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Partículas em Mundurukú (Tupí)

Particles in Munduruku (Tupian)

Resumo

O objetivo deste artigo é elaborar uma análise sobre partículas em Mundurukú: interrogativas; negação, contraste e restrição; ênfase/modalização e euforia; inclusão; e tempo, aspecto e modo (TAM). A proposição dessa classe de palavras seguiu critérios formais e funcionais, aqui apresentados tanto para justificar a existência de partículas nessa língua quanto para contribuir com o debate teórico sobre esse tema. Os dados advêm de narrativas orais e escritas, descrições de procedimentos de caça, produção de cestaria e rede de dormir, material produzido para área de saúde e elicitações. Partículas em Mundurukú são formas invariáveis, em sua maioria monossilábicas átonas, com status funcional e não lexical. Elas têm escopo sobre constituintes, ocorrendo, em sua maioria, após eles, podendo também ter escopo sobre sentenças inteiras. Exercem funções tipicamente pragmáticas, como focalização contrastiva e modalização. A posição e o contorno fonológico criado pelas partículas mostram seu escopo, mas ele não é restrito ao constituinte ou à sentença, estabelecendo uma relevante interferência no fluxo conversacional, de modo a restringir, contestar, afirmar, corrigir, incluir, questionar informações e demonstrar estados de espírito, como irritação, euforia, admiração, polidez, certeza, incerteza. As partículas se prestam, ainda, a expressar hipóteses, ordem e tempo próximo no passado ou no futuro.

Palavras-chave
Partículas; Mundurukú; Pragmática; Focalização contrastiva; Modalização; TAM

Abstract

The aim of this text is to provide an analysis of particles in Munduruku. This proposed word class follows formal and functional criteria, which are presented here to justify the existence of particles in this language as well as to contribute to the theoretical debate on this subject. The data were obtained from oral and written narratives, descriptions of hunting procedures, basket and hammock weaving, material produced for the health area, and elicitations. Particles in Munduruku are invariable forms, for the most part unstressed and monosyllabic, with functional and non-lexical status. They have scope mainly over constituents, and mostly follow them, but may also have scope over entire sentences. They perform typically pragmatic functions, such as contrastive focalization and modalization. The position and the phonologic contour created by the particles show their scope, although this is not restricted to the constituent or the sentence. Instead, it establishes a relevant interference in the flow of conversation in order to restrict, contest, affirm, correct, include, question information, and demonstrate states of mind (such as irritation, euphoria, admiration, politeness, certainty, and uncertainty). The particles further serve to express hypothesis, command, and immediate past or future tenses.

Keywords
Particles; Munduruku; Pragmatics; Contrastive focalization; Modalization; TAM

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é analisar as partículas do Mundurukú (tronco Tupí), quais sejam: interrogativas; de negação, contraste e restrição; de ênfase/modalização e euforia; de inclusão; e, por último, as partículas de tempo, aspecto e modo (TAM). Aprofundamos a análise introdutória sobre o tema defendida em Gomes (2006)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.. Para tanto, o quadro teórico foi refinado, exemplos foram reanalisados, novos exemplos foram inseridos, as partículas foram agrupadas de acordo com afinidade semântica e suas funções foram melhor explicadas.

A proposição de uma classe de palavras específica para elas se deu a partir do uso de critérios formais e funcionais, os quais serão apresentados ao longo deste artigo, a fim de, por um lado, justificar a existência de partículas nessa língua e, por outro, contribuir para o debate teórico a respeito do que se tem chamado de partículas em Linguística.

O texto está dividido nas seguintes seções: “Marcos teóricos”; “Introdução à língua Mundurukú e ao lugar das partículas”; “Descrição de partículas recorrentes em Mundurukú”; e “Considerações finais”.

MARCOS TEÓRICOS

Nesta seção, abordaremos o conceito de partícula e um pouco da problemática em torno desse tema. Também trataremos de conceitos relativos à pragmática, como focalização contrastiva, o que é necessário para a compreensão de boa parte das partículas em Mundurukú.

PARTÍCULAS

Conceituar partícula tem se mostrado bastante complexo e, de certa forma, controverso. O texto de Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
https://doi.org/10.2307/414146...
sobre clíticos e partículas traz uma série de considerações sobre a problemática em torno dessa questão que merecem ser trazidas ao debate proposto neste artigo.

O objetivo principal de Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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é demonstrar que as várias descrições que, à época, tratavam partículas como clíticos estavam quase totalmente equivocadas. Aqui, não trataremos das minúcias de sua argumentação nesse sentido particularmente, mas destacaremos sua contribuição para a caracterização das partículas em específico.

Esse autor já reconheceu, em 1985, que “[…] language descriptions abound with references to ‘particles’ whose classification as clitics, or words, or something else is not at all obvious” (Zwicky, 1985ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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, p. 284).

Um dos problemas apontados por ele é que os itens linguísticos de uma dada língua, ao serem classificados como partículas, estavam sendo tratados, sintaticamente, como acategoriais. Esse é um dos traços que caracterizavam as partículas nessa época: não pertencer a uma categoria sintática. Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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questiona isso de maneira enfática a partir da análise do Inglês, Gaulês, Chrau e Hidatsa. Esse questionamento se deve à concepção de língua que tem esse autor, revelada no seguinte trecho: “Every word (in every language) belongs to one of the syntactic categories provided by (universal) grammatical theory” (Zwicky, 1985ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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, p. 294). Já os clíticos e os afixos seriam acategoriais. Mas como, para o autor, partículas são palavras, e não clíticos ou afixos, elas deveriam ser atribuídas a alguma categoria sintática, especialmente as que são, para ele, universais (nomes, verbos, adjetivos, advérbios etc.). Aqui, identificamos uma importante controvérsia: partículas são ou não acategoriais?

É preciso destacar que ele igualmente reconhece o valor onipresente das partículas na sintaxe, e assim apresenta o uso mais comum desse termo: “The most common use of the term is to label items which, in contrast to those in established word classes of a language, have (a) peculiar semantics and (b) idiosyncratic distributions. Thus ‘particle’ is a cover term for items that do not fit easily into syntactic and semantic generalizations about the language […]” (Zwicky, 1985ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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, p. 290).

Em meados de 1980, já era bastante conhecida a dificuldade de estabelecer uma classificação semântica para a categoria partícula e também fazer uma descrição coerente sobre sua distribuição. Logo, nas descrições linguísticas, isso também conduzia, e ainda parece conduzir, à criação de uma classe separada para partículas, de modo a contemplar os itens dessa natureza.

Em relação às línguas da América do Sul, Zwicky (1985, p. 290, tradução nossa)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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cita um trabalho de Longacre (1976)LONGACRE, Robert E. ‘Mystery’ particles and affixes. Chicago Linguistic Society, Chicago, n. 12, p. 468-477, 1976. no qual esse autor teria afirmado que o termo “partículas misteriosas” era bastante recorrente1 1 É digna de nota a diversidade de partículas em Kamaiurá, língua descrita por Seki (2000, p. 22), para quem partículas “[...] são muito frequentes em línguas indígenas brasileiras de diferentes filiações genéticas, notadamente Tupi-Guarani, e que, pelas dificuldades que apresentam para identificação e análise, têm sido em geral ignoradas nos materiais existentes sobre essas línguas”. . Ele ainda nos apresenta alguns usos antigos do termo ‘partícula’. Cita que, na análise de Bloomfield (1917)BLOOMFIELD, Leonard. Tagalog texts with grammatical analysis. Urbana: University of Illionois, 1917. sobre o Tagalog, esse autor usa o termo para agrupar itens lexicais que não se encaixavam em classes de palavras maiores, mostrando a possível origem dessa prática, ainda tão comum nos dias de hoje, como dissemos. Cita, ainda, Whitney (1889)WHITNEY, William Dwight. Sanskrit grammar. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1889. e sua análise sobre o Sânscrito, que usa o termo ‘partícula’ para agrupar itens indeclináveis ou não flexionáveis. Também aí encontramos um traço muito comum nas descrições atuais sobre partículas, estando ele também presente em nossa caracterização das partículas em Mundurukú, como veremos na próxima seção.

Ainda com o propósito de explicitar o que vinha sendo chamado de partícula na literatura linguística, Zwicky (1985, p. 290)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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apresenta o que ele designou de "middle course" – a proposta de Crystal (1980)CRYSTAL, David. A first dictionary of linguistics and phonetics. Boulder, CO: Westview Press, 1980. –, a qual é completamente idêntica ao que esse mesmo autor publicou em Crystal (2008, p. 378): “[particle is] a term used in grammatical description to refer to an invariable item with grammatical function, especially one which does not readily fit into a standard classification of parts of speech”. Entre 1980 e 2008, Crystal não mudou nada em sua definição de partícula. Além disso, acabou por condensar a classificação de Whitney (1889)WHITNEY, William Dwight. Sanskrit grammar. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1889., já citada, e a perspectiva de Bloomfield (1917)BLOOMFIELD, Leonard. Tagalog texts with grammatical analysis. Urbana: University of Illionois, 1917.. É essa definição de partícula que adotamos neste artigo.

Um fato muito importante aduzido por Zwicky (1985, p. 291)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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tem a ver com o reconhecimento de que partículas são, semanticamente, itens funcionais (function items), e não itens de conteúdo (content items). De fato, isso parece ser incontroverso nas várias descrições que lançam mão da categoria partícula até hoje. Como veremos, o Mundurukú não é exceção. Sobre esse caráter funcional e não lexical das partículas, Zwicky (1985, p. 295), citando Carlson (1983)CARLSON, Greg N. Marking constituents. In: HENY, Frank; RICHARDS, Barry (ed.). Linguistic categories: auxiliaries and related puzzles. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, 1983. p. 69-98., traz à tona a seguinte perspectiva:

[...] particle words and their ilk are in fact both MEANINGLESS and NOT LEXICAL ITEMS at all. Instead, a particle or one of its kin is a mark of a syntactic combination, a concomitant of a rule that combines lexical or phrasal material; according to Carlson, the meaning apparently associated with some such items is actually a semantic operation associated with the rule.

