
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, p. 24).

FIGURA 4
: Robert Mitchell, Corte transversal da rotunda do panorama de Robert Barker em Leicester Square, Londres , 1801. Água-tinta, 28,5 x 44,5 cm. Biblioteca Britânica.

O AVESSO DO CUBO BRANCO?

A interação entre espaço expositivo, público e obra de arte é a pedra de toque do livro No interior do cubo branco , escrito por Brian O'Doherty no contexto do pós-minimalismo e da arte conceitual da década de 1970. O autor analisa os modos pelos quais a galeria modernista busca isolar o visitante, ao criar um ambiente aparentemente atemporal e apartado do mundo da vida. Trata-se, argumenta O’Doherty, de um espaço de arte normativo, onde pensamentos, percepções e reações emocionais do espectador são pautados, tendo como pressuposto a obra de arte entendida como objeto de culto. Os efeitos desse contexto direcionado incidiriam não apenas sobre o púbico, mas também sobre o objeto artístico e sua concepção. O livro chama a atenção para o fato de que espaços expositivos não são neutros – são, isto sim, construídos historicamente e condicionados pelos valores do grupo social responsável por sua concepção. Saturado de ideologia, o espaço da galeria pode, e deve, ser analisado em termos estéticos e também políticos.

Acredito que a exposição imersiva possa ser pensada como um anti-cubo branco. No entanto, devo fazer a ressalva de que, em pelo menos três aspectos, os dois ambientes se assemelham. O’Doherty baseia o argumento de seu livro na ideia de que “a galeria ideal subtrai da obra de arte todos os indícios que interfiram no fato de que ela é ‘arte’. A obra é isolada de tudo o que possa prejudicar sua apreciação de si mesma” (O’DOHERTY, 2002, p. 3). Tal estratégia é comum a outros recintos já mencionados aqui, como o templo religioso, em que “as convenções são preservadas pela repetição de um sistema fechado de valores” (Ibidem, p. 3). O cubo branco incorpora algo da santidade da igreja e da formalidade do tribunal, resultando num “projeto chique para produzir uma câmara de estética única” (Ibidem, p. 3). Uma exposição do Atelier des Lumières certamente compartilha da opção pelo recinto isolado do mundo externo, e isto não apenas para intensificar o efeito das projeções em alta resolução. A circunscrição do que é ali apresentado concorre para um fim semelhante ao do cubo branco, a saber, resguardar a obra de quaisquer indicações que possam contestar seu valor artístico. Se quiséssemos fazer um pastiche da caracterização de O’Doherty, poderíamos dizer que a exposição imersiva incorpora um pouco da santidade da igreja, da informalidade de um parque de diversões, do perambular de um shopping center e do entretenimento high-tech dos megashows de bandas pop .

Além disso, cubo branco e imersiva assemelham-se em um segundo ponto, correlato ao primeiro: uma certa tentativa de desaparecimento. Ambos os recintos se pretendem um lugar isento de contexto histórico, onde o tempo e o espaço sociais estariam afastados da experiência das obras de arte. Estas só podem parecer autônomas através da neutralidade ilusória de uma existência fora da vida cotidiana e política, só podem se apresentar como atemporais sendo abstraídas do tempo histórico. E uma terceira semelhança entre dois ambientes em princípio tão distintos. Se, como demonstra O’Doherty, a forma desenvolvida pelo modernismo para o espaço ideal da galeria é indissociável das obras expostas em seu interior, também no caso das imersivas existe uma relação de condicionamento recíproco entre contexto expositivo e obra exposta. Tanto o cubo branco quanto a imersiva condicionam as obras de arte, na tentativa de embaralhar um e outro e converter em obra o próprio contexto expositivo.

Se cubo branco e imersivas tangenciam-se no isolamento das obras, na tentativa de abstrair a historicidade e no condicionamento recíproco entre espaço e obra, diferem sobretudo em dois aspectos: o modo como concebem o espectador e as formas de interação entre espaço expositivo e público. Referindo-se ao primeiro ponto, O’Doherty escreve: “Certamente a presença daquela estranha peça de mobília, seu próprio corpo, parece supérflua, uma intromissão. O recinto suscita o pensamento de que, enquanto olhos e mentes são bem-vindos, corpos que ocupam espaço não o são” (O’DOHERTY, 2002, p. 4). No caso das imersivas, o discurso é oposto, pois a presença corporal do visitante é colocada como parte fundamental do processo artístico. De acordo com os exemplos dados no início deste texto, exposições como Rain Room e aquelas do teamLab não apenas pressupõem o corpo, mas necessitam dele para ativação do aparato multimídia (nestes casos, no entanto, poderíamos indagar se submeter os corpos à função de gatilhos para as obras não trairia um mal-disfarçado menosprezo por eles). O mesmo vale para o Atelier des Lumières, ainda que não haja o recurso interativo, pois a grandiosidade das projeções e a ocupação do espaço só fazem sentido a partir da escala do corpo humano, que se torna essencial para o bom termo do espetáculo.

