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Consumo hídrico e coeficiente de cultura para o híbrido DKB 390

Water use and crop coefficient for hybrid DKB 390

Resumos

O objetivo deste trabalho é caracterizar o consumo hídrico do genótipo DKB 390 em condições adequadas de irrigação, tanto para situações de suprimento suficiente quanto para subótimo de nitrogênio. Valores de coeficiente de cultura são também apresentados para diferentes fases, para o primeiro caso, no intuito de prover subsídios teóricos para orçamento de água à cultura e para o manejo da irrigação durante o ciclo. Um experimento de campo foi conduzido durante a estação principal de cultivo, avaliando-se biomassa, área foliar, umidade do solo, dados climatológicos e transmitância de luz, permitindo derivar o balanço hídrico, o consumo hídrico e a eficiência de uso da água. O genótipo mencionado requer por volta de 600 mm para a obtenção de elevadas produções e apresenta menor eficiência de uso da água quando submetido a níveis subótimos de adubação nitrogenada.

Zea mays; evapotranspiração; nitrogênio; biomassa; Kc; milho


This work aims to characterize the water use of maize hybrid DKB 390 under suitable conditions of irrigation for both sufficient and below-optimal situations of nitrogen supply. Crop coefficient values for different stages are also presented as a result, in order to provide the basis for crop water budget and management throughout the cycle. A field experiment was carried out during the main season, in which biomass, soil moisture, leaf area, climate data and light transmittance were evaluated. These have allowed deriving water balance, use and efficiency. The mentioned genotype requires around 600 mm for high yield targets, being less efficient when led under below-optimal nitrogen fertilization.

Zea mays; evapotranspiration; nitrogen; biomass; Kc; maize


PRODUÇÃO VEGETAL

Consumo hídrico e coeficiente de cultura para o híbrido DKB 390

Water use and crop coefficient for hybrid DKB 390

Euro Roberto DetominiI,* * Autor para correspondência. E-mail: erdetomini@hotmail.com ; Liz Fernando Druzina MassignanI; Paulo Leonel LibardiII; Durval Dourado NetoIII

IEscola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz', Universidade de São Paulo, Av. Pádua Dias, 11, 13418-900, Piracicaba, São Paulo, Brasil

IIDepartamento de Ciências Exatas, Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz', Universidade de São Paulo, Piracicaba, São Paulo, Brasil

IIIDepartamento de Produção Vegetal, Escola Superior de Agricultura 'Luiz de Queiroz', Universidade de São Paulo, Piracicaba, São Paulo, Brasil

RESUMO

O objetivo deste trabalho é caracterizar o consumo hídrico do genótipo DKB 390 em condições adequadas de irrigação, tanto para situações de suprimento suficiente quanto para subótimo de nitrogênio. Valores de coeficiente de cultura são também apresentados para diferentes fases, para o primeiro caso, no intuito de prover subsídios teóricos para orçamento de água à cultura e para o manejo da irrigação durante o ciclo. Um experimento de campo foi conduzido durante a estação principal de cultivo, avaliando-se biomassa, área foliar, umidade do solo, dados climatológicos e transmitância de luz, permitindo derivar o balanço hídrico, o consumo hídrico e a eficiência de uso da água. O genótipo mencionado requer por volta de 600 mm para a obtenção de elevadas produções e apresenta menor eficiência de uso da água quando submetido a níveis subótimos de adubação nitrogenada.

Palavras-chave:Zea mays, evapotranspiração, nitrogênio, biomassa, Kc, milho.

ABSTRACT

This work aims to characterize the water use of maize hybrid DKB 390 under suitable conditions of irrigation for both sufficient and below-optimal situations of nitrogen supply. Crop coefficient values for different stages are also presented as a result, in order to provide the basis for crop water budget and management throughout the cycle. A field experiment was carried out during the main season, in which biomass, soil moisture, leaf area, climate data and light transmittance were evaluated. These have allowed deriving water balance, use and efficiency. The mentioned genotype requires around 600 mm for high yield targets, being less efficient when led under below-optimal nitrogen fertilization.

Key words:Zea mays, evapotranspiration, nitrogen, biomass, Kc, maize.