Essa perspectiva sintático-semântica acaba por não reconhecer a existência de uma categoria separada para as partículas, tratando-as como uma espécie de “marca de combinação sintática”, como aparece na citação. Defendemos que as partículas em Mundurukú são de tipo semântico funcional, não sendo itens lexicais. Apesar disso, reconhecemos tratar-se de uma classe, de uma categoria específica em Mundurukú, o que contrapõe o proposto por Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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e Carlson (1983)CARLSON, Greg N. Marking constituents. In: HENY, Frank; RICHARDS, Barry (ed.). Linguistic categories: auxiliaries and related puzzles. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company, 1983. p. 69-98..

Ainda do ponto de vista semântico, à classe de partículas nas línguas se atribuem as seguintes funções: “[...] markers of mood and sentence type, honorifics, indicators of topic and focus, case-markers, tense/aspect morphemes, markers of emphasis, subordinators, coordinators, indicators of direct vs. indirect discourse, negators, vocative markers, deictics, definiteness/indefiniteness markers, classifiers, and so on” (Zwicky, 1985ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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, p. 290).

Como veremos na próxima seção, parte das funções atribuídas às partículas em Mundurukú se encontra nessa lista.

Já de um ponto de vista fonológico, Zwicky (1985, p. 291)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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afirma: “[...] the things labeled as particles tend to be ‘dependent’, [...] like clitics and affixes”. Essa tendência a ter um status dependente, verificamos também em grande parte das partículas em Mundurukú, mas apenas como tendência.

Um último ponto a se destacar da análise de Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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sobre partículas é a sua perspectiva de tratá-las como “marcadores discursivos” (discursive markers):

Within the great collection of things that have been labeled ‘particles’, we find at least one grammatically significant class of items, in English and in languages generally. These have been variously termed ‘discourse particles’ and ‘interjections’; here I will call them ‘discourse markers’. On the grounds of distribution, prosody, and meaning, discourse markers can be seen to form a class.

(Zwicky, 1985ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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, p. 302).

Esse é o único momento em que o autor reconhece a existência de uma classe separada, exclusiva para partículas, mas ele mesmo, em nota de rodapé, nega o uso do termo ‘discourse particles’ e assim justifica:

My use of the term ‘discourse particles’ (following Schourup, 1983SCHOURUP, Lawrence C. Common discourse particles in English conversation. Columbus: USO, 1983. (Working Papers in Linguistics, n. 28).) in earlier versions of this article – which is, after all, designed to demonstrate that there is no unified class comprising the things that have been called ‘particles’ – was perhaps infelicitous. I have now opted for terminology that entirely avoids ‘particle’ as (any part of) a technical expression

(Zwicky, 1985ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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, p. 302).

Dessa parte final de Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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, destacamos mais dois pontos para nossa própria análise: i) a possível existência de uma classe separada para partículas e ii) a possível relação entre as partículas e o espaço funcional discursivo-pragmático.

Mesmo diante de uma certa tradição na identificação das chamadas partículas em várias línguas, de várias partes do mundo, e após ter identificado suas caraterísticas fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e pragmático-discursivas mais comuns, Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
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pretendeu, em seu texto, argumentar contra a existência de uma categoria própria para partículas. Por isso, ele propõe que elas são, na verdade, subcategorias de categorias consideradas maiores, notadamente os advérbios, nos casos analisados pelo autor. O que está por trás dessa resistência em aceitar a existência de partículas como uma categoria à parte é uma recusa em reconhecer uma classe fora dos supostos padrões universais de classes maiores de palavras e também sua negativa em reconhecê-las como um possível nível intermediário entre clíticos e palavras. Para ele, partículas não seriam clíticos, como usualmente vinham sendo tratadas. Seriam palavras.

Como disse anteriormente, não vamos entrar nos meandros desse debate em particular, mas vamos aproveitar dele o fato de que: 1) partículas podem ou não ser clíticos; 2) partículas podem ou não constituir uma classe separada de palavras. Cabe a cada pesquisador, então, demonstrar suas escolhas em um ou em outro sentido. Para nós, algumas partículas do Mundurukú parecem ser clíticos e todas constituem uma classe à parte, como discutiremos mais à frente neste artigo. Mas, antes, trataremos de outros temas teóricos que aparecem em nossa análise da classe de partículas em Mundurukú.

PRAGMÁTICA E FOCALIZAÇÃO CONTRASTIVA

As partículas em Mundurukú exercem funções pragmáticas, como focalização. Segundo Crystal (2008, p. 379)CRYSTAL, David. A dictionary of linguistics and phonetics. Oxford, OX: Blackwell Publishing, 2008., pragmática é “[...] the study of language from the point of view of the users, especially of the choices they make, the constraints they encounter in using language in social interaction, and the effects their use of language has on the other participants in an act of communication”.

Ainda sobre o conceito de pragmática, concordamos com Levinson (1983, p. 35)LEVINSON, Stephen C. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.: “pragmatics is the practice of utterance interpretation”. Esses conceitos se alinham com nossa postura teórico-metodológica e nossa compreensão sobre a função básica da linguagem. Para nós, como afirmam Traugott e Dasher (2002, p. 7)TRAUGOTT, Elizabeth Closs; DASHER, Richard B. Regularity in semantic change. Cambridge: Cambridge University Press, 2002., “[...] the basic function of language is to convey meaning. We also take as fundamental the notion that meaning is both cognitive and communicative”. Sobre ‘sentido’, os autores destacam que ele é negociado pelos interlocutores de maneira interativa durante a comunicação. Isso dá à linguagem um caráter fortemente emergente, dinâmico, maleável, adaptável aos contextos de uso, às necessidades e, sobretudo, às finalidades que os falantes pretendem atingir. As partículas são fundamentais nesse processo.

Na literatura, não é incomum a associação entre as chamadas partículas e as funções pragmáticas: “Especial attention has been paid to the range of pragmatic particles which are found in speech [...] which play an important role in controlling the pragmatic nature of an interaction” (Crystal, 2008CRYSTAL, David. A dictionary of linguistics and phonetics. Oxford, OX: Blackwell Publishing, 2008., p. 379, grifo do autor). Esse é o espaço das partículas em Mundurukú. No bojo desse tipo de abordagem, encontramos a focalização.

Como defendemos de modo incipiente em Gomes (2006)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., a função focalizadora está presente em quase todas as partículas em Mundurukú. A posição preferencial de um constituinte acompanhado de uma partícula é o começo da sentença, posição comum para a realização de foco nessa língua. É o conceito de foco de contraste (contrastive focus), de Givón (2001b, p. 221, grifos do autor)GIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II., e sua caracterização que tomamos como referência neste artigo: “[...] the notion contrast is neither a grammatically nor cognitively discrete. Rather, it rests upon the more fundamental cognitive dimensions of informational predictability and its converse, counter-expectancy, both of which are at least in principle scalar”.

O caráter interativo e pragmático do foco de contraste é relacionado fortemente com essas duas dimensões: previsibilidade informacional e contraexpectativa. Nesse sentido, “[...] the unpredictability arises from the speaker’s assessment of what the hearer’s expectations are in the particular context” (Givón, 2001bGIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II., p. 222).

A codificação do constituinte focalizado ocorre, principalmente, por meio de três formas: destaque fonológico (entonação), mudança de ordem e/ou acréscimo de material morfológico. Em Mundurukú, as estratégias de focalização recobrem os três principais tipos de estratégias identificados na literatura. Nessa língua, além da entonação, o uso de partículas e a mudança de ordem de constituintes (fronteamento do item focalizado) são as estratégias de focalização utilizadas. Neste artigo, vamos nos centrar, principalmente, nas duas últimas estratégias.

Mantemos aqui a posição defendida em Gomes (2006, p. 162)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.:

Por ser a função constrastiva a que predomina no deslocamento para a esquerda de partes focalizadas em Mundurukú, não consideramos esse deslocamento um caso típico de topicalização nos moldes de Givón (2001b, p. 265)GIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II.: “Left-dislocation is typically a device to mark topical referents, most commonly definite and anaphoric ones, that have been out of the focus of attention for a while and are being brought back into the discourse”.

As partículas, portanto, não estariam promovendo topicalização, uma vez que não estariam envolvidos, no processo, dois aspectos pragmáticos de referência: acessibilidade referencial (anáfora) e importância temática (catáfora).

Contudo, há uma relação necessária entre foco e tópico, uma vez que a focalização contrastiva tende a se aplicar, primariamente, a argumentos de tipo tópico, os quais são acessíveis anaforicamente: “Semantically, the NP under contrastive focus may be either definite-referential or generic, but not referential-indefinite” (Givón, 2001bGIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II., p. 228, grifo do autor). Não vamos aprofundar aqui essa intrincada e indispensável relação entre foco e tópico, mas concordamos com Givón (2001b, p. 230)GIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II. quando afirma que um constituinte sob foco de contraste é também um tópico anaforicamente acessível. Isso se identifica nos dados do Mundurukú, sob análise.

Para Creissels (2006)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II., a focalização contrastiva recobre vários tipos de estruturas comunicativas que têm em comum o fato de apresentarem, de uma maneira ou de outra, um contraste entre a informação em foco e uma informação alternativa já apresentada ou pressuposta. Para esse autor: “[...] encore plus que les procédés de topicalisation, les procédés de focalisation varient d’une langue à une autre (cf. section 3), et les constructions focalisantes ne s’utilisent pas dans toutes les langues avec la même fréquence” (Creissels, 2006CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II., p. 121).

A seguir, apresentamos alguns tipos de focalização contrastiva nos termos de Creissels (2006, p. 121, tradução nossa)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II., os quais são usados em nossa descrição do fenômeno em Mundurukú:

  • focalização de rejeição: – ‘João foi ao cinema com Maria.’ – ‘Não, não. Não foi com Maria que ele foi ao cinema’.

  • focalização de substituição: – ‘João foi ao cinema com Maria.’ – ‘Não, não. Foi com Nathália que ele foi ao cinema’.

  • focalização de expansão: – ‘João foi ao cinema com Maria.’ – ‘Ele não foi somente ao cinema com Maria, ele também a levou para jantar...’

  • focalização de restrição: – ‘João saiu com Maria e Nathália.’ – ‘Não, ele saiu apenas com Nathália’.

    focalização de seleção: – ‘Eu me pergunto se João saiu com Maria ou com Nathália.’ – ‘Posso te dizer que foi com Nathália que ele saiu’. (Creissels, 2006CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II., p. 121, tradução nossa).

