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Editorial

Editorial

Neste primeiro número de 2009, a revista Ambiente & Sociedade traz doze artigos e duas resenhas aos seus leitores que reafirmam a nossa permanente motivação em disseminar trabalhos de pesquisa e reflexões pautados pela multidimensionalidade e pela interdisciplinaridade. Os textos aqui apresentados abordam os seguintes temas: história ambiental; inovação tecnológica; planejamento ambiental; política de resíduos perigosos, gestão e responsabilidade; políticas ambientais; gestão compartilhada da água; criação de unidades de conservação marinhas; relações entre sociedade e ambiente; teoria social e meio ambiente.

No primeiro artigo, Engaging Nanotechnologies: A case study of 'upstream' public engagement, o professor Phil Macnaghten, do Departamento de Geografia da Universidade de Durham, Inglaterra, reflete sobre os fatores que podem definir e adequar as respostas públicas em relação às dimensões éticas e sociais das nanotecnologias emergentes. A pesquisa foi realizada no Reino Unido, junto a um público selecionado, e visou verificar a evolução das atitudes públicas através da interação social. A pesquisa foi realizada para desenvolver uma metodologia inovadora que permitisse aos participantes ponderar sobre as questões que se colocam na compreensão sobre o que está em jogo no domínio da inovação tecnológica e para situá-la em um contexto sociocultural configurado pela ambivalência que as tecnologias avançadas colocam na contemporaneidade.

No segundo artigo, A política democrática da sustentabilidade: os modelos deliberativo e associativo de democracia ambiental, de Cristiano L. Lenzi, o autor examina os limites e possibilidades que nascem do encontro de dois modelos democráticos. No primeiro caso, é verificada a relação entre sustentabilidade e democracia deliberativa (ou discursiva) e, no segundo, a relação que pode ser estabelecida entre sustentabilidade ambiental e democracia associativa. O autor mostra como esses modelos possibilitam vislumbrar dois tipos de democracia ambiental e, também, duas formas de se imaginar os principais traços de uma política democrática da sustentabilidade.

No terceiro artigo, Violências fundadoras: o Pontal do Paranapanema entre 1850 e 1930, Adalmir Leonidio mostra que o entendimento do atual cenário de violência generalizada no Pontal do Paranapanema, São Paulo, depende, em grande medida, do entendimento dos elementos que o formaram historicamente. Enfatiza que a ocupação inicial do Pontal do Paranapanema não diferiu muito da lógica da ocupação do solo predominante desde o período colonial; e que o acesso à terra, ao menos para aqueles que podiam usar de expedientes extrajurídicos com certo sucesso, como os grandes senhores rurais, continuou relativamente livre. Mostra também que, do bandeirante ao pioneiro das fazendas de café, a postura era a mesma: a truculência diante dos obstáculos encontrados, fator que está na origem da situação atual do Pontal do Paranapanema, onde as reservas florestais restringem-se a cerca 5,3% do original, e as terras griladas e devolutas compõem aproximadamente 40% de seu território.

No quarto artigo, Geografia, história e ecologia: criando pontes para a interpretação da paisagem, Alexandro Solórzano, Rogério Ribeiro de Oliveira e Rejan Rodrigues Guedes-Bruni apresentam uma revisão bibliográfica que busca evidenciar os elementos históricos presentes na compreensão da relação ser humano-natureza, ao mesmo tempo em que procuram focar os estudos em florestas tropicais, especialmente aquelas que ocorrem no Brasil, no âmbito da Mata Atlântica. Nesse aspecto, o referencial empírico é a paisagem como base físico-biológica, associada aos processos antrópicos e aos processos naturais decorrentes que a compõem. Dentro desse quadro e com a finalidade de compreender a contribuição dos elementos históricos na formação e transformação da paisagem, podem ser destacadas duas abordagens de conhecimento que apresentam uma proposta interdisciplinar: a história ambiental e a ecologia histórica. Estas disciplinas incorporam, ao seu nome, tanto a história quanto os elementos naturais envolvidos no objeto de observação - neste caso, ambiente e processos ecológicos.