Introdução

As plantas necessitam manter um ambiente interno aquoso para seus processos gerais de crescimento. Quando as folhas de plantas C4 abrem os estômatos para absorver o gás carbônico necessário à fotossíntese, perdem cerca de 250 moléculas de H2O para cada de CO2 absorvido, valor este que consagra a razão de transpiração típica para essas plantas (TAIZ; ZEIGER, 1991). Isso implica a contínua extração de água do solo, originando fortes relações entre transpiração, desenvolvimento vegetal e os diversos mecanismos responsáveis por manter o estado hídrico interno das plantas.

Em adição à transpiração, as plantas perdem água também de forma indireta, por meio de evaporação proveniente do solo. Somados, os processos resultam na evapotranspiração, ao passo que a distinção dos mesmos serve para explicar o consumo de água pelas culturas em condições de 'dossel não-fechado' e também para entender a resposta das culturas ao armazenamento de água (LOOMIS; CONNOR, 1992). O maior determinante do consumo hídrico está relacionado à duração do ciclo e, principalmente, à rapidez com que a cultura atinge condições de área foliar que resultem em 'dossel fechado'.

Atributo importante, mas dispensável para efeitos de gerenciamento, o inverso da razão de transpiração, denominado eficiência de transpiração, é afetado substancialmente pelas condições climáticas vigentes (TANNER; SINCLAIR, 1983). Agronomicamente, dá-se preferência ao termo eficiência de uso da água (EUA, g m-2 mm-1), o qual contempla também o componente evaporação de água do solo. A abordagem de Viets Jr. (1962) sugere que a eficiência de uso da água pode aumentar mediante elevação nas doses de adubação, já que esse aspecto pode incrementar relativamente a área foliar e reduzir as perdas por evaporação nos estádios iniciais da cultura. Não levou em conta, porém, o aumento de transpiração decorrente do aumento foliar e de biomassa, os quais dependem em grande parte do balanço de nitrogênio existente durante o ciclo (GOOUDRIAN; KEULEN, 1978).

Para o caso do milho plantado na principal estação de cultivo no Brasil, o consumo hídrico mínimo necessário para a produção a contento é da magnitude de 400 a 500 mm, sendo a evapotranspiração diária muito variável, de ordem de 2 a 13 mm por dia. O estresse hídrico influencia a produção de grãos de maneira distinta em cada uma das principais etapas da cultura. Durante a fase vegetativa e de florescimento, a redução da disponibilidade de água provoca perda quantitaiva, já que as plantas definirão menor número de fileiras por espiga e de grãos por fileira, respectivamente. Já o estresse na fase de enchimento de grãos resulta em perdas qualitativas dos grãos, pois o peso final destes é prejudicado (FANCELLI; DOURADO NETO, 2000). Assim, o conhecimento da magnitude do requerimento de água associado a uma correspondente produção de grãos é essencial para efeitos de planejamento, principalmente para casos em que as lavouras são conduzidas sob dependência de irrigação, locais onde o uso do insumo água vem tornando-se cada vez mais restritivo. O monitoramento da demanda hídrica deve ser procedido constantemente ao longo do ciclo, para que a definição quantitativa e qualitativa dos grãos não seja seriamente prejudicada.

Numa escala temporal diária, uma forma relativamente simples de se manejar o suprimento de água consiste em dispor do uso de estações meteorológicas, para que se possa monitorar a demanda hídrica pela atmosfera, e em dispor do uso de coeficientes de cultura, para que a demanda do dossel seja também computada. Se dados de temperatura, radiação líquida, umidade relativa e velocidade do vento são disponíveis, o método FAO pode ser empregado para manejo (ALLEN et al., 2006).

O objetivo central deste trabalho é caracterizar o consumo hídrico do genótipo DKB 390 em condições adequadas de irrigação, tanto para situações de suprimento suficiente quanto para subótimo de nitrogênio. Como consequência, valores de coeficiente de cultura (Kc) são apresentados para diferentes fases, para o primeiro caso, no intuito de prover subsídios teóricos para orçamento de água à cultura e para o manejo da irrigação durante o ciclo.

Material e métodos

O experimento foi instalado em área irrigada, por pivô central, sob égide do Departamento de Produção Vegetal da Esalq/USP, situado no município de Piracicaba, estado de São Paulo (22º 41' 30" S, 47º 38' 30" W, 546 m de altitude), e foi conduzido entre os meses de novembro de 2005 a abril de 2006. O clima do local é do tipo Cwah, conforme a classificação de Köppen. O solo é classificado como Nitossolo eutroférrico típico, de alta fertilidade, isento de Al3+, de topografia suave (1,5%), com 65% de argila. O material genético de Zea mays L. empregado foi o híbrido semi-precoce DKB 390, com espaçamento de 90 cm e densidade de plantio de 6 plantas m-1, resultando em uma população final por volta de 66.666 plantas ha-1.

