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A expansão desigual das engenharias na educação superior brasileira (2011 – 2017)

La expansión desigual de las ingenierías en la educación superior brasileña (2011-2017)

Resumo:

Análise da expansão das engenharias na educação superior brasileira. Entre 2011 e 2017, a engenharia esteve entre as áreas com maior expansão de concluintes na educação superior brasileira. Este trabalho investiga se esse processo de expansão levou a uma maior ou menor concentração de concluintes entre suas habilitações. A partir do Censo da Educação Superior, de 2011 a 2017, a análise mostrou que as engenharias se expandiram de forma desigual. Identificou-se que apenas duas habilitações no setor privado foram responsáveis por 60,1% da expansão das engenharias. No setor público, a expansão foi menor e ocorreu de forma equilibrada entre as habilitações. A análise no nível das habilitações revelou que o crescimento ocorreu a partir de duas dinâmicas: concentração de concluintes em poucas habilitações no setor privado (isomorfismo) e maior diferenciação institucional entre públicas e privadas (diferenciação).

Palavras-chave:
engenharias; educação superior; isomorfismo

Resumen:

Análisis de la expansión de las ingenierías en la educación superior brasileña. Entre 2011 y 2017, la ingeniería estuvo entre las áreas con mayor expansión en la educación superior brasileña. Este trabajo analiza si este proceso de expansión condujo a una mayor o menor concentración de graduados en sus especialidades. A partir del Censo de Educación Superior de 2011 a 2017, el análisis mostró que las ingenierías se expandieron de manera desigual. Se identificó que solo dos especialidades en el sector privado fueron responsables del 60,1% de la expansión de las ingenierías. En el sector público, la expansión fue menor y ocurrió de manera equilibrada entre las especialidades. El análisis a nivel de especialidades reveló que la expansión se produjo a partir de dos dinámicas: la concentración de graduados en pocas especialidades en el sector privado (isomorfismo) y una mayor diferenciación institucional entre las instituciones públicas y privadas (diferenciación).

Palavras clave:
ingenierías; educación superior; isomorfismo

Abstract

Analysis of the expansion of engineering in Brazilian higher education. Between 2011 and 2017, engineering was among the areas with the greatest expansion in Brazilian higher education. This study analyzes whether this expansion process led to a higher or lower concentration of graduates within its specialties. Using the Brazilian Higher Education Census from 2011 to 2017, the analysis showed that engineering programs expanded unevenly. It was identified that only two specialties in the private sector accounted for 60.1% of the expansion in engineering. In the public sector, the expansion was smaller and occurred in a balanced manner across specialties. The analysis at the specialty level revealed that the expansion occurred through two dynamics: concentration of graduates in a few specialties in the private sector (isomorphism) and greater institutional differentiation between public and private institutions (differentiation).

Keywords:
engineering; higher education; isomorphism

1 Introdução

O objetivo deste trabalho é analisar o processo de expansão dos cursos de engenharia no Brasil, levando em consideração suas diferenciações internas. Busco responder se houve maior ou menor diferenciação entre as habilitações de engenharia em um período de expansão da área. Trabalhos mostraram que a engenharia está entre as áreas com maior crescimento na educação superior brasileira (Santos; Lima; Carvalhaes, 2020SANTOS, Clarissa Tagliari; LIMA, Raquel Guilherme; CARVALHAES, Flavio. O perfil institucional do sistema de ensino superior brasileiro após décadas de expansão. In: BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira (org.). A expansão desigual do ensino superior. Curitiba: Appris, 2020.). Em um período em que a educação a distância (EaD) foi protagonista na expansão das matrículas, essa área destaca-se por concentrar seus cursos quase que exclusivamente na modalidade presencial. Embora sejam conhecidas as dinâmicas de expansão das engenharias no Brasil – via setor privado e na modalidade presencial –, o impacto dessa expansão sobre as suas diferenciações internas ainda é pouco documentado. Para isso, serão investigadas a participação de cada especialidade no total da área; a participação de cada uma delas na expansão recente e a distribuição das diferentes engenharias entre os setores de ensino1 1 A modalidade (presencial ou distância) não será analisada como uma dimensão da diversificação das engenharias. A conclusão em cursos à distância nas engenharias era uma exceção e representava, em 2017, 0,1% de todos os concluintes na área. Vale ressaltar que o número de ingressantes na modalidade a distância já apresentava crescimento no período analisado. Análises posteriores poderão verificar o impacto da expansão dessa modalidade na diversificação da oferta de engenharias. .

O estudo das engenharias é relevante dado os impactos de sua expansão sobre a estratificação da educação superior brasileira. A engenharia, junto com medicina e direito, é considerada uma das profissões imperiais (Barbosa, 2003BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira. As profissões no Brasil e sua sociologia. Dados: revista de ciências sociais, Rio de Janeiro, v. 46, n. 3, p. 593–607, 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/QtyQgqcb9kHLCJqDJxSLdZx/. Acesso em: 23 out. 2023.
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; Coelho, 1999COELHO, Edmundo Campos. As profissões imperiais: medicina, engenharia e advocacia no Rio de Janeiro, 1822-1930. Rio de Janeiro: Record, 1999.; Vargas, 2010VARGAS, Hustana Maria. Sem perder a majestade: “profissões imperiais” no Brasil. Estudos de Sociologia, São Paulo, v. 15, n. 28, 2010. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/2553. Acesso em: 26 out. 2020.
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). Esses são cursos historicamente de prestígio no Brasil e que, em relação às outras áreas, tendem a garantir melhores retornos econômicos e sociais (Medeiros; Galvão, 2016MEDEIROS, Marcelo; GALVÃO, Juliana de Castro. Educação e rendimentos dos ricos no Brasil. Dados, Rio de Janeiro, v. 59, n. 2, p. 357–383, 2016.; Ribeiro; Schlegel, 2015RIBEIRO, Carlos Antonio Costa; SCHLEGEL, Rogerio. Estratificação horizontal da educação superior no Brasil (1960-2010). In: ARRETCHE, Marta (org.). Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Ed. Unesp/CEM, 2015. p. 133-162.). No entanto, diferente das suas colegas imperiais, a engenharia tem uma dimensão a mais de diversificação, que são suas habilitações oferecidas no formato de cursos. Trabalhos sobre a estratificação horizontal da educação superior indicam a relevância dos fatores de diversificação para a composição social dos estudantes nesse setor (Arum; Gamoran; Shavit, 2007ARUM, Richard; GAMORAN, Adam; SHAVIT, Yossi. More inclusion than diversion: expansion, differentiation, and market structure in higher education. In: STRATIFICATION in higher education: a comparative study. Stanford: Stanford University Press, 2007. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/284210635_More_Inclusion_than_Diversion_Expansion_Differentiation_and_Market_Structure_in_Higher_Education. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Em estudo anterior, identifiquei que a engenharia foi a área que mais diversificou o perfil social de seus discentes, se comparado a medicina e direito (Rodrigues, 2023RODRIGUES, L. Estratificação horizontal do ensino superior brasileiro e as profissões imperiais: os concluintes de medicina, engenharia e direito entre 2009 e 2017. Dados: revista de ciências sociais, Rio de Janeiro, v. 67, n. 1, p. e20210118, 2023. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/7syGQmndqZ988PTtTZ3bHCb/. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Nesse caso, essa dimensão extra de diversificação pode viabilizar não só a expansão dos cursos de engenharia, mas também maior diversificação de seu perfil discente. Entender quão diversificada é a oferta de profissionais de engenharia por parte da educação superior pode ser relevante, também, para as análises sobre as desigualdades no mercado de trabalho.