No quinto artigo, Considerações sobre a legislação correlata à zona-tampão de unidades de conservação no Brasil, Patrícia De Luca Vitalli, Maria José Brito Zakia e Giselda Durigan mostram que existe um consenso global de que unidades de conservação não podem ser operadas como ilhas, devendo ser estabelecidas estratégias de manejo em escalas maiores, com a criação de zonas tampão. Para tanto, essas zonas devem funcionar como filtros, impedindo que atividades antrópicas externas coloquem em risco os ecossistemas naturais dentro das áreas protegidas.

Apesar da existência de normas jurídicas consolidadas, as autoras apontam haver controvérsias sobre a interpretação da legislação, o que dificulta a tomada de decisões por todos os atores sociais envolvidos na prática conservacionista, desde o proprietário das terras inseridas na zona tampão, passando pelo gestor da unidade, por órgãos fiscalizadores e pelo Poder Executivo, o que culmina em divergências na esfera jurídica. O texto analisa o papel das controvérsias em busca de posicionamentos claros que permitam aos tomadores de decisão agir com segurança jurídica em questões relacionadas com as zonas tampão de unidades de conservação.

O sexto artigo, de Pedro Castelo Branco Silveira, Híbridos na paisagem: uma etnografia de espaços de produção e espaços de conservação, situa-se em uma zona de fronteira entre disciplinas acadêmicas com tradições de pensamento diversas, a antropologia e a ecologia. O autor trata dos híbridos que emergem nas paisagens construídas, segundo concepções e ações de habitantes da zona rural de São Luiz do Paraitinga, São Paulo, e de uma equipe de pesquisadores, da qual ele fez parte. Esses híbridos emergem em um contexto considerado de crise por diversos agentes, no qual espaços de produção e de preservação são separados. Essa crise indica, para o autor, uma crise da Modernidade, no sentido de uma crise sócio-ecológica, em que práticas de sentido de purificação apartam o natural do social e desenvolvem um uso social da natureza sem considerar o valor dos não-humanos enquanto agentes de socialidade.

No sétimo artigo, Espacio urbano y riesgo de desastres: la expansión de las urbanizaciones cerradas sobre áreas inundables de Tigre (Argentina), Diego Rios, apresenta o diálogo com dois temas de muita atualidade e relevância: os processos de expansão espacial das cidades e dos chamados desastres naturais. O autor considera que ambos os fenômenos são produtos sociais, e apresenta uma análise sobre a articulação entre a produção social do espaço urbano e o risco de desastres, a partir de um estudo de caso no município de Tigre, na Grande Buenos Aires, com enfoque em processos que se deram principalmente a partir da última década do século XX, com significativos impactos ecossistêmicos e sociais.

No oitavo artigo, de autoria de Rosa Maria Formiga-Johnsson, Rebecca N. Abers, Beate Frank, Margaret E. Keck e Maria Carmen Lemos, Inclusão, deliberação e controle: três dimensões de democracia nos comitês e consórcios de bacias hidrográficas no Brasil, os autores avaliam o efeito democratizante da governança participativa na gestão das águas, a partir de uma pesquisa junto a 626 membros de 14 comitês e 4 consórcios de bacias hidrográficas. O conceito de democracia é examinado segundo três noções: a) arenas participativas devem promover a inclusão e combater a dominação das elites; b) a participação deve promover um processo dinâmico capaz de modificar a compreensão dos participantes; c) arenas participativas devem garantir maior controle social do Estado.

No nono artigo, Trilhas da política ambiental: conflitos, agendas e criação de unidades de conservação, de autoria de Leonardo Bis dos Santos, são analisadas a categoria conflito e as suas interfaces com a política de criação de unidades de conservação. O artigo enfoca, mais especificamente, o processo de criação de unidades de conservação marinhas, em áreas onde se concentram grandes empreendimentos industriais do estado do Espírito Santo. São empreendimentos atuantes nos setores de celulose e de lâminas de aço, e na exploração de petróleo em águas profundas.