Após preparo convencional de solo, a semeadura foi realizada em 24/11/2005, a 2 cm de profundidade, com uma adubação de 400 kg ha-1 de 08-28-16. A emergência ocorreu em 29/11/2005, e o desbaste (necessário ao controle da população) foi realizado 19 dias após a emergência (DAE). Visando ao controle de lagartas do cartucho, quatro aplicações foram necessárias, sendo: 0,6 L ha-1 de Vexter (11 e 15 DAE), 150 mL ha-1 de Nomolt para lagartas de primeiro instar (23 DAE) e 150 mL ha-1 Tracer (38 DAE), visando proteger a cultura contra danos foliares nos estádios finais do ciclo. Os danos foliares provocados pelas lagartas foram irrisórios, minimizando o erro experimental. Visando ao controle de plantas daninhas, duas capinas associadas a controle manual na linha de semeadura foram necessárias, tendo sido realizadas 16 e 39 dias após a emergência. A irrigação foi acionada sempre em dias não-chuvosos, com lâmina máxima de 12 mm dia-1, com base na umidade crítica (do solo) determinada para manejo da cultura do milho irrigado; não foi constatado déficit hídrico ao rodar os dados experimentais obtidos no programa computacional APSIM 5.2, o qual é melhor descrito em Keating e Wafula (1992).

Os dados de fitomassa seca de parte aérea, de área foliar e de umidade do solo foram extraídos de um experimento cujos tratamentos eram referentes à aplicação ou não de nitrogênio na segunda cobertura, associado ou não à aplicação de fungicidas para o controle de fungos quando da população em pendoamento predominante (56 DAE). O delineamento experimental foi em blocos casualizados, com oito tratamentos e quatro repetições, totalizando 32 parcelas de 7 x 4,5 m, com cinco linhas de semeadura cada. As adubações de cobertura foram realizadas 18 e 37 dias após a emergência (plantas com quatro e oito folhas, respectivamente), contemplando 50 kg (N) ha-1 e 25 kg (K) ha-1 via 30-00-20, misturados com cloreto de potássio na primeira cobertura, e 50 kg (N) ha-1 via sulfato de amônio na segunda para os tratamentos destinados. Em cada adubação (tanto na semeadura quanto em cobertura), considerou-se eficiência de adubação nitrogenada de 60% para resultar nos 30 kg (N) ha-1 desejados. Não tendo havido interações entre nitrogênio e fungicidas que resultassem em diferenças significativas na produção final ou no índice de área foliar, a análise do consumo hídrico foi separada em: i) tratamentos que receberam somente uma primeira cobertura de 30 kg (N) ha-1 (denominados a partir de então como N60); ii) tratamentos que receberam também uma segunda cobertura, de adicionais 30 kg (N) ha-1 (denominados então como N90).

Semanalmente, a umidade do solo foi estimada a partir de valores de contagem relativa de uma sonda de nêutrons nas profundidades de 20, 30, 40, 50 e 60 cm abaixo da superfície do solo. Ajustaram-se os dados contagem relativa (CR – relação entre a leitura obtida no campo e a contagem padrão) vs. a umidade do solo (θ, cm3 cm-3) a uma reta (θ = 0,2495*Cr – 0,0451), concordando com Evett e Steiner (1995). A densidade do solo foi avaliada coletando-se anéis volumétricos, os mesmos utilizados para a coleta de material destinado à obtenção da curva de retenção de água no solo. Na área experimental, as amostras foram coletadas nas profundidades de 20, 40 e 60 cm, com três repetições para cada profundidade, sendo posteriormente submetidas às pressões de 10, 20, 30, 100, 300, 1.000, 8.000 e 15.000 cm, para a determinação do potencial mátrico (ϕm, m) pela câmara de Richards. As umidades correspondentes foram também determinadas, na sequência. Pelo aplicativo Solver do Excel®, os dados se ajustaram à equação de Genuchten (1980):

