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Ler e copiar, ouvir e registrar: um dicionário jesuítico como instrumento de aprendizado da língua geral na amazônia setecentista

Reading and copying, listening and registering: a Jesuit dictionary as a tool for learning the Língua Geral in eighteenth century Amazonia

Resumo

Este artigo tem como objetivo entender como um dicionário, escrito por um jesuíta alemão no século XVIII, foi utilizado como instrumento de aprendizado da língua geral na Amazônia. O documento analisado é entendido como parte da política linguística jesuítica, a partir da qual o aprendizado de línguas era de fundamental importância para a ação missionária. O conceito de mediação cultural será apropriado, pois o dicionário é interpretado como um instrumento linguístico essencial para o missionário, como mediador, aprender o idioma indígena e realizar seu trabalho de conversão. Primeiramente, buscou-se delinear, em linhas gerais, como se formou a política jesuítica de línguas na América portuguesa. Em seguida, foi realizada uma contextualização histórica do manuscrito. Por fim, foram analisados indícios encontrados nos verbetes que elucidam o processo de confecção do dicionário, a trajetória missionária do autor e seu aprendizado da língua geral.

Dicionário; Jesuítas; Língua Geral; Amazônia colonial

Abstract

The aim of this article is to understand how a dictionary, written by a German Jesuit in the eighteenth century, was used as a tool for learning the “língua geral” in the Amazon region. The analyzed document is understood as a part of Jesuit linguistic politics, in which the learning of languages was of fundamental importance for missionary activity. The concept of cultural mediation will be discussed because the dictionary is interpreted as an essential linguistic tool for the missionary, as a mediator, to aid his conversion work. Firstly, this article intends to give a general outline of Jesuit linguistic politics in Portuguese America. Secondly, the manuscript is placed in its historical context. Finally, indications found in the entries that clarify the process of dictionary making, the missionary trajectory of the author, and his learning of the Língua Geral are analyzed.

Dictionary; Jesuits; Língua Geral; Colonial Amazonia

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objeto de estudo um dicionário anônimo jesuítico escrito em língua geral, datado de 1756, encontrado recentemente na Biblioteca e Arquivo Municipal de Trier (Stadtbibliothek/Stadtarchiv Trier)1 1 ANÔNIMO. Dicionário Português-Língua Geral e Língua Geral–Português. Alemanha: Stadtbibliothek/Stadtarchiv Trier. Ms 1136/2048 4°, [1756]. na Alemanha, pelo linguista luxemburguês Jean-Claude Muller (2012)MULLER, Jean-Claude. Die Identifizierung eines Sprachschatzes in der Trierer Stadtbibliothek das jesuitische Wörterbuch Alt-Tupi/Portugiesisch. Kurtrierisches Jahrbuch, Trier, v. 52, p. 371-387, 2012.. Este documento, até então inédito, era desconhecido dos especialistas em tupi e instrumentos linguísticos do período colonial.

O manuscrito é dividido em duas partes, português-língua geral (fólios 1-48) e língua geral-português (fólios 48-65). O dicionário também apresenta diversos comentários pessoais feitos pelo autor em alguns verbetes. Estes comentários foram escritos, na maioria dos casos, em latim, mas também alguns em português e alemão antigo, o que demonstra que o autor interferiu em diferentes momentos no documento, incluindo novas informações.

A análise do documento permitiu identificar que, com muita probabilidade, o dicionário foi escrito por um missionário de língua alemã que chegou à Amazônia na década de 1750. Sabe-se que um grupo de oito jesuítas da Europa Central desembarcou no Estado do Grão-Pará e Maranhão em 1750 e 1753 (Leite, 1943LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, v. 3-4, 1943., p. 357-358). Provavelmente, um dentre estes religiosos foi o autor do manuscrito, pois há evidências no dicionário que permitiram estabelecer esta hipótese.

O dicionário de 1756 foi transcrito a partir de uma cópia digitalizada fornecida pela Biblioteca Municipal de Trier, em vista de ser editado de forma impressa e digital e, assim, ser disponibilizado para pesquisadores de diversas áreas. Durante este processo, percebeu-se que o documento apresentava inúmeras referências a catecismos e gramáticas em língua geral, a grupos indígenas e lugares amazônicos além de comentários que expressam nuances da experiência missionária do autor que precisariam ser contextualizadas.

