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Universidade, conhecimentos tradicionais e possibilidades de produção científica decolonial

Resumo

O desequilíbrio ambiental global evidenciou uma crise civilizatória. Embora tenha produzido grandes contribuições à vida em sociedade, a ciência moderna se constituiu de forma eurocêntrica e excludente. Com isso, pessoas de saberes diversos, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos, foram afastadas do ambiente acadêmico-científico. A partir de autores como Enrique Dussel, Boaventura Sousa Santos e Enrique Leff, este trabalho tem como objetivo discutir sobre como vivências de estudantes universitários de diferentes origens podem contribuir para o enriquecimento científico e para uma ciência decolonial. Informações foram levantadas a partir de observações e entrevistas com universitários amazônidas. Os resultados mostraram que o arcabouço de conhecimentos desses estudantes tem sido subutilizado, o que se reflete em sua desvalorização no ambiente acadêmico. Maior integração universidade-sociedade, o diálogo e a ecologia de saberes constituem propostas para permitir maior integração desses estudantes e a construção de uma produção científica decolonial.

Palavras-chave:
Ciência moderna; colonialidade do saber; ecologia de saberes; diálogo de saberes; Universidade

Abstract

The environmental imbalance revealed a crisis of civilization. Modern science produced great contributions to life in society, but was constructed in an Eurocentric and excluding way. Thus, diverse people, such as indigenous, quilombolas and riverine were removed from the academic-scientific environment. Based on Enrique Dussel, Boaventura Sousa Santos and Enrique Leff, this work aims to discuss how the experiences of university students from different origins can contribute to scientific enrichment and to a decolonial science. Information was obtained from observations and interviews with Amazonian university students. The results showed that the knowledge framework of these students is underutilized, which is reflected in their devaluation in the academic environment. Greater university-society integration, the knowledge dialogue and knowledge ecology are proposals to allow greater integration of these students and the construction of a decolonial scientific production.

Keywords:
Modern science; coloniality of knowledge; ecology of knowledges; dialogue of knowledges; University

Resumen

El desequilibrio ambiental global ha revelado una crisis de civilización. Aunque la ciencia moderna ha producido grandes aportes a la vida en sociedad, ella se ha constituido de forma eurocéntrica y excluyente. El resultado de esto ha sido que personas de diversos conocimientos, como los pueblos indígenas, los quilombolas y los habitantes de las riberas, han sido apartadas del entorno académico-científico. Basado en autores como Enrique Dussel, Boaventura Sousa Santos y Enrique Leff, este trabajo tiene como objetivo hacer la discución de cómo las experiencias de estudiantes universitarios de diferentes orígenes pueden contribuir al enriquecimiento científico y a una ciencia descolonial. La información se obtuvo a partir de observaciones y entrevistas con estudiantes amazónicos. Los resultados mostraron que el conocimiento de estos estudiantes ha sido subutilizado. Una mayor integración universidad-sociedad, el diálogo y la ecología del conocimiento son propuestas para permitir una mayor integración de estos estudiantes y la construcción de una producción científica descolonial.

Palabras-clave:
Ciencia moderna; colonialidad del conocimiento; ecología de saberes; dialogo de saberes; Universidad

Introdução

As contribuições da ciência moderna para a construção do mundo atual são inegáveis. Por meio da ciência tem se evitado e reduzido mortes, produzido possibilidades de melhoria na qualidade de vida e tem sido possível compreender fatores estruturantes das sociedades, favorecendo o surgimento de propostas alternativas. Por outro lado, devido a sua forte base eurocêntrica, a ciência moderna se consolidou às custas da exclusão de pessoas e de seu conhecimento não padronizado, como no caso de diversas populações indígenas, por exemplo. Mas em determinadas áreas de estudo, como as que envolvem a relação homem-ambiente, as percepções, vivências e saberes empíricos podem ter tanto valor quanto o conhecimento desenvolvido pela ciência.

No âmbito universitário, a educação científica esteve, desde a Idade Média, restrita a uma elite que podia acessar bibliotecas e laboratórios, mas pouco compreendia as aplicações cotidianas de seus achados. Assim, ciência e universidade distanciaram-se da população (SANTOS, 2005SANTOS, B. S. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2005.) até que, no Brasil, no final do século XX, a grande maioria das vagas em Universidades públicas fossem ocupadas por estudantes brancos de classe alta. No início do século XXI, políticas afirmativas favoreceram a entrada de outro perfil de estudantes nos cursos de graduação e pós-graduação. Alunos indígenas, quilombolas, pobres, negros, mulheres, ribeirinhos, agricultores e de outras origens passaram a ter mais acesso ao universo científico. Porém, uma barreira epistemológica permanece no cotidiano universitário, onde valoriza-se a comunicação escrita em detrimento da oralidade, a linguagem tecnicista em detrimento da usual, e pouco se aprecia o que as vivências dos estudantes podem trazer de interessante para a produção científica.

O objetivo deste artigo é oferecer uma discussão sobre como vivências de estudantes de diferentes origens podem contribuir para uma produção científica decolonial. Para tanto, foi utilizada uma base teórica formada por autores como Santos (2005SANTOS, B. S. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2005., 2010), Estermann (2006ESTERMANN, J. Filosofía andina: Sabiduría para un mundo nuevo. 2ed. La Paz: ISEAT, 2006.), Cunha (2007CUNHA, M. (2007). Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico. Revista USP, (75), 76-84.), Mignolo (2003MIGNOLO, W. Historias locales-diseños globales: colonialidad, conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo. Ediziones Akal, 2003.), Leff (2009LEFF, E. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Educação e realidade. 34 (3): 17-24. 2009.), Dussel (1977DUSSEL, E. Filosofia da libertação. São Paulo: Loyola, 1977.; 1993; 2015), Freire (2017FREIRE, A. O. Sumak Kawsay. Arte de vivir em armonia. De la Revolución Verde a uma Revolución Arco-íris. 5 ed. Quito: Global Sur Editores, 2017.) e Viveiros de Castro (2004). Além disso, conta com observações e reflexões realizadas durante dois anos de docência no curso de Bacharelado em Biologia da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), em um campus do interior do Pará. De 2017 a 2019, foram levantadas informações a partir da interação durante as aulas, orientações, conversas informais e por meio da aplicação de entrevistas aos discentes.