No tocante ao segundo aspecto diferenciador, sabemos que o cubo branco adota uma modalidade específica de relacionamento com o público, calcado numa “concepção modernista de espectador – humilhado por uma pretensa incompetência” (Ibidem, p. 78). O’Doherty mostra que tal concepção pressupõe, em contraste com o “olho” especializado, um público inábil, que não está à vontade na galeria. O autor identifica nessa atitude um esnobismo social, financeiro e intelectual:

Para muitos de nós, o recinto da galeria ainda emana vibrações negativas quando caminhamos por ele. A estética é transformada numa espécie de elitismo social – o espaço da galeria é exclusivo. Isolado em lotes de espaço, o que está exposto tem a aparência de produto, joia ou prataria valiosos e raros: a estética é transformada em comércio – o espaço da galeria é caro. O que ele contém, se não se tem iniciação, é quase incompreensível – a arte é difícil . Público exclusivo, objetos raros difíceis de entender – temos aí um esnobismo social, financeiro e intelectual que modela (e na pior das paródias) nosso sistema de produção limitada, nosso modo de determinar o valor, nossos costumes sociais corno um todo. Nunca existiu um local feito para acomodar preconceitos e enaltecer a imagem da classe média alta, sistematizado com tanta eficiência. ( O’DOHERTY, 2002O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco . São Paulo: Martins Fontes, 2002 . , p. 85)

A questão da habilidade e da iniciação do espectador, ou de seu “pertencimento” ao ambiente, coloca-se de modo bem diferente no caso de exposições como as do Atelier des Lumières, em que o valor de entretenimento predomina sobre o valor de compreensão (é desnecessário indagar sobre a competência de alguém que sai para passear). Aqui, a exposição imersiva assume um discurso tranquilizador dirigido ao visitante: “Não se preocupe, você (i.e., sua cultura, formação ou intelecto) não será testado. Qualquer um que saiba operar um celular está pronto para esta experiência”. Ao contrário do cubo branco, é oferecido um espaço “seguro”, pois não há risco de o visitante sentir-se despreparado, constrangido ou apenas confuso. É fato que as imersivas recusam qualquer esnobismo; elas contrariam as ideias de elitismo e exclusividade em favor da ampliação do mercado consumidor – qualquer pessoa que possa pagar o valor do ingresso 8 8 . O valor da entrada “inteira” no Atelier des Lumières é de 15 euros, mesma faixa de preço adotada por outros museus parisienses, como Louvre, d’Orsay e Pompidou. Valores verificados em abril de 2021. .

DIGA-ME QUEM PATROCINAS, E TE DIREI O QUE QUERES

O valor simbólico agregado à espacialidade do cubo branco tem implicações tanto econômico-mercadológicas quanto políticas, sendo que, no âmbito do mercado, o principal efeito é a produção de investimento seguro. A crítica de O'Doherty incide sobre a dicotomia fundamental estabelecida pela galeria modernista: seu interior deve abrigar a imutabilidade do valor artístico, enquanto o político e o social são mantidos do lado de fora. Como vimos, as espacialidades do cubo branco e das igrejas se aproximam, pois tanto os dogmas religiosos quanto as obras de arte devem permanecer intocados pelo tempo e fora do alcance das vicissitudes mundanas. No caso da arte, o condão da sacralização tem implicações diretas no valor de mercado, como observou Thomas McEvilley: “O princípio de aparência extemporânea, ou atemporal, implica a pretensão de que a obra já pertence à posteridade – quer dizer, é uma garantia de bom investimento” ( O’DOHERTY, 2002O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco . São Paulo: Martins Fontes, 2002 . , p. XVI). Por isso, O’Doherty faz questão de frisar que as galerias são espaços comerciais que, enquanto tal, fazem uso da forma ideal do cubo branco visando a uma arquitetura da transcendência, na qual o valor de eternidade possa suplantar as marcações de tempo e lugar. Em outras palavras, a fórmula do cubo branco é empregada como plataforma para objetos que proporcionam investimento seguro, visando a possíveis compradores, ao mesmo tempo que busca repor o poder político de uma determinada classe e de seus valores culturais. Dentre as implicações políticas destaca-se, portanto, a manutenção do status quo . Um ambiente que, supostamente, permanece sempre o mesmo ou no qual quaisquer mudanças sejam intencionalmente escamoteadas é um artifício que constrói um simulacro de imutabilidade ali onde ela não pode existir, no mundo real e secular. Tenta-se assim encobrir o status quo sob a aparente eternidade de determinados valores sociais e artísticos. Palco do encontro ritualizado dos membros de uma classe ou grupo, o cubo branco barra a entrada das experiências de diferença social e assim fomenta uma percepção unívoca de realidade a partir de sua própria visão de mundo e, por tabela, de continuidade e legitimidade perenes. Percebe-se assim que o artifício tem como finalidade a manutenção de determinada estrutura de poder.

A seu modo, as exposições imersivas têm implicações semelhantes 9 9 . Para a discussão acerca da intervenção corporativa nas artes, baseio-me no livro de Chin-tao Wu (2006) , sobretudo o capítulo 5, “A absorção da cultura empresarial”, pp. 145-180. . No tocante à articulação entre arte e mercado, podemos indagar por que uma empresa se engaja no patrocínio de exposições, e chegar à conclusão de que suas motivações podem ser explicadas por interesses econômico-mercadológicos e políticos. No primeiro caso – motivações ligadas especificamente ao mercado –, o patrocínio corporativo é embasado em dois aspectos principais. Em primeiro lugar, as vendas indiretas. A mostra patrocinada é uma oportunidade de merchandising para empresas cujo produto ou serviço estejam diretamente relacionados à exposição ou à instituição onde ela ocorre. O Atelier des Lumières oferece bons exemplos: as marcas Barco e Nexo, respectivamente fabricantes de projetores a laser e de autofalantes e fornecedoras de equipamento para o Atelier, encontram nas exposições uma vitrine para seus produtos e são claramente citadas nos press releases e materiais de divulgação. Ou ainda a joalheria vienense Freywille, um dos principais patrocinadores da exposição dedicada a Gustav Klimt, o principal nome da Secessão de Viena. Aproveitando a origem comum, a marca agrega valor a seus produtos ao promover a coleção Hommage à Gustav Klimt ( figura 5 ) 10 10 . A Freywille também criou coleções em homenagem a Claude Monet, Friedensreich Hundertwasser, Vincent van Gogh, Alphons Mucha e Paul Gauguin. Informações no site da joalheria: https://shop.freywille.com/global/ . Acesso em: 12 jul. 2021. . Nesses casos, de um modo geral, o público-alvo costuma ser os indivíduos das classes A, B e C1 ( WU, 2006WU, Chin-tao. Privatização da cultura: a intervenção corporativa na arte desde os anos 1980. São Paulo: Boitempo, 2006. , p. 155), uma vez que os frequentadores de museus e exposições, via de regra, possuem alto poder aquisitivo, representando portanto um nicho de mercado que as empresas desejam atrair:

FIGURA 5
: À esquerda: Vista da exposição “Gustav Klimt”. Atelier des Lumières/ Culturespaces, 2018. Foto: Eric Spiller. À direita: braceletes da coleção Hommage à Gustarv Klimt , joalheria Freywille.

Atentas à sua posição simbólica na mente das pessoas (consumidores), as empresas usam as artes, carregadas de implicações sociais, como mais uma forma de estratégia de propaganda ou de relações públicas, ou ainda, [...] uma forma de ganhar entrée num grupo social mais sofisticado pela identificação com seus gostos específicos. (Ibidem, p. 32)

O segundo tipo de motivação mercadológica é mais frequente quando o produto ou serviço do patrocinador não possui um vínculo direto com o evento. Nesse caso, o interesse reside no desejo do mundo dos negócios de associar-se ao mundo da cultura para elaboração de uma imagem corporativa “esclarecida”, de modo a oferecer à opinião pública a figura do capital privado como mecenas ou patrono das artes. O público-alvo será, tipicamente, políticos em geral, funcionários públicos de alto escalão e formadores de opinião (jornalistas, críticos, influenciadores digitais) ( WU, 2006WU, Chin-tao. Privatização da cultura: a intervenção corporativa na arte desde os anos 1980. São Paulo: Boitempo, 2006. , p. 155). Em outras palavras, o patrocínio de iniciativas artísticas permite que as companhias associem sua própria imagem a um “sistema humanista de valores” (Ibidem, p. 148) próprio dos museus e centros culturais, recobrindo os interesses particulares das empresas com um “verniz moral universal” (Ibidem, p. 148).

O mito da genialidade, o culto da personalidade criadora e a associação entre as ideias de inovação e vanguarda artística são usados como poderosas ferramentas de construção de uma autoimagem progressista e liberal. Isso explica por que uma empresa abre mão da clássica estratégia de redução de riscos e decide investir no patrocínio à arte contemporânea, mesmo sendo esta um ativo mais instável que a arte dos grandes mestres, cujo valor e valorização são mais previsíveis e seguros. Inovação e dinamismo são valores reivindicados por várias marcas que apoiam o Atelier de Lumières. A consultoria de gestão Bain & Co., por exemplo, declara:

A imersão artística e digital incorporada neste projeto, o lançamento de uma nova luz sobre obras com as quais os visitantes já estão familiarizados e a inovação são facetas de uma visão que partilhamos e estão na raiz do nosso forte compromisso com o projeto. Atrair um público diferente, mais jovem e menos inclinado a frequentar espaços de arte mais tradicionais, através da modernização do estilo e do conteúdo, é um desafio que pretendemos enfrentar. (ATELIER, 2018, p. 24)

A Altarea Cogedim, do ramo imobiliário, afirma: “O Grupo é movido por fortes valores, espírito empreendedor, inovação, diversidade e criatividade” (ATELIER, 2018, p. 25). E a multinacional Saint-Gobain segue na mesma linha:

A inovação está no centro das atividades da Saint-Gobain há mais de 350 anos. A Saint-Gobain pretendeu promover a inovação e a divulgação da cultura através do apoio ao Atelier des Lumières . Estamos felizes por ter participado desse empreendimento, fornecendo nossos materiais de alto desempenho. (Ibidem, p. 26)

Essas declarações foram veiculadas pelo press release da exposição dedicada a Klimt, no qual algumas páginas são dedicadas a mensagens dos parceiros e patrocinadores. Chin-tao Wu observa que, “ao se apropriar do conceito de inovação e pela mediação e redefinição de seu significado em termos corporativos, a empresa pretende apresentar sua intervenção nas artes como uma causa grandiosa e legítima” (WU, 2006, p. 148).

A campanha de marketing é parte fundamental na ofensiva do patrocínio. O produto ou serviço oferecido ao mercado define em que medida a publicidade é necessária. Por exemplo, negócios malvistos pela opinião pública – como petróleo, cigarro e armamento – encontram no mecenato uma tática eficaz para melhorar sua reputação. É o que transparece no discurso proferido por George Weissman, alto executivo da empresa tabagista Philip Morris: “Somos uma indústria impopular. [Apesar de] o nosso apoio às artes não ser dirigido a esse [problema], ele nos deu uma imagem melhor na comunidade financeira e diante do publico em geral do que teríamos não fosse ele” ( apud WU, 2006WU, Chin-tao. Privatização da cultura: a intervenção corporativa na arte desde os anos 1980. São Paulo: Boitempo, 2006. , p. 153).