Neste sentido, o objetivo deste trabalho é compreender o processo de “construção” do dicionário de 1756, através de indícios encontrados nos verbetes, que também podem ajudar, ao menos parcialmente, a entender o processo de aprendizado da língua geral na Amazônia pelo missionário-autor. Este aprendizado era indispensável para o religioso executar com êxito seu trabalho de conversão junto aos indígenas. Para tanto, era imperiosa a produção de instrumentos linguísticos, como o documento aqui analisado, que viabilizassem a sistematização e aprendizado da língua indígena (Pompa, 2003POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial. Bauru, SP: EDUSC, 2003., p. 84-85; Altman, 2003ALTMAN, Cristina. As línguas gerais sul-americanas e a empresa missionária: linguagem e representação nos séculos XVI e XVII. In: FREIRE, José Ribamar Bessa; ROSA, Maria Carlota (Org.). Línguas Gerais: política linguística e catequese na América do Sul no período colonial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. p. 57-83., p. 64).

O documento é analisado a partir do conceito de mediação cultural, pois este se constitui “como um processo de comunicação – isto é, construção de situações e textualidades que engendram sentidos compartilhados nas zonas de interculturalidade” (Montero, 2006MONTERO, Paula. Índios e missionários no Brasil: para uma teoria da mediação cultural. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006. p. 31-66., p. 59). Sendo assim, o missionário é um mediador entre os saberes ocidentais e indígenas ressignificando práticas e códigos culturais. A tradução cultural se dá essencialmente no campo da religião, código privilegiado de conversão de sentidos (Montero, 2006MONTERO, Paula. Índios e missionários no Brasil: para uma teoria da mediação cultural. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006. p. 31-66., p. 56-57; Gasbarro, 2006GASBARRO, Nicola. Missões: a civilização cristã em ação. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006. p. 67-109., p. 81; Agnolin, 2007AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., p. 139).

A necessidade de tradução linguística e cultural levou os missionários a produzirem instrumentos que servissem de auxílio para esta conversão de sentidos através da sistematização e homogeneização das línguas nativas a partir do modelo gramatical latino e do catecismo tridentino (Agnolin, 2006AGNOLIN, Adone. Catequese e tradução: Gramática cultural, religiosa e linguística do encontro catequético e ritual nos séculos XVI-XVII. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006. p. 143-207., p. 200; Agnolin, 2007AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., p. 21-33). Logo, o dicionário de 1756 é interpretado como um instrumento para a mediação cultural que permite a seu autor o aprendizado da língua geral e a viabilização de sua atuação missionária na Amazônia.

Primeiramente, recorrendo à historiografia especializada, buscar-se-á entender como se delineou a política linguística jesuítica da qual o dicionário de 1756 faz parte. Posteriormente, será abordada, em linhas gerais, a chegada e atuação de um grupo jesuítas de língua alemã na Amazônia em meados do século XVIII. Concomitantemente, será feita uma contextualização histórica do documento, delineando a situação política durante os primeiros anos do governo pombalino, quando os jesuítas foram sendo paulatinamente expurgados do império português, com destaque à América.

Por fim, serão analisados alguns verbetes no dicionário que ajudam a entender como o autor construiu o manuscrito e suas estratégias de aprendizado da língua geral. Os dados encontrados no dicionário foram cruzados com duas gramáticas e três catecismos para verificar o que o autor consultou e copiou destas. Para uma breve contextualização dos grupos indígenas e lugares amazônicos citados, foram utilizados relatos dos séculos XVII e XVIII.

POLÍTICA LINGUÍSTICA JESUÍTICA E A LÍNGUA GERAL NA AMÉRICA PORTUGUESA

Ao chegar ao Brasil, colonos e missionário se depararam com uma imensa variedade étnica e linguística entre os nativos. Dentre as mais de setecentas línguas indígenas que se estimou existirem nos primeiros anos da colonização na América portuguesa, uma em especial, a dos Tupinambá, chamou a atenção por ser “a mais usada na Costa do Brasil” como definiu o padre José de Anchieta. Por esta característica, o idioma dos Tupinambá se tornaria a língua franca da colônia sendo um “instrumento de mediação entre vários grupos indígenas e os missionários” (Almeida, 2014ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Catequese, aldeamentos e missionação. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil colonial: volume 1 (ca. 1443-ca.1580). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 435-478., p. 454).

Tão logo os europeus, colonos e missionários perceberam a diversidade de línguas, entenderam que para a viabilização do projeto catequético-colonizador havia a necessidade de se estabelecer comunicação com os nativos. Para tanto, o entrave linguístico deveria ser superado através do aprendizado do tupi, língua que era entendida pela maior parte dos indígenas na costa brasileira. A apreensão desta, que se se tornaria a língua de comunicação supra-étnica entre índios e agentes coloniais, foi elemento indispensável para o controle colonial (Freire, 2004FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: Eduerj, Atlântica, 2004., p. 50-51; Freire, 2008FREIRE, José Ribamar Bessa. Nheengatu: a outra língua brasileira. In: STOLZE, Ivana Lima; CARMO, Laura do (Org.). História social da língua nacional. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 2008. p. 119-149., p. 138; Altman, 2003ALTMAN, Cristina. As línguas gerais sul-americanas e a empresa missionária: linguagem e representação nos séculos XVI e XVII. In: FREIRE, José Ribamar Bessa; ROSA, Maria Carlota (Org.). Línguas Gerais: política linguística e catequese na América do Sul no período colonial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. p. 57-83., p. 64).