2 Diversificação e diferenciação da educação superior

Pesquisas sobre a educação superior indicaram que há uma relação entre uma maior diversificação institucional do sistema e o aumento no número de vagas (Santos; Lima; Carvalhaes, 2020SANTOS, Clarissa Tagliari; LIMA, Raquel Guilherme; CARVALHAES, Flavio. O perfil institucional do sistema de ensino superior brasileiro após décadas de expansão. In: BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira (org.). A expansão desigual do ensino superior. Curitiba: Appris, 2020., Van Vught, 2008VAN VUGHT, F. A. Mission diversity and reputation in higher education. Higher Education Policy, United States, v. 21, n. 2, p. 151–174, 2008. Disponível em: https://research.utwente.nl/en/publications/mission-diversity-and-reputation-in-higher-education. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Além das consequências quantitativas haveria, ainda, efeitos qualitativos no setor. Algumas abordagens consideram que o nível de diversificação em um sistema de ensino superior teria um importante papel de responder a diferentes demandas da sociedade (Harris; Ellis, 2020HARRIS, Michael S.; ELLIS, Molly K. Measuring changes in institutional diversity: the US context. Higher Education, New York, v. 79, n. 2, p. 345–360, 2020. Disponível em: https://eric.ed.gov/?id=EJ1242059. Acesso em: 23 out. 2023.
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, Huisman; Meek; Wood, 2007HUISMAN, Jeroen; MEEK, Lynn; WOOD, Fiona. Institutional diversity in higher education: a cross-national and longitudinal analysis. Higher Education Quarterly, United States, v. 61, n. 4, p. 563–577, 2007. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/229627891_Institutional_Diversity_in_Higher_Education_A_Cross-National_and_Longitudinal_Analysis. Acesso em 24 out. 2023.
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). Van Vught (2008)VAN VUGHT, F. A. Mission diversity and reputation in higher education. Higher Education Policy, United States, v. 21, n. 2, p. 151–174, 2008. Disponível em: https://research.utwente.nl/en/publications/mission-diversity-and-reputation-in-higher-education. Acesso em: 24 out. 2023.
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, por meio de um levantamento bibliográfico, sistematiza uma série de argumentos favoráveis à diversificação institucional. Entre eles, destaca-se que sistemas mais diversos permitiriam a inclusão de um perfil mais heterogêneo de estudantes (Van Vught, 2008VAN VUGHT, F. A. Mission diversity and reputation in higher education. Higher Education Policy, United States, v. 21, n. 2, p. 151–174, 2008. Disponível em: https://research.utwente.nl/en/publications/mission-diversity-and-reputation-in-higher-education. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Em outras palavras, um sistema mais diversificado teria mais condições de aliar uma educação de massa e de elite, do que um sistema menos diversificado. A diversificação da educação superior pode ocorrer no nível institucional (tamanho e tipo); na estrutura do sistema (marcos legais e históricos) e na reputação (status e prestígio), dentre outras dimensões (Van Vught, 2009VAN VUGHT, F. A. Diversity and differentiation in higher education. In: VAN VUGHT, F. A. (org.). Mapping the Higher Education Landscape: towards a European classification of higher education. Dordrecht: Springer Netherlands, 2009, p. 1–16. (Higher Education Dynamics). Disponível em: https://doi.org/10.1007/978-90-481-2249-3_1. Acesso em: 10 jan. 2021.
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).

Neste trabalho, o foco será a diversificação que ocorre entre as habilitações da engenharia: como os concluintes se distribuem entre as habilitações e se essa distribuição se tornou mais ou menos homogênea no processo de expansão. Isso ajudará a responder se as diferentes especialidades estão relacionadas a um sistema, também, mais diversificado.

Além disso, interessa saber como essa dimensão se articula com a diferenciação entre os setores de ensino. Esse ponto é importante porque houve diferenças significativas na participação de cada setor no processo de expansão da educação superior brasileira, com vantagem para o setor privado (Santos; Lima; Carvalhaes, 2020SANTOS, Clarissa Tagliari; LIMA, Raquel Guilherme; CARVALHAES, Flavio. O perfil institucional do sistema de ensino superior brasileiro após décadas de expansão. In: BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira (org.). A expansão desigual do ensino superior. Curitiba: Appris, 2020.). Em outros contextos, há evidências de que o setor privado pode ser, ao mesmo tempo, o principal responsável pela expansão dos sistemas de ensino sem levar, necessariamente, a uma maior diferenciação do sistema (Teixeira; Rocha; Biscaia et al., 2012TEIXEIRA, Pedro Nuno; ROCHA, Vera; BISCAIA, Ricardo et al. Competition and diversity in higher education: an empirical approach to specialization patterns of Portuguese institutions. Higher Education, United States, v. 63, n. 3, p. 337–352, 2012. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41343628. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Nesses casos, os setores teriam se tornado mais semelhantes entre si, logo, a expansão da educação superior teria resultado em um sistema mais homogêneo. De acordo com a bibliografia baseada no estudo das organizações, a homogeneização do sistema de ensino pode ocorrer devido a uma dinâmica das instituições de replicarem modelos institucionais exitosos e evitarem riscos (Fumasoli; Barbato; Turri, 2020FUMASOLI, Tatiana; BARBATO, Giovanni; TURRI, Matteo. The determinants of university strategic positioning: a reappraisal of the organisation. Higher Education, United States, v. 80, n. 2, p. 305–334, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-019-00481-6. Acesso em: 23 out. 2023.
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, Van Vught, 2008VAN VUGHT, F. A. Mission diversity and reputation in higher education. Higher Education Policy, United States, v. 21, n. 2, p. 151–174, 2008. Disponível em: https://research.utwente.nl/en/publications/mission-diversity-and-reputation-in-higher-education. Acesso em: 24 out. 2023.
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).