Ciência moderna e aportes para um pensamento científico decolonial

O que entre os gregos antigos parecia ser uma questão de difícil solução, uma aporia, como bem demonstra Platão (1973PLATÃO. Diálogos: Teeteto - Crátilo. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 1973.) no seu inspirador Teeteto; e que, depois, com os filósofos cristãos do medievo passou a ser do âmbito da divindade; entre os modernos, fundamentalmente, a partir do século XVII com Descartes, passa a ser objeto de estudo da investigação meticulosa, rigorosa e científica. O conhecimento, então, precisa ser delimitado para que seja melhor apreendido e ensinado, com vistas a consolidar a nova (moderna) posição do homem no cosmos: senhor da natureza.

Há mesmo quem associe esta postura do homem moderno com o processo de conquista iniciado no final do século XV. Dussel (2015_________. Meditações anti-cartesianas: sobre a origem do anti-discurso filosófico da modernidade - Parte I. Filosofazer (impressa), v. 46, n. 1, ago. 2015. ISSN 1413-4675. Disponível em: <http://filosofazer.ifibe.edu.br/index.php/filosofazerimpressa/article/view/4/3>. Acesso em: 04 abr. 2020.
http://filosofazer.ifibe.edu.br/index.ph...
), filósofo argentino, fundamenta, de forma polêmica, o “eu penso” cartesiano no “eu conquisto” característico dos povos colonizadores da Europa. Já nas primeiras páginas de sua obra “Filosofia da Libertação”, Dussel procura demonstrar o modo de imposição realizado pela Europa (centro) sobre os povos conquistados (periferia). O que vai se tornando cada vez mais nítido no interior do texto do argentino é a expressão de uma “ontologia de caráter universal”, posto que o centro procura absorver a periferia dentro de suas próprias fronteiras, tornando-a parte do conjunto das coisas que podem ser manipuladas e manuseadas. A periferia não é compreendida do ponto de vista da solicitude, da ética, a partir da qual a relação precisa ser, em tese, de igualdade entre os seres humanos. Ao contrário, o caráter de ser a partir do qual ela é tomada remete ao domínio da ocupação, da lida cotidiana com as coisas, de um ponto de vista meramente ontológico. Neste sentido, os Outros são absorvidos como coisas que servem para algo com vistas ao desejo de quem manipula. Desta inspiração heideggeriana, Dussel se permite interpretar o eu conquisto como o fundamento prático do eu penso. Nesta perspectiva, o que se contempla é a associação bastante fecunda, do ponto de vista acadêmico-político, para toda uma geração de críticos sociais, sociólogos, antropólogos, historiadores, filósofos, educadores, etc., que vinculará o processo de modernização do mundo com a colonização.

Em outras palavras - para citar apenas a tradição que remonta à Filosofia da Libertação -, na contramão dos ideais republicanos da igualdade, da liberdade e da fraternidade, isto é, dos ideais consagrados na Revolução das Luzes, a modernidade também deixou um legado obscuro: a colonialidade, processo violento e sanguinário que submeteu os povos do “novo mundo” a um pretenso estado de “civilidade”, outorgado pelos europeus (DUSSEL, 2015_________. Meditações anti-cartesianas: sobre a origem do anti-discurso filosófico da modernidade - Parte I. Filosofazer (impressa), v. 46, n. 1, ago. 2015. ISSN 1413-4675. Disponível em: <http://filosofazer.ifibe.edu.br/index.php/filosofazerimpressa/article/view/4/3>. Acesso em: 04 abr. 2020.
http://filosofazer.ifibe.edu.br/index.ph...
).

Assim, é possível traçar um quadro que divide de um lado os civilizados, racionais, sujeitos conhecedores e possuidores da verdadeira religião e, por outro lado, os “selvagens”, “imaturos” (para usar a expressão do ilustre filósofo alemão Immanuel Kant (1974KANT, I. Resposta à Pergunta: “O Que é Esclarecimento?”. In: KANT, I: Textos Seletos. Petrópolis: Vozes, 1974.)), “pessoas-objetos” que precisam ser guiadas no caminho seguro da razão.

A partir deste quadro hermenêutico possibilitado pela Filosofia da Libertação e, de forma mais ampla, pelo Pensamento Crítico Decolonial, podemos começar a estabelecer o caráter centralizador dos saberes cultivados pelo ocidente moderno, de tal modo que este tende a se sobrepor a outros saberes, em especial, aqueles vinculados a visões de mundo holísticas, baseados nos princípios da relacionalidade, correspondência, complementariedade e reciprocidade. Ao lado disto, também é possível destacar como as ciências humanas modernas emergiram como paradigma epistemológico, como modelo único e universal de investigação, em detrimento das epistemologias das periferias ocidentais (OCAÑA; ARIAS; CONEDO, 2018OCAÑA, A. O.; ARIAS, M. I.; CONEDO, Z. E. P. Decolonialidad de la educación: emergencia/urgencia de una pedagogía decolonial. Santa Marta: editorial unimagdalena, 2018.).

De modo geral, a cultura pode ser definida como realizações humanas. Assim como o trabalho tem sido uma tradição cultural dos homens, também a construção de habitações para proteger a família, a proibição do incesto, o cultivo de alimentos e a criação de animais para a manutenção da comunidade, etc., o conhecimento é algo que tem na sua raiz as atividades dos seres humanos. Isso significa dizer que a produção de saberes ou conhecimentos e sua transmissão de geração em geração pertence às mais variadas comunidades humanas nas diferentes épocas, na medida em que pressupomos seus desdobramentos no transcurso de suas histórias1 1 - Cf. Dussel (2006), onde “cultura” é compreendida como um modo ou sistema de “tipos de trabalho”. Tanto a produção agrícola, o trabalho com a terra, como a produção material e mítica são cultura, isto é, um pôr para fora, o subjetivo, ou melhor, o intersubjetivo, o comunitário. .

Partindo disto, poderíamos falar não de conhecimento, mas, de conhecimentos, isto é, variados modos (caminhos) de realizar, entender e transmitir esses ganhos culturais dos povos. Esses comportamentos (realizar, entender, transmitir) que, inevitavelmente, trariam especificidades, teriam seus valores vinculados aos traços característicos das suas civilizações ou povos2 2 - Cf. Estermann (2006). A noção de conhecimento está imersa na de cultura, no sentido de fazer parte do universo dos povos. Tanto a produção teórica quanto a mítica, tanto o “mundo do logos” quanto o “mundo do mito” fazem parte de um conjunto maior que é o conhecimento. .