A expressão “língua geral” começou a ser usada na América portuguesa a partir do século XVII para “qualificar línguas indígenas de grande difusão numa área” (Rodrigues, 1986RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Loyola, 1986., p. 99), o que aconteceu também em outras regiões como a América espanhola, e que era falada:

[...] por toda a população originada no cruzamento de europeus e índios tupi-guarani [...] à qual foi-se agregando um contingente de origem africana e contingentes de vários outros povos indígenas, incorporados ao regime colonial, em geral na qualidade de escravos ou de índios de missão. (Rodrigues, 1996RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. As línguas gerais sul-americanas. Papia - Revista Brasileira de Estudos Crioulos e Similares, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 6-18, 1996., p. 6)

Segundo Cristina Altman, especificamente no caso das Américas “as línguas gerais foram as línguas autóctones inicialmente escolhidas pela administração colonial e pela Igreja como veículo supra-regional de contato entre as diversas populações colônias” (Altman, 2003ALTMAN, Cristina. As línguas gerais sul-americanas e a empresa missionária: linguagem e representação nos séculos XVI e XVII. In: FREIRE, José Ribamar Bessa; ROSA, Maria Carlota (Org.). Línguas Gerais: política linguística e catequese na América do Sul no período colonial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. p. 57-83., p. 58). A sistematização e aprendizado dessas línguas foi uma estratégia primordial para a ação colonizadora. Catequese e dominação territorial eram diretrizes que uniam Igreja e Estado no Novo Mundo.

Outro importante ponto são as variações do tupi, ocorridas ao longo do tempo, de acordo com a região. Rodrigues (1986RODRIGUES, Aryon Dall’Igna. Línguas brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Loyola, 1986., p. 100-103, 1996, p. 8-9) afirma que a língua geral apresentou diferenciações linguísticas no Estado do Brasil e, posteriormente, no Estado do Grão-Pará e Maranhão. A variação do tupi falado no norte da América portuguesa ficou conhecida como língua geral amazônica (LGA); mais ao sul falava-se a língua geral paulista (LGP). A LGA foi a que resistiu mais tempo, falada por uma significativa parcela da população até a primeira metade do século XIX decaindo seu uso após este período (Freire, 2004FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: Eduerj, Atlântica, 2004., p. 17).

Inicialmente, o aprendizado da língua geral pelos europeus se dava através do convívio e imersão cultural em meio aos indígenas. No entanto, logo se iniciou a “redução” da língua geral do plano oral para o escrito a partir do modelo gramatical latino (Agnolin, 2006AGNOLIN, Adone. Catequese e tradução: Gramática cultural, religiosa e linguística do encontro catequético e ritual nos séculos XVI-XVII. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006. p. 143-207., p. 207) para, dessa forma, torná-la apreensível para os europeus. A partir disso, determinados conceitos (em especial religiosos), inexistentes na língua tupi, foram criados a fim de possibilitar a transmissão da mensagem cristã. De acordo com Agnolin (2007AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., p. 115) a redução da língua geral se desenvolveu de forma correlata à redução dos povos indígenas.

No século XVI essa política linguística de “redução” do tupi ao plano escrito começou a ser delineada na América portuguesa, capitaneada principalmente pelos missionários em seu trabalho de conversão dos nativos. Esta política caracterizou-se pela escolha e sistematização de uma língua que servia como mecanismo de contato interétnico. Segundo José Ribamar Bessa Freire:

O termo política de línguas vem sendo usado pela sociolingüística para designar um conjunto de medidas, explícitas ou implícitas, adotadas predominantemente pelo Estado – mas também por outros agentes sociais – para ordenar as línguas faladas em um determinado território. (Freire, 2004FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de Janeiro: Eduerj, Atlântica, 2004., p. 90)

Para o sucesso da empresa colonizadora era necessário fazer com que o tupi fosse homogeneizado através de gramáticas para facilitar o aprendizado por parte dos colonizadores. Neste processo, línguas ágrafas como o tupi foram “reduzidas” do plano oral para o escrito. Era, portanto, imprescindível adotar a língua nativa para então realizar esta transformação (Agnolin, 2007AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., p. 293).