Por fim, uma discussão teórica bastante interessante diz respeito à relação entre focalização constrastiva e partículas interrogativas, por um lado, e focalização e partículas de negação, por outro. Essa discussão será apresentada nas seções específicas sobre essas partículas em Mundurukú, as quais passamos a apresentar a seguir.

INTRODUÇÃO À LÍNGUA MUNDURUKÚ E AO LUGAR DAS PARTÍCULAS

O povo Mundurukú vive em três estados brasileiros: Pará, Amazonas e Mato Grosso. De um total de cerca de 13 mil pessoas (IBGE, 2019INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA> (IBGE). Indígenas, [S. l.], 2019. Disponível em: https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3/o-brasil-indigena/povos-etnias.html. Acesso em: 30 jan. 2019.
https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-es...
), no Pará, encontra-se a maior parte da população, distribuída ao longo do rio Tapajós e afluentes. No Amazonas, ao longo do rio Madeira e afluentes, encontram-se cerca de dois mil indivíduos dessa etnia. E, no Mato Grosso, vivem poucas dezenas de mundurukú. Não temos notícias sobre o número de falantes da língua neste último estado. Infelizmente, a língua não é mais falada no Amazonas, havendo registro de uma falante, já em idade avançada (Santos, 2013SANTOS, Cássia Alessandra Barros dos. Aspectos da fonologia do Mundurukú do Madeira (AM). 2013. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2013.). No Pará, o Mundurukú está bem preservado, sendo transmitido de uma geração para outra, especialmente no médio e alto Tapajós. É nessa região que empreendemos os trabalhos de campo desde 1997, a fim de documentar, descrever e explicar a língua.

Os dados aqui apresentados advêm de narrativas orais e escritas, descrições orais de procedimentos de caça, produção de cestaria e rede de dormir, material produzido para área de saúde e elicitações. Os colaboradores ao longo destes anos todos foram vários, desde jovens a idosos. Cito aqui os principais: ZS, VP, J e LA (da aldeia Sai-Cinza); CBK e MK (da aldeia Katõ); AI, AI, FI, DS, J e DS (da aldeia Mangue); e CS (da aldeia km 43)2 2 Por recomendação de um dos avaliadores da revista, registrarei apenas as iniciais dos nomes dos/das colaboradores/as. .

Como outras línguas amazônicas, o Mundurukú (família Mundurukú, tronco Tupí) apresenta ordem de constituintes relativamente flexível, com predominância da ordem sujeito-objeto-verbo (SOV). Conforme Gomes (2006)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., geralmente os argumentos são expressos apenas por marcas morfológicas no verbo, sendo optativos os sintagmas nominais correferentes a elas. É uma língua de núcleo marcado. Assim, a morfologia presente no verbo traz os elementos fundamentais, e ele pode constituir, na maioria das vezes, um enunciado por si só:

(I) ag̃okatkat wida o’yaoka kisem tip pe 3   ag̃okatkat wida o’=y-aoka kise-m tip pe   homem onça 3Sa=3O-matar faca-INSTR mato em   ‘O/Um homem matou a/uma onça com a/uma faca no mato.’ (Gomes, 2006, p. 71, reanalisado4)

Esse exemplo traz uma construção transitiva prototípica. O verbo aoka ‘matar’ tem dois argumentos: ag̃okatkat ‘homem’ e wida ‘onça’. Nessa ordem, compreende-se que o homem matou a onça. Argumentos desse tipo não requerem marcação de caso. Eles são indicados por morfemas pessoais no verbo, respectivamente: {o’=}, pronome de 3ª pessoa do singular em função de sujeito com verbos transitivos e intransitivos processuais/ativos, e {i-}, prefixo de 3ª pessoa do singular em função de objeto direto neste caso5 5 Para maiores explicações sobre as classes verbais, a cisão de intransitividade e os pronomes clíticos, conferir Gomes (2006, 2014). . Os elementos circunstantes, por sua vez, não são marcados no verbo e, geralmente, ocorrem em final de sentença. No exemplo (I), há um instrumental (kise-m ‘faca-com’) e um sintagma posposicional locativo (tip pe ‘mato em’). O debate sobre o status argumental e não argumental dos participantes não será desenvolvido aqui, a fim de não fugir ao tema do texto6 6 Sobre esse tema, iniciamos recentemente um projeto (Gomes, 2018). .

Temos dividido as palavras em Mundurukú em duas grandes classes (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.): 1) classes de palavras variáveis; 2) classes de palavras não variáveis.

Entre as classes variáveis, estão nomes, verbos e posposições. Entre as classes não variáveis, estão os pronomes (pessoais, quantificadores e demonstrativos), as palavras interrogativas, os advérbios e as partículas.

Funcionalmente, as partículas se diferenciam dos pronomes e das palavras interrogativas (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.), uma vez que eles são usados como argumentos ou adjuntos, algo não possível com partículas.

Apesar de haver uma proximidade formal e funcional maior com os advérbios, partículas não são adjuntos como eles. Além disso, partículas não podem ser nominalizadas para se tornarem argumentos, algo possível com advérbios (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.). E também não ocorrem no início de sentenças, como os advérbios. Logo, não se poderia argumentar que partículas seriam uma subclasse de advérbios, sob a perspectiva do que defende, por exemplo, Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
https://doi.org/10.2307/414146...
sobre o tema.

Partículas em Mundurukú são formas invariáveis, em sua maioria monossilábicas átonas, com status funcional e não lexical. Elas têm escopo principalmente sobre constituintes, ocorrendo, em sua maioria e preferencialmente, após eles. Mas também podem ter escopo sobre sentenças inteiras, como veremos na próxima seção. Como já defendemos em Gomes (2006, p. 161-162)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., “[...] exercem funções tipicamente pragmáticas, como focalização e modalização”. Na próxima seção, apresentamos partículas bastante recorrentes na língua.

DESCRIÇÃO DE PARTÍCULAS RECORRENTES EM MUNDURUKÚ

As partículas foram agrupadas por semelhança semântica. Iniciamos esta seção pelas partículas típicas de construções interrogativas. Na sequência, vêm as partículas de negação, contraste e restrição. A seguir, apresentamos as partículas de ênfase/modalização e euforia, seguidas da partícula de inclusão e, por último, as partículas de tempo, aspecto e modo (TAM).

PARTÍCULAS DE INTERROGAÇÃO

Duas partículas têm a finalidade de criar interrogação: du e jit.

du ~ tu

A partícula d“u7 7 du (após vogal) ~ tu (após consoante). [...] tem, precipuamente, função interrogativa, podendo interrogar argumentos, adjuntos ou núcleos de predicado” (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., p. 162). Nos exemplos retirados de Gomes (2006, p. 162)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., “[...] o constituinte interrogado foi deslocado para a primeira posição à esquerda, posição de foco”:

(1a) puybu du ag̃okatkat o’subuaoka?   puy-bu du ag̃okatkat o’=su-bu-aoka   cobra-CL INT homem 3Sa=3O-CL-matar   ‘Foi uma cobra que o homem matou?’ (Gomes, 2006, p. 162, reanalisado)
(1b) kisem tu bio ẽn epesuẽndakat?   kise-m tu bio ẽn epe=su-ẽn-dakat   faca-INSTR INT anta carne 23s=3O-carne-cortar   ‘Foi com uma faca que vocês cortaram carne de anta?’ (Gomes, 2006, p. 162, reanalisado)

A resposta às perguntas feitas em (1a) e (1b) é de tipo sim/não. A entonação é de pergunta, e a partícula incide diretamente sobre o constituinte questionado, ocorrendo obrigatoriamente após ele. Há formação de um contorno fonológico único entre constituinte e partícula. Além disso, há o deslocamento para a primeira posição. À função interrogativa se soma a função focalizadora, com intenção contrastiva.

Regularmente, a partícula interrogativa não coocorre com palavras interrogativas responsáveis por perguntas de tipo aberto (wh-questions)8 8 Sobre estas, cf. Gomes (2006, seção 4.3) e os exemplos (1c-1e), (2a e 2b), (5d), (12c e 12d) do presente artigo. . Essa restrição ocorre, provavelmente, devido ao fato de wh-questions e foco constrastivo já terem, per se, conexões sintáticas e funcionais: “[…] much like contrastive focus, wh-questions involve a proposition or clause that is almost entirely presupposed – except for one focal constituent. In declarative contrastive-focus clauses, that element is asserted contrastively. In wh-questions, the identity of that element is queried” (Givón, 2001bGIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II., p. 232).

Logo, seria desnecessário acrescentar uma marcação extra de foco de contraste a perguntas do tipo aberto. Mas a combinação entre uma palavra de pergunta aberta e uma partícula de interrogação do tipo sim/não é possível em Mundurukú. O objetivo, nesse caso, é reforçar a pergunta.

Nesse sentido, os enunciados (1c) e (1d) “[...] podem ser ditos durante uma corrida, mas é em (1d) que o falante manifesta insistência” (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., p. 163). Em (1c), ocorre apenas a palavra interrogativa abu ‘quem’, forma frequente, regular e não marcada de interrogar o argumento sujeito com traço mais animado. Já em (1d), o falante acrescenta a partícula interrogativa du para imprimir um valor de realce ao que está sendo interrogado: abu du.

(1c) abu koap jajẽm?   abu koap j-ajẽm-Ø   quem primeiro AUX-chegar-IPRF   ‘Quem vai chegar em primeiro?’ (Gomes, 2006, p. 163, reanalisado)
(1d) abu du koap jajẽm? 9   abu du koap j-ajẽm-Ø   quem INT primeiro AUX-chegar-IPRF   ‘Quem que será que vai chegar em primeiro?!’ (Gomes, 2006, p. 163, reanalisado)

O exemplo (1e), a seguir, foi dito “[...] por uma criança eufórica que queria saber quando ela e o pai iriam sair” (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., p. 163). Em exemplos corriqueiros, ocorre apenas a palavra interrogativa pug̃ũn ‘quando’. Mas, nesse caso, a combinação da partícula interrogativa com a palavra interrogativa acarreta uma leitura de realce para a interrogação:

(1e) pug̃ũn tu wuyju cum?   pug̃ũn tu wuyju cu-m   quando INT nós (12) ir-IPRF   ‘Quando é mesmo que nós vamos?’ (Gomes, 2006, p. 163, reanalisado)

Um outro contexto em que encontramos a partícula du/tu combinada com uma palavra interrogativa indica polidez. De acordo com os colaboradores, ao se iniciar uma interação, a pessoa não deve dizer ajo? ‘o que é?’ (palavra interrogativa de argumento objeto), mas ajo du? ‘o que que eu posso fazer por você?’. Usar apenas a palavra interrogativa é considerado rude, não polido.