O processo de homogeneização de uma estrutura organizacional – nesse caso, a educação superior – é conceituado como isomorfismo (Dimaggio; Powell, 1983DIMAGGIO, Paul J.; POWELL, Walter W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, United States, v. 48, n. 2, p. 147–160, 1983. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2095101?origin=JSTOR-pdf. Acesso em: 23 out. 2023.
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; Hannan; Freeman, 1977HANNAN, Michael T.; FREEMAN, John. The population ecology of organizations. American Journal of Sociology, United States, v. 82, n. 5, p. 929–964, 1977. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2777807. Acesso em: 23 out. 2023.
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). Alguns trabalhos tentavam explicar por que a competição entre diferentes instituições, em alguns casos, não produzia efeitos de especialização e diferenciação, como previa parte das tradições weberiana e parsoniana. Uma das explicações propostas por DiMaggio e Powell (1983)DIMAGGIO, Paul J.; POWELL, Walter W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective rationality in organizational fields. American Sociological Review, United States, v. 48, n. 2, p. 147–160, 1983. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/2095101?origin=JSTOR-pdf. Acesso em: 23 out. 2023.
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é que, em período de instabilidade ou incerteza na estrutura organizacional, as instituições buscariam mimetizar umas as outras. Esse mecanismo é coerente com achados que posteriormente atestaram a homogeneização das instituições de ensino superior em período de expansão (Fumasoli; Barbato; Turri, 2020FUMASOLI, Tatiana; BARBATO, Giovanni; TURRI, Matteo. The determinants of university strategic positioning: a reappraisal of the organisation. Higher Education, United States, v. 80, n. 2, p. 305–334, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-019-00481-6. Acesso em: 23 out. 2023.
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, Rossi, 2009ROSSI, Federica. Increased competition and diversity in higher education: an empirical analysis of the italian university system. Higher Education Policy, United States, v. 22, n. 4, p. 389–413, 2009. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/39037963_Increased_Competition_and_Diversity_in _Higher_Education_An_Empirical_Analysis_of_the_Italian_University_System. Acesso em: 24 out. 2023.
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, Teixeira; Rocha; Biscaia, 2012TEIXEIRA, Pedro Nuno; ROCHA, Vera; BISCAIA, Ricardo et al. Competition and diversity in higher education: an empirical approach to specialization patterns of Portuguese institutions. Higher Education, United States, v. 63, n. 3, p. 337–352, 2012. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41343628. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Sob a formulação do isomorfismo, a relação entre expansão e diversificação ocorreria de uma forma paradoxal. Isso significaria, por exemplo, que a diversificação das engenharias possibilitaria uma maior expansão quantitativa de seus estudantes, ao passo que diminuiria suas diferenciações internas. Da mesma forma que a diferença entre os setores públicos e privados não se traduz, necessariamente, em um sistema mais heterogêneo.

As evidências de homogeneização do sistema concorrem com as hipóteses de que a disputa entre as instituições, no processo de expansão do setor de ensino, levaria a uma maior especialização e a uma segmentação da oferta de formação (Teixeira; Rocha; Biscaia, 2012TEIXEIRA, Pedro Nuno; ROCHA, Vera; BISCAIA, Ricardo et al. Competition and diversity in higher education: an empirical approach to specialization patterns of Portuguese institutions. Higher Education, United States, v. 63, n. 3, p. 337–352, 2012. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41343628. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Nesse caso, na disputa por nichos do sistema, haveria maior diversidade de tipos institucionais, com diferentes organizações, valores e objetivos. Ademais, desenhos institucionais distintos podem reagir de formas distintas a um mesmo contexto de expansão.

De acordo com Fumasoli, Barbato e Turri (2020)FUMASOLI, Tatiana; BARBATO, Giovanni; TURRI, Matteo. The determinants of university strategic positioning: a reappraisal of the organisation. Higher Education, United States, v. 80, n. 2, p. 305–334, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-019-00481-6. Acesso em: 23 out. 2023.
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os fatores que levam as instituições a seguir determinada dinâmica estariam ligados a três dimensões, relacionadas: ao ambiente, à lógica gerencial da instituição e a uma estrutura organizacional.

A dimensão mais ampla e externa é relacionada ao ambiente em que a instituição se encontra. Demandas do mercado de trabalho, regulações governamentais e de grupos profissionais, por exemplo, fazem parte de fatores externos, que influenciam na organização das instituições. Para o caso da educação superior, um aumento da demanda por vagas ou um incentivo governamental para a expansão do sistema podem ser considerados fatores desta dimensão externa. Trabalhos focados nessa dimensão apresentaram evidências de um efeito coercitivo do ambiente sobre as instituições (Fumasoli; Barbato; Turri, 2020FUMASOLI, Tatiana; BARBATO, Giovanni; TURRI, Matteo. The determinants of university strategic positioning: a reappraisal of the organisation. Higher Education, United States, v. 80, n. 2, p. 305–334, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-019-00481-6. Acesso em: 23 out. 2023.
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). O resultado é, então, um maior isomorfismo do sistema.

Existe, ainda, uma dimensão relacionada a lógica gerencial, que é caracterizada por tomadas de decisões estratégicas das instituições. Nesse caso, o enfoque é a racionalidade de quem toma as decisões sobre os caminhos da instituição. Por exemplo, é a lógica gerencial que explica se a instituição irá se especializar na busca de nichos ou seguirá a tendência de instituições dominantes. Diferente da abordagem anterior, a dimensão gerencial tende a destacar a diferença entre as instituições e o processo de especialização de cada uma delas.

Por fim, Fumasoli, Barbato e Turri (2020)FUMASOLI, Tatiana; BARBATO, Giovanni; TURRI, Matteo. The determinants of university strategic positioning: a reappraisal of the organisation. Higher Education, United States, v. 80, n. 2, p. 305–334, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-019-00481-6. Acesso em: 23 out. 2023.
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propõem a análise de uma dimensão interveniente entre essas duas últimas, que é a organizacional. De acordo com os autores, cada instituição tem valores, normas e histórias distintas que compõem a sua dimensão organizacional. Essa dimensão explicaria como diferentes instituições reagem de formas distintas, ainda que compartilhem dos mesmos constrangimentos externos (dimensão ambiental) e de estratégias semelhantes (lógica gerencial). Tal dimensão, de acordo com os autores, pode ser operacionalizada a partir da estrutura organizacional das instituições, que inclui a missão institucional e suas tarefas.