No Brasil colonial os jesuítas tiveram papel fundamental no processo de formulação e execução de uma política linguística com o objetivo de solucionar o problema da comunicação com os nativos. Sendo a Companhia de Jesus uma ordem missionária, a questão do aprendizado de línguas era fundamental na criação dos quadros de religiosos que iriam para as missões. As Constituições jesuíticas, como orientadoras das ações dos padres da Companhia, prevêem o aprendizado de línguas como elemento essencial para a formação jesuítica.

As experiências jesuíticas na América portuguesa fizeram com que os missionários se apercebessem da grande necessidade de aprendizado das línguas locais para o seu trabalho de conversão. Sendo assim, uma política linguística foi institucionalizada através de instruções de decretos da Companhia. Na década de 1580 o padre visitador Cristóvão de Gouveia instituiu um Regimento no qual a questão do aprendizado da língua geral ganhou um caráter obrigatório (Castelnau-L’Estoile, 2000CASTELNAU-L’ESTOILE, Charlotte de. Les ouvriers d’une vigne stérile: les jésuites et la conversion des indiens au Brésil (1580-1620). Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; Paris: Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2000., p. 148-153; Pompa, 2003POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial. Bauru, SP: EDUSC, 2003., p. 72).

Nesta situação, os missionários precisavam adaptar-se ao Novo Mundo, aprendendo a língua nativa para assim poder ensinar ao indígena a palavra cristã. Neste sentido, o processo de gramaticalização da língua era essencial para conhecer não somente a língua, mas também a cultura indígena.

Começou a formar-se na América portuguesa um quadro de intérpretes coloniais, os chamados “línguas”, homens que dominavam a língua geral e que por isso eram arregimentados para ajudarem na tradução entre missionários e indígenas (Barros, 1995BARROS, Maria Cândida D. M. Os línguas e a gramatica tupi no Brasil (Seculo XVI). Amerindia - Revue d’ethnolinguistique amérindienne, Paris, v. 19-20, p. 3-14, 1995., p.4-5). Alguns destes, inclusive, chegaram a entrar para a Companhia em virtude de sua proficiência em tupi, mesmo tendo pouco ou nenhum conhecimento do latim, então obrigatório na formação religiosa.

A escrita tem um papel fundamental no trabalho missionário de conversão, que começa com a dicionarização e gramaticalização das línguas nativas, como afirma Daher (1998DAHER, Andréa. Escrita e conversão: a gramática tupi e os catecismos bilíngues no Brasil do século XVI. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 8, p. 31-43, Mai./Jun./Jul./Ago. 1998., p. 34). Assim, em diversas partes do mundo, foram produzidos textos de tradução/conversão linguística, religiosas e culturais com o objetivo de serem instrumentos tanto de catequese quanto de dominação colonial.

Neste esforço de estabelecimento de uma língua franca na colônia, foram produzidos diversos instrumentos linguísticos como gramáticas, catecismos, dicionários, lista de palavras etc. Dessa forma formou-se “uma língua-padrão, a partir de uma homogeneização de diferentes dialetos tupi, conformados à lógica da gramática latina”. (Pompa, 2003POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e “Tapuia” no Brasil colonial. Bauru, SP: EDUSC, 2003., p. 86).

O processo de criação de instrumentos linguísticos tupi, como o dicionário de 1756, analisado neste trabalho, permitiu o aprendizado da língua geral e também ajudou na compreensão do “significado das práticas e das representações culturais dos próprios indígenas” (Agnolin, 2007AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., p.77). De acordo com Luiz Borges:

A política de homogeneização da língua tupi, correlata à política de hegemonização do discurso missionário e de interpretação controlada dos textos sagrados, impunha a criação de instrumentos lingüísticos que facilitassem a implementação dos fins visados pela empresa catequético-colonial. O instrumento lingüístico é a materialidade da consciência, em sua dimensão de consciência política de um grupo de falantes, ou do grupo que domina a política lingüística. (Borges, 2003BORGES, Luiz C. A língua geral: revendo margens em sua deriva. In: FREIRE, José Ribamar Bessa; ROSA, Maria Carlota (Org.). Línguas Gerais: política linguística e catequese na América do Sul no período colonial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2003. p.113-131., p. 120)

Segundo Pinheiro (2005PINHEIRO, Cláudio Costa. Traduzindo Mundos, inventando um império: língua, escravidão e contextos coloniais portugueses dos alvores da modernidade. 2005. 227 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005., p. 75-76), os instrumentos linguísticos são textos de tradução que serviram para a execução do projeto catequético-colonizador empreendido por colonos, mas, sobretudo por religiosos. Os autores destes textos estavam diretamente ligados à administração colonial ou às Ordens religiosas. Para isto, embasaram-se em modelos de dicionários e gramáticas latinos e, no caso dos catecismos, no modelo estabelecido pelo Concílio de Trento com o objetivo de preservar os “conteúdos da fé” (Agnolin, 2007AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., p. 26).