Entretanto, o que chama a atenção na história do Ocidente é o fato de um relato cultural específico se apoderar de um discurso com pretensões universais, ou seja, um povo, numa determinada etapa de sua história, acreditar e fazer acreditar na superioridade de sua produção cultural para os demais povos e civilizações. Singularmente, os conquistadores europeus (espanhóis e portugueses, fundamentalmente) pretenderam fazer de suas visões de mundo a visão de mundo. Dussel nota que a Europa nunca foi o centro da história mundial até o final do século XVIII, como efeito da revolução industrial. O que lhe confere o status de centralidade não passa de uma ilusão, uma autovisão que acaba se transformando em um mito: o mito da modernidade. Espanha e Portugal foram as regiões da Europa que puderam ter “a experiência originária de constituir o Outro como dominado e sob o controle do conquistador, do domínio do centro sobre a periferia. A Europa se constitui como centro do mundo” (DUSSEL, 1993_________. 1492: O encobrimento do Outro: a origem do mito da Modernidade. Tradução de Jaime A. Classen. Petrópolis: Vozes, 1993.).

Estes aportes histórico-filosóficos de Dussel permitem pensar numa relação bem determinada entre os povos do chamado “centro” com os de suas “periferias”, ou seja, entre a Europa e os povos conquistados. Podemos pensar a relação de conhecimento onde o conquistador moderno assume a posição de observador e se considera sujeito. Em consequência, o observado (conquistado) é tido como objeto de estudo e análise. Como sujeito, o homem moderno assume a posição de possuidor das ferramentas adequadas e dos princípios corretos no processo de autoconhecimento e compreensão do Outro. Em consequência disto, a concepção moderna de “conhecimento” só poderá conceber como “conhecimentos” expressões do pensamento humano que se aproximem do modelo (método) ocidental ou que sejam compatíveis com seus princípios.

Dentre as expressões do pensamento em que mais podemos observar a “pretensa superioridade” moderna está a prática filosófica que antes do século XIX não estava fragmentada nos mais variados modos de se fazer filosofia (filosofia da natureza, filosofia moral, filosofia do direito, filosofia da história, etc.). Primeiramente, precisamos fazer uma análise da palavra “filosofia”. Etimologicamente falando, filosofia seria amor à sabedoria. O primeiro termo, amor, corresponde ao domínio da paixão, do sentimento profundo e da comoção existencial. O segundo, sabedoria, envolve um nexo necessário com a experiência vivencial, a maturidade pessoal, a riqueza experimental e a meditação profunda e incondicional (ESTERMANN, 2006ESTERMANN, J. Filosofía andina: Sabiduría para un mundo nuevo. 2ed. La Paz: ISEAT, 2006.).

Porém, os modernos conseguiram transformar, de algum modo, a filosofia “vivencial” em algo puramente metódico e cientificista. Como bem mostra Estermann (2006ESTERMANN, J. Filosofía andina: Sabiduría para un mundo nuevo. 2ed. La Paz: ISEAT, 2006.) em sua obra Filosofia Andina, a filosofia ocidental moderna adquiriu um aspecto anêmico e desanimado, ora uma ciência estrita, ora uma análise linguística ou até mera história da filosofia, em suma, uma área de estudo feita de ossos, sem a afetividade da carne e das experiências.

A ‘filosofia’ se convertia então, começando com Platão, em ‘logologia’ ou ‘noologia’, estudo distanciado e teórico do logos e do nous. O amor passional (eros e philia) inicial se esfriava, e com ele o compromisso pessoal com os problemas práticos, políticos e existenciais. A filosofia pouco a pouco deixava de ser interpretação apaixonada da experiência vivencial e se convertia em “teoria” acerca do ser (ontologia), do conhecer (epistemologia) e até em interpretação da interpretação (ESTERMANN, 2006ESTERMANN, J. Filosofía andina: Sabiduría para un mundo nuevo. 2ed. La Paz: ISEAT, 2006.).

Neste sentido, não é de surpreender quando se deixa de encontrar nas histórias canônicas da filosofia, escritas por profissionais educados no mundo ocidental, uma história das filosofias não-ocidentais, tendo em vista que estas são consideradas inexistentes, justamente por possuírem um vínculo inquebrantável com as questões existenciais, isto é, por estarem vinculadas à religiosidade, ao cosmos, à natureza, em suma, a cosmovisões holísticas3 3 - Aqui, a noção de “cosmovisão holística” é pensada a partir da obra de Atawallpa Oviedo Freire, em “Sumak Kawsay: arte de vivir en armonia”, especificamente no capítulo “El paradigma reduccionista y el arquetipo holístico” (FREIRE, 2017, p. 78-79). .

Do ponto de vista epistemológico, pode-se notar, seguindo a imagem de Estermann referida acima, a anemia do conhecimento científico, puramente lógico, sem compromisso com o domínio intuitivo.

Mignolo (2003MIGNOLO, W. Historias locales-diseños globales: colonialidad, conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo. Ediziones Akal, 2003.) desenvolve pesquisas em torno do que se pode chamar a “colonialidade do saber”. No prefacio à obra “Historias locales/diseños globales”, ele já se posiciona no sentido em que gostaríamos de argumentar, ao situar seu pensamento no domínio da geração e da reprodução da vida humana na Terra, ou, simplesmente, da vida.

Este a priori metodológico (a vida) marca, como ficará evidente, uma enorme distância da prática científica moderna. Esta procura se depurar dos aspectos carnais, experiências, vivenciais da produção e reprodução do conhecimento. Para Descartes (2000DESCARTES, R. Discurso do método: regras para a direção do espírito. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2000.), por exemplo, que procurava reconstruir o edifício do conhecimento científico sob bases seguras e indubitáveis, o conhecimento deveria seguir o exemplo do método matemático, que remete à ideia de pureza, na medida em que suas noções se afastam cada vez mais da realidade, da res extensa. O sujeito é o fundamento último da edificação da nova ciência. E ele só pode sê-lo na medida em que traz uma distinção essencial concernente ao mundo das coisas: o sujeito é um eu pensante (ego cogitans). Em outras palavras, somente se na busca pelo conhecimento seguro e indubitável, eu me afasto daquilo que já me enganou, ou seja, da efemeridade das experiências (literárias, históricas, vivenciais, mitológicas), é possível alcançar o principal objetivo de uma investigação racional, isto é, a verdade.