Além das motivações econômicas, existem ainda implicações políticas no patrocínio, representadas pelo desejo das elites empresariais de ter acesso a grupos sociais influentes e, ao mesmo tempo, de se colocarem como influenciadores do gosto. Em sua teoria do capital cultural, o sociólogo francês Pierre Bourdieu já apontava que, por meio da prática de doação corporativa, as elites agenciam as companhias que dirigem de modo a impulsionar objetivos pessoais e obter distinção social. Também no caso da arte contemporânea, a teoria contribui para a compreensão dos processos de criação e manutenção do gosto, do prestígio e do valor artístico no interior do sistema mais amplo das estruturas econômicas, políticas e sociais. Para Bourdieu, o capital cultural pode ser usado como instrumento de dominação, uma vez que as artes são pensadas como forma de ideologia dominante, e sua transmissão ao longo de gerações visa a manter e atualizar a posição hegemônica de uma classe.

A partir das análises de Bourdieu, Chin-tao Wu considera que os grandes patrocinadores operam um ciclo de conversões dos capitais de que dispõem, de modo a defender seus interesses: “o capital cultural pode ser transformado em capital social de conhecimentos e relações, e estes, por sua vez, podem ser usados para acumular capital econômico” (WU, 2006, p. 150), o que permite a geração de mais capital cultural, e assim indefinidamente. A premissa é a de que “a arte contemporânea, ao lado de outros produtos culturais, funciona como moeda de valor simbólico e material para as corporações [...] nas democracias capitalistas ocidentais do fim do século XX” (Ibidem, p. 30). Mas a análise da autora vale também para o início de século XXI, ao desnudar as articulações entre artes e capital privado, cujo elo principal é o patrocínio. Praticar a doação corporativa serve, como já vimos, para melhorar a posição de mercado da companhia, mas não apenas. Tal prática também cria e mantém o prestígio de seus executivos junto às elites. Hegemonia de mercado, influência política e consumo não são fatores isolados, mas atuam a partir de participações recíprocas:

A força econômica de uma companhia no mercado é uma forma de dominação sobre seus competidores, mas as companhias também são dominantes em nossa sociedade de consumo, pois exercem uma profunda influência sobre o espaço em que vivemos, sobre o processo político e sobre nossas escolhas individuais. ( WU, 2006WU, Chin-tao. Privatização da cultura: a intervenção corporativa na arte desde os anos 1980. São Paulo: Boitempo, 2006. , p. 32)

O acúmulo de “capital cultural corporativo” permite formar e expandir essa esfera de influência, tornando a empresa um agente não apenas econômico, mas também político. Nada mais claro, nesse sentido, que as palavras de Willard C. Butcher, sucessor de David Rockefeller na presidência do Chase Manhattan Bank: “Precisamos de nada menos que um esforço importante e sustentado no mercado das ideias” ( apud ibidem, p. 147). Até a década de 1970, explica Wu, as corporações operavam numa atitude passiva de receber e atender a pedidos de doações. A partir de então, no entanto, houve um ponto de inflexão no sentido de se colocarem como atores que intervêm na articulação do discurso da cultura. Em termos práticos, tal inflexão se manifestou em três frentes: formação de coleções corporativas, tentativas de converter instituições culturais em veículos de relações públicas (associando a imagem da corporação àquela de um museu ou mostra, por exemplo) e criação de premiações promovidas pelas empresas. A participação do capital privado, assim, incidiu sobre todas as etapas do circuito contemporâneo, abarcando a produção, circulação e recepção dos trabalhos artísticos. Ao premiar, colecionar e patrocinar obras e exposições, as grandes empresas “vêm tentando se colocar diretamente no centro do palco e elevar-se à condição de árbitros do bom gosto da cultura de nossos dias” (WU, 2006, p. 26).

REDES SOCIAIS E EXPERIÊNCIA

Grandes exposições imersivas são capazes de atrair em poucas semanas o mesmo número de visitantes que um museu recebe em um ano. As longas filas nas bilheterias trazem para o contexto das artes visuais uma cena que antes só víamos nos grandes shows de rock em estádios. O inquestionável sucesso de público faz com que eventos do tipo sejam cada vez mais atraentes para as instituições organizadoras, que podem se beneficiar com o potencial de divulgação e promoção das mídias sociais. É cada vez mais frequente, portanto, que a programação dos museus e centros culturais inclua mostras imersivas, obras de grande escala ou elementos expográficos “instagramáveis” ( figura 6 ), que renderão visualizações, curtidas e compartilhamentos nas redes, alcançando espaços e pessoas que, a princípio, pouco se interessariam pelo que acontece na exposição.

FIGURA 6
: Vista da exposição “Monalisa Illusion” (2021), espaço instagramável no MIS Experience. Foto: Bia Stein/MIS.

Contrariando certo menosprezo por parte dos críticos, muitos argumentos em defesa das imersivas afirmam que elas seriam capazes de tornar a arte mais palatável para um público que talvez se sentisse excluído da arte “difícil” encontrada em outras ocasiões. Tal capacidade estaria vinculada à emotividade, ao espetacular e à presença reiterada nas redes sociais. Para Katherine Schwab, há aspectos positivos que não devem ser negligenciados, e a presença crescente de obras e de exposições nas redes sociais não é sinônimo de frivolidade, nem faz com que sejam menos dignas de atenção. “Envolver as pessoas com a arte de todas as maneiras possíveis” – ela diz – “é, para muitos museus, o primeiro passo para persuadi-las de seu valor mais profundo”, e fazer selfies com as obras seria um modo do público afirmar a importância que a arte tem para si. Nicholas R. Bell, curador da exposição “WONDER” 11 11 . “Wonder” (2015-2016) foi a exposição de reinauguração da Renwick Gallery, no Smithsonian American Art Museum, após dois anos de reforma. Nove artistas contemporâneos criaram instalações site-especific. Webpage da mostra: https://americanart.si.edu/exhibitions/wonder . Acesso em: 12 jul. 2021. , entende de maneira semelhante: “Pessoas diferentes alcançarão de maneiras diferentes sua experiência mais significativa em um museu. E eu não acho que devemos ser os árbitros disso”.