A interação entre essas três dimensões ajudaria a explicar o processo de especialização das instituições, dentro de um mesmo sistema. No caso do Brasil, é possível identificar diferenças na perspectiva organizacional próprias para cada setor. Em geral, a missão institucional das instituições públicas e privadas é distinta (Sampaio, 2014SAMPAIO, Helena. Diversidade e diferenciação no ensino superior no Brasil: conceitos para discussão. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 29, n. 84, p. 43–55, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/WqYKwZfRp6tmh3Qk5NDpLCb/abstract/?lang=pt. Acesso em: 24 out. 2023.
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). A autora mostra como os setores públicos e privados tiveram papéis distintos e, ao mesmo tempo, complementares ao responder as demandas do mercado e dos estudantes. Por exemplo, coube ao setor privado atender as crescentes demandas por vagas na educação superior, que o setor público não atendia. Prates, Silva e Paula (2012)PRATES, Antônio Augusto Pereira; SILVA, Matheus Faleiros; PAULA, Túlio Silva de. Natureza administrativa das instituições de ensino superior, gestão organizacional e o acesso aos postos de trabalho de maior prestígio no mercado de trabalho. Sociedade e Estado, United States, v. 27, n. 1, p. 25–44, 2012. Disponível em: https://www.scienceopen.com/document?vid=34706bba-0462-4864-b2c6-64205e97d179. Acesso em: 24 out. 2023.
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identificaram uma relação entre o tipo de gestão das instituições e a ênfase de suas formações (acadêmicas ou vocacionais). A formação nas instituições acadêmicas propiciaria uma melhor inserção dos estudantes no mercado de trabalho (Prates; Silva; Paula, 2012PRATES, Antônio Augusto Pereira; SILVA, Matheus Faleiros; PAULA, Túlio Silva de. Natureza administrativa das instituições de ensino superior, gestão organizacional e o acesso aos postos de trabalho de maior prestígio no mercado de trabalho. Sociedade e Estado, United States, v. 27, n. 1, p. 25–44, 2012. Disponível em: https://www.scienceopen.com/document?vid=34706bba-0462-4864-b2c6-64205e97d179. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Como as instituições públicas e privadas se distribuem de forma desigual entre essas categorias – em que as instituições privadas são, em geral, vocacionais –, o tipo de gestão implicaria em uma diversificação funcional das instituições. Não é perfeita a correspondência entre o setor institucional e outras características relacionadas à dimensão organizacional. As organizações confessionais, por exemplo, são caracterizadas como privadas e, ao mesmo tempo, podem compartilhar valores semelhantes às públicas. No entanto, em termos gerais, é possível identificar padrões na estrutura organizacional próprias para cada um dos setores.

Essa abordagem, portanto, indica uma hipótese alternativa ao isomorfismo entre os setores. Se por um lado, os setores público e privado compartilham de uma mesma dimensão ambiental – marcos regulatórios e demanda dos estudantes, de grupos profissionais e do mercado de trabalho, por exemplo – por outro, a diferença entre os setores indica distinções na dimensão organizacional que podem levar a comportamentos díspares no sistema de ensino. Essa abordagem será importante para explicar possíveis contrastes entre os setores e como fatores diversos contribuem para a organização do sistema.

Por fim, a diferenciação entre as instituições tem um impacto especialmente relevante para as engenharias. Maciente, Nascimento, Servo et al. (2015)MACIENTE, Aguinaldo Nogueira; NASCIMENTO, Paulo A. Meyer M.; SERVO, Luciana Mendes Santos et al. A Inserção de Recém-Graduados em Engenharias, Medicina e Licenciaturas no Mercado de Trabalho Formal. Radar - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Brasília, v. 38, p. 16, 2015. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/4236/1/Radar_n38_insercao.pdf. Acesso em: 24 out. 2023.
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, ao compararem os recém-formados em engenharias, medicina e licenciatura, identificaram que a introdução dos engenheiros no mercado de trabalho está mais relacionada à instituição de formação do que nas outras duas áreas. A qualidade dos cursos, medida pelo conceito do Enade, está associada a maiores chances de inserção em ocupação típica da engenharia e em ocupações com maiores salários.

À luz dessa bibliografia e motivado pelas possíveis consequências da diversificação na composição social dos concluintes, o objetivo será identificar se houve maior ou menor diversidade entre as habilitações e entre os setores no processo de expansão das engenharias. A análise dos concluintes permitirá identificar quão heterogênea é a oferta de engenheiros para o mercado de trabalho por especialidade e setor. Os principais termos para descrever esse processo se encontram no quadro abaixo (Quadro 1).

Quadro 1
Síntese dos principais termos, as dimensões de análise e medidas correspondentes

Na literatura sobre o tema, um mesmo termo pode ser utilizado de diferentes formas, a depender do contexto e de quais são as unidades de análise. Por isso, será utilizado uma conceituação semelhante a Santos, Lima e Carvalhaes (2020)SANTOS, Clarissa Tagliari; LIMA, Raquel Guilherme; CARVALHAES, Flavio. O perfil institucional do sistema de ensino superior brasileiro após décadas de expansão. In: BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira (org.). A expansão desigual do ensino superior. Curitiba: Appris, 2020. sobre os termos diversificação e diferenciação. A diversificação está relacionada às diferenças qualitativas no setor de ensino, no caso desta análise, são as habilitações da engenharia e o setor institucional. A diferenciação refere-se a um processo ao longo do tempo (2011 – 2017) em que as estruturas de diversificação (habilitações e setor) se tornam mais heterogêneas. Os termos isomorfismo e homogeneização se referem a um processo contrário, em que essas mesmas estruturas se tornam mais semelhantes. O trabalho buscará descrever a expansão das engenharias e verificar qual processo melhor se adequa a dinâmica das habilitações: a diferenciação ou o isomorfismo.

3 Dados

Para descrever o processo de expansão, utilizou-se os dados do Censo da Educação Superior (Censo) entre os anos de 2011 e 2017. As engenharias foram decompostas em todas as habilitações disponíveis nessa base de dados. Como medida de diferenciação, utilizou-se da mesma técnica de Huisman, Lepori, Seeber et al. (2015)HUISMAN, Jeroen; LEPORI, Benedetto; SEEBER, Marco et al. Measuring institutional diversity across higher education systems. Research Evaluation, United States, v. 24, n. 4, p. 369–379, 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/283188136_Measuring_institutional_diversity_across_higher_education_systems. Acesso em: 23 out. 2023.
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: a comparação da distribuição dos concluintes entre as habilitações. Se os concluintes se distribuíram de forma mais equilibrada entre as habilitações, ao longo do tempo, então teremos evidências de um processo de diferenciação entre habilitações. Em relação ao setor institucional, a diferenciação ocorrerá se os setores apresentarem comportamentos distintos em como seus concluintes se distribuem entre os cursos. Ao contrário, o isomorfismo ocorrerá caso a distribuição dos concluintes tenha se tornado mais semelhante entre os setores.

Não foi possível estender a análise para períodos anteriores a 2011. No tratamento dos bancos de dados entre 2002 e 2017, identificou-se variações atípicas na concentração de concluintes nas engenharias entre 2008 e 2010. As variações sugerem uma mudança na metodologia de categorização das habilitações, particularmente em cursos que antes eram categorizados como “Engenharia” e passam a ser categorizados por diferentes habilitações2 2 Sob consulta, as tabulações desses dados podem ser disponibilizadas pelo autor. . Por isso, não é possível verificar se a diferença entre as engenharias ocorre por variações na área ou por um viés de categorização em anos anteriores a 2011.