Dessa forma, a criação de instrumentos linguísticos vai além da tradução linguística e cultural; foi também ferramenta de dominação colonial produzida por e para os colonizadores. Um exemplo disto são os catecismos analisados por Agnolin (2007)AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., sendo esses textos de uso exclusivo dos missionários; pois, na falta de imprensa na colônia, eram muitas vezes difundidos entre os missionários através de cópias manuscritas.

As gramáticas e os dicionários, embora não tivessem a função religiosa dos catecismos, serviam como instrumentos de aprendizado da língua geral, fundamentais para a leitura dos catecismos. Todavia, a função desses textos ia além da tradução de sentidos. Especificamente sobre os dicionários, o antropólogo Cláudio Costa Pinheiro, estudando os léxicos que remetem à relação de dominação, faz a seguinte reflexão:

[...] os dicionários funcionam, tanto quanto as espadas, armas e canhões como instrumentos de conquista, mas da conquista de um espaço epistemológico aberto pelo confronto de sistemas cognitivos. São armas de um império e não simples listas, ou por outra, são listas de classificação que se remetem a todo um universo de embates de sistemas classificatórios, de cognição e significação associados à língua e à cultura e tomados a partir dos processos Moderno de ação e conquista imperiais. (Pinheiro, 2005PINHEIRO, Cláudio Costa. Traduzindo Mundos, inventando um império: língua, escravidão e contextos coloniais portugueses dos alvores da modernidade. 2005. 227 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social)–Museu Nacional Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005., p. 157, grifo do autor)

Portanto, fica evidente que esses textos serviam tanto para a conversão de sentidos e comunicação quando para a imposição de novos significados linguísticos culturais e religiosos. Destarte, ao reduzir as línguas indígenas ao plano escrito, de acordo com modelos textuais europeus, mais do que buscar equivalências, os autores buscam sistematizar linguística e culturalmente as línguas, para assim torná-las inteligíveis ao universo cultural europeu.

No caso de textos produzidos por missionários jesuítas, estes cumpriam ainda outra função. Segundo Montero (2006)MONTERO, Paula. Índios e missionários no Brasil: para uma teoria da mediação cultural. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006. p. 31-66. os missionários buscavam classificar e comparar as culturas com o objetivo da evangelização, produzindo novos significados. Neste processo, criam-se entre missionários e indígenas códigos comunicativos compartilhados, produzindo textualidades e situações de interações generalizadas que ocorrem em lugares interculturais, como as missões, sendo este “espaço da mediação cultural” (Montero, 2006MONTERO, Paula. Índios e missionários no Brasil: para uma teoria da mediação cultural. In: MONTERO, Paula (Org.). Deus na aldeia: missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006. p. 31-66., p. 23-59).

O processo de construção de códigos comunicativos compartilhados é feito tanto pelos missionários quanto pelos indígenas, produzindo uma nova linguagem e percepção cultural e religiosa de ambos os lados. Seguindo a assertiva de Paula Montero sobre a mediação cultural, podemos afirmar que textos como gramáticas, catecismos e dicionários, como o que é objeto de análise neste trabalho, estes são instrumentos para a mediação feita pelos religiosos.

Sendo assim, o dicionário de 1756, objeto deste trabalho, é entendido como parte de um “corpus” textual criado com a pretensão de traduzir linguística e culturalmente e ser um instrumento de mediação e aprendizado da língua geral. O esforço de análise desses gêneros textuais deve levar em consideração as condições sob as quais foram produzidos e quais os agentes que os confeccionaram. Esta é a discussão do tópico seguinte.

JESUÍTAS ALEMÃES NA AMAZÔNIA NO PERÍODO POMBALINO

O dicionário de 1756 foi escrito no período das reformas promovidas pelo ministro português Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, e executadas por seu irmão no Estado do Grão-Pará e Maranhão, o então governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Pombal era favorável ao regalismo, linha de pensamento que visava o fim da intervenção da Igreja nos assuntos do Estado e a sua subordinação a este último (Maxwell, 1997MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997., p. 102; Souza Junior, 2012SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerras e negócios no Grão-Pará do setecentos. Belém: EDUFPA, 2012., p. 73).

Pombal embasava sua política no despotismo esclarecido. Tentava transformar Portugal em um Estado política e economicamente forte e avançado, fazendo com que a imagem do atraso português fosse superada. Se por um lado o ministro português queria que o progresso da ciência chegasse ao povo português, por outro isto deveria acontecer sob os olhos e controle do Estado.