Terry Teachout, crítico do The Wall Street Journal , no entanto, entende que “vamos a museus para olhar grandes obras de arte, nos deleitar com elas e aprender mais sobre elas”, e rejeita a alegação de que exposições imersivas contribuem para a formação de público: “Não consigo imaginar qualquer pessoa que assista a esses exercícios eletrificados de puro exibicionismo enfeitado e saia dizendo ‘uau, agora quero ver um pouco de arte de verdade!’” ( TEACHOUT, 2020TEACHOUT, Terry. Instalações cafonas ofuscam o que há de melhor na arte. Folha de S. Paulo , São Paulo, 27 dez. 2020 , n.p. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/12/instalacoes-cafonas-ofuscam-o-que-ha-de-melhor-na-arte.shtml . Acesso em: 1 mai. 2021 .
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/...
, n.p). Para Teachout, ao invés de estimular o público a frequentar museus, “essas exposições só promovem elas mesmas”. No debate sobre se as imersivas atraem ou repelem o público, Sheila Leirner considera que as iniciativas do Atelier des Lumières, “ao invés de levar arte ao povo – em nome da diversão, vulgarização e consumo – acabam por afastá-lo cada vez mais da verdadeira experiência estética” ( LEINER, 2017LEINER, Sheila. Na França, o grande kitsch temático da arte. Arte, aqui e agora . Blog pessoal da autora. 24 ago. 2017 . Disponível em: https://sheilaleirnerblog.wordpress.com/2017/08/24/na-franca-o-grande-kitsch-tematico-da-arte/ . Acesso em: 1 mai. 2021 .
https://sheilaleirnerblog.wordpress.com/...
, n.p.).

No interior dessa polêmica, um dos argumentos mais comuns é justamente aquele que credita às exposições de grande bilheteria o poder de atrair ao museu pessoas que, de outro modo, dificilmente o visitariam, contribuindo assim para ampliar o público da arte. Ao menos no caso dos Estados Unidos, esse argumento já foi refutado por pesquisadores, em estudos feitos com instituições daquele país, analisando a frequência do público no decênio 1992-2002, período de crescimento desse tipo de exposição. Os pesquisadores observaram que os sucessos de bilheteria devem-se a visitas de retorno ao museu, ou seja, grande parte das pessoas que foram às exposições blockbuster já eram, na realidade, frequentadoras da instituição 12 12 . Ver o tópico “Blockbuster Exhibits Appear to Have Increased Museum Attendance”, em MCCARTHY (2005, p , p. 32). .

Mas o que acontece se deslocarmos a questão da quantidade para a qualidade? Ainda que o número de visitantes e o montante dos lucros possa crescer, é importante indagar se o contato com a arte é enriquecido na mesma proporção. Se direcionarmos a questão para a promoção do conhecimento nas instituições culturais, e perguntarmos de que modo ela é aprofundada, revigorada ou fortalecida pelas imersivas, quais respostas encontramos? Em outras palavras: “exposições espetaculares e envolventes estão atraindo grandes multidões, mas estão mudando a experiência do museu?” ( SCHWAB, 2016SCHWAB, Katharine. Art for Instagram’s Sake. The Atlantic , 17 fev. 2016, n.p. Disponível em: https://www.theatlantic.com/entertainment/archive/2016/02/instagram-art-wonder-renwick-rain-room/463173/ . Acesso em: 10 jul. 2021.
https://www.theatlantic.com/entertainmen...
, n.p.). Penso que as exposições blockbuster (inclusive as imersivas), aliadas à entrada em cena das redes sociais, têm implicações para a prática museal como um todo, impactando as instituições, as obras e, sobretudo, o público.

No tocante às instituições, elas próprias correm o risco de se “instagramizar” em demasia. Um efeito observável é a conversão dos espaços expositivos em geral – e das imersivas em particular – em mero pano de fundo para as fotos dos visitantes. Schwab cita o exemplo do novo Whitney Museum em Nova York, que gerou milhares de imagens nas redes. Essa espécie de nova função do espaço do museu levou várias instituições contemporâneas a mudarem a iluminação das salas, substituindo os focos de luz tradicionais por lâmpadas fluorescentes de alta potência, o que, segundo Alexander Alberro, professor de história da arte no Barnard College de Nova York, faz com que “as paredes brancas da galeria pulsem como as telas brancas de cristal líquido de smartphones e tablets ” (ALBERRO apud ibidem, n.p.). Alberro pondera se todo esse compartilhamento não faria surgir um problema, na medida em que os processos conhecidos de legitimação que costumavam definir a experiência artística correm o risco de serem suprimidos, em favor da "simples visibilidade", resultando então no empobrecimento dos critérios de qualidade. “As instalações de arte em grande escala”, completa Schwab, “são capazes de contornar as velhas estruturas que determinavam a boa e a má arte, capitalizando a atenção coletiva” (SCHWAB, op. cit , n.p.).