Assim, a partícula du/tu tem a função primária de interrogar constituintes, imprimindo valor de foco de contraste. E, ainda no âmbito geral da interrogação, também assume um valor de ênfase/destaque e polidez.

De um ponto de vista tipológico, especificamente sobre a relação entre partícula interrogativa e focalização, Creissels (2006, p. 173)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II. afirma que também existem línguas nas quais as perguntas sim/não incluem um marcador clítico de interrogação, que acompanha o verbo por padrão, mas que também pode acompanhar outros constituintes para produzir focalização, como ocorre em Finlandês e Latim.

Logo, o comportamento focalizador da partícula interrogativa do Mundurukú, descrito aqui, seria mais uma evidência a favor da relação frequente entre essas duas funções nas diversas línguas.

Outro ponto tipológico destacável sobre partículas interrogativas de questões sim/não é a sua semelhança com partículas de negação também no quesito focalização de constituintes: “Le comportement des marques de question oui/non est […] semblable à celui des marques de négation de phrase: lorsque leur attachement est susceptible d’indiquer la focalisation d’un constituant, en l’absence de focalisation d’un constituant ils se placent par défaut au contact du verbe” (Creissels, 2006CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II., p. 173, grifo do autor).

Porém, concordamos com Creissels (2006, p. 173)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II., quando ele ressalva que, mesmo havendo semelhanças entre marcadores interrogativos e marcadores negativos, há uma diferença fundamental entre eles: a negação é um operador proposicional, enquanto a interrogação é um operador enunciativo.

Mais à frente, abordaremos a partícula de negação em Mundurukú. A seguir, apresentamos mais uma partícula interrogativa.

jit ~ cit

A partícula jit10 10 jit (após vogal) ~ cit (após consoante). Em falantes da aldeia Katõ (rio Cabitutu, Pará), registrei formas variantes: dit [dit] por jit [dʒit] e respectiva forma surda, variação presente também em outras palavras como ticã [titʃã] por cicã [tʃitʃã] ‘muito’. pode ser usada em orações interrogativas de tipo aberta para expressar “[...] exasperação do falante em relação ao que ele está perguntando. No exemplo (2a) [...], o falante está irritado pelo fato de a comida ter acabado e não ter sido suficiente para todos” (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., p. 163, adaptado). Nesse caso, a palavra interrogativa abu ‘quem?’ está sendo modificada pela partícula dit (variante de jit, cf. nota 10). Como dissemos antes, essa combinação não é obrigatória, uma vez que as palavras interrogativas funcionam, via de regra, sem partícula. O uso de dit, assim, indica ao ouvinte o estado de espírito do falante:

(2a) Abu dit tibog̃ g̃u o’timug̃eee?! Epeg̃uwẽn taoma   abu dit t-di-bog̃ g̃u o’=t-di-mug̃eee?! epe=i-mu-wẽn taoma   Quem IRRIT 3-caldo-ser.grande NEG 3Sa=3o-caldo-fazer 23s=3o-caus-falar logo   ‘Quem diabos foi que fez pouco caldo?! Digam logo quem é.’ (Gomes, 2006, p. 164, reanalisado)

No exemplo (2b), como descrevemos em Gomes (2006)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., o enunciador demonstra irritação com seu interlocutor, que está se recusando a contar a verdade:

(2b) apoma jit eyju daje wũywũy?   apoma jit eyju daje wũy~wũy-Ø?   para.onde IRRIT vocês porco flechar~ITER-IPRF   ‘Onde é mesmo que vocês estão flechando porcos?!’ (Gomes, 2006, p. 164, reanalisado)

Aqui também estamos diante de uma partícula usada em contexto interrogativo, combinando-se, pragmaticamente, com palavras interrogativas – abu e apoma, (2a) e (2b), respectivamente –, as quais não requerem partícula em contextos comuns de interação. Mas o uso da partícula evidencia que o efeito desejado é expressar a irritação do falante enquanto faz uma pergunta aberta. Especialmente no contexto do exemplo (2b), há uma discordância do falante frente ao que o seu interlocutor lhe havia respondido antes. Por isso, se dá o uso da partícula interrogativa em questão junto à palavra interrogativa, para deixar claro que um falante não está acreditando no que o outro estava lhe respondendo. Ocorre aí o fronteamento do elemento focalizado, o uso da partícula e um contorno entonacional, que agrega a palavra interrogativa e a partícula interrogativa no mesmo constituinte.

Em nossos dados, o uso de jit vem regularmente acompanhando palavras interrogativas, como ilustramos. Mas encontramos também o uso dessa partícula incidindo sobre uma palavra não interrogativa. Nesses casos, a partícula também questiona um constituinte, provoca focalização e explicita a irritação do falante. No exemplo (2c), extraído de uma narrativa, a anta está irritada com o jabuti, o qual está comendo a comida dela. Daí, faz a ele a seguinte pergunta:

(2c) ẽn cit oxat’a o’om Ijoce?! io’e poy be   ẽn cit oxat-’a o~’o-m ijoce i-o’e poy be   você IRRIT comida-CL comer~ITER-IPRF aqui 3-dizer jabuti para   ‘É você que está comendo meu buriti aqui?! Disse ao jabuti.’

A seguir, passamos a outro grupo de partículas.

PARTÍCULAS DE NEGAÇÃO, CONTRASTE E RESTRIÇÃO

Nesta seção, reunimos as partículas com valor de negação (g̃u), contraste (bit) e restrição (acã).

g̃u

A negação de constituintes em Mundurukú se dá mediante o acréscimo da partícula g̃u após o elemento negado (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.). Em (3a), há um exemplo de negação de participante de tipo argumento: puybu ‘cobra’. Em (3b), há um exemplo de negação de adjunto expresso por sintagma posposicional: kobe dag̃ ‘por canoa’. E, em (3c), é o constituinte verbal que está sendo negado: epeju ‘ (vocês) vão’.

(3a) Puybu g̃u ixe o’subuaoka. Wida ma!   Puy-bu g̃u ixe o’=su-bu-aoka. Wida ma   cobra-CL NEG ele 3Sa=3o-CL-matar onça mesmo   ‘Não foi uma cobra que ele matou. (Foi uma) onça mesmo!’ (Gomes, 2006, p. 164, reanalisado)
(3b) Kobe dag̃ g̃u epeju. Aviãw dag̃ ma!   Kobe dag̃ g̃u epe=ju. Aviãw dag̃ ma   canoa por NEG 23s=ir avião por mesmo   ‘Não é de canoa que vocês vão. É de avião mesmo!’ (Gomes, 2006, p. 164, reanalisado)
(3c) epeju g̃u   epe=ju g̃u   23s=ir NEG   ‘Não vão vocês.’ (Gomes, 2006, p. 164, reanalisado)

Também aqui ocorre a focalização do constituinte negado, com a finalidade de estabelecer um foco de contraste. Para tanto, além do uso da partícula g̃u, ocorre também o deslocamento do constituinte para a primeira posição da sentença, como evidenciado pelo deslocamento do objeto direto em (3a) e do sintagma posposicional (SP) em (3b) para essa posição, lembrando que a ordem neutra em Mundurukú é SOV-SP.

Essa focalização contrastiva com a partícula de negação seria do tipo focalização de rejeição, nos termos de Creissels (2006)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II.. Os exemplos (3a) e (3b) trazem, além desse tipo, a focalização de substituição, operada também por meio de uma partícula. Nesse caso, a partícula ma vem logo após o constituinte que irá substituir o constituinte negado na sentença anterior. Em (3a), temos wida ma ‘(ele matou foi) uma onça mesmo’. Em (3b), temos aviãw dag̃ ma ‘(ele foi) de avião mesmo’. Essa partícula ma será novamente abordada em uma seção própria mais à frente.

Apesar de ser muito comum o deslocamento do constituinte negado para a primeira posição, encontramos exemplos em que isso não ocorre:

(3d) Daybi o’yaoka g̃u g̃ebuje bit   Daybi o’=y-aoka g̃u g̃ebuje bit   Daybi 3Sa=3o-matar NEG então contraste   ‘Daybi não matou nada.’

Em (3d), o constituinte verbal é que está sendo negado, mas ele não foi descolocado para a primeira posição, que está preenchida pelo sujeito. Esse uso pode estar associado a uma negação sem focalização, algo ainda a ser investigado.

De um ponto de vista tipológico, não é incomum a relação entre negação e focalização. Por exemplo, de acordo com Creissels (2006, p. 161)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II.: “Le basque illustre aussi une interférence entre négation et construction de la phrase qui a des conséquences pour l’expression de la focalisation”. Esse autor também aponta, de um prisma translinguístico, o frequente uso de partículas para expressar negação.

A forma da negação focalizada do Mundurukú também se assemelha ao que se encontra em muitas línguas: o fronteamento do constituinte focalizado11 11 Cf., por exemplo, Givón (2001a, p. 380-381, 2001b, p. 243). .

Algo igualmente similar ao que ocorre em Mundurukú é descrito por Creissels (2006, p. 140)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II. em suas generalizações sobre características formais de partículas negativas: “Les particules négatives sont des formes non fléchies qui caractérisent comme négatives les phrases où elles figurent, qui souvent n’ont qu’une mobilité réduite, mais qui en tout cas ne peuvent pas s’analyser comme affixes du verbe”. O caráter não flexional da partícula de negação do Mundurukú – e das demais partículas da língua – é uma dessas semelhanças, assim como o caráter de mobilidade reduzida de boa parte delas, a quais ocorrem, via de regra, após o elemento modificado. Temos tendência a classificar essa e outras partículas como clíticos, e não como afixos ou palavras livres.

