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Editorial

Editorial

Com o segundo número do volume dez, fechamos um ano de comemorações. Completar dez anos de vida editorial em um momento em que a editoria científica ainda sofre tantos percalços no Brasil e, ao mesmo tempo, em uma área de conhecimento que se institucionaliza nesse período, já aponta a pertinência, a importância e atualidade de nossa proposta. Agora, a partir do próximo volume, resta-nos retomar um novo patamar de nosso processo.

Com esta perspectiva, promovemos alguns encontros entre equipe de editoria e colaboradores próximos para avaliar nossa ação específica e seu significado sociológico e contextual. Aproveitamos este espaço para convidar leitores, autores e pareceristas para se agregarem ao debate tão oportuno em torno da questão: qual o significado, a importância e o futuro da editoria científica em um país tão curioso quando se relaciona com a ciência e a tecnologia? Se de um lado o Brasil apresenta Centros de Excelência cada vez mais competitivos na produção internacional, de outro, lamentavelmente, o ensino de ciências e o investimento no futuro apresentam um nanismo sem precedentes, até se comparados aos de países do mesmo calibre. País este, ainda mais curioso se focalizarmos ciência, tecnologia e política pública na área ambiental. Por que abrir mão da liderança internacional na proteção do patrimônio representado pelos recursos naturais globais, durante a acirrada disputa em torno das mudanças climáticas?

No próximo período, gostaríamos de investir no diálogo interdisciplinar em torno dessas perguntas tão simples e dramáticas, mas que podem funcionar como um prisma que descortina várias dimensões da vida social.

Uma sinalização positiva: o IV Encontro Nacional da ANPPAS [www.anppas.org.br] que ocorrerá entre 4 e 6 de junho, em Brasília, terá como tema central Mudanças Ambientais Globais, direcionando nossos debates para questões como esta relacionada por Ambiente & Sociedade.

Em mais uma tentativa de aceitar esta tarefa, ainda no ano de 2007, apresentamos ao público um número que confirma a nossa proposta de diversidade e qualidade. São oito artigos que abordam um leque diversificado de temas. O primeiro deles é de autoria de Rogério Ribeiro Oliveira, do Departamento de Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O autor usa resultados de estudos sobre partes remanescentes de Mata Atlântica e propõe uma discussão sobre o significado do legado ambiental, que interpreta como um complexo produto de relações passadas de sociedades com o seu meio. O quadro de ações de manejo de ecossistemas por populações tradicionais seria uma das razões pela qual a Mata Atlântica aparenta certa homogeneidade quando, em realidade, trata-se de um conjunto de diferentes espaços contíguos. O autor indica a necessidade de incluir o legado da atividade humana em pesquisas futuras, tanto nas áreas de humanas, quanto nas biológicas.

O segundo artigo, de autoria de Regina Horta Duarte, da Universidade Federal de Minas Gerais, também faz um resgate histórico. Aqui é feito um debate sobre a relação de citadinos com os elementos naturais existentes no meio urbano, os desejos de progresso de alguns e a afetividade de outros com seu espaço de vivência. A autora usa como eixo discursivo uma decisão municipal de poda e corte da arborização original da Avenida Afonso Pena, no centro da capital mineira, para resgatar os sentimentos que a população local tinha com sua cidade e os significados urbanísticos, sociais e políticos que transmitiram.

Já a contribuição de Isaías Tobasura Acuña resgata a memória do movimento ambientalista da Colômbia, um dos países com maior diversidade biológica e climática do planeta. O autor mostra o significado das especificidades locais e como a questão ambiental surge aos poucos na esfera nacional a partir dos anos 1960 e 1970. O texto mostra o complexo caminho do movimento ambientalista colombiano em sua busca de mobilização da sociedade, tendo que reorientar muitas vezes os seus esforços em defesa da paz, já que a maioria dos problemas ambientais é permeada pelo conflito armado em um país rasgado pela violência.

Thomas Burns e Terri LeMoyne discutem saídas e formas de tornar mais efetiva a ação política dos movimentos sociais diante de seguidas derrotas cristalizadas pela contínua degradação ambiental global. Apesar de visíveis sucessos em algumas questões pontuais, os autores mostram o fracasso em outras atividades, como na mudança de comportamento e de estilo de vida. Esses movimentos teriam margem para encontrar pautas mais eficazes, mas deveriam tomar cuidado em não se alinhar a outras estruturas políticas na tentativa de atingir um público mais amplo, sob o risco de perder seu foco e se deixar levar pelos interesses de outros campos de força.

Os próximos dois artigos discutem a água. No primeiro é abordada a exportação indireta de água embutida em vários produtos primários nos quais o Brasil tem se especializado nos últimos anos – especificamente soja, carne e açúcar. Para fazer uma estimativa do volume de água exportada dessa maneira, foi necessário levar-se em conta cadeias produtivas desses setores, as regiões de origem dos produtos e a tecnologia empregada. O texto de autoria de Roberto do Carmo, Andréa Leda Ojima, Ricardo Ojima e Thais do Nascimento apresenta uma reflexão sobre o tipo de mudanças que poderiam ser feitas a partir do reconhecimento e contabilização desse tipo de uso do recurso.

Já o segundo artigo, de autoria de José Esteban Castro é sobre governança do uso da água. Nele são discutidos os diferentes sentidos do conceito de governança em uso no debate a respeito do acesso básico e universal à água como um direito. O distanciamento entre as esferas tecno-científica e sócio-política das atividades de gerenciamento dos recursos hídricos, apesar dos avanços tecnológicos ocorridos nos últimos tempos seria a causa explicativa da ausência de implementação de usos e práticas mais sustentáveis, e o que demonstraria a importância de se adotar métodos interdisciplinares. O conflito entre os diversos atores sociais com interesse no uso da água disponível é, segundo o autor, um componente portador de conhecimento, e a perspectiva crítica de governança deve contribuir para implementar políticas públicas adequadas.

Os problemas criados às populações locais por usinas hidrelétricas implantadas no estado de Minas Gerais é o tema do artigo de Andréa Zhouri e Raquel Oliveira. Para as autoras, os conflitos gerados pela construção de projetos hidrelétricos exemplificam uma luta por justiça ambiental, em busca de uma reapropriação social da natureza, em oposição a um discurso hegemônico sobre o desenvolvimento, em um cenário de mundialização do capital.

Finalmente, os índices e indicadores são discutidos em contribuição original de Raúl Siche, Feni Agostinho, Enrique Ortega e Ademar Romeiro. Neste artigo, são focados três índices comumente usados para avaliar a sustentabilidade em vários países: Índice de Sustentabilidade Ambiental, Pegada Ecológica e Índice de Desempenho Energético. Os autores concluem que, apesar da sustentabilidade ser um conceito que pode dar lugar a longos debates, os índices são instrumentos que podem e devem ser usados, se considerados seus verdadeiros significados e alcance.

Fechando este número, contamos ainda com as contribuições de: Mirna Aparecida Neves, Sueli Yoshinaga Pereira e Harold Gordon Fowler, na seção Resultados de Pesquisa; Daniel Joseph Hogan, na seção Ponto de Vista; Pedro Jacobi, com uma resenha de sua autoria; e Igor Ferraz da Fonseca e Marcel Bursztyn, na seção Tangencial.

Uma boa leitura e, mais uma vez, desejamos:

Vida longa e estimulante a Ambiente & Sociedade!

Os editores

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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