Recuperar a economia portuguesa e diminuir sua dependência da Inglaterra estava na pauta principal do governo português. Para a execução deste plano, a Amazônia tinha um papel fundamental, pois a reorganização das relações política e econômica no norte da América portuguesa poderia dar subsídios financeiros que ajudariam no processo de atualização histórica de Portugal (Souza Junior, 2012SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerras e negócios no Grão-Pará do setecentos. Belém: EDUFPA, 2012., p. 90).

Os poderes temporais que os jesuítas foram acumulando, bem como sua influência na Corte portuguesa, representavam um perigo para os interesses da Coroa. Pombal entendeu que esse poder adquirido pelos jesuítas era pernicioso ao Estado, pois abalava a economia portuguesa e a própria ação real (Maxwell, 1997MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997., p. 63).

Paulatinamente, as tensões entre a política pombalina e o pensamento político jesuítico influenciado pelos teóricos da Segunda Escolástica - que não aceitava o poder absoluto dos monarcas como direito divino - foram se tornando cada vez maiores. De acordo com José Alves de Souza Junior:

O choque entre o regalismo de Pombal e o corporativismo da filosofia política jesuítica foi-se tornando inevitável e colocando os jesuítas no centro do turbilhão provocado pelas reformas pombalinas, pois eles passaram a ser considerados como grandes obstáculos à concretização destas, o que, em parte, justificou a sua expulsão (Souza Junior, 2012SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerras e negócios no Grão-Pará do setecentos. Belém: EDUFPA, 2012., p. 76).

As tensões entre jesuítas, moradores e autoridades coloniais no cotidiano dos aldeamentos, o conflito de interesses políticos e econômicos entre a colônia e a metrópole foram se intensificando. Este fator, agregado à oposição jesuítica ao Tratado de Limites de 1750, que visava demarcar as terras entre as possessões portuguesas e espanholas na América, foram convencendo Mendonça Furtado, e este a seu irmão, de que os jesuítas representavam um obstáculo para a execução das reformas do governo no Grão-Pará e Maranhão (Maxwell, 1997MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997., p. 55).

Para Souza Junior (2012SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerras e negócios no Grão-Pará do setecentos. Belém: EDUFPA, 2012., p. 93) as medidas criadas no governo pombalino como o Diretório dos índios, a Companhia de Comércio do Estado do Grão-Pará e Maranhão e a expulsão dos inacianos foram articuladas a partir das conjunturas políticas e econômicas na colônia, percebidas por Mendonça Furtado. A intensa troca de missivas entre o governador e seu irmão na metrópole foram tornando-o ciente daquilo que estava acontecendo e sendo executado na região norte.

Progressivamente, a política pombalina foi se chocando com interesses dos padres da Companhia de Jesus. Primeiramente com a decisão de retirar o poder temporal dos jesuítas sobre os aldeamentos; depois o confisco do patrimônio arregimentado pelos inacianos na colônia, sob a acusação de acumulação ilícita. Ambas representaram um duro golpe no projeto jesuítico de conversão.

O estopim para a expulsão dos inacianos dos territórios lusos foi o atentado ao rei D. José I em setembro de 1758, em que foram acusados os membros da prestigiosa família Távora e os padres jesuítas Gabriel Malagrida, João de Matos e João Alexandre (Assunção, 2004ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004., p. 42). Pombal aproveitou este incidente “como meio para esmagar tanto a oposição aristocrática como os jesuítas em Portugal” (Maxwell, 1997MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997., p. 92). Em 1759 decretou a expulsão dos jesuítas de todos os territórios portugueses, iniciando assim uma campanha difamatória pela Europa que culminaria com a expulsão da Ordem de outros países e, finalmente, a sua supressão em 1773.

Na prática, o processo de expulsão dos jesuítas na Amazônia começou antes de 1759 e afetou principalmente os padres “estrangeiros”, ou seja, não lusitanos, o que também ocorreu em outras colônias portuguesas. A partir de 1755, alguns missionários de língua alemã presentes no norte da América portuguesa como os padres Roque Hundertpfund, Anselm Eckart e Anton Meisterburg foram sendo gradativamente expulsos devido a comportamentos considerados pouco ortodoxos.