Vejamos, a seguir, outra partícula deste grupo semântico de negação, contraste ou restrição.

bit ~ pit

A partícula bit12 12 bit (após vogal) ~ pit (após consoante). “[...] indica que a informação dada contraria algo esperado ou que foi dito anteriormente” (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., p. 164). Em (4a), seu escopo é o sujeito (õn ‘eu’). Em (4b), o escopo é uma predicação não verbal:

(4a) õn bit ojojojo kobe   õn bit o=jo-jojo kobe   eu contraste 1s=3o-ver canoa   ‘Mas fui eu sim que vi a canoa.’ (Gomes, 2006, p. 164, reanalisado)
(4b) muba’atũm pima bit oceju jeorog̃   muba’at-ũm pima bit oceju je-orok-m   chuva-priv se contraste nós(13) MED-caçar-IPRF   ‘Mas, se não chover, nós vamos caçar sim.’ (Gomes, 2006, p. 164, reanalisado)

O exemplo (4a) é dito para alguém que está duvidando que o falante tenha visto a canoa, criando uma oposição entre os pontos de vista dos interlocutores envolvidos. A expressão de primeira pessoa já está presente no pronome clítico {o=} no núcleo do constituinte verbal, mas é repetida no pronome livre õn ‘eu’. Entendemos que essa repetição da referência do argumento sujeito nesse pronome faz parte da função de foco de contraste acumulada por essa partícula, a qual contrasta, sobretudo, proposições. Destacamos, ainda, a ordem de constituintes aí: SVO e não SOV. Já o exemplo (4b) contrasta, no contexto discursivo, a ideia de ‘ir caçar caso não chova’ com a ideia de ‘não ir caçar de modo algum’, postulada anteriormente pelo interlocutor. Em exemplos assim, a oração modificada por bit costuma vir antes da outra oração com a qual aquela se relaciona.

A partícula bit expressa também que uma mudança está acontecendo, contrastando estados. É o que vemos em (4c), a seguir, em que o algodão colhido está sendo modificado para uso. Como registramos em Gomes (2006, p. 165)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., “O falante está me descrevendo como se faz uma rede de dormir e, nesse momento, fala que a pessoa tem de ir batendo o algodão com a mão, espalhando-o e comprimindo-o”:

(4c) borõm da taerug̃ je’e g̃asũ bit   borõm da t-da-erug̃ je’e g̃asũ bit   algodoeiro semente 3Sp-semente-estar.espalhado aux agora contraste   ‘Agora, o algodão vai ficando espalhado.’ (Gomes, 2006, p. 165, reanalisado)

Em (4c), o efeito da partícula bit é sobre toda a proposição: a mudança operada faz o algodão mudar de forma, em contraste com a forma que ele tinha anteriormente. O uso dessa partícula e das demais aqui abordadas implica uma clara continuidade discursiva.

Ao relacionar discurso e partículas, poderíamos ser induzidos a evocar a classificação de ‘marcadores discursivos’ (discursive markers), proposta por Zwicky (1985)ZWICKY, Arnold M. Clitics and particles. Language, New York, v. 61, n. 2, p. 283-305, June 1985. DOI: https://doi.org/10.2307/414146.
https://doi.org/10.2307/414146...
para as partículas, conforme discutimos em seção anterior deste texto. Mas não usaremos essa terminologia, devido ao valor restritivo atribuído a ela pelo autor. Como mostramos, ele nega a existência da classe de partículas nas línguas e também inclui, nessa designação, as chamadas interjeições, o que não é o caso do Mundurukú também. No entanto, reconhecemos o impacto nas interações discursivas provocado pelas partículas aqui descritas.

A seguir, apresentamos a última partícula deste grupo.

acã

A partícula acã não é monossilábica como a maioria das demais. É usada para restringir uma informação frente a um conjunto de possibilidades, tendo um caráter excludente, portanto. Tem o significado de ‘só’, ‘apenas’.

O exemplo (5a) vem em uma sequência discursiva em que se discute quem teria matado uma onça. Um dos interlocutores afirma que haviam sido Pedro e Biboy. E o outro retruca, negando a participação de Pedro, por meio do uso da partícula de negação de constituinte g̃u – focalização contrastiva de rejeição, nos termos de Creissels (2006)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II. –, já descrita. Além disso e subsequentemente, a fim de reafirmar que Pedro estava excluído e que Biboy tinha matado a onça sozinho, o interlocutor acrescenta a partícula acã logo após o nome Biboy:

(5a) Pedoro g̃u wida o’yaoka. Biboy acã   Pedoro g̃u wida o’=y-aoka. Biboy acã   Pedro NEG onça 3Sa=3o-matar Biboy só   ‘Não foi Pedro que matou a onça. (Foi) só Biboy.’ (Gomes, 2006, p. 168, reanalisado)

No exemplo (5a), portanto, restringe-se um dos argumentos. Trata-se aqui, nos termos de Creissels (2006)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II., de focalização contrastiva de restrição. Nesse caso, a informação já conhecida (pressuposta) não precisa ser repetida, apenas o elemento focalizado, fato bastante comum nas línguas (Givón, 2001bGIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II., p. 244-245).

No exemplo (5b), a seguir, o narrador lista uma série de ações que estavam sendo feitas em um dado contexto, mas que não eram feitas todas ao mesmo tempo. A fim de dizer que se tratava de determinadas ações e não de outras, após cada predicado verbal, ele inclui a partícula acã, a qual forma, com o predicado, um conjunto com contorno fonológico único:

(5b) jekõnkõn acã, dao ‘o’om acã, jeorokorog̃ acã   je-kõn~kõn-Ø acã dao ‘o~’o-m acã je-orok~orok-m acã   MED-comer~ITER-IPRF só mingau comer~ITER-IPRF só MED-caçar~ITER-IPRF só   ‘(Ficávamos) só comendo, só tomando mingau, só caçando.’ (Gomes, 2006, p. 168, reanalisado)

Predicados não verbais também são restringidos com acã. No exemplo (5c), a construção restringida não traz um verbo, sendo composta de um pronome, seguido de um nome reduplicado. Esse conjunto é o escopo da partícula acã, criando a ideia de que, somente nos últimos anos, algo novo se passou em contraste com o que acontecia antes:

(5c) ijoyũ koatoto acã oceju etaybin ojuy   ijo-yũ koato~to acã oceju etaybit-m ojuy   este-PL verão~PL só nós(13) aprender-IPRF querer   ‘Só nestes últimos anos, quisemos aprender.’ (Gomes, 2006, p. 168, reanalisado)

O elemento modificado pela partícula acã encontra-se em primeira posição na sentença (5c), posição de foco, fato bastante frequente também com essa partícula.

Finalmente, registramos a forma ã como possível variação de acã. Vejamos o seguinte diálogo:

(5d) A. Pebũrũ axima eg̃uyum? B. Xepxep ã.   A. Pebũrũ axima e=i-muy-um? B. Xepxep ã.   quantos peixe 2s=3O-CAUS-no.alto   dois só   A. ‘Quantos peixes você pescou?’ B. ‘Apenas dois.’ (Gomes, 2006, p. 168, reanalisado)

Ainda não identificamos o fator que promove a alternância entre as formas acã e ã. Por ora, vamos considerá-las como formas variantes da mesma partícula. A posição típica delas é a mesma: após o constituinte que está sendo restringido. A variante ã ocorre bem menos que acã.

A seguir, trataremos de partículas de ênfase/modalização e euforia.

PARTÍCULAS DE ÊNFASE/MODALIZAÇÃO E EUFORIA

Neste grupo, incluímos as partículas ma ‘ênfase/modalização’ e poro ‘euforia’.

ma

Ao usar a partícula ma, que é muito frequente, o falante imprime à sua fala uma ênfase, que seria melhor traduzida como um tom de certeza, um valor de verdade em relação ao que está sendo dito13 13 Conferir, em Gomes (2006, seção 4.2.5), os advérbios modalizadores, responsáveis pelas noções de dúvida (aco'i) e certeza (icẽm). . O seu escopo pode ser tanto um constituinte – seja um argumento (6a), um adjunto (6b) ou um núcleo do predicado (6c) – quanto toda a sentença (6d).

O exemplo (6a), a seguir, traz o objeto direto (wida ma ‘onça mesmo’) deslocado para a esquerda, ocorrendo antes do sujeito da sentença (OSV, em lugar de SOV). Isso faz parte do processo de focalização contrastiva, como temos aqui abordado. Esse objeto direto vem acompanhado da partícula ma, que exerce o papel pragmático de valor de verdade (modalidade epistêmica). Logo na sequência, o falante deixa claro que não foi uma cobra que havia sido morta. Para tanto, usa a partícula de negação contrastiva g̃u junto ao constituinte negado (puybu g̃u), seguida da partícula de contraste bit, que faz um contraste maior ainda, entre sentenças/pontos de vista, a fim de contrariar o que falou o seu interlocutor anteriormente:

(6a) Wida ma ag̃okatkat o’yaoka! Puybu g̃u bit.   Wida ma ag̃okatkat o’=y-aoka Puy-bu g̃u bit   onça mesmo homem 3Sa=3O-matar cobra-CL NEG contraste   ‘Foi uma onça mesmo que o homem matou! Não uma cobra.’ (Gomes, 2006, p. 165, reanalisado)

Os exemplos seguintes trazem situação bastante semelhante, com a negação do instrumento em (6b) e do núcleo do predicado verbal em (6c), focalizando e contrastando esses constituintes com outros, que virão acompanhados de ma. Em (6b), o constituinte modificado pela partícula modalizadora ma (kisem ma ‘uma faca mesmo’) ocorre sozinho na proposição, sendo o restante dela recuperável automaticamente:

(6b) nobanõm g̃u ag̃okatkat wida o’yaoka. Kisem ma   nobanõ-m g̃u ag̃okatkat wida o’=y-aoka kise-m ma   espingarda-INSTR NEG homem onça 3Sa=3O-matar faca-INSTR mesmo   ‘Não foi com uma espingarda que o homem matou a onça. (Foi) com uma faca mesmo!’ (Gomes, 2006, p. 165, reanalisado)

No exemplo (6c), como em (6a), ocorre o deslocamento do constituinte modificado pela partícula ma para a posição inicial da sentença. Nesse exemplo, é o núcleo verbal enfatizado pela partícula que vem antes do objeto direto (VO em lugar de OV):

(6c) o’yaoka ma wida! O’g̃utaktak g̃u   o’=y-aoka ma wida! O’=i-mu-taktak g̃u   3Sa=3O-matar mesmo onça 3Sa=3O-CAUS-estar.ferido NEG   ‘Foi matar mesmo a onça o que ele fez! Não a deixou ferida apenas não.’ (Gomes, 2006, p. 165, reanalisado)

Já no exemplo (6d), o uso da partícula ma ocorre no final da sentença, podendo estar atribuindo um valor de verdade/certeza a toda ela ou apenas ao sintagma posposicional tuk‘a bewi ‘das casas deles’:

(6d) pariwat ‘it’it pupum tuk’a bewi ma!   pariwat ‘it~’it pu~pu-m t-uk-‘a be-wi ma   inimigos filho~PL pegar~ITER-IPRF 3-casa-CL em-de mesmo   ‘Raptavam os filhos dos inimigos das casas deles mesmo!’ (Gomes, 2006, p. 165, reanalisado)

A seguir, descrevemos outra partícula cuja função é também de natureza pragmática próxima a que foi aqui descrita.

poro

Segundo Gomes (2006, p. 168)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., “A partícula poro denota euforia ou admiração com alguma coisa”. Ela não é monossilábica, como a maioria das demais partículas. Funcionalmente, se assemelha à partícula ma, abordada nesta subseção, dado certo valor de ênfase presente em ambas, mas não identificamos valor epistêmico em poro, tal como identificamos em ma. Também não identificamos em poro, com clareza, valor contrastivo, como nos demais casos. Supomos, no entanto, que ele também possa estar presente, uma vez que parece haver uma possível seleção de objetos ou pessoas, a qual é pressuposta quando ocorre seu uso.