O potencial mátrico é útil na estimativa dos fluxos (q, mm dia-1) existentes nas camadas inferiores limites do sistema radicular, os quais podem assumir caráter de drenagem ou ascensão capilar, dependendo do valor. A condutividade hidráulica em condições de saturação (K0, 4,71 mm h-1) foi determinada, pelo método do permeâmetro de carga decrescente (LIBARDI, 2005), como sendo fixa para todo o perfil; foi, então, possível estimar a condutividade hidráulica em condições de insaturação [K(θ)], de acordo com:

em que:

l é um parâmetro que representa a tortuosidade e conectividade dos poros, podendo ser assumido o valor igual a 0,5 (MUALEM, 1976);

θr é a umidade residual (0,26 cm3 cm-3);

θs é a umidade de saturação (0,53 cm3 cm-3);

m o parâmetro empírico igual a 0,5403.

O armazenamento de água (tanto final quanto inicial) foi calculado pelo método numérico de Simpson para resolução de integrais, conforme os valores de umidade coletados no experimento, e a variação de armazenamento (Δh, mm), como sendo a diferença entre o final e o incial (Δh = hf - hi). O consumo hídrico (CH, mm) foi posteriormente calculado:

Pela equação acima, os valores de CH foram obtidos negativos e integrados para o período entre amostragems (geralmente correspondentes a sete dias), já que os valores de precipitação (P, mm), de irrigação (L, mm), de variação de armazenamento e de drenagem (D, mm) ou ascensão capilar (AC, mm) foram também assim computados. Os valores de deflúvio superficial e subsuperficial foram ignorados, já que o solo local apresenta topografia suave e textura argilosa (menor condutividade). Os valores periódicos de consumo hídrico foram somados, em módulo, até o final do ciclo, quando se obteve o consumo hídrico total. As relações de dependência de biomassa de parte aérea e de consumo hídrico com o tempo foram ajustadas de acordo com o aplicativo TableCurve®.

Os dados de radiação solar, temperatura do ar, precipitação, umidade relativa do ar e velocidade do vento foram coletados do Posto Meteorológico Automático da Esalq/USP. A partir dos dados referentes à temperatura máxima do dia (Tmáx, ºC) e temperatura mínima do dia (Tmín, ºC), as pressões de saturação de vapor máxima (esmáx, kPa) e mínima (esmín, kPa) do dia foram assim calculadas, respectivamente:

De acordo com Abbate et al. (2004), um fator de peso (Θ) deve ser atribuído no cálculo da pressão de vapor de saturação média no dia (es, kPa), para que, posteriormente, obtenha-se melhor precisão na estimativa da deficiência de saturação de vapor d'água média do dia (VPD, kPa), já que Θ > 0,5 confere maior peso à Tmáx e à URmín. Os autores reforçam ainda que não há clareza quanto à definição exata deste fator. Tanner e Sinclair (1983) sugerem valor entre 0,66 e 0,75 para a cultura do milho, quando esta é submetida a diferentes condições climáticas. Adotou-se Θ = 0,72, o mesmo valor adotado por Abbate et al. (2004), para o cálculo de es, conforme a seguinte expressão:

A partir dos dados coletados de umidade relativa máxima no dia (URmáx, %) e de umidade relativa mínima do dia (URmín, %), e dos valores calculados de esmín e esmáx, , foram obtidas as pressões de vapor parcial mínima (eamín, kPa) e máxima (eamáx, kPa) do dia e, posteriormente, a média neste dia (ea, kPa):

O VPD médio do dia pode ser finalmente calculado:

Requeridos para a estimativa-padrão da evapotranspiração de referência pelo método FAO, a declividade da curva de pressão de vapor (Ses, kPa ºC-1) e o fluxo total de calor no solo (Gcs, MJ m-2 dia-1) no dia foram calculados por (PEREIRA et al., 2002):

em que:

T-3d é a média das temperaturas (ºC) médias do ar dos três dias anteriores.

A evapotranspiração de referência (ETo, mm dia-1) foi calculada utilizando-se a equação de Penman- Monteith (ALLEN et al., 2006):

em que:

Rn se refere à radiação líquida média (MJ m-2 dia-1) no dia;

V2 à velocidade do vento (m s-1) média diária;

γ à constante psicrométrica da água (0,0632 kPa ºC-1), a qual foi calculada em função da pressão atmosférica resultante da altitude (ALLEN et al., 2006) de Piracicaba, e posteriormente assumida como sendo constante.