No caso das obras, Schwab revela que, no contexto atual, artistas e curadores já levam em conta, em suas atuações, o fato de que as obras serão fotografadas pelos visitantes. Alberro afirma que a disputa por espaço nas redes sociais fez crescer “o incentivo para fazer e exibir obras de arte que possam ‘deslizar sem problemas para formatos baseados em imagem’, como o Instagram, pois esse tipo de arte tem maior probabilidade de atrair visitantes ou mesmo compradores” (ALBERRO apud ibidem, n.p.). Recorrendo novamente a Brian O’Doherty, percebemos que esse tipo de fenômeno não é totalmente novo. Ao analisar os artifícios do cubo branco, o autor demonstrou que muito da arte produzida no século XX foi previamente pensada para se adequar a esse tipo específico de ambiente, incorporando à formalização da obra uma série de expectativas externas. As imersivas parecem tornar mais aguda esse tipo de intervenção. O fato de que uma obra seja executada levando em consideração o potencial instagramável, ou seja, a expectativa de sua promoção nas redes sociais, mostra como tais mecanismos de divulgação e construção de prestígio retroagem sobre o fazer artístico, interferindo no que é feito, como é feito e de que modo é mostrado. Nesse refluxo, o desejo de “bombar” nas redes sociais passa a fazer parte dos processos de fatura do trabalho e de seleção de obras, podendo mesmo pautar o recorte curatorial.

Se o prestígio e a visibilidade nas redes sociais têm implicações para instituições, obras e curadorias, incidem também nas motivações que levam uma pessoa a sair de casa para visitar uma exposição e, durante ou após a visita, compartilhar fragmentos do que viu. Esse dado está presente na caracterização feita por Schwab das mostras imersivas: “bombardeiam os sentidos, oferecem uma experiência comunitária em oposição a uma experiência pessoal e fornecem oportunidades fantásticas de fotos que causam inveja nos amigos” (SCHWAB, 2016, n.p.). De maneira insuspeita, o impacto das redes sociais sobre o público da arte no início do século XXI dá um tom premonitório e ao mesmo tempo atual ao que O’Doherty escreveu ainda nos anos 1970:

A maior parte da nossa vivência só se torna perfeitamente clara pela mediação. O exemplo comum é a foto. Você só confirma como se divertiu nas férias de verão pelas fotos. Pode-se então adaptar a vivência a certos princípios de “divertimento". Esses ícones em cores são usados para convencer os amigos de que você se divertiu – se eles acreditarem, você acredita. Todo mundo quer ter fotografias não só para comprovar, mas para inventar sua experiência. Essa constelação de narcisismo, insegurança e pathos é tão forte que acho que ninguém está livre dela. ( O’DOHERTY, 2002O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco . São Paulo: Martins Fontes, 2002 . , p. 57)

O autor referia-se aos velhos álbuns de fotografia e aos jurássicos carrosséis de slides , mas o diagnóstico ainda serve para nossos smartphones . A presença online faz parte também da experiência após a visita, enquanto testemunho e legitimação do vivido. Como os registros de viagem de antes, as selfies e fotos no espaço cultural continuam servindo o propósito de reforçar um “eu” que desconfia de sua própria consistência, que navega à deriva, sujeito aos ventos dos mares da web e dos estímulos sensoriais. Por isso as idas a exposições assumem uma função que nem sempre é explicitada: “Nós objetivamos e consumimos a arte, então, para nutrir nosso eu inexistente” (Ibidem, p. 63). Aqui, como em tantas outras ocasiões, o "sentir" é convertido em mercadoria, pois os bens culturais, na função de “insumos da produção de relações e identidades sociais” ( DIMAGGIO, 1991DIMAGGIO , Paul . Social Structure, Institutions, and Cultural Good: The Case of the United States . In BOURDIEU , Pierre ; COLEMAN , James ( eds .) . Social Theory for a Changing Society . Boulder: Westview Press e Nova York : Russell Sage Foundation , 1991 , pp. 133 - 155 . , p. 133), interessam ao consumidor por aquilo que dizem sobre quem os consumiu. Outro desdobramento se coloca: ao pressentir a instabilidade de nossa própria identidade, buscamos a confirmação de que estamos presentes e somos reais através de “uma semiconsciência de duas faces”, que O’Doherty define como sendo o processo em que “nos tornamos conscientes de estar olhando para uma obra de arte (olhando para nós mesmos olhando)” (O’DOHERTY, 2002, p. 67). Esse processo é, em última análise, o fundamento das milhares de imagens nas redes sociais, em que pedimos para alguém nos fotografar enquanto observamos uma obra ou interagimos com ela. Olhamos para nós mesmos olhando: esse tipo de registro nos torna autoconscientes talvez em demasia, quem sabe convertendo num ato performativo, numa encenação, nossa presença no espaço expositivo e a relação com as obras. Na realidade, é um olhar voltado para si mesmo, pois planejamos nossa imagem fundida à imagem da obra, do que resultará uma terceira imagem, a foto ou selfie a ser compartilhada. Esta será uma nova espécie de imagem mise en abyme: eu olho a obra, eu me olho olhando, infinitos outros me olham olhando. Assim, acontece a desforra do corpo em relação à obra, principalmente a interativa: se, num primeiro momento, ele foi submetido à função de gatilho para o funcionamento da obra (como em Rain Room ), esta deve agora se conformar à função de disparador da sucessão de olhares admirados – assim esperamos – de nossos amigos e seguidores.