Por conseguinte, a apreensão do mundo e nossas relações com ele são vistas do ponto de vista dicotômico. De um lado, o sujeito conhecedor, puro, racional; de outro, os objetos do mundo. Temos aqui a distinção que fundamenta a ciência moderna: a oposição sujeito-objeto, homem-natureza, homem-mundo.

Do ponto de vista do pensamento decolonial de Mignolo (2003MIGNOLO, W. Historias locales-diseños globales: colonialidad, conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo. Ediziones Akal, 2003.), não se pode pensar um comportamento que envolva conhecimento sem a exigência de localidade no mundo, isto é, o lugar de enunciação precisa ser visto como fator condicionante das práticas epistemológicas. Isto significa que o conhecimento localizado, histórias locais como as lutas dos movimentos indígenas pelo direito à terra, por exemplo, são lugares epistêmicos onde emergem o “paradigma outro”; não para substituir o anterior - para usar a nomenclatura de Kuhn (2017KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 13. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 2017.) - mas que poderia facilmente viger junto a outras visões de mundo, evitando, por isso mesmo, caracterizar-se como paradigma universal.

Outra noção importante do pensamento decolonial trabalhada por Mignolo é o “pensamento fronteiriço”. Esta noção pretende chamar a atenção para o fato de a cultura colonizadora silenciar as colonizadas por meio de processos de sujeição, chamados “colonialidade do poder” (QUIJANO, 1992QUIJANO, A. Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú indígena, v.13, n.29, p. 11-20. 1992.). A Modernidade, que nasceu com o processo de conquista, com o colonialismo, traz um lado que ela não pretende revelar sobre si mesma, ou seja, a violência que a imposição de sua cultura acarreta. Esta acaba silenciando outros modos de vida, de pensar e agir. Por seu turno, estes não foram totalmente suplantados. A partir de seus lugares de exclusão que lhes causam dores e sofrimentos, porque esquecidos, começam a reivindicar seus direitos no compartilhamento de um mundo melhor e mais justo, mais igual, livre (MIGNOLO, 2003MIGNOLO, W. Historias locales-diseños globales: colonialidad, conocimientos subalternos y pensamiento fronterizo. Ediziones Akal, 2003.).

Relação homem-natureza e sua importância para a produção de conhecimento

Gostaríamos de mostrar as implicações das concepções de mundo para a produção e reprodução de conhecimentos, isto é, como as compreensões das relações entre os sujeitos e os objetos, entre o domínio da cultura e da natureza, da transcendência e da imanência, da contingência e da necessidade, e assim por diante, condicionam as práticas epistemológicas dos mais variados povos.

Sendo assim, iremos expor como se dá a relação entre os sujeitos envolvidos na produção do conhecimento, tendo em vista a relacionalidade entre esses mesmos sujeitos, humanos e não-humanos. Será preciso considerar como a ciência moderna chega à sua roupagem lógico-matemática atual, isto é, quais as concepções de mundo que sustentam este modo de produzir, apreender e repassar conhecimentos, assim como as cosmovisões envolvidas na produção e reprodução deles nas perspectivas de Cunha (2007CUNHA, M. (2007). Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico. Revista USP, (75), 76-84.), Viveiros de Castro (2004), Estermann (2006ESTERMANN, J. Filosofía andina: Sabiduría para un mundo nuevo. 2ed. La Paz: ISEAT, 2006.) e Freire (2017FREIRE, A. O. Sumak Kawsay. Arte de vivir em armonia. De la Revolución Verde a uma Revolución Arco-íris. 5 ed. Quito: Global Sur Editores, 2017.), fundamentalmente.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar um entendimento linguístico referente aos discursos acerca dos conhecimentos científico e tradicionais que diz respeito a como nos referimos a estes saberes. Como sugere Estermnann (2006), quando se pretende fazer a distinção entre “conhecimento” e “saber”, é possível estar no interior de uma abordagem eurocentrada da questão. De um lado, teríamos os “conhecimentos científicos modernos”, de outro, os “saberes dos outros povos”, o que demarcaria um território da objetividade e outro da subjetividade, místico e supersticioso. Além disso, Cunha (2007CUNHA, M. (2007). Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico. Revista USP, (75), 76-84.) chama a atenção para a compreensão de homogeneidade do conhecimento científico quando o enunciamos como o conhecimento científico, demarcando-o quando fazemos alusão a conhecimentos tradicionais na forma plural: como se estes trouxessem um pleno desacordo em suas práticas, como uma marca distintiva em relação ao primeiro.

Entretanto, “não há lógicas diferentes” [...], e sim “premissas diferentes sobre o que há no mundo” (CUNHA, 2007CUNHA, M. (2007). Relações e dissensões entre saberes tradicionais e saber científico. Revista USP, (75), 76-84.). Para a ciência moderna, a noção de “mundo” envolve a totalidade das coisas que compõem o conjunto do universo. Porém, este só é compreendido como algo à disposição do cálculo e dos interesses dos homens. É o que se poderia chamar a tecnicização do mundo. Aqui, a distinção entre dois domínios é evidente: por um lado temos o sujeito que conhece, que manipula, que transforma; por outro, temos o objeto de conhecimento, manipulável e que pode ser transformado de acordo com os desígnios humanos. A visão de mundo que sustenta este estado de coisas remete à dicotomia sujeito-objeto, marcadamente distinguíveis (FREIRE, 2017FREIRE, A. O. Sumak Kawsay. Arte de vivir em armonia. De la Revolución Verde a uma Revolución Arco-íris. 5 ed. Quito: Global Sur Editores, 2017.).