Em função dos valores de evapotranspiração (ET), que foram derivados de CH obtidos do balanço hídrico, e dos valores de ETo acumulados para o mesmo período, o coeficiente de cultura (Kc) foi calculado pela expressão (ALLEN et al., 1989):

O balanço hídrico experimental iniciou-se a partir de 12/12/2005 (13 DAE) e foi finalizado em 19/3/2006 (110 DAE), data na qual se verificou o ponto de maturidade fisiológica da cultura. Do dia da emergência até 13 DAE, bem como entre a última data de mensuração de água no solo até o ponto de maturidade fisiológica, a evapotranspiração diária (ET, mm dia-1) foi estimada em função dos valores da evapotranspiração de referência observados e dos de Kc propostos por Fancelli e Dourado Neto (2000).

Ainda, conforme sugerido por Sinclair e Muchow (1999), a transmitância (τ) foi obtida em função das medidas de radiação fotossinteticamente ativa, provenientes de um ceptômetro quântico (Delta T devices), posicionando os sensores no topo do dossel e rentes à superfície do solo, tomando-se seis subamostras por parcela. Cada subamostra foi coletada atravessando-se o ceptômetro na entre linha, de forma diagonal, para se obter ângulo de 45º entre o ceptômetro e a linha de semeadura. As coletas foram realizadas semanalmente, entre 11 e 13h, visando minimizar o ângulo zenital. A área foliar total por planta (cm2) foi medida por meio do equipamento LAI 3000 (LICOR). As medidas consideraram o limbo foliar, desprovido das bainhas.

Ao integrar a função de transmitância em função do tempo e dividi-la pela integral do IAF com o tempo, obteve-se o valor médio do coeficiente de extinção de luz (k) igual a 0,4328 para N90, sendo este utilizado como fixo na equação modelada para o Kc em função do IAF. O uso de k como sendo um valor fixo para modelos de simulação é válido desde que a cultura não sofra déficit hídrico e atinja rapidamente os valores de máximo IAF. Por exemplo, o programa computacional APSIM 5.2 assume k = 0,45 para a cultura do milho. Diante do valor de k calculado, modelou-se equação para Kc em função do grau de cobertura da vegetação, o qual é dado pela expressão (1 – τ).

Resultados e discussão

Para todo o ciclo da cultura, ajustou-se a variação temporal da biomassa de parte aérea (Figura 1a) e do consumo hídrico (Figura 1b) a um modelo explanatório para os dois grupos de tratamentos (submetidos e não-submetidos à segunda cobertura com N). Por outro lado, observa-se um curso natural do rápido desenvolvimento do IAF (dados originais) entre o estádio V4 (19 DAE) e o pleno florescimento (55 DAE), concomitantemente a um rápido aumento de biomassa, que se acumula em taxas decrescentes [Equação (16)] pelo declínio do IAF após o florescimento (Figura 1b). Os maiores valores de IAF foram iguais a 5,55 e 5,73 (média das parcelas) para N60 e N90, respectivamente, e foram observados aos 46 DAE (três dias após a emissão do pendão). A aplicação de fungicidas, assim como a interação entre estes e o nitrogênio, não resultou em diferenças significativa nos padrões de variação de IAF entre N60 e N90. Apenas o fator nitrogênio, de forma isolada, promoveu diferenças marcantes nos valores de área foliar coletados em 81 e 95 DAE e na produção final de grãos. Os modelos explanatórios são específicos para a discussão do experimento em questão, não podendo ser extrapoláveis.



Para ambos os grupos de tratamentos (submetidos ou não à segunda cobertura), os dados de biomassa de parte aérea (W, g m-2) em função do tempo (t, dias) foram ajustados ao seguinte modelo explanatório:

em que:

γ1 , γ2 e γ3 são o parâmetros empíricos do modelo.

As análises estatísticas dos modelos de W em função de t são mostradas na Tabela 1 e na Tabela 2, ao passo que a derivada da Equação (15) fornece a taxa 'constante' de desenvolvimento:

Tanto para o grupo submetido à segunda cobertura quanto para o não-submetido, os dados de consumo hídrico em função do tempo foram ajustados ao seguinte modelo:

em que:

β1, β2, β3 e β4 são os parâmetros empíricos do modelo.

As análises estatísticas dos modelos explanatórios para os casos separados são apresentadas nas Tabela 3 e 4.