O exemplo (7a) é usado por criança ao se referir a alguma coisa que achou ou ganhou. A criança está muito eufórica, e isso fica claro devido ao uso da partícula poro logo após o demonstrativo:

(7b) ite poro wadim je’e   ite poro wadip-m je’e   essa euforia namorado-IPRF AUX.FUT   ‘Essa vai ser minha namorada!’ (Gomes, 2006, p. 168, reanalisado)

Em (7b), também se manifesta um estado de euforia por parte do falante:

(7c) wuyju g̃u poro mo wuytayxi mu’ukreg̃reg̃!   wuyju g̃u poro mo wuy=tayxi mu-’ukreg̃~reg̃   nós NEG euforia mesmo 12=esposa caus-estar.grávida~ITER   ‘Não somos nós que estamos engravidando nossas mulheres!’

Os elementos modificados por poro formam com ele um conjunto, evidenciado pela presença de um único contorno fonológico. E, novamente, constatamos que um constituinte modificado por uma partícula ocorre na primeira posição da sentença.

No exemplo (7c), poro modifica um constituinte que também é modificado pela partícula de negação g̃u. Essa frase foi dita em um contexto em que um interlocutor informa ao outro que, ao contrário do que eles dois pensavam, não eram eles que estavam engravidando as próprias esposas. Por isso, o uso da focalização de contraste por meio da partícula de negação ocorre somado à partícula que denota admiração/surpresa – poro:

(8a) eyju dak epetõ   eyju dak epe=tõ   vocês também 23s=chorar   ‘Até vocês choraram.’ (Gomes, 2006, p. 169, reanalisado)

Nesse exemplo (7c), identificamos, ainda, uma possível forma variante da partícula ma ‘ênfase/certeza’. Trata-se da partícula mo, que ocorre após poro, incidindo sobre o mesmo constituinte já modificado pelas duas partículas acima comentadas. Essa combinação de partículas é muito comum.

A seguir, passamos a outro grupo, composto de uma partícula apenas.

PARTÍCULA DE INCLUSÃO

dak ~ tak

A partícula dak14 14 dak (após vogal) ~ tak (após consoante). significa ‘inclusive, também’. No exemplo (8a), o constituinte sujeito vem modificado pela partícula dak, cuja posição é sempre posterior a ele:

(8b) dapsem tak ag̃okatkat o’jo’o   dapsem tak ag̃okatkat o’=jo-’o   veado também homem 3Sa=3O-comer   ‘Também o veado, o homem o comeu.’ (Gomes, 2006, p. 169, reanalisado)

O constituinte modificado pela partícula dak também tende a ser deslocado para a esquerda, posição de foco. Isso fica bastante evidente no exemplo (8b), em que o objeto direto dapsem ‘veado’ foi deslocado para a posição anterior ao sujeito, mudando a ordem canônica de SOV para OSV:

(8c) Epeyaoka du?   Epe=y-aoka du?   23s=3O-matar INT   ‘Vocês mataram alguma coisa?’

O uso da partícula dak pode ser classificado como focalização contrastiva de expansão, nos termos de Creissels (2006)CREISSELS, Denis. Syntaxe générale: une introduction typologique. Paris: Lavoisier, 2006. v. II., uma vez que o elemento focalizado promove a expansão da informação anterior, já fornecida ou compartilhada pelos falantes.

Os exemplos a seguir (8c-8e) trazem um diálogo, o qual nos permite observar o uso de três partículas já descritas aqui, inclusive a desta seção, dak/tak:

(8d) Ka’uma! Oceyaoka g̃u   Ka’uma! Oce=y-aoka g̃u   não 13s=3O-matar NEG   ‘Não! Não matamos nada.’
(9a) õn cuk oajẽm   õn cuk o=ajẽm   eu P.RECT 1S=chegar   ‘Acabei de chegar.’ (Gomes, 2006, p. 167, reanalisado)
(9b) botijãw’a juk oyaũm ewebe   botijãw-’a juk o=y-a-ũm e=webe   botijão-CL P.RECT 1s=3O-CL-dar 2=para   ‘Eu emprestei meu botijão para você há pouco tempo.’ (Gomes, 2006 p. 167, reanalisado)

Em (8c), o falante inicia o diálogo com uma pergunta de tipo sim/não. Ocorre, então, o uso da partícula interrogativa du, já descrita na seção anterior. Em (8d), o outro falante responde negativamente e usa a partícula negativa g̃u (além da palavra negativa ka’uma). Essa partícula foi descrita em seção anterior. O primeiro falante, então, diz que não matou nada também (8e). E, neste momento, usa a partícula tak, aqui descrita. Nesse exemplo, o pronome livre õn ‘eu’ é o alvo dessa partícula. Ele não seria obrigatório, uma vez que o pronome clítico no verbo ({o= ‘1S’}) é suficiente para informar a referência da pessoa discursiva. Porém, entendemos que o uso do pronome livre, neste caso, permite focalizar o constituinte. Isso nos leva a crer que esses pronomes livres desempenham função pragmática, além de funcionarem como argumento sintático em contextos em que o pronome clítico pessoal não ocorre, como no aspecto imperfectivo (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.). Essa interação entre partículas e pronomes pessoais livres merecerá mais de nossa atenção em pesquisas futuras.

A seguir, abordamos o último grupo de partículas, que têm natureza diferente das anteriores, por serem restritas ao constituinte núcleo do predicado (verbal ou não verbal), terem posição mais flutuante em relação a ele e, aparentemente, não carregarem função focalizadora, como as demais identificadas até aqui.

PARTÍCULAS TEMPORAIS, ASPECTUAIS E MODAIS (TAM)

Nesta seção, abordamos partículas associadas a noções temporais, aspectuais e modais, a saber: juk ‘passado recente’; buk ‘iminente’; juy ‘imperativo polido’; e kuka ‘hipotético’.

juk ~ cuk

A partícula juk15 15 juk (após vogal) ~ cuk (após consoante). indica que uma ação acabou de acontecer – exemplo (9a) – ou aconteceu em um passado bem próximo ao momento da sua enunciação – exemplo (9b):

(9c) ocenapõn cuk adi õn pit   o=cenapõn cuk adi õn pit   1s=fugir P.RECT ? eu contraste   ‘Eu, porém, fugi.’
(9d) ocetit puk ma acã juk õn ‘e’em aĩ   o=ce-tit puk ma acã juk õn ‘e~’e-m aĩ   1=MED-mamar iminente mesmo só P.RECT eu dizer~DUR.IRPF mãe   ‘Só estava dizendo mesmo há pouco que quero mamar agora, mamãe.’ (Gomes, 2006, p. 169, reanalisado)

Embora a interpretação temporal de passado recente em relação ao núcleo da predicação seja a interpretação que identificamos quando se usa essa partícula, a ocorrência dela não se dá, regularmente, após esse constituinte (posição típica de partículas), mas entre o constituinte argumento – sujeito em (9a) e objeto direto em (9b) – e o constituinte núcleo da predicação. Entretanto, não podemos afirmar ainda que, associado ao valor de passado recente, possa estar ocorrendo também algum tipo de focalização desses constituintes nominais, como identificamos com outras partículas. Testes de deslocamento dos argumentos em exemplos como (9a) e (9b), para verificar se juk se deslocaria junto com eles, têm de ser feitos, assim como outros testes para saber se há algum valor de foco aí presente.

Já o exemplo (9c), a seguir, traz a partícula juk em posição pós-verbal:

(10a) xen puk õn   xet-m puk õn   dormir-IPRF iminente eu   ‘Eu estou indo dormir agora.’ (Gomes, 2006, p. 166, reanalisado)

Nesse exemplo, também há uma leitura de passado recente, pois se está relatando uma situação (a fuga) que tinha acabado de acontecer, mas a posição pós-constituinte da partícula cuk pode estar sugerindo também uma leitura de focalização contrastiva, incidindo sobre o constituinte verbal, possibilidade reforçada pela presença da partícula de contraste bit, abordada em seção anterior.

A seguir, o exemplo (9d) traz a partícula juk incidindo sobre a oração õn ’e’em ‘eu estava dizendo’, para expressar a ideia de que se trata de um passado recente. Imediatamente antes dela, ocorre também a partícula acã ‘só’, que restringe a ação. E, antes delas, ocorrem mais duas outras partículas – puk ‘iminente/desejo’ e ma ‘ênfase/certeza’ –, que incidem sobre o constituinte verbal ocetit ‘eu mamo’, para expressar a ideia de: ‘eu quero mamar agora mesmo’:

(10b) cum puk õn ijom   cu-m puk õn i-jo-m   ir-IPRF iminente eu 3o-ver-IPRF   ‘Eu estou indo para vê-lo agora.’ (Gomes, 2006, p. 166, reanalisado)

A combinação entre partículas diversas é muito comum, como vários exemplos até aqui permitem constatar.