O padre Hundertpfund, que gozava de prestigio junto à rainha de Portugal, Maria Ana da Áustria (1683-1754), fora acusado de conspiração em meio aos índios, o que gerou preocupação do governador Mendonça Furtado, como fica explicitado em cartas trocadas com Pombal (Mendonça, 1963MENDONÇA, Marcos Carneiro de. A Amazônia na era pombalina: correspondência inédita do governador e capitão general do Estado do Grão Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, 1751-1759. 3 v. Rio de Janeiro: IHGB, 1963., p. 798-821). O missionário alemão acabou sendo deportado em 1755, com outros jesuítas. Eckart e Meisterburg sofreram a acusação de serem engenheiros militares disfarçados, que tentariam atrapalhar a secularização da aldeia de Trocano, no rio Madeira (que seria posteriormente transformada em vila de Borba, a nova), utilizando duas peças de artilharia. Ambos foram deportados em 1757 (Fernández Arrillaga; García Arenas, 2009FERNÁNDEZ ARRILLAGA, Inmaculada; GARCÍA ARENAS, Mar. Dos caras de una misma expulsión: el destierro de los jesuítas portugueses y la reclusión de los misioneiros alemanes. Hispania Sacra, Madrid, v. 61, n. 123, p. 227-256, jan./jun. 2009., p. 228-234; Souza Junior, 2012SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerras e negócios no Grão-Pará do setecentos. Belém: EDUFPA, 2012., p. 117-118).

Segundo Souza Junior (2012SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerras e negócios no Grão-Pará do setecentos. Belém: EDUFPA, 2012., p.118) os jesuítas alemães eram os responsáveis pela administração das áreas fronteiriças no norte da Amazônia sob domínio português como, por exemplo, os padres Eckart e Meisterburg e Hundertpfund nas missões de Trocano e Abacaxis, que ficavam no rio Madeira. Os alemães também estiveram presentes na região do rio Xingu, como o padre Laurenz Kaulen que solicitou a Dom José I a permissão para que os jesuítas alemães atuassem na região (Souza Junior, 2012SOUZA JUNIOR, José Alves de. Tramas do cotidiano: religião, política, guerras e negócios no Grão-Pará do setecentos. Belém: EDUFPA, 2012., p. 147). A preocupação com zonas de fronteira serviu de incremento para as acusações contra os jesuítas alemães, pois a administração portuguesa temia uma possível invasão estrangeira por estas áreas.

Na ocasião do processo de expulsão dos jesuítas das terras lusas os ditos “estrangeiros” receberam maior vigilância. Enquanto os jesuítas portugueses foram levados para a Itália, os “estrangeiros”, em especial os alemães, permaneceram em prisões portuguesas como São Julião da Barra (Fernández Arrillaga; García Arenas, 2009FERNÁNDEZ ARRILLAGA, Inmaculada; GARCÍA ARENAS, Mar. Dos caras de una misma expulsión: el destierro de los jesuítas portugueses y la reclusión de los misioneiros alemanes. Hispania Sacra, Madrid, v. 61, n. 123, p. 227-256, jan./jun. 2009., p. 247-248), em sua maioria, até serem liberados a partir de 1777.

O presente trabalho interessa-se especialmente sobre os jesuítas de língua alemã e sua atuação na Amazônia no período pombalino. Foram identificados no dicionário de 1756 sete verbetes (três na parte português-língua geral e quatro na parte língua geral-português) nos quais aparecem verbetes acompanhados de palavras e comentários escritos em alemão, seguidos de comentários em latim, como se pode observar na tabela 1. A grafia utilizada nas passagens em alemão é a grafia alemã da época.

Tabela 1
Exemplos de verbetes com grafia alemã no dicionário de 1756.

As ocorrências em escrita alemã são poucas, mas suficientes para comprovar a tese da origem germânica do autor do dicionário, pois somente um missionário de língua alemã poderia fazer essas observações. Outros indícios que reforçam este argumento são as inúmeras passagens escritas em latim presentes no dicionário como também pode ser observado nos exemplos acima. Sendo assim, no fundo, o dicionário de 1756 é um documento trilíngue. Certamente o autor do manuscrito não tinha conhecimento elevado da língua portuguesa, embora existam alguns comentários escritos em português. O latim no dicionário tem a função de “língua mediadora” para o missionário-autor, pois o auxilia na compreensão das palavras em português, para assim, esclarecer o significado dos termos em Língua Geral.

O aprendizado do latim fazia parte da formação dos membros da Igreja Católica. Esta língua foi adotada por ter um caráter estável, sendo por isso, conveniente aos ritos e escritos católicos (Waquet, 2001WAQUET, Françoise. The “Latin Stronghold”: the Church. In: WAQUET, Françoise. Latin or the empire of a sign. London: Verso, 2001. p. 41-79., p. 42). O domínio do latim era de muita importância para os missionários; pois, sendo “uma língua internacional era um recurso valioso para uma organização internacional” (Burke, 1995BURKE, Peter. A arte da conversação. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995., p. 54) como a Igreja Católica, garantia a comunicação entre seus membros, mesmo se fossem de origens diferentes. Além disso, a alfabetização na Alemanha da época era feita primeiramente em latim. Isso talvez ajude a explicar o porquê de o missionário usar muito mais o latim nos comentários pessoais nos verbetes do que a sua língua materna.