O recorte temporal utilizado (2011 - 2017) não é suficiente para uma análise satisfatória sobre o processo de especialização das engenharias: se surgiu, ou se extinguiu-se determinado tipo de formação. Em geral, isso se refere a processos mais longos3 3 Um exemplo desse exercício são os trabalhos da sociologia do conhecimento e da sociologia das profissões que analisam os processos mais longos de especialização de um campo de conhecimento ou profissão. Ver, por exemplo, em Abbott (1988) e Freidson (2001). . A bibliografia utilizada chamaria esse fenômeno de diversificação, que é o processo pelo qual novas estruturas (uma especialidade, por exemplo) surgiriam em dada dimensão institucional (nos cursos de engenharia) (Santos; Lima; Carvalhaes, 2020SANTOS, Clarissa Tagliari; LIMA, Raquel Guilherme; CARVALHAES, Flavio. O perfil institucional do sistema de ensino superior brasileiro após décadas de expansão. In: BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira (org.). A expansão desigual do ensino superior. Curitiba: Appris, 2020.). O objetivo, portanto, não é responder se houve aumento ou diminuição das habilitações da engenharia oferecidas na educação superior brasileira. Interessa saber se os concluintes se distribuem de forma mais ou menos homogênea entre as habilitações de acordo com o setor e o período analisado. Neste trabalho, é esse o sentido empregado a maior ou menor diferenciação.

4 Resultados

A tabela 1 a seguir mostra as 10 habilitações com maior número de concluintes no período analisado (a tabela com todas as habilitações não foi apresentada por questão de espaço, mas pode ser obtida com o autor). A partir da comparação entre as colunas de percentual acumulado, percebe-se que a expansão favoreceu a concentração dos concluintes nessas habilitações. Em 2011, elas acumulavam 86% dos concluintes e, em 2017, a concentração é de 93,4%. Mesmo entre as 10 habilitações mais populosas, há uma grande diferença na concentração de concluintes. A engenharia civil acumula 38,1% dos concluintes em 2017, mais do que o dobro da concentração de 2011 (16,8%). Em segundo lugar, a engenharia de produção tem 16,7%. Apenas essas duas primeiras possuem mais da metade (54,8%) dos concluintes de todas as engenharias. Com exceção das engenharias civil e mecânica, todas as outras habilitações diminuíram a participação relativa no total dos concluintes, apesar de também terem aumentado o número de concluintes.

Tabela 1
Número e proporção de concluintes por especialidade e ano

Diferentes fatores podem explicar a concentração dos concluintes nessas engenharias, sobretudo, na civil. Em relação aos efeitos do ambiente, alguns estudos podem contribuir para elucidar a diferença entre as habilitações da engenharia para o contexto brasileiro. Lins (2018)LINS, Leonardo Melo. A construção institucional da engenharia nacional: proteção, incentivo e escassez. 2018. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-18012019-124823/pt-br.php. Acesso em: 24 out. 2023.
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identifica, no Brasil, arranjos institucionais, por parte do grupo profissional e do Estado, que favoreceram o que o autor chama de “engenharia nacional”. Entre 2005 e 2014, Lins aponta um maior ativismo do Estado nas ações econômicas e com maior sintonia com a regulação profissional. A Lei de Licitações e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)4 4 A Lei de Licitações refere-se a lei número 12.745 de 2012 que trata sobre os requisitos dos editais de licitação das ações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). , por exemplo, tinham desenhos institucionais que demandavam por serviços de engenharia e, ao mesmo tempo, protegiam o mercado para os engenheiros brasileiros (LINS, 2018LINS, Leonardo Melo. A construção institucional da engenharia nacional: proteção, incentivo e escassez. 2018. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-18012019-124823/pt-br.php. Acesso em: 24 out. 2023.
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). Em concomitância, o cenário econômico, no início dos anos 2000, favorecia um otimismo em relação à formação nessas áreas. Nascimento, Maciente, Gusso et al. (2014)NASCIMENTO, Paulo A. Meyer M.; MACIENTE, Aguinaldo Nogueira; GUSSO, Divonzir Arthur et al. A questão da disponibilidade de engenheiros no brasil nos anos 2000. Radar -Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Brasília, v. 32, 2014. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11724/1/Radar_32_art2_questao_disponibilidade.pdf. Acesso em: 24 out. 2023.
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apontam para uma relação entre a atratividade dos cursos de engenharia e o desempenho econômico no país. A partir da análise da participação dos cursos de engenharia na educação superior brasileira, os autores identificam um maior otimismo em relação à formação na área entre 2004 e 2005, que permanece até 2012 pelo menos.

No entanto, esses fatores tiveram efeitos distintos de acordo com a área de atuação dos engenheiros. Por exemplo, o contexto foi favorável, principalmente, para os profissionais da construção civil e para o prestígio de atuação nesse setor. Porém, mesmo com o aumento no número de engenheiros no Brasil, as análises identificaram escassez de mão-de-obra (Lins, 2018LINS, Leonardo Melo. A construção institucional da engenharia nacional: proteção, incentivo e escassez. 2018. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-18012019-124823/pt-br.php. Acesso em: 24 out. 2023.
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; Nascimento; Maciente; Gusso et al., 2014NASCIMENTO, Paulo A. Meyer M.; MACIENTE, Aguinaldo Nogueira; GUSSO, Divonzir Arthur et al. A questão da disponibilidade de engenheiros no brasil nos anos 2000. Radar -Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Brasília, v. 32, 2014. Disponível em: https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11724/1/Radar_32_art2_questao_disponibilidade.pdf. Acesso em: 24 out. 2023.
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). No setor de indústria, a demanda foi maior por engenheiros mais experientes. As evidências encontradas nesses trabalhos explicariam não só a expansão da engenharia na educação superior, como também a maior concentração dos concluintes na engenharia civil.

Além da civil, outras engenharias tradicionais aparecem entre as 10 habilitações mais populosas: a mecânica (3ª no ranking); a elétrica (4ª) e a química (6ª). “Engenharias tradicionais” é a forma como alguns trabalhos referem-se às habilitações que surgiram, no Brasil, ainda no século XIX, ou começo do século XX (Oliveira, 2010OLIVEIRA, Vanderlí Fava (org.). Trajetória e estado da arte da formação em Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2010.). Elas se diferem das novas habilitações (engenharia de produção ou engenharia de alimentos, por exemplo), surgidas na segunda metade do século XX.

Os trabalhos citados indicam alguns fatores ambientais que ajudam a entender por que as habilitações ligadas ao setor civil e às engenharias tradicionais têm maior predomínio em relação ao número de concluintes. Além disso, é possível que fatores internos ao ensino superior tenham influência nessa composição. Pode-se especular se as habilitações têm diferentes custos ou graus de exigência para o estabelecimento dos cursos. Isso poderia explicar o predomínio de uma especialidade em relação a outra, para além dos fatores do mercado de trabalho. Contudo, ainda não temos estudos que trataram dessa questão. Por enquanto, é possível investigar como esses fatores se manifestaram, indicando uma diminuição na variedade de habilitações dos engenheiros recém-formados.