Especificamente sobre a ordem das partículas de tipo TAM em relação ao constituinte modificado, o que os fatos apresentados aqui nesta subseção e nas próximas vão mostrar é que há uma flutuação na posição de partículas desse tipo, embora haja uma tendência a ocorrerem em segunda posição.

buk ~ puk

Essa partícula foi identificada apenas com núcleo de predicados. Ela tende a ocorrer após eles, posição comum em que boa parte das partículas discutidas neste texto ocorre. Frequentemente, a partícula buk16 16 buk (após vogal) ~ puk (após consoante). “[...] indica que a ação expressa pelo verbo é iminente [...]” (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., p. 165). Em muitas ocorrências, o uso dela é feito em contextos em que se usa também o aspecto verbal imperfectivo. Em (10a), por exemplo, o verbo xet ‘dormir’ ocorre na sua forma imperfectiva, como se pode observar pela sufixação do morfema de imperfectivo {-m}:

(10c) eju’uk puk   e=ju-’uk puk   2s=3O-apanhar iminente   ‘Vá apanhá-lo agora.’ (Gomes, 2006, p. 166-167, reanalisado)

Em (10b), os verbos cu ‘ir’ e jo ‘ver’ também estão flexionados com o sufixo de aspecto imperfectivo. A partícula puk incide sobre o primeiro verbo, ocorrendo imediatamente após ele, informando sobre uma ação que irá acontecer com certeza muito em breve:

(10d) esubuaoka buk   e=su-bu-aoka buk   2s=3O-CL-matar iminente   ‘Mate a cobra agora.’ (Gomes, 2006, p. 166-167, reanalisado)

Além do valor de iminência, também há alto grau de certeza relativo à ação verbal que se enuncia quando se usa a partícula puk. Essa é mais uma partícula associável a um valor modalizador.

Ainda sobre os exemplos (10a) e (10b), verificamos que o sujeito ocorre após o verbo, invertendo a ordem típica entre esses constituintes. É mais um exemplo de constituinte modificado por partícula – no caso, o núcleo do predicado – que ocorre na primeira posição da sentença. Se há também aí um valor de foco, ainda não estamos aptos a afirmar, embora haja indícios formais disso.

Em outros contextos, o uso da partícula buk/puk implica o falante estar dando uma ordem (10c-10d), que deverá ser cumprida imediatamente:

(10e) g̃ebuje etapu buk!   g̃ebuje e=t-dap-u buk   então 2s=3O-pena-buscar iminente   ‘Então, vá buscar pena (de arara) agora!’
(10f) Ap! wuyjun ma buk atapu!   Ap! wuyju ma buk a=t-dap-u   Não! nós mesmo iminente 12s=3O-pena-buscar   ‘Não! Nós todos é que vamos buscar pena (de arara)!’

Em (10c) e (10d), a ação também é iminente. Mas há um valor modal nesses usos, em que se expressa uma atitude do falante frente ao ouvinte. Essa expressão de ordem, contudo, não é polida, como no caso da partícula juy, que vamos descrever na próxima subseção.

Nos exemplos (10e) e (10f), a seguir, o diálogo apresenta os dois usos citados para buk, o primeiro associado mais ao valor imperativo, e o segundo, mais ao valor iminente:

(10g) kuyaje buk wuyju ijocen ma   kuyaje buk wuyju ijoce ma   amanhã iminente nós aqui mesmo   ‘Quando for amanhã, nós ainda estaremos aqui.

Com relação à posição da partícula buk, como dissemos, ela tende a vir após o constituinte verbal. Mas há um bom número de exemplos em que ela ocorre antes do verbo, como em (10f). Ainda não identificamos se há um fator funcional nessa oscilação de posição.

Para finalizar a descrição de buk, apresentamos, no exemplo (10g), uma situação em que ela ocorre modificando um predicado não verbal:

No exemplo (10g), a partícula buk incide sobre o advérbio kuyaje ‘amanhã’, mostrando o valor de iminente, instaurado pela partícula. Entendemos que aí se encontra um predicado não verbal. O grau de certeza, o qual é também produzido indiretamente por buk sobre o que é dito, é reforçado pelo uso da partícula ma, no final da sentença.

juy ~ cuy

Associada ao imperativo, a partícula juy17 17 juy (após vogal) ~ cuy (após consoante). , de acordo com explicações dadas pelos próprios falantes, “[...] implica ordem ou sugestão, mas de caráter extremamente polido, educado, dando margem, inclusive, a uma recusa” (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., p. 166). O exemplo (11a) traz um pedido feito a uma mãe, em que o verbo ag̃ ‘olhar, cuidar’ foi modificado pela partícula cuy, a fim de expressar um tipo de ordem do falante ao ouvinte. Porém, o uso de cuy implica, em realidade, um pedido e não um comando irrecusável propriamente dito. Nesse mesmo exemplo, aparece também a partícula buk, que indica a ideia de desejo de que ação ocorra daí a pouco tempo:

(11a) okpot kay buk cuy ag̃ oxi   o=kpot kay buk cuy ak-m o=xi   1=filho para iminente IMPER olhar-IPRF 1=mãe   ‘Minha mãe, por favor, olhe o meu filho pra mim.’ (Gomes, 2006, p. 166, reanalisado)

O exemplo (11b), a seguir, também implica uma ordem polida, na verdade um pedido ou desejo, igualmente passível de ser recusado. Chama a atenção que o escopo da partícula cuy, nesse caso, é o todo constituído pelo objeto e pelo verbo, que vem após a partícula, e não antes, como na maioria dos usos das partículas descritas neste texto:

(11b) obureyũ kuyaje buk cuy oduk’a ayapik   o=bure-yũ kuyaje buk cuy o=d-uk-‘a a=y-a-pik   1=amigo-PL amanhã iminente IMPER 1=R1-casa-CL 12S=3O-CL-trabalhar   ‘Meus amigos, amanhã vamos fazer o trabalho da minha casa.’ (Gomes, 2006, p. 166, reanalisado)

Como se vê em (11a) e (11b), a associação da partícula cuy/juy com a partícula buk ‘iminente’ é frequente, mas, como se pode ver em (11c), não é obrigatória:

(11c) kuayje juy kabiaisum cuy wara’at ti iodi’in atikuda   kuayje juy kabia-isu-m cuy wara’at di io-di-’in a=t-di-kuda   amanhã IMPER dia-RECT-INSTR IMPER outro água ?-água-part 12s=3O-água-procurar   ‘Amanhã, quando for bem cedo, iremos procurar um outro lago.’ (Gomes, 2006, p. 166, reanalisado)

Este último exemplo traz duas ocorrências da partícula juy/cuy. No primeiro uso, entendemos que seu escopo seria sobre o predicado não verbal kabiaisum ‘(quando for) bem cedo’. O segundo uso incidiria sobre o objeto direto e seu verbo: wara’at ti iodi’in atikuda ‘procuraremos outro lago’.

A seguir, descrevemos a última partícula deste texto, também associada a TAM.

kuka ~ ka

A partícula kuka é responsável pela noção de hipótese. Também é uma das poucas não monossilábicas. Ela ocorre, principalmente, em contextos em que há uma relação de condição entre enunciados. Essa condição é introduzida pelo elemento subordinante pima ‘se’. O escopo de kuka é o predicado inteiro e ocorre frequentemente após ele.

O exemplo (12a), a seguir, vem de uma história em que o narrador relata que nasceu com algum problema físico. Sua mãe o criou mesmo assim, embora ela e ele fossem alvo de zombarias e fofocas de outras pessoas, especialmente de outras mulheres que rejeitavam aquela criança. Neste enunciado, o narrador relata o que algumas pessoas diziam que fariam, hipoteticamente, se ele fosse filho delas:

(12a) o’in pima kuka õn pit kuy ma og̃upik – i’e’em ip   o=’it-m pima kuka õn pit kuy ma o=i-mu-pik – i’e’em ip   1=filho-IPRF se HIP eu contraste já mesmo 1S=3O-CAUS-estar.queimado   diziam elas   ‘Se fosse o meu filho, eu já o teria queimado – diziam elas.’ (Gomes, 2006, p. 141, reanalisado)

A partícula de hipótese kuka ocorre após o predicado não verbal condicional – o’in pima kuka ‘se fosse meu filho’. Além dela, nesse exemplo (12a) ocorrem outras partículas já abordadas neste texto. A partícula pit ‘contraste’ informa uma expectativa contrária ao que acontecia, algo como: ‘em lugar de criar como essa mãe está fazendo, eu queimaria essa criança’. Após a partícula pit, ocorre o advérbio kuy ‘já’, seguido da partícula ma ‘ênfase/certeza’. Essa última partícula demonstra o grau de convicção que era expresso por quem falava aquele tipo de coisa.

O exemplo (12b), a seguir, também traz a partícula kuka associada a um predicado condicional introduzido pelo elemento subordinante pima ‘se’. Também vemos aí o uso de outra partícula já abordada – acã ‘restritivo’:

(12b) õn wãtaxipi pima acã kuka pig̃ag̃am oju g̃u   õn wãtaxipi pima acã kuka pig̃ag̃am o=ju g̃u   eu estar.doente se só HIP pescar 1s=ir NEG   ‘Só se eu estivesse doente, eu não iria pescar.’ (Gomes, 2006, p. 167, reanalisado)

Essa correlação entre hipótese (kuka) e condição (pima) é bastante recorrente e, à primeira vista, pareceria indissociável, se não houvesse na língua exemplos em que ocorre apenas a condição sem a hipótese, como no exemplo (4b), apresentado na seção “Partículas de negação, contraste e restrição”. Já a ocorrência de hipótese sem condição também é recorrente e aparece em exemplos como (12c):

(12c) Jaku deiwat. Coooh. Bik ibi. Apẽn kuka o’jewãwã?   Jaku dei-wat. Coooh. Bik i-bi. Apẽn kuka o’=je-wãwã?   este mato-de ideofone fechar 3-boca como HIP 3Sa=MED-grito   ‘Este é o índio bravo. Pegou. Fechou a boca dele. Como poderia gritar?’