CONCLUSÃO

Vivemos um momento histórico em que a privatização da cultura se agudiza, as tecnologias e o mundo virtual se consolidam como parte fundamental de nossas vidas, as redes socais são cada vez mais inerentes ao convívio e o entretenimento tornou-se uma das funções atribuídas a espaços culturais. Nesse contexto, juízos morais sumários ou a nostalgia de tempos passados em nada ajudam. Mais válido seria encontrar respostas para a questão de como aqueles que se interessam por arte poderiam continuar a enriquecer sua experiência estética. Não se trata, portanto, de rejeitar in totum a utilização de reproduções de pinturas consagradas pois, como já notou Walter Benjamin, “a obra de arte sempre foi, por princípio, reprodutível. O que os homens fizeram sempre pode ser imitado por homens” (BENJAMIN, 2012, p. 13).

Uma iniciativa do Museu Van Gogh de Amsterdã ilustra como técnicas de reprodução avançadas podem ser empregadas para promover um contato proveitoso do público com a arte. Em 2019, uma exposição de curta duração composta por réplicas de pinturas do mestre holandês itinerou por shopping centers de várias cidades norte-americanas, proporcionando acesso a pessoas que vivem longe de grandes museus ou que não teriam condições de viajar para Amsterdã. As réplicas são as mais fiéis possíveis: as obras originais foram digitalizadas por meio de um scanner multidimensional, que registra inclusive o relevo das pinceladas. Em seguida, a digitalização foi combinada com uma impressão de alta resolução em correspondência com a paleta da pintura original ( SCOTT, 2018SCOTT, Chadd. Vincent Van Gogh Coming to a Mall Near You. Forbes , 3 set. 2018, n.p. Disponível em: www.forbes.com/sites/chaddscott/2018/09/03/vincent-van-gogh-coming-to-a-mall-near-you/?sh=30a289376a2e . Acesso em: 1 mai. 2021.
www.forbes.com/sites/chaddscott/2018/09/...
, n.p.). Cores, tamanho e relevo são reproduzidos, respeitando a materialidade da obra.

Van Gogh foi também o protagonista do exemplo dado pelo MoMA de como fazer uso das tecnologias digitais para estreitar as relações do público com o acervo. A exposição online “Van Gogh’s Starry Night ” focaliza uma das telas mais célebres da instituição 13 13 . Exposição virtual disponível em: www.moma.org/calendar/exhibitions/5270 . Acesso em: 12 jul. 2021. . Dentre as atrações oferecidas ao visitante estão uma sessão de perguntas e respostas com a curadora-chefe de pintura e escultura, uma leitura dramática de cartas de Van Gogh feita por uma atriz e a interpretação de uma cosmóloga da Noite estrelada . De maneira leve, a visita online combina instrução e entretenimento, num período em que, devido à pandemia de Covid-19, os museus ao redor do mundo buscam maneiras de explorar seus websites mais a fundo. Para isso, é necessário adaptar para o virtual características das exposições presenciais, como o percurso do visitante, a interação com as obras e a necessidade de oferecer “uma experiência fluida que não sobrecarregue o visitante” ( ALEXANDRE, 2017ALEXANDRE , Edward et al . Museums in Motion: An Introduction to the History and Functions of Museums . Lanham, Maryland : Rowman & Littlefield , 2017 . , p. 257).

Dentre as várias funções do museu de arte estão preservação, coleta, pesquisa e documentação, comunicadas ao público pelas exposições, ações educativas e iniciativas socioculturais. Num contexto de iminente risco de pauperização da experiência através de mostras espetacularizadas que estimulam a dispersão, a atuação das instituições culturais é decisiva para a defesa do que Benjamin chama de Spielraum: o espaço de ação livre, o desenrolar das próprias associações. É preciso valorizar a educação e a formação de público – formação em sentido forte – como um propósito básico dos museus. Para isso, a questão não deve ser quantas pessoas visitaram uma exposição, mas quão transformadoras foram essas visitas.

Agradecimentos

* Agradeço a Luciano Gatti pela interlocução e incentivo à escrita deste artigo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • ATELIER des Lumières . Klimt, Hundertwasser, Poetic_AI Press Kit . Paris , Atelier des Lumières , 2018 .
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  • DIMAGGIO , Paul . Social Structure, Institutions, and Cultural Good: The Case of the United States . In BOURDIEU , Pierre ; COLEMAN , James ( eds .) . Social Theory for a Changing Society . Boulder: Westview Press e Nova York : Russell Sage Foundation , 1991 , pp. 133 - 155 .
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  • MCCARTHY, Kevin F. et al. A Portrait of the Visual Arts: Meeting the Challenges of a New Era. Santa Monica: Rand, 2005 .
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  • SCOTT, Chadd. Vincent Van Gogh Coming to a Mall Near You. Forbes , 3 set. 2018, n.p. Disponível em: www.forbes.com/sites/chaddscott/2018/09/03/vincent-van-gogh-coming-to-a-mall-near-you/?sh=30a289376a2e . Acesso em: 1 mai. 2021.
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  • TEACHOUT, Terry. Instalações cafonas ofuscam o que há de melhor na arte. Folha de S. Paulo , São Paulo, 27 dez. 2020 , n.p. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/12/instalacoes-cafonas-ofuscam-o-que-ha-de-melhor-na-arte.shtml . Acesso em: 1 mai. 2021 .
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  • WIGLEY, Mark. Discursive versus Immersive: The Museum is the Message. Stedelijk Studies #4 , Amsterdã, Museu Stedelijk, 2016 , n.p. Disponível em: https://stedelijkstudies.com/journal/discursive-versus-immersive-museum-massage/ . Acesso em: 7 abr. 2021 .
    » https://stedelijkstudies.com/journal/discursive-versus-immersive-museum-massage/
  • WU, Chin-tao. Privatização da cultura: a intervenção corporativa na arte desde os anos 1980. São Paulo: Boitempo, 2006.