A expansão foi desigual não só entre as habilitações. Assim como no total do sistema, a maior parte do crescimento ocorreu via setor privado (81,7%). O setor era responsável por 59% dos concluintes em 2011 e passa a ter 72,8% deles em 2017.

Tabela 2 Número e proporção de concluintes por setor institucional
2011 2017 Dinâmica de Crescimento
Rede N % N % Saldo Crescimento (%) Dinâmica (%)
Privado 26404 59.0 83135 72.8 56731 81.7 68.2
Publico 18371 41.0 31109 27.2 12738 18.3 40.9
TOTAL 44775 100.0 114244 100.0 69469 100
  • Fonte: Censo da Educação Superior – Inep, 2011-2017. Elaboração própria
  • A participação de cada um dos setores na expansão é semelhante àquela encontrada para todo o sistema de ensino e as explicações oferecidas pela literatura também cabem para as engenharias. Em resumo, essa dinâmica pode ter ocorrido porque as instituições privadas responderam de forma mais rápida às demandas do mercado, tais como a abertura, ou a extinção de cursos (Sampaio, 2014SAMPAIO, Helena. Diversidade e diferenciação no ensino superior no Brasil: conceitos para discussão. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 29, n. 84, p. 43–55, 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/WqYKwZfRp6tmh3Qk5NDpLCb/abstract/?lang=pt. Acesso em: 24 out. 2023.
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    ). Condições próprias do setor privado fizeram com que essas instituições reagissem ao contexto de otimismo com a carreira e com a situação econômica. Além disso, o histórico de desregulamentação e de subsídios governamentais para o setor privado (FIES e PROUNI, por exemplo) estão entre as causas para a ampliação da participação desse setor (Carvalhaes; Medeiros; Santos, 2022CARVALHAES, Flavio; MEDEIROS, Marcelo; SANTOS, Clarissa. Expansão e diversificação do ensino superior: privatização, educação a distância e concentração de mercado no Brasil, 2002-2016. Higher Education Policy, United States, 22 jun. 2022. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1057/s41307-022-00275-z. Acesso em: 21 mar. 2023.
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    ). Diferentes políticas públicas contribuíram para o processo de concentração e oligopolização do mercado de educação superior. A especificidade das engenharias é que, nesse caso, a concentração ocorreu a despeito da modalidade a distância, que foi a principal via pelo qual o sistema se expandiu.

    Em comparação a outras profissões, a parcela da participação do setor privado nas engenharias pode ocorrer pela falta de constrangimentos do grupo profissional para a abertura de cursos (Oliveira; Almeida; Carvalho et al., 2013OLIVEIRA, Vanderlí Fava; ALMEIDA, N. N.; CARVALHO, D. M. et al. Um estudo sobre a expansão da formação em engenharia no Brasil. Revista de Ensino de Engenharia, Brasília, v. 32, n. 3, p. 37–56, 2013. Disponível em: http://revista.educacao.ws/revista/index.php/abenge/article/view/235. Acesso em: 23 out. 2023.
    http://revista.educacao.ws/revista/index...
    ). Portanto, as condições no nível ambiental explicariam o crescimento da demanda por essa formação e as condições no nível institucional responderiam pela participação do setor privado nessa expansão (81,7%).

    A atuação de cada setor é variável, também, em relação à especialidade. O conjunto de gráficos a seguir busca demonstrar as diferentes dinâmicas de forma visual.

    Gráfico 1
    Participação de cada setor no total de concluintes por especialidade e ano

    Três, entre as quatro habilitações com maior expansão, apresentaram uma dinâmica semelhante. Civil, mecânica e elétrica obtiveram maior equilíbrio em 2011 do que em 2017, quando se tornaram mais concentradas em favor das privadas. A exceção é a engenharia de produção que mostrou maior estabilidade na concentração no setor privado (passou de 75% para 80% dos concluintes). A concentração nas instituições privadas também ocorreu na engenharia química (passou de 36,1% para 54,6%). No entanto, como em 2011 havia maior concentração na esfera pública, o resultado foi um maior equilíbrio entre os setores, com leve vantagem para o privado.

    No setor público, as maiores concentrações são na engenharia de alimentos, que se tornou ainda mais concentrada (82,3% dos concluintes em 2017), e na engenharia florestal (86% dos concluintes em 2017), que mostrou estabilidade entre 2011 e 2017. Em áreas antes concentradas no setor privado, como computação (65% em 2011) e as “outras engenharias” (52,3% em 2011), o setor público passa a ser o principal. O que parece ter ocorrido é que o setor privado concentrou as matrículas, principalmente, nas habilitações mais tradicionais (nas engenharias civil, elétrica, mecânica e química) e na engenharia de produção. O resultado é que há dinâmicas diferentes para as habilitações de acordo com a instituição. A análise, nesse ponto, reforça as características próprias da dimensão organizacional, nos termos de Fumasoli, Barbato e Turri (2020)FUMASOLI, Tatiana; BARBATO, Giovanni; TURRI, Matteo. The determinants of university strategic positioning: a reappraisal of the organisation. Higher Education, United States, v. 80, n. 2, p. 305–334, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-019-00481-6. Acesso em: 23 out. 2023.
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    .

    Esses resultados apontam para a preferência por um perfil institucional específico. Em resumo, a dinâmica de expansão concentrou-se em algumas engenharias, sobretudo civil, produção, elétrica e mecânica, e nas instituições privadas. Mas, há diferenças significativas em quão concentrado os estudantes estão no setor privado a depender da especialidade. A dinâmica de cada especialidade – se aumentou, diminuiu ou se manteve a distribuição entre os setores –, pode estar relacionada ao quanto cada especialidade se expandiu no período. A articulação entre essas duas dimensões no processo de expansão é o objeto do próximo tópico.

    4.1 Expansão por perfil institucional

    Neste tópico, o objetivo é analisar a expansão em que as dimensões da especialidade e da instituição são articuladas. Cada uma das habilitações foi decomposta por setor e, então, foi mensurada sua participação na expansão total das engenharias. Assim, a engenharia civil nas instituições privadas forma um perfil institucional específico, diferente da engenharia civil nas públicas. No total, a interação entre as 11 habilitações e os dois setores somam 22 perfis institucionais distintos. Essa é uma estratégia de análise adaptada de Santos, Lima e Carvalhaes (2020)SANTOS, Clarissa Tagliari; LIMA, Raquel Guilherme; CARVALHAES, Flavio. O perfil institucional do sistema de ensino superior brasileiro após décadas de expansão. In: BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira (org.). A expansão desigual do ensino superior. Curitiba: Appris, 2020..

    A partir do gráfico 2, é possível visualizar que a combinação de engenharia civil e instituições privadas foi responsável por 47,2% da expansão no número de concluintes no período. O setor privado está relacionado aos três outros principais perfis de expansão das engenharias: engenharia de produção, mecânica e elétrica. O primeiro perfil ligado às instituições públicas é, também, na engenharia civil (4,6% de toda a expansão). Esses cinco primeiros perfis institucionais somam 80,7% de toda a expansão.