O significado e a interpretação físico-biológica dos parâmetros da Equação (17) e da Equação (15) não foram estudados. Pelo modelo explanatório dos dados, o consumo hídrico de N90 foi totalizado em 600,9 mm, tendo sido acumulados 267,2 mm na fase vegetativa (duração de 46 dias), 174,9 mm na de florescimento (18 dias) e 158,9 mm na de enchimento de grãos (46 dias). Assumindo a mesma duração (em dias) para N60, consumos hídricos levemente inferiores foram observados para as fases vegetativa e de florescimento, e uma diferença de 12 mm a menos na fase de enchimento de grãos. Dividindo a Equação (15) pela Equação (17), obtémse a eficiência de uso da água (EUA, g m-2 mm-1) ao longo do tempo da cultura, interpretada como o coeficiente angular da reta ajustada entre biomassa de parte aérea e consumo hídrico acumulados no ciclo (Figura 2a); por outro lado, é variável dentre deste ciclo (Figura 2b), principalmente em razão das relações fonte-dreno que se modificam durante o ciclo e também do regime de nitrogênio empregado (CAVIGLIA; SADRAS, 2001).



Os tratamentos que receberam a segunda cobertura (N90) produziram 10.472,50 kg (grãos) ha-1, em média, contra 9.849,96 kg (grãos) ha-1 dos que não receberam. O menor valor de EUA para a situação de suprimento subótimo de nitrogênio é consistente com a menor produção de grãos correspondente, haja vista que a segunda cobertura pode ter favorecido os padrões de alocação de N para N90, conforme a abordagem de Yin et al. (2003), permitindo promover melhor manutenção do IAF (Figura 1b) e da condição erectófila das folhas, pela menor senescência, o que leva a uma melhor distribuição da radiação incidente por área foliar ativa e proporciona maiores taxas de fotossíntese. Por outro lado, isso esteve associado também ao maior consumo hídrico verificado para N90.

Mishra et al. (2001) encontraram relação oposta entre EUA e CH, embora tenham trabalhado com a cultura do milho fora da estação principal de cultivo e variado os tratamentos quanto à irrigação. No presente trabalho, reconhece-se a importância da EUA como parâmetro de avaliação do desempenho da cultura a posteriori, mas não se identifica nenhuma aplicação para fins de planejamento (ex.: orçamento de água) ou de gerenciamento (ex.: manejo da irrigação).

Hammer e Muchow (1994) propõem uma equação que permite derivar a transpiração diária ocorrente durante o ciclo, com base no VPD, na variação de desenvolvimento da cultura de um dia para o outro (ΔW) e ainda em um coeficiente de transpiração, o qual assume a grandeza de 0,009 kPa para a cultura do milho. Este mesmo valor é adotado pelo programa computacional APSIM 5.2 e é explicado com maiores detalhes por Tanner e Sinclair (1983). Utilizando a Equação (16) na tentativa de substituir ΔW, a transpiração acumulada para todo o ciclo foi de 348,06 e 382,01 mm para os grupos de tratamentos N60 e N90, respectivamente; ambos podem ser considerados muito baixos em relação ao consumo de água total obtido, considerando-se o modelo explanatório da Equação (17) aplicado ao ponto de maturidade fisiológica (110 DAE).

A grande desvantagem do uso da Equação (16) é que esta, empírica e infinitesimal, capta apenas a tendência de aumento ou diminuição constante de dw dt-1 em função do tempo, mas nunca uma variação diária qualquer de ΔW, que pode ocorrer principalmente em função das oscilações normais do clima durante o ciclo da cultura. Isso leva a crer que, para cada dia, a evapotranspiração da cultura possa ser grosseiramente estimada ou subestimada, fazendo com que a equação mencionada em Hammer e Muchow (1994) possa ser válida apenas diante de modelos de acúmulo de biomassa que captem as variações diárias do clima, tal como o mecanístico proposto por Verdoodt et al. (2004).

De forma oportuna, obtiveram-se os valores de coeficiente de cultura (Kc), para diversas etapas da cultura (Tabela 5), aplicáveis ao grupo de tratamentos submetidos à segunda cobertura com N (N90). Elevados valores de Kc foram obtidos já a partir do momento em que a cultura apresentava seis folhas completamente expandidas, chegando à média de 1,5 nas fases de elevado IAF e decrescendo (mas ainda alto) até a fase de grãos pastosos.

