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CARTA DO EDITOR

De 22 a 25 de outubro de 2013, em São Paulo, foi realizada a conferência SciELO 15 Anos. Desde sua criação, a rede rapidamente tornou-se uma referência para editores e leitores, e uma certificadora da qualidade editorial das revistas indexadas. Na conferência, os organizadores mantiveram essa posição de destaque, instando o público a refletir sobre quatro pontos: profissionalização, internacionalização, sustentabilidade e visibilidade dos periódicos. Com razão, essas questões têm sido colocadas na agenda dos editores brasileiros com certa insistência, juntamente com algumas iniciativas e propostas, como a criação do SciELO Citation Index, integrado à Web of Science; a adoção da linguagem XML e do sistema de marcação do PubMed Central; a gestão online de originais; a ampliação do número de artigos publicados na língua inglesa; e a maior inserção das revistas na mídia e nas redes sociais. Some-se a delicada questão do financiamento das revistas brasileiras, uma vez que não é comum, no país, cobrar pelo acesso e nem pela publicação de artigos. A responsabilidade recai, portanto, nas instituições publicadoras, que se veem constantemente instadas a ampliar os orçamentos para incorporar novas despesas. Algumas revistas têm a sorte de contar com o apoio do consórcio CNPq/CAPES, embora seja quase simbólico diante do custo global de produção, e também de algumas fundações de amparo estaduais, neste caso, bem mais consistente do ponto de vista financeiro. Este apoio às revistas locais, infelizmente, não é uma realidade no estado do Pará.

Esses assuntos continuarão sendo debatidos em editoriais e eventos nos próximos anos, dado o alcance e a importância para o futuro das revistas. Nesta revista, manteremos na pauta algo que deveria ser incluído nas discussões relacionadas à comunicação científica no Brasil: a qualidade do que se publica, não em termos de 'impacto' ou divulgação, mas de relevância científica. Em outras palavras, é preciso não esquecer de que as revistas têm o papel de incentivar o debate científico por meio da publicação de reflexões bem circunstanciadas, de material capaz de fazer avançar o conhecimento, de fazer elevar o padrão de apresentação e discussão do resultado das pesquisas, de fazer multiplicar investigações em áreas pouco conhecidas ou exploradas e também de valorizar a erudição e a revisão contínua de temas ou assuntos considerados antiquados ou pouco importantes pelas novas gerações ou agências de fomento. É preciso que editores estejam atentos - sobretudo - ao campo científico, observando sempre o horizonte com um olhar largo e generoso.

Esta tem sido uma preocupação constante do corpo editorial deste Boletim. Mais do que um veículo de comunicação afeito a índices e métricas, esta revista quer ser um fórum de debates reconhecido no meio acadêmico, como declarado há muito tempo. Esta foi a intenção que moveu a Editora Associada de Arqueologia, Denise Cavalcante Gomes (Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro), ao propor a publicação do dossiê "Metodologia da pesquisa arqueológica". Trata-se de um tema pouco discutido no Brasil, mas fundamental para o amadurecimento teórico da arqueologia brasileira. Neste número, o leitor encontrará um conjunto de dez artigos, escritos por 24 autores de sete instituições brasileiras, duas mexicanas e uma portuguesa, sobre os mais diversos aspectos, como a pesquisa em sambaquis, bioarqueologia, arte rupestre, análise de artefatos cerâmicos históricos, levantamento intrassítio e levantamento regional na Amazônia. Técnicas e procedimentos em campo e em laboratório são descritos e analisados, chamando a atenção para o potencial e os limites de cada um, bem como para a aplicação/adaptação às características ambientais do Brasil, de maneira a nortear futuras pesquisas arqueológicas. Este esforço coletivo - de autores, pareceristas e editores - resultou em uma fonte rica de informações e comparações ao público leitor, sobretudo arqueólogos e estudantes de arqueologia. Esperamos que novas pesquisas de campo, testes de laboratório e reflexões metodológicas possam ser inspirados a partir deste dossiê.

O número inclui mais três artigos, uma nota de pesquisa e uma memória histórica. Entre os artigos, Alexandre Antunes Ribeiro Filho, Cristina Adams e Rui Sérgio Sereni Murrieta (Universidade de São Paulo) fazem detalhada revisão crítica da literatura internacional relacionada ao impacto da agricultura de corte-e-queima em solos de floresta tropical, organizando temas e resultados e sugerindo indicadores de qualidade do solo para esse tipo de prática agrícola. Por sua vez, Fabíola Silva (Universidade de São Paulo) descreve e analisa aspectos relacionados à produção e à utilização de objetos pelos Asurini do Xingu, demonstrando como inovações recentes nas práticas tecnológicas do grupo podem ser entendidas como formas de expressão estética e de ação simbólica, carregadas de significado identitário. Por fim, Mayra Teruya Eichemberg (Universidade do Estado de Santa Catarina) e Maria Christina de Mello Amorozo (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho) avaliam a contribuição dos quintais urbanos antigos na alimentação e na economia doméstica da cidade de Rio Claro, São Paulo, chamando a atenção para os quintais enquanto fontes para a diversificação alimentar, embora estejam sendo subexplorados atualmente. Na nota de pesquisa, Francini Medeiros da Silva (Universidade de São Paulo) e colaboradores apresentam a metodologia empregada no tratamento de amostras de sedimento provenientes de sítios arqueológicos localizados na Amazônia central, destacando o uso de defloculantes associados à técnica de flotação. A nota pode ser lida de maneira integrada ao dossiê aqui publicado.

A seção Memória apresenta um texto de Gleice Mere (pesquisadora independente) sobre Emil-Heinrich Snethlage (1897-1939), destacando as expedições que realizou no país, a dimensão e a trajetória de seu acervo etnográfico. Embora formado em ciências naturais, E.-H. Snethlage fez carreira como antropólogo e produziu importantes estudos sobre os povos indígenas do Nordeste brasileiro e de Rondônia. Boa parte de sua obra permanece inédita e/ou não traduzida ao português, o que tem limitado o acesso de pesquisadores brasileiros às suas importantes análises etnológicas. G. Mere vem trabalhando há anos na organização e na digitalização do acervo documental de Snethlage, em posse da família, na Alemanha, e também na documentação da obra do pesquisador. Seu texto inclui, além de informações sobre o itinerário de viagem e os povos indígenas contatados por Snethlage, a tradução de três preciosas cartas de Curt Nimuendajú, pela primeira vez publicadas, endereçadas a Emil-Heinrich e à sua tia, Emilie Snethlage. As cartas revelam, além da estreita colaboração dos três cientistas, um importante episódio da carreira profissional de Nimuendajú, a 'pacificação' dos Parintintin. Agradecemos a Gleice Mere pela elaboração do texto e à família Snethlage pela autorização dada à revista para a publicação de documentos e fotografias.

Faço, finalmente, meus agradecimentos à equipe editorial, sobretudo à Editora Associada Denise Cavalcante Gomes e à Editora Executiva, Rafaele Lima, pela qualidade do diálogo que estabelecemos e pela atenção dada a todos os aspectos da produção editorial; e também aos 119 pareceristas (referees) que colaboraram com esta revista em 2013, todos identificados ao final deste número.

Boa leitura!

Nelson Sanjad

Editor Científico

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013
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