    Gráfico 2
    Expansão dos concluintes por perfil institucional (%)

    O sexto perfil institucional mais relevante na expansão são as “Outras Engenharias” no setor público. No entanto, no setor privado, essas engenharias apresentaram queda de 0,9% no período. O gráfico 2 é polarizado pelo setor privado, com uma concentração maior na engenharia civil e uma diminuição nas demais. Os perfis institucionais ligados ao setor público ocupam a parte intermediária do gráfico. Isso indica que houve um crescimento menor e menos concentrado nesse setor.

    O setor público se expandiu menos que o privado e com maior equilíbrio entre as habilitações. Há casos em que é possível identificar uma dinâmica própria no nível das habilitações, por exemplo a baixa participação da engenharia florestal e a prevalência da engenharia civil em ambos os setores. Mas, na maior parte dos casos, a intensidade da expansão de dada especialidade está ligada à articulação dessas duas dimensões.

    A análise da expansão por perfil institucional reforça uma dinâmica encontrada nas análises anteriores de que, apesar da variedade de habilitações na engenharia, há uma concentração, tanto na participação quanto na expansão, em algumas poucas habilitações. Além disso, acompanhando uma tendência do sistema de ensino de forma geral, houve a prevalência do setor privado também em números absolutos e relativos. As evidências sugerem, portanto, uma menor diversidade no perfil institucional em relação à expansão recente no número de concluintes e essa diversidade deve variar por setor.

    4.2 Diferenciação ou Isomorfismo?

    Os resultados, até agora, indicam que a hipótese de isomorfismo é mais adequada à expansão dos concluintes entre as habilitações. Os concluintes tornaramse mais concentrados em algumas habilitações, sobretudo na engenharia civil. Por outro lado, a análise por perfil institucional indica uma maior diferenciação entre os setores públicos e privados. A distribuição dos concluintes entre as habilitações tornou-se mais heterogênea de acordo com os setores. Para dimensionar esse processo de isomorfismo entre as habilitações e de diferenciação entre os setores, utilizei do Índice Herfindahl–Hirschman (HHI daqui em diante), também utilizado por Huisman, Lepori, Seeber et al. (2015)HUISMAN, Jeroen; LEPORI, Benedetto; SEEBER, Marco et al. Measuring institutional diversity across higher education systems. Research Evaluation, United States, v. 24, n. 4, p. 369–379, 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/283188136_Measuring_institutional_diversity_across_higher_education_systems. Acesso em: 23 out. 2023.
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    para um propósito semelhante.

    Buscou-se mensurar a distribuição dos concluintes no sistema entre os dois períodos analisados e entre os setores público e privado. O cálculo foi feito por meio do pacote HHI no R (Waggoner, 2018WAGGONER, Philip. The hhi Package: Streamlined calculation and visualization of herfindahl-hirschman index scores. The Journal of Open Source Software, United States, v. 3, n. 28, p. 828, ago. 2018. Disponível em: https://joss.theoj.org/papers/10.21105/joss.00828. Acesso em: 10 jan. 2021.
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    ). O índice varia entre 1 e 10000. Se todos os concluintes estivessem igualmente distribuídos entre as engenharias o índice seria 0 e, ao contrário, se todos os concluintes pertencessem a uma mesma especialidade, o índice seria 10000. Em resumo, quanto maior o índice maior a concentração e menor a diferenciação. Não há um parâmetro estabelecido para a diversidade da educação superior que nos permita avaliar se a diversidade é alta ou baixa a partir desse índice5 5 Um dos usos comuns desse índice é para mensurar a concentração de mercado em um único setor. Nesse caso, há parâmetros teóricos que permitem, a partir do índice, afirmar se a concentração é alta ou baixa. . Por isso, nesta análise, o índice será utilizado somente em termos relativos: se o sistema e o setor se tornaram mais ou menos concentrados. O valor foi estimado a partir da seguinte fórmula:

    i = 1 N r j R , i = 1 , , n ,

    N é o número de cursos, r é o número de estudantes do curso (i) e R é o número de estudantes de todos os cursos. Aplicou-se a técnica para cada ano (entre 2011 e 2017), para todo o sistema e, depois, para cada setor institucional.

    O gráfico 3 apresenta o valor do índice e sua variação no período (quanto maior o valor, maior a concentração). A linha preta refere-se ao HHI para as engenharias em todo o sistema (público e privado). Pode-se perceber que houve uma concentração dos concluintes entre as habilitações para o período analisado. A separação entre os setores indica que ela ocorreu, principalmente, por conta do agrupamento das instituições privadas. Em 2011, o setor privado já apresentava maior concentração que o setor público. Enquanto este último apresentou uma estabilidade no nível de concentração, com uma leve diminuição no índice, aquele concentrou-se ainda mais em 2017. A despeito do número de habilitações da engenharia, a dinâmica de expansão, centralizada em poucas habilitações e no setor privado, fez com que o sistema se tornasse mais concentrado no período. Por isso, a concentração no sistema não só ficou maior como a diferença entre o setor público e privado, que já existia em 2011, ficou ainda mais pronunciada.

    Gráfico 3
    Índice de concentração dos concluintes por tipo institucional e ano

    5 Conclusão

    A mensuração da diferenciação entre as engenharias indica um cenário semelhante àqueles em que houve maior homogeneização da educação superior, à medida que ele se expandiu. Os concluintes concentraram-se ainda mais em poucas engenharias durante esse período. Isso corrobora análises que indicaram que a expansão quantitativa tende a diminuir as diferenças internas da educação superior (Harris; Ellis, 2020HARRIS, Michael S.; ELLIS, Molly K. Measuring changes in institutional diversity: the US context. Higher Education, New York, v. 79, n. 2, p. 345–360, 2020. Disponível em: https://eric.ed.gov/?id=EJ1242059. Acesso em: 23 out. 2023.
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    ). O isomorfismo identificado para as engenharias ocorreu, sobretudo, devido à dinâmica do setor privado, que não só se expandiu mais que o público, como favoreceu as habilitações que já eram mais populosas.

    Ainda que a dinâmica encontrada tenha características do isomorfismo, é difícil afirmar que as explicações desse fenômeno sejam compatíveis com aquelas oferecidas pela literatura. Uma das principais razões do isomorfismo seria a tendência de as instituições copiarem modelos bem-sucedidos e evitarem os de pouco sucesso (Huisman, 2020HUISMAN, Jeroen. Institutional Diversity in Higher Education, Institutional Profiling. In: THE INTERNATIONAL Encyclopedia of Higher Education Systems and Institutions. Dordrecht: Springer Netherlands, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/referencework/10.1007/978-94-017-8905-9. Acesso em: 21 mar. 2023.
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    ). Todavia, a dinâmica entre os setores é muito distinta para afirmar que há uma emulação de um pelo outro. Salvo os casos de concentração dos concluintes em engenharia civil e da preterição da engenharia florestal, o contexto geral não revela grande semelhanças entre os setores.