NOTAS

  • 1
    . Exceto quando indicado o contrário, todas as traduções são da autora deste texto.
  • 2
    . Rain Room , patrocínio Volkswagen. Site da exposição: https://www.moma.org/calendar/exhibitions/1352 . Acesso em: 12 jul. 2021; Floating Flower Garden , site da exposição: https://www.teamlab.art/pt/w/ffgarden/odoru_manabu/ . Acesso em: 12 jul. 2021; Forest of Resonating Lamps , patrocínio construtora Mori Building Co. e Epson. Site da exposição: https://borderless.teamlab.art/ew/forest_of_resonating_lamps_springmountainfields/ . Acesso em: 12 jul. 2021.
  • 3
    . Para as informações sobre Kruger, baseio-me em LORENTZ (2006LORENTZ, Diana. A Study of the Notions of Immersive Experience in Museum Based Exhibitions . 2006. Dissertação de Mestrado em Design. University of Technology Sydney, Austrália. Disponível em: https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453/20228 . Acesso em 28 abr. 2021.
    https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453...
    , p. 28).
  • 4
    . SIGGRAPH (abreviação de Special Interest Group on GRAPHics and Interactive Techniques) é um congresso anual que ocorre nos Estados Unidos desde 1974, considerado o evento mais prestigiado para a publicação de pesquisas na área de computação gráfica. Parte do arquivo do evento está disponível em: https://digitalartarchive.siggraph.org . Acesso em: 12 jul. 2021.
  • 5
    . No Brasil, a tendência internacional fez-se sentir com o MIS Experience, espaço expositivo inaugurado em São Paulo em 2019, resultado da parceria entre o Museu da Imagem e do Som e a Fundação Padre Anchieta, que pretende trazer ao público mostras imersivas. No início de 2021, a programação apresenta "Monalisa Illusion" e "Leonardo da Vinci – 500 anos de um gênio" (patrocínio de Cielo e Sabesp), que, no entanto, não se configuram como ambientes imersivos. Na impossibilidade de receber o público presencialmente devido à pandemia de Covid-19, a instituição formulou uma versão online da mostra sobre Da Vinci, a ser acessada gratuitamente pelo visitante no site do MIS: https://www.mis-sp.org.br/exposicoes/em_cartaz/cd6d4856-db2a-4ecb-a8f1-aac2b1b6d2ae/leonardo-da-vinci-500-anos-de-um-genio . Acesso em: 12 jul. 2021.
  • 6
    . As informações a respeito da caverna de Les Trois Frères baseiam-se em LORENTZ (2006, pLORENTZ, Diana. A Study of the Notions of Immersive Experience in Museum Based Exhibitions . 2006. Dissertação de Mestrado em Design. University of Technology Sydney, Austrália. Disponível em: https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453/20228 . Acesso em 28 abr. 2021.
    https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453...
    , pp. 13-16).
  • 7
    . As fontes para os comentários acerca do panorama são LORENTZ (2006, pLORENTZ, Diana. A Study of the Notions of Immersive Experience in Museum Based Exhibitions . 2006. Dissertação de Mestrado em Design. University of Technology Sydney, Austrália. Disponível em: https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453/20228 . Acesso em 28 abr. 2021.
    https://opus.lib.uts.edu.au/handle/10453...
    , pp. 21-22) e GRAU (2003, pGRAU , Oliver . Virtual Art: From Illusion to Immersion . Cambridge, MA : MIT Press , 2003 . , pp. 56-71).
  • 8
    . O valor da entrada “inteira” no Atelier des Lumières é de 15 euros, mesma faixa de preço adotada por outros museus parisienses, como Louvre, d’Orsay e Pompidou. Valores verificados em abril de 2021.
  • 9
    . Para a discussão acerca da intervenção corporativa nas artes, baseio-me no livro de Chin-tao Wu (2006)WU, Chin-tao. Privatização da cultura: a intervenção corporativa na arte desde os anos 1980. São Paulo: Boitempo, 2006. , sobretudo o capítulo 5, “A absorção da cultura empresarial”, pp. 145-180.
  • 10
    . A Freywille também criou coleções em homenagem a Claude Monet, Friedensreich Hundertwasser, Vincent van Gogh, Alphons Mucha e Paul Gauguin. Informações no site da joalheria: https://shop.freywille.com/global/ . Acesso em: 12 jul. 2021.
  • 11
    . “Wonder” (2015-2016) foi a exposição de reinauguração da Renwick Gallery, no Smithsonian American Art Museum, após dois anos de reforma. Nove artistas contemporâneos criaram instalações site-especific. Webpage da mostra: https://americanart.si.edu/exhibitions/wonder . Acesso em: 12 jul. 2021.
  • 12
    . Ver o tópico “Blockbuster Exhibits Appear to Have Increased Museum Attendance”, em MCCARTHY (2005, pMCCARTHY, Kevin F. et al. A Portrait of the Visual Arts: Meeting the Challenges of a New Era. Santa Monica: Rand, 2005 . , p. 32).
  • 13
    . Exposição virtual disponível em: www.moma.org/calendar/exhibitions/5270 . Acesso em: 12 jul. 2021.
  • *
    Agradeço a Luciano Gatti pela interlocução e incentivo à escrita deste artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    2 Maio 2021
  • Aceito
    10 Jun 2021
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