O décimo artigo, Gestão compartilhada e comunitária da pesca no Brasil: avanços e desafios, de Daniela C. Kalikoski, Cristiana S. Seixas e Tiago Almudi, revisa as oportunidades e os desafios na implementação de sistemas de co-gerenciamento da pesca no Brasil. O estudo baseou-se na análise e na revisão de 116 referências bibliográficas que versam sobre experiências brasileiras. O trabalho mostra fatores relevantes na criação e na manutenção de arranjos de gestão compartilhada, bem como aqueles que representam os maiores desafios encontrados para o avanço da gestão compartilhada da pesca no Brasil.

O décimo primeiro artigo, Urbanidade rural, território e sustentabilidade: relações de contato em uma comunidade indígena no noroeste amazônico, elaborado por Renata Ferraz de Toledo, Leandro L. Giatti e Maria Cecília F. Pelicioni, propõe uma reflexão sobre as expressões urbanidade rural, território e sustentabilidade, representadas especialmente no cotidiano e na história do distrito de Iauaretê, no município de São Gabriel da Cachoeira, localizado no extremo noroeste do estado do Amazonas, na fronteira com a Colômbia, nos arredores da foz do rio Papuri e às margens do rio Uaupés, afluente do rio Negro.

A análise centra-se na localidade e nos seus habitantes, e se baseia em processos de pesquisa-ação e de estudo bibliográfico sobre a temática. Considera as peculiaridades presentes em Iauaretê, no tocante a características ambientais e a relações interétnicas, baseadas em um sistema de valores míticos, ou, ainda, no tocante a relações estabelecidas entre a sociedade indígena e a não-indígena, marcadas, muitas vezes, pelo assistencialismo.

O último artigo, de autoria de Lucia Oliveira Fernandes, Processo decisório do REACH- a nova política européia dos químicos, apresenta uma análise sobre os aspectos gerais envolvidos no processo de decisão da nova regulação européia dos químicos, sobre as ações desenvolvidas, o envolvimento dos diferentes atores, os interesses e os conflitos existentes.

Trata-se do Registration, Evaluation and Authorisation of Chemicals (REACH), que aborda simultaneamente o registro, a avaliação e a autorização das substâncias químicas, na Comissão Européia. A versão final do regulamento, aprovado em dezembro de 2006, revelou a predominância dos interesses dos países com o maior parque industrial químico e dos atores empresariais. O artigo também discute algumas das implicações mais gerais das políticas de Ciência e Tecnologia, com relação aos produtos químicos, e critica a abordagem predominante nas políticas ambientais. Sugere a construção de novas perspectivas, que incluam os diferentes interesses e conhecimentos existentes nas decisões, e defende a necessidade de alterações nos atuais sistemas de produção e consumo.

Por fim, este número da revista Ambiente & Sociedade apresenta duas resenhas. A primeira é Superalimentados, mas subnutridos - um diagnóstico do sistema alimentar industrial, elaborada por André Luiz Bianco e Ana Carolina Ribeiro Lobo de Cassiano, e versa sobre o livro Em defesa da comida: um manifesto (Rio de Janeiro, Ed. Intrínseca, 2008), de autoria de Michael Pollan. A segunda é uma resenha, de Debora Pignatari Drucker, sobre o livro Amazônia: Natureza e Sociedade em Transformação (São Paulo, Edusp, 2008), organizado por Mateus Batistella, Emílio F. Moran e Diógenes S. Alves.

Cabe agradecer aos leitores pelo seu apoio crescente, à Cubo Multimídia e à Annablume, pela viabilização editorial, à Fapesp, pelo apoio financeiro, e, em especial, aos nossos Editores Executivos, que têm tido um papel estratégico no funcionamento da revista.

Ainda cabe aqui ressaltar que, a partir deste número, a revista introduziu novos procedimentos na recepção dos artigos em virtude das crescentes dificuldades para o seu financiamento, e, nesse sentido, contamos com a colaboração de todos para poder garantir a nossa continuidade de forma consistente e com a manutenção da periodicidade. Principalmente, objetivamos contribuir, como temos feito desde 1997, para a divulgação de trabalhos que promovam uma expansão na produção de conhecimento da temática ambiental em uma perspectiva interdisciplinar e multifacetada.

Desejamos a todos uma boa leitura e, mais uma vez, esperamos a colaboração de nossos leitores como multiplicadores e disseminadores desta proposta editorial.

Os editores

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Nov 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaambienteesociedade@gmail.com