    Enquanto o isomorfismo seria causado por um processo de espelhamento de instituições por outras, a especialização seria um produto da busca por nichos. Por um lado, a dinâmica da engenharia, em geral, é coerente com as formulações sobre o isomorfismo, por outro, a decomposição entre os setores indica uma dinâmica relacionada à especialização. O setor privado tornou-se ainda mais segmentado, apostando em habilitações tradicionais e na engenharia de produção. Resultados semelhantes foram encontrados em países dos Balcãs e em Portugal (Brankovic apud Fumasoli; Barbato; Turri, 2020FUMASOLI, Tatiana; BARBATO, Giovanni; TURRI, Matteo. The determinants of university strategic positioning: a reappraisal of the organisation. Higher Education, United States, v. 80, n. 2, p. 305–334, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-019-00481-6. Acesso em: 23 out. 2023.
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    , Teixeira; Rocha; Biscaia et al., 2012TEIXEIRA, Pedro Nuno; ROCHA, Vera; BISCAIA, Ricardo et al. Competition and diversity in higher education: an empirical approach to specialization patterns of Portuguese institutions. Higher Education, United States, v. 63, n. 3, p. 337–352, 2012. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41343628. Acesso em: 24 out. 2023.
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    ). Nesse caso, os autores explicam a maior especialização da esfera privada pela busca das instituições em atender as demandas dos estudantes. A partir da abordagem de Fumasoli, Barbato e Turri (2020)FUMASOLI, Tatiana; BARBATO, Giovanni; TURRI, Matteo. The determinants of university strategic positioning: a reappraisal of the organisation. Higher Education, United States, v. 80, n. 2, p. 305–334, 2020. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s10734-019-00481-6. Acesso em: 23 out. 2023.
    https://link.springer.com/article/10.100...
    , isso poderia ser explicado devido à maior suscetibilidade do setor privado (dimensão organizacional) às demandas da dimensão do ambiente. A ênfase da expansão em engenharia civil e de produção mostra que esse setor buscou um nicho específico.

    O resultado é, então, o acirramento da especialização das instituições privadas nas áreas mais populares. Um processo semelhante foi encontrado por Rossi (2009)ROSSI, Federica. Increased competition and diversity in higher education: an empirical analysis of the italian university system. Higher Education Policy, United States, v. 22, n. 4, p. 389–413, 2009. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/39037963_Increased_Competition_and_Diversity_in _Higher_Education_An_Empirical_Analysis_of_the_Italian_University_System. Acesso em: 24 out. 2023.
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    para o contexto italiano. Em momentos de disputas por estudantes, as instituições tendem a especializar nas áreas mais populares. A especialização, nesse caso, não se dá por uma tentativa de se diferenciar de outras instituições, mas para apostar em uma demanda mais segura. No Brasil, devido ao tamanho do setor privado, sua segmentação levou a uma diminuição na diferenciação do sistema como um todo. O isomorfismo das habilitações está relacionado, principalmente, a uma segmentação das instituições privadas. Essa segmentação não ocorreu por conta de uma emulação de modelos institucionais consolidados, mas por investir em habilitações com maior apelo entre possíveis estudantes.

    Esses resultados indicam que os fatores ambientais que, em tese, influenciam na diversificação do sistema de educação atuam de formas diferentes conforme os setores. As demandas dos estudantes, do mercado de trabalho ou do aquecimento da economia podem explicar a intensidade da expansão em habilitações específicas, como a engenharia civil, ou a diminuição na participação de outras, como a engenharia florestal. Para essas habilitações, que mostram tendências semelhantes em ambos os setores, os fatores ambientais podem explicar de forma mais satisfatória as dinâmicas de expansão.

    As particularidades de cada setor chamam atenção sobre como os efeitos do ambiente produzem resultados distintos. Dinâmicas próprias no nível organizacional podem responder porque existem tais diferenças na diversificação das habilitações. Teixeira, Rocha, Biscaia et al. (2012)TEIXEIRA, Pedro Nuno; ROCHA, Vera; BISCAIA, Ricardo et al. Competition and diversity in higher education: an empirical approach to specialization patterns of Portuguese institutions. Higher Education, United States, v. 63, n. 3, p. 337–352, 2012. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41343628. Acesso em: 24 out. 2023.
    https://www.jstor.org/stable/41343628....
    especulam, para o caso de Portugal, como constrangimentos regulatórios podem dificultar a abertura de cursos e a capacidade deles se diversificarem. Assim como no caso de Portugal, a reação das instituições no Brasil a esses constrangimentos varia conforme o setor.

    No país, a diferença entre os setores pode ser identificada como uma diversificação funcional das instituições. A missão institucional e como ela afeta a reação às demandas do mercado de trabalho são exemplos dessa diversificação funcional. Estruturas próprias das instituições públicas – sua missão institucional, por exemplo – podem responder porque determinado setor garantiu maior isonomia na oferta de concluintes em engenharia para o mercado de trabalho. Da mesma forma, explicaria também a especialização das instituições privadas em seu processo de expansão, com foco em atender as demandas dos estudantes e do mercado. Por fim, o próprio tamanho do setor pode ser uma característica dessa missão institucional. Para as públicas, o objetivo seria uma oferta mais homogênea de profissionais para o mercado, embora mais restrita. Para as privadas, a oferta de profissionais é tanto maior quanto específica.

    • 1
      A modalidade (presencial ou distância) não será analisada como uma dimensão da diversificação das engenharias. A conclusão em cursos à distância nas engenharias era uma exceção e representava, em 2017, 0,1% de todos os concluintes na área. Vale ressaltar que o número de ingressantes na modalidade a distância já apresentava crescimento no período analisado. Análises posteriores poderão verificar o impacto da expansão dessa modalidade na diversificação da oferta de engenharias.
    • 2
      Sob consulta, as tabulações desses dados podem ser disponibilizadas pelo autor.
    • 3
      Um exemplo desse exercício são os trabalhos da sociologia do conhecimento e da sociologia das profissões que analisam os processos mais longos de especialização de um campo de conhecimento ou profissão. Ver, por exemplo, em Abbott (1988) e Freidson (2001).
    • 4
      A Lei de Licitações refere-se a lei número 12.745 de 2012 que trata sobre os requisitos dos editais de licitação das ações do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
    • 5
      Um dos usos comuns desse índice é para mensurar a concentração de mercado em um único setor. Nesse caso, há parâmetros teóricos que permitem, a partir do índice, afirmar se a concentração é alta ou baixa.
    • Revisão Ortográfica por: Karine Votikoske Roncete. E-mail: karineroncete@gmail.com

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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2023
    • Data do Fascículo
      2023

    Histórico

    • Recebido
      24 Jun 2023
    • Aceito
      18 Out 2023
    • Revisado
      25 Out 2023
    Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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