Nesta perspectiva epistemológica, também conhecida por seu caráter mecanicista, a concepção de sujeito e objeto e a comprovação do conhecimento por meio de testes laboratoriais condicionam o método empregado na produção e reprodução do próprio conhecimento. Este método pretende anular todo fato ou fenômeno que não possa ser subsumido às suas exigências. Todavia, o fato de que certos homens não possam explicar alguns fenômenos, não quer dizer que não existam ou que outras visões estejam equivocadas, mas sim que o método de interpretação ou análise não pode explicar determinados fenômenos devido às suas limitações. Diante de situações que a ciência moderna não consegue explicar, é comum ouvirmos expressões como “superstição”, “lenda”, “imaginação”. Assim, o método científico moderno realiza análises ou estudos de outras sociedades com base em seus próprios paradigmas e códigos sociais, declarados como universais e obrigatórios para todos.

Da perspectiva andina abyayalense4 4 - A expressão “abyaylense” deriva de “Abya Yala”, que significa “Terra em florescimento”. Abya Yala é a noção que os povos Kuna, do Panamá, utilizavam para se referir aos povos indígenas originários que ocupavam o território que hoje conhecemos como América (OCAÑA; ARIAS; CONEDO, 2018). , a visão de mundo de maior profundidade remete à noção de “alternância”. Freire (2017FREIRE, A. O. Sumak Kawsay. Arte de vivir em armonia. De la Revolución Verde a uma Revolución Arco-íris. 5 ed. Quito: Global Sur Editores, 2017.) nos mostra que o “método da alternância” (observador-observado, observado-observador), que apresenta como característica marcante o fato de retirar o observador de qualquer posição investigativa-interpretativa para inseri-lo no mundo real, numa espécie de pensamento-sentimento, é a chave para o cosmoconhecimento e para a sabedoria. Este método permite ser observador e observado ao mesmo tempo. Em kichwa, por exemplo, podemos notar a palavra “kawak”, que significa observar, e que pode ser lida da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, a qual reflete que a observação profunda e consciente só é possível em um duplo sentido. Caso contrário, reflete uma observação interpretativa, tendenciosa e deformada, que denunciaria o ponto de vista pessoal do investigador (FREIRE, 2017FREIRE, A. O. Sumak Kawsay. Arte de vivir em armonia. De la Revolución Verde a uma Revolución Arco-íris. 5 ed. Quito: Global Sur Editores, 2017.).

Diferentemente da ciência moderna, que se debate em torno da questão do método, a “ciência andina” tem como parâmetro ou paradigma a percepção e a observação consciente, através de uma compenetração clara e precisa com a natureza humana e extra-humana. Se o cientista moderno precisa desdobrar-se no universo do pensamento racional (no sentido de pensamento lógico, puro) e, portanto, sem a interferência dos sentimentos ou emoções, o observador andino precisa sair de sua condição mental (não racional, pois, esta teria outras conotações para os povos tradicionais de Abya Ayala e Ameríndia, envolvendo, por exemplo, o plano não-humano) para entrar em uma observação emocional, espiritual e material desde o outro, tal como expressado na palavra kawak. Isto implica a capacidade de ser o outro, de entrar no corpo do outro ou de conviver a partir do outro, para chegar desde o sentimento e coexistência real, e não só desde o pensamento à realidade que se está estudando (FREIRE, 2017FREIRE, A. O. Sumak Kawsay. Arte de vivir em armonia. De la Revolución Verde a uma Revolución Arco-íris. 5 ed. Quito: Global Sur Editores, 2017.).

O grau mais alto de conhecimento sempre se alcança quando o conhecedor, o sujeito humano, se identifica completamente e se torna um com o outro, a tal ponto que a diferença entre ambos desaparece. Pois, diferenciação ou distinção significa distância e, nas relações cognitivas, a distância significa ignorância (FREIRE, 2017FREIRE, A. O. Sumak Kawsay. Arte de vivir em armonia. De la Revolución Verde a uma Revolución Arco-íris. 5 ed. Quito: Global Sur Editores, 2017.).

Por seu turno, o pensamento ameríndio, sustentado numa visão perspectivista, não permite a diferenciação entre um “mundo do sujeito” e um “mundo dos objetos”, uma vez que natureza e cultura são parte de um mesmo campo cósmico, no qual as capacidades de intencionalidade consciente e de ‘agência’ que facultam a ocupação da posição enunciativa de sujeito podem ser atribuídas a humanos e não-humanos.

Vendo-nos como não-humanos, é a si mesmos que os animais e espíritos veem como humanos. Eles se apreendem como, ou se tornam, antropomorfos quando estão em suas próprias casas ou aldeias, e experimentam seus próprios hábitos e características sob a espécie da cultura (VIVEIROS DE CASTRO, 2004VIVEIROS DE CASTRO, E. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: VIVEIROS DE CASTRO, E. O que nos faz pensar, v. 14, n. 18, p. 225-254, 2004. ISSN 0104-6675. Disponível em: <http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/197>. Acesso em: 04 apr. 2020.
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio....
).

Diferentemente da lógica conceitual da ciência moderna, que estabelece seu esquematismo através da operação imaginativa de um sujeito transcendental, isto é, de um eu que faz abstração do mundo da matéria, o conhecimento ameríndio tem de levar sempre em consideração o “ver como”, ou seja, a primazia dos perceptos em relação aos conceitos. Estaríamos diante de uma lógica dedicada a comunicar e administrar as perspectivas cruzadas. Para Viveiros de Castro, a “capacidade de ocupar um ponto de vista” pode revelar a capacidade que um ser, até então insignificante para a perspectiva humana, em afetar diretamente a vida dos homens. “De resto, é sempre possível que aquilo que, ao toparmos com ele na natureza, parecia ser apenas um bicho, revela-se como disfarce de um espírito da natureza completamente diferente” (VIVEIROS DE CASTRO, 2004VIVEIROS DE CASTRO, E. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In: VIVEIROS DE CASTRO, E. O que nos faz pensar, v. 14, n. 18, p. 225-254, 2004. ISSN 0104-6675. Disponível em: <http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/197>. Acesso em: 04 apr. 2020.
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio....
).