Em concordância com Tyagi et al. (2003), que também levantaram elevados valores de Kc para o milho (das magnitudes de 1,36 e 1,23 em algumas etapas críticas de desenvolvimento), os valores aqui encontrados são maiores que aqueles genéricos apresentados por Allen et al. (2006). A estimação correta de valores de Kc é fundamental para o processamento de modelos de manejo de irrigação (SOUZA; GOMES, 2008).

Por depender do coeficiente de extinção e do IAF, a transmitância será variável com o tempo. Assim, pelo fato do Kc estar relacionado com o IAF e com a porcentagem de cobertura do solo (PEREIRA et al., 2002), modelou-se Kc de acordo com a seguinte expressão:

em que:

Kc0 é o coeficiente de cultura inicial (ex.: Kc0 = 0,32; ver Tabela 5) e Kcmáx o coeficiente de cultura máximo (ex.: Kcmáx = 1,5).

Na Figura 2a, o ponto em que as retas cruzam o eixo das abcissas pode ser interpretado empiricamente como a evaporação existente durante o ciclo, que é geralmente maior para culturas irrigadas com frequência (TANNER; SINCLAIR, 1983). Por esta ótica, os valores de evaporação total do ciclo encontrados neste trabalho podem ser considerados baixos (< 50 mm). Já a metodologia clássica proposta por Ritchie (1972), baseada em princípios físicos que envolvem transmitância, radiação líquida e evapotranspiração potencial (combinação das Equação (13), (14) e (18)), permitiu derivar 155,07 mm de evaporação para N90, que equivalem a 26,10% do consumo hídrico total, sendo o restante naturalmente atribuível à transpiração. Ao utilizar as Equações (13) e (18) para simulação da evapotranspiração diária, obtevese consumo hídrico final de 594,22 mm para N90, valor 1% menor que o observado.

Três fontes de erro podem estar embutidas no cálculo do Kc da Tabela 5: i) o processo descontínuo de leituras de umidades do solo (que pode conferir diferenças nas variações diárias de armazenamento) e os erros inerentes à calibração do equipamento de avaliação; ii) os valores de radição líquida medidos; e iii) a simplificação do balanço hídrico adotado, que desprezou as perdas/ganhos por deflúvios. Do exposto, ao comparar a radiação líquida medida com a estimada pelo método FAO (ALLEN et al., 2006), conclui-se que este tenha superestimado os valores observados, a não ser que o saldo radiômetro estivesse operando inadequadamente. Por exemplo, se tiver fornecido valores de Rn abaixo do observado, ETo é também subestimada, fazendo elevar os valores de Kc. Quanto às precipitações ao longo do experimento, intensidades elevadas ocorridas em alguns momentos podem ter sido decisivas em alterar os regimes de infiltração a ponto de permitir o surgimento de processos de escoamento superficial, o qual pode ser computado como perdas ou ganhos de água, dependendo da parcela experimental. Ressalta-se que os valores de Kc obtidos contemplam a eficiência de aplicação de água pelo pivô, que foi calculada, de acordo com o coeficiente de uniformidade de Christiansen (radial), em 72%.

Na prática do manejo da irrigação, embora possa implicar maior uso da água, a adoção de valores supostamente maiores de Kc pode ser mais segura no sentido de prevenção da cultura ao estresse hídrico. Para populações elevadas (ex.: entre 60 e 70 mil plantas ha-1) do híbrido DKB 390, conduzidas sob adequado suprimento de nitrogênio, espera-se também um consumo elevado de água, da ordem de 600 mm por ciclo, principalmente se houver coincidência de elevada demanda hídrica pela atmosfera, com a ocorrência de maior demanda pela cultura, o que é ditado em termos absolutos pelo índice de área foliar.

Conclusão

Para elevadas populações do híbrido DKB 390 desenvolvendo-se em condições de suprimento hídrico e de nitrogênio adequadas, o genótipo requer por volta de 600 mm para a obtenção de elevadas produções e apresenta menor eficiência de uso da água e menor consumo desta quando submetido a níveis subótimos de adubação nitrogenada.

Received on August 11, 2007.

Accepted on May 9, 2008.

  • ABBATE, P. E.; DARDANELLI, J. L.; CANTARERO, M. G.; MATURANO, M.; MELCHIORI, R. J. M.; SUERO, E. E. Climatic and water availability effects on water-use efficiency in wheat. Crop Science, v. 44, n. 2, p. 474-483, 2004.
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    Autor para correspondência. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2009
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