Esse exemplo (12c) também serve para mostrar que a posição de kuka pode variar, vindo antes do verbo. Essa ordem pré-verbal foi encontrada em exemplos com palavras interrogativas – como em (12c) e (12d) – e com verbos do tipo ‘ser, estar, ficar’ (12e-12f).

(12d) Apẽn kuka o’ju?   Apẽn kuka o’=ju?   Como HIP 3Sa=ir   ‘Como é que ele iria?’
(12e) pũg̃ kuka osunuy ade koato jijã aids kug̃ je-binũn pe,   pũg̃ kuka osunuy ade koato jijã aids kug̃ je-binũn pe,   um HIP estar muitos verão muito aids com 3CORF-dentro em   ‘Alguém poderia estar com aids dentro de si há muitos anos.’
(12f) iwãtaxipi g̃u bit kuka osunuy   i-wãtaxipi g̃u bit kuka osunuy   3Sp-estar.doente NEG contraste HIP estar   ‘Mas a doença poderia não se manifestar.’ [continuação de (12e)]
(12g) Oe’ũ kuka io’e. Yanũg̃ũm ka oe’ũ io’e!   Oe’ũ kuka io’e. Y-anũg̃-ũm ka oe’ũ io’e   morrer HIP diz-que 3-tratar-PRIV HIP morrer diz-que   ‘Iriam morrer. Se não tivessem sido tratados, morreriam. Dizem!’

Nesse último exemplo, ocorrem as duas variantes da partícula que expressa hipótese. A distribuição entre as formas kuka e ka, contudo, ainda está por ser identificada. Aparentemente, seria variação livre, com maior ocorrência da forma longa. Outro destaque desse exemplo é a posição da partícula, que oscila entre ser pré-verbal e pós-verbal. A motivação para essa variação de posição também não foi ainda plenamente compreendida. A posição pós-verbal é a de maior ocorrência. Exemplos desse tipo sugerem haver uma variação livre.

Como vimos nesta seção, diferentemente da grande maioria das partículas discutidas neste artigo, as partículas de TAM juy, juk, buk e kuka podem ocorrer tanto antes como depois do elemento modificado por elas. Uma outra diferença delas em relação às demais é que não identificamos, com clareza, um valor de foco de contraste associado, talvez por seu escopo ser um núcleo de predicado, e não um argumento. Como já dito, há uma forte correlação entre foco de contraste e referencialidade (Givón, 2001bGIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II., p. 228). Assim, a ausência de referencialidade nos núcleos de predicados modificados pelas partículas de TAM do Mundurukú seria, possivelmente, o motivo para a ausência de foco de contraste.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo analisou as partículas em Mundurukú. Elas formam uma classe morfologicamente invariável e modificam semântica e pragmaticamente um constituinte ou uma sentença inteira. Abordamos 12 partículas, das quais nove são monossilábicas e três dissilábicas. Boa parte delas ocorre obrigatoriamente após os constituintes sob seu escopo e parece estabelecer com eles uma dependência fonológica. Por outro lado, algumas oscilam entre ocorrer antes ou depois deles.

A focalização contrastiva, a modalização e TAM são as principais funções identificadas com as partículas em Mundurukú. Particularmente, a função focalizadora de contraste é a mais comum. Via de regra, ocorre o deslocamento do constituinte modificado pela partícula para o início da sentença, além do uso de entonação própria. Assim, encontramos no Mundurukú a combinação das três estratégias típicas para expressar foco de contraste: a fonológica, a morfológica e a sintática.

Ressaltamos que as quatro partículas de TAM abordadas têm natureza diferente das demais, incidindo apenas sobre núcleos de predicados (verbais e não verbais), sendo mais flutuantes em termos posicionais e, à primeira vista, não carregando função focalizadora.

Estabelecer uma classificação semântica das partículas e identificar, com precisão, sua distribuição nas sentenças e a motivação para essa distribuição é, de fato, uma tarefa bastante difícil, como já vem sendo atestado na literatura sobre o assunto há muito tempo.

Encontramos em Mundurukú características tipológicas comuns a outras línguas, no tocante, por exemplo, à correlação entre focalização e partículas interrogativas e partículas de negação.

A relação entre partículas e os constituintes modificados por elas também nos permitiu refletir sobre a função pragmática de pronomes livres optativos, como abordado na seção em que descrevemos o uso da partícula de foco de inclusão. Como dissemos, essa relação pragmática entre partículas e pronomes pessoais livres merecerá mais de nossa atenção em pesquisas futuras. Assim como merecerá atenção o estudo diacrônico das partículas dentro da família e do tronco linguístico.

Muitos de nossos exemplos trazem a combinação de várias partículas em uma mesma sentença e, muitas vezes, uma partícula atua sobre um constituinte já modificado por outra(s) partícula(s). Embora tenhamos comentado essa interação ao discutir esses exemplos, reconhecemos que há muito a precisar ainda, por exemplo, a ordem de aparecimento concomitante dessas partículas. Outro ponto destacável é a relação entre o uso de partículas e a ordem dos constituintes.

Concluímos que a posição e o contorno fonológico criado pelas partículas em Mundurukú mostram seu escopo, mas ele não é restrito ao constituinte ou à sentença, uma vez que as partículas estabelecem uma relevante interferência no fluxo conversacional, de modo a restringir, contestar, afirmar, corrigir, incluir, questionar informações e demonstrar estados de espírito, como irritação, euforia, admiração, polidez, certeza, incerteza. E, ainda, as partículas se prestam a expressar hipóteses, ordem e tempo próximo no passado ou no futuro. Em síntese, as partículas incidem fortemente nas interações discursivas.

  • 1
    É digna de nota a diversidade de partículas em Kamaiurá, língua descrita por Seki (2000, p. 22)SEKI, Luci. Gramática do Kamaiurá: língua Tupi-Guarani do Alto Xingu. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2000., para quem partículas “[...] são muito frequentes em línguas indígenas brasileiras de diferentes filiações genéticas, notadamente Tupi-Guarani, e que, pelas dificuldades que apresentam para identificação e análise, têm sido em geral ignoradas nos materiais existentes sobre essas línguas”.
  • 2
    Por recomendação de um dos avaliadores da revista, registrarei apenas as iniciais dos nomes dos/das colaboradores/as.
  • 3
    C, j correspondem aos fonemas palatais /tʃ/ e /dʒ/, respectivamente; corresponde ao fonema /?/, o qual em fim de sílaba, após vogal nasal, é realizado como [?] e, após vogal oral, como [g?]; e, em início de sílaba, como [ɲ]; corresponde ao fonema oclusivo glotal /Ɂ/; m corresponde ao fonema nasal /m/, que, após vogal oral, é [bm] em final de sílaba e, nos demais ambientes, é [m]; n corresponde ao fonema nasal /n/, que, após vogal oral, é [dn] em final de sílaba e, nos demais ambientes, é [n]; r corresponde ao fonema alveolar /r/ em qualquer ambiente; w, y correspondem aos fonemas assilábicos /w/ e /j/, respectivamente; x corresponde ao fonema fricativo palatal /ʃ/; o corresponde ao fonema vocálico posterior alto /o/, que varia entre [o] e [u]; u corresponde ao fonema vocálico central médio /ǝ/” (Gomes, 2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., p. 9). Essa é a ortografia oficial adotada pelo povo mundurukú, tendo sido instituída nos anos de 1970.
  • 4
    Alguns exemplos advêm de outros trabalhos do autor, mas foram reanalisados.
  • 5
    Para maiores explicações sobre as classes verbais, a cisão de intransitividade e os pronomes clíticos, conferir Gomes (2006GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006., 2014)GOMES, Dioney Moreira. Voz e valência verbal em Mundurukú (Tupí). In: QUEIXALÓS, Francesc; TELLES, Stella; BRUNO, Ana Carla (org.). Incremento de Valencia en las lenguas amazónicas. Bogotá: Instituto Caro y Cuervo: Universidad Nacional de Colombia, 2014. p. 235-260..
  • 6
    Sobre esse tema, iniciamos recentemente um projeto (Gomes, 2018GOMES, Dioney Moreira. Argumentos e adjuntos em línguas indígenas brasileiras. Projeto de pesquisa. Universidade de Brasília, 2018.).
  • 7
    du (após vogal) ~ tu (após consoante).
  • 8
    Sobre estas, cf. Gomes (2006, seção 4.3)GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí). 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006. e os exemplos (1c-1e), (2a e 2b), (5d), (12c e 12d) do presente artigo.
  • 9
    Em termos estruturais, não se trata de clivagem.
  • 10
    jit (após vogal) ~ cit (após consoante). Em falantes da aldeia Katõ (rio Cabitutu, Pará), registrei formas variantes: dit [dit] por jit [dʒit] e respectiva forma surda, variação presente também em outras palavras como ticã [titʃã] por cicã [tʃitʃã] ‘muito’.
  • 11
    Cf., por exemplo, Givón (2001a, p. 380-381, 2001b, p. 243)GIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamin Publishing Company, 2001a. v. I..
  • 12
    bit (após vogal) ~ pit (após consoante).
  • 13
    Conferir, em Gomes (2006, seção 4.2.5), os advérbios modalizadores, responsáveis pelas noções de dúvida (aco'i) e certeza (icẽm).
  • 14
    dak (após vogal) ~ tak (após consoante).
  • 15
    juk (após vogal) ~ cuk (após consoante).
  • 16
    buk (após vogal) ~ puk (após consoante).
  • 17
    juy (após vogal) ~ cuy (após consoante).

ABREVIATURAS

REFERÊNCIAS

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  • GIVÓN, Talmy. Syntax: an introduction. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2001b. v. II.
  • GOMES, Dioney Moreira. Argumentos e adjuntos em línguas indígenas brasileiras Projeto de pesquisa. Universidade de Brasília, 2018.
  • GOMES, Dioney Moreira. Voz e valência verbal em Mundurukú (Tupí). In: QUEIXALÓS, Francesc; TELLES, Stella; BRUNO, Ana Carla (org.). Incremento de Valencia en las lenguas amazónicas Bogotá: Instituto Caro y Cuervo: Universidad Nacional de Colombia, 2014. p. 235-260.
  • GOMES, Dioney Moreira. Estudo morfológico e sintático da língua Mundurukú (Tupí) 2006. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.
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    » https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-especiais-3/o-brasil-indigena/povos-etnias.html
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Fev 2019
  • Aceito
    09 Set 2019
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