O ser humano ameríndio, imerso no seu mundo, cultivando suas relações com os vários domínios racionais humanos e extra-humanos, conversando com pedras e montanhas, como bem expressa Krenak (2019KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. 1a ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.), vem elaborando como expressão da coexistência com seu mundo natural, um modo determinado de viver, atuar e conceber. Palavras e conceitos utilizados num registro científico moderno como “racionalidade”, “mundo”, “diálogo”, etc. têm uma aplicabilidade distinta para expressar as noções de povos não-ocidentais. Como diria Viveiros de Castro (2004), é preciso recombinar para, em seguida, dessubstancializar, o que significa que os conceitos científicos cristalizados pela lógica moderna não possuem o mesmo estatuto de seus análogos não-ocidentais (natureza e cultura, por exemplo). Em outros termos, o categorial ameríndio não assinala regiões do ser, mas antes configurações relacionais, perspectivas móveis, isto é, pontos de vista.

A diversidade epistemológica no contexto de uma universidade do nordeste paraense

Entre 2017 e 2019, observações sobre a temática deste trabalho foram realizadas em um campus da universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), localizado na região nordeste do Pará. Esta é uma das mais antigas áreas de colonização da Amazônia. A territorialização desta região ocorreu, fundamentalmente, por meio de dois processos. O primeiro, nos tempos de colonização portuguesa, que Porto-Gonçalves (2001) denomina como o padrão Rio-várzea-floresta, caracterizado pela organização às margens dos rios. O segundo se deu de acordo com o padrão Rodovia-terra firme-subsolo (PORTO-GONÇALVES, 2001PORTO-GONÇALVES, C. W. Amazônia, Amazônias. São Paulo: Hucitec, 2001.), em decorrência da abertura de rodovias como a BR 010 (Belém-Brasília), a BR 316 (Pará-Maranhão) e a BR 222 (que liga a BR 010 a Marabá) nas décadas de 1960 e 1970. Este segundo padrão de ocupação da região foi marcado por atividades de exploração econômica da terra firme (agricultura e pecuária) (TAVARES, 2011TAVARES, M.G.C. A Amazônia brasileira: formação histórico-territorial e perspectivas para o século XXI. GEOUSP-Espaço e Tempo. 29- Especial. 2011. p. 107-121.).

Com a implantação dos planos de desenvolvimento nacional do governo militar, a partir da década de 1970, intensificou-se a apropriação privada das terras da região amazônica e o controle de terras pelo governo federal, além da migração induzida pelo governo. Esse processo migratório tinha como finalidade promover a urbanização e a ocupação da região, junto à organização do mercado de trabalho e ao estabelecimento do controle social (TAVARES, 2011TAVARES, M.G.C. A Amazônia brasileira: formação histórico-territorial e perspectivas para o século XXI. GEOUSP-Espaço e Tempo. 29- Especial. 2011. p. 107-121.). Entre os resultados da implantação de diversos projetos integrantes do plano de desenvolvimento nacional, estão a consolidação da concentração fundiária, emergência de conflitos entre antigos e novos atores, emergência de conflitos pela posse da terra e a devastação ambiental (TAVARES, 2011), todos bastante evidentes atualmente na região nordeste do Pará.

Historicamente, o ambiente universitário, acadêmico e científico construído na Europa é elitista e, consequentemente, excludente (SANTOS, 2005SANTOS, B. S. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2005.). Desde o surgimento da primeira universidade (com esta designação), no século XIII, pobres, mulheres, indígenas e pretos não tiveram acesso a ela. Nas últimas décadas do século XX e nas primeiras do século XXI este cenário começou a mudar no Brasil devido à pressão internacional para combate às desigualdades, bem como à implantação de políticas governamentais. Diferença e diversidade passaram a ganhar notoriedade enquanto questões, refletindo-se também nas políticas educacionais (RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 2013RODRIGUES, T. C.; ABRAMOWICZ, A. O debate contemporâneo sobre a diversidade e a diferença nas políticas e pesquisas em educação. Educ. Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 15-30, jan./mar. 2013.). Deu-se início à construção de mecanismos para garantir a entrada na universidade de populações historicamente excluídas, além de leis voltadas para a inclusão de conhecimentos tradicionais e afro-brasileiros nos currículos da educação básica e universitária.

Entretanto, a entrada no ambiente acadêmico-científico não significa permanência, tampouco valorização e entrosamento destas pessoas. A própria linguagem utilizada neste ambiente configura, muitas vezes, um entrave a quem adentra a universidade. Outras dificuldades estão na metodologia de ensino, ainda fortemente baseada em aulas expositivas, onde prevalece a aprendizagem bancária (FREIRE, 2016FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro/ São Paulo: Paz & Terra. 60ª ed. 2016. 284p.), segundo a qual o professor é o detentor do conhecimento e os estudantes apenas ouvem. O processo de exclusão ocorre não apenas em relação a um grupo social mas, também, por questões culturais relacionadas a sujeitos que se sentem alijados e excluídos por serem “diferentes”, como o agricultor familiar, o ribeirinho, a população quilombola, praticantes da religião afro-brasileira e outros (NEDAM, 2018).

Um olhar para o curso de Bacharelado em Biologia - UFRA Capitão Poço

A UFRA teve início com a Escola de Agronomia da Amazônia (EAA) e com o Instituto Agronômico do Norte (IAN), criados em 1939. Em 1972, a EAA passou a denominar-se Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP) e em 2002, tornou-se a universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Até 2007, a UFRA ofertava, fundamentalmente, cursos de Ciências Agrárias, como Agronomia, Medicina Veterinária, Engenharia Florestal, Zootecnia e Engenharia de Pesca na capital do Pará, Belém. A partir de 2007, com o Plano de Reestruturação e Expansão das universidades Federais (REUNI), criado pelo Decreto 6.096 de 14 de abril de 2007, foi possível iniciar o processo de implantação de outros campi no interior (UFRA, 2017), com cursos de áreas diversificadas, como contabilidade, administração, Pedagogia e Biologia.

A UFRA - campus Capitão Poço recebe estudantes, fundamentalmente, da região nordeste do Pará e poucos da região metropolitana de Belém, capital do estado. Desta forma, seu público é formado por jovens amazônidas, grande parte oriunda de famílias de pequenos agricultores. No campus há, ainda, jovens originários de famílias indígenas, quilombolas e de pescadores artesanais. Estudantes do curso de Biologia correspondem a este perfil. Grande parte dos alunos possui algum grau de intimidade com o trabalho na terra, cultivo de plantas, criação de animais, hábitos relacionados a pesca, caça e extração de recursos naturais. Em 2017, estudantes demonstravam frustração com o ambiente acadêmico, pois não se sentiam integrados a este ambiente, apresentando dificuldade em se dedicar ao curso.

Para compreender este cenário, foram utilizadas vivências e observações obtidas entre 2017 e 2019 pela primeira autora enquanto docente do curso. Além disso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 61 estudantes de duas turmas do curso de bacharelado em Biologia do campus Capitão Poço da UFRA. As turmas participantes incluíram uma com estudantes concluintes (finalizando o oitavo semestre, matriculados no turno da manhã) e outra com alunos recém-ingressos (finalizando o segundo semestre do curso, matriculados no turno da tarde). Na época, o curso contava com cerca de 200 alunos no total.

Dos 61 estudantes entrevistados, apenas sete reconheciam-se como oriundos de algum grupo tradicional (ribeirinho, agricultor e indígena). Destes, dois estudantes consideraram que suas experiências foram úteis na universidade por terem habilidades que facilitaram seu desempenho nas aulas práticas e conhecimentos que facilitaram a compreensão dos conteúdos. Quatro afirmaram que não foram úteis e um afirmou que foi útil em partes, uma vez que conhece exemplos de animais e plantas. Quatro estudantes consideraram que suas vivências foram valorizadas durante a realização de disciplinas.

Sobre a percepção dos discentes quanto à importância de se utilizar conhecimentos empíricos/tradicionais na universidade, surgiram as respostas contidas no Quadro 1.

Quadro 1
Respostas para a pergunta “Qual a importância de se utilizar conhecimentos empíricos/tradicionais na universidade?”

A primeira resposta demonstra que, na percepção daquele estudante, há conhecimentos estritamente científicos que, não necessariamente, dialogam com a realidade. Esta compreensão contraria os próprios objetivos do curso. Ou seja, é necessário fazer ajustes metodológicos para que os conteúdos acadêmicos sejam melhor compreendidos em sua relação com o contexto social. A terceira resposta vai na mesma direção. As demais respostas sinalizam uma compreensão por parte dos estudantes de que conhecimentos científicos e empíricos/tradicionais podem dialogar e que esta união favoreceria a manutenção de variadas culturas, valorizando-se a diversidade.

O diálogo e a ecologia de saberes para uma universidade produtora de conhecimento decolonial

O abismo criado entre o conhecimento técnico-científico e outras formas de saber é considerado por autores como Leff (2009LEFF, E. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Educação e realidade. 34 (3): 17-24. 2009.; 2012) e Santos (2010bSANTOS, B.S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, B.S.; MENESES, M.P. (Orgs.) Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez. 2010b. 637p.) um dos causadores do desequilíbrio ambiental atual, evidenciando, portanto, uma crise de saberes (PORTO-GONÇALVES, 2002PORTO-GONÇALVES, C.W. Da geografia às geo-grafias: um mundo em busca de novas territorialidades. In: CECEÑA, A.E.; SADER, E. (Orgs.). La guerra infinita: hegemonía y terrormundial. Buenos Aires: Clacso, 2002. p. 217-256.). Esta crise decorre do fato de que a racionalidade moderna põe à prova a realidade percebida pelos sentidos em nome de um saber gerado a partir de modelos e representações da vida que não evidenciam a complexidade da natureza (PORTO-GONÇALVES, 2002; LEFF, 2009LEFF, E. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Educação e realidade. 34 (3): 17-24. 2009.; 2012). Segundo Santos (2005; 2010a), o conhecimento universitário produzido durante o século XX foi, predominantemente, disciplinar e relativamente descontextualizado em relação às necessidades da sociedade, uma vez que os próprios pesquisadores - oriundos de uma mesma cultura científica baseada em hierarquias organizacionais bem definidas - definem os problemas a serem investigados e a relevância destes problemas e estabelecem suas metodologias e ritmos de pesquisa. Neste caminho, paradigmas e saberes diversos são disciplinados e subjugados (LEFF, 2009, 2017), promovendo uma hierarquização de saberes que levam diversos setores da sociedade - academia, atores políticos e econômicos - a uma crença na ciência e na tecnologia como fonte inesgotável e apolítica de soluções para problemas ambientais. Além disso, a hierarquização de saberes manifesta as relações de poder no saber (LEFF, 2009, 2017), que determinam os modos de acesso, intervenção, apropriação e degradação da natureza (LEFF, 2017), cujas raízes se encontram junto a outras relações de desigualdade na sociedade, como a econômica e social. Ou seja, a desigualdade no campo do conhecimento está intimamente ligada à manutenção de outras formas de desigualdade, ou, nas palavras de Santos (2010b): “a injustiça social global está, desta forma, intimamente ligada à injustiça cognitiva global”.

Para se caminhar rumo à construção de uma ciência decolonial é preciso uma mudança na postura acadêmica. Esta precisa partir da necessidade de tornar visíveis outros paradigmas, epistemologias e viveres. É urgente a consideração comprometida de diversas visões de mundo, a partir das quais possamos olhar criticamente para o mito da universalidade do conhecimento científico moderno. A universidade deve se abrir aos temas e desafios colocados pelas comunidades, utilizar de seus métodos, técnicas e saberes e adaptá-los de acordo com a realidade dos diferentes sujeitos - e junto com eles - quando necessário, sem se colocar como conhecimento especializado e hierarquizado. O caminho apontado por Leff (2009LEFF, E. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Educação e realidade. 34 (3): 17-24. 2009.) e por Santos (2005SANTOS, B. S. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2005.) para a reformulação da ciência é a necessidade de um “diálogo de saberes” para a produção de um “saber ambiental”, como nomeia o primeiro e a “ecologia de saberes” que permitiria um “conhecimento pluriversitário”, apontado pelo segundo.

O “saber ambiental” nasce da objetividade e da subjetividade, da exterioridade e da interioridade, da valorização dos saberes subjugados e das identidades desterritorializadas pela globalidade homogeneizante. Trata-se de um objeto complexo que está integrado pelas identidades múltiplas que configuram uma nova racionalidade. “A construção do saber ambiental implica uma desconstrução do conhecimento disciplinar, simplificador, unitário” (LEFF, 2009LEFF, E. Complexidade, racionalidade ambiental e diálogo de saberes. Educação e realidade. 34 (3): 17-24. 2009.). O “saber ambiental” é construído a partir de uma rede de relações de outredade e com o real, confrontando subjetividades individuais e coletivas com a objetividade, formando saberes individuais e compartilhados. Nesta lógica, “o saber social emerge de um diálogo de saberes, do encontro de seres diferenciados pela diversidade cultural, orientando o conhecimento para a formação de uma sustentabilidade partilhada” (LEFF, 2009). Este diálogo só é possível no encontro de identidades quando o ser, imerso em sua cultura, ressignifica seu saber para inscrever sua compreensão nas identidades coletivas (LEFF, 2009; 2012).

A “ecologia de saberes” para a construção de uma ciência decolonial no ambiente universitário implica em uma revolução epistemológica (SANTOS, 2005SANTOS, B. S. A Universidade no Século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2005.) por permitir uma discussão entre saberes, valorizando os sábios populares e seus conhecimentos num conjunto de práticas em que todos saem ganhando, na medida em que há, necessariamente, uma ampliação das visões de mundo. Necessita-se passar do conhecimento universitário para o “conhecimento pluriversitário” (SANTOS, 2005), um conhecimento contextual, pois deve nascer da aplicação extramuros que lhe pode ser dada. Assim, a relevância dos problemas de estudo deve ser estipulada em conjunto entre pesquisadores e sociedade, o que, obrigatoriamente, exige troca de conhecimentos. A sociedade deixa de ser interpelada pela ciência e passa a também interpelá-la. Na forma de metodologia de ensino, esta proposta corresponde ao que Paulo Freire denomina como “aprendizado por meio de temas geradores”, quando se parte da prática para a teoria e, desta, retorna-se à prática (FEIRE, 2016). O curso de Bacharelado em Biologia da UFRA - campus Capitão Poço é um terreno fecundo para a aplicação do “diálogo de saberes” e da “ecologia de saberes”. Trata-se de um campus de uma universidade rural, no interior da Amazônia, em que grande parcela dos estudantes são originários de famílias e comunidades tradicionais e que ingressam na universidade com grande bagagem de saberes diversos (sendo, muitas vezes, eles mesmos, os “sábios populares”). Utilizar os saberes desses estudantes de forma a compor planos de ensino, projetos de pesquisa e de extensão contribuiria para uma execução mais rápida, menos onerosa, mais integrativa e, provavelmente, com resultados mais aplicáveis.

Conclusões

A ciência moderna foi responsável por aportes fundamentais para a estruturação da sociedade urbano-industrial ocidental. Por meio da ciência, atores sociais e econômicos criaram condições de apropriação e transformação da natureza, junto a novos problemas e soluções. Os autores deste trabalho reconhecem as importantes contribuições científicas, especialmente aquelas que proporcionaram melhorias no bem estar social, como as relacionadas à área de saúde pública. O desequilíbrio ambiental atual, no entanto, evidenciou a concepção predominante (eurocêntrica moderna) de que o homem é senhor da natureza5 5 - A apropriação da natureza pelo homem se dá de diferentes formas. A distribuição desigual de poder é fator primordial na crise ecológica, onde alguns grupos usufruem dos bens e serviços ambientais sem restrições, enquanto outros são privados do acesso a itens primordiais (MARTÍNEZ-ALIER, 2007). . Diante deste desequilíbrio (crise), é necessário aprender que há visões de mundo que favorecem a produção e a reprodução da vida, assim como há visões de mundo prejudiciais.

O ambiente universitário é fundamental para contribuir na construção de uma ciência decolonial, contextualizada e direcionada à resolução dos problemas sociais/ambientais, haja vista que, atualmente, estudantes de diferentes origens podem conviver neste espaço. É necessário, porém, que, principalmente o processo de ensino nas universidades seja transformado de maneira a valorizar saberes diversos e a usá-los em benefício da própria construção do conhecimento, tornando-o mais assertivo e abrangente. Em universidades localizadas na Amazônia, esta oportunidade é especialmente convidativa. A “ecologia de saberes” voltada à construção do conhecimento “pluriversitário” e o “diálogo de saberes” voltado à construção do “saber ambiental” são caminhos fundamentais para esta reconfiguração da ciência.

A partir destas reflexões, propomos que a produção de conhecimento praticada nos ambientes universitários caminhe para uma ciência aprimorada que, a partir do reconhecimento de sua origem e de sua história (eurocêntricas), possa refletir sobre sua constituição atual e promover as modificações necessárias no sentido de construir uma ciência decolonial, ainda mais conectada às sociedades, integrativa, múltipla, responsiva e solucionadora de problemas.

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    » http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/197
  • 1
    - Cf. Dussel (2006), onde “cultura” é compreendida como um modo ou sistema de “tipos de trabalho”. Tanto a produção agrícola, o trabalho com a terra, como a produção material e mítica são cultura, isto é, um pôr para fora, o subjetivo, ou melhor, o intersubjetivo, o comunitário.
  • 2
    - Cf. Estermann (2006). A noção de conhecimento está imersa na de cultura, no sentido de fazer parte do universo dos povos. Tanto a produção teórica quanto a mítica, tanto o “mundo do logos” quanto o “mundo do mito” fazem parte de um conjunto maior que é o conhecimento.
  • 3
    - Aqui, a noção de “cosmovisão holística” é pensada a partir da obra de Atawallpa Oviedo Freire, em “Sumak Kawsay: arte de vivir en armonia”, especificamente no capítulo “El paradigma reduccionista y el arquetipo holístico” (FREIRE, 2017, p. 78-79).
  • 4
    - A expressão “abyaylense” deriva de “Abya Yala”, que significa “Terra em florescimento”. Abya Yala é a noção que os povos Kuna, do Panamá, utilizavam para se referir aos povos indígenas originários que ocupavam o território que hoje conhecemos como América (OCAÑA; ARIAS; CONEDO, 2018).
  • 5
    - A apropriação da natureza pelo homem se dá de diferentes formas. A distribuição desigual de poder é fator primordial na crise ecológica, onde alguns grupos usufruem dos bens e serviços ambientais sem restrições, enquanto outros são privados do acesso a itens primordiais (MARTÍNEZ-ALIER, 2007).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2020
  • Aceito
    19 Maio 2022
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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