Inicialmente, o pesquisador que encontrou o dicionário, o linguista Jean-Claude Muller, defendeu a hipótese de que o autor do manuscrito seria um missionário de língua alemã que atuou na Amazônia, sendo este, possivelmente, o padre Anton Meisterburg (1719-1799). Muller chegou a esta conclusão devido a uma série de assinaturas com o nome “Antonius” presente na última folha do documento (Muller, 2012MULLER, Jean-Claude. Die Identifizierung eines Sprachschatzes in der Trierer Stadtbibliothek das jesuitische Wörterbuch Alt-Tupi/Portugiesisch. Kurtrierisches Jahrbuch, Trier, v. 52, p. 371-387, 2012., p. 379-395). No entanto, a questão da autoria ainda está em aberto, pois se sabe também que os padres Laurenz Kaulen (1716-1797) e Anselm Eckart (1721-1809) são candidatos em potencial, haja vista que também passaram pela região amazônica.

Tem-se conhecimento, através da obra do padre Serafim Leite, que um grupo de oito missionários jesuítas centro-europeus chegou ao Estado do Maranhão e Grão-Pará entre os anos 1750 e 17535 5 Em 1750 chegaram ao Grão-Pará e Maranhão os padres Anton Meisterburg e Laurenz Kaulen. Em 1753 aportaram na Amazônia os padres David Fay, João Nepomuceno Szluha, Joseph Kayling, Martin Schwartz, Anselm Eckart, Heinrich Hoffmayer. (Leite, 1943, p. 357-358; Meier; Aymoré, 2005). . Dentre estes, muito provavelmente, estavam os acima referidos candidatos a autor do dicionário. O padre Anselm Eckart, em seu relato6 6 O relato do padre Anselm Eckart é intitulado “Aditamentos do Senhor Pe. Anselm Eckart, Ex-pregador da Companhia de Jesus na Capitania do Pará no Brasil, à “Descrição das Terras do Brasil” de Pedro Cudena e às “Notas à Sexta Contribuição de Lessing para a História e a Literatura, dos Tesouros da Biblioteca Ducal de Wolfenbüttel, Braunschweig, 1781, gr. 8º” do Senhor Reitor Christian Leiste”. Publicado em alemão no ano de 1785 por Christoph Gottlieb von Murr. Esta obra foi traduzida do alemão para o português pela professora Thekla Hartmann. Sua edição em português foi organizada por Nelson Papavero e Antonio Porro (2013) tendo a colaboração de outros pesquisadores. , afirma que a vinda desse grupo de jesuítas alemães foi articulada pelo padre Roque Hundertpfund. Este missionário, que estava na Amazônia na década de 1740, foi chamado à Corte pela rainha Mariana de Áustria. Segundo Eckart:

Esta devota princesa austríaca interrogou o Pe. Hundertpfund sobre o estado das missões da sua Vice-Província. Ele respondeu que elas estavam relativamente bem, mas que floresceriam melhor se contassem com mais missionários, de preferência alemães. A rainha então encaminhou correspondência ao Geral da Companhia, o Pe. Franciscus Retz, pedindo doze padres alemães (Papavero; Porro, 2013, p. 63).

Dos doze missionários pedidos pela rainha, somente oito chegaram ao Grão-Pará e Maranhão. Apesar de ser um grupo de oito jesuítas da Europa Central que esteve na Amazônia na década de 1750, apenas três, os padres Kaulen, Meisterburg e Eckart são considerados os principais candidatos a autor do dicionário, pois foram encontrados indícios no dicionário que levam a crer que o documento foi escrito no Grão-Pará. Os três padres supracitados são os candidatos mais prováveis, pois atuaram em missões do referido estado. Entender suas trajetórias pode ser elucidativo quanto à questão da autoria.

Laurenz Kaulen era originário da cidade de Colônia na Alemanha, nascido em 1716. Entrou para a Companhia de Jesus em 1738, fazendo seu noviciado entre 1739 e 1741, ambos em Trier. Era mestre de artes e lecionou Humanidades entre 1742 e 1745. Segundo Serafim Leite, Kaulen embarcou para o Estado do Grão Pará e Maranhão em 1750 a pedido da corte lisboeta. Atuou como missionário na Amazônia nas missões de Mortigura, Sumaúma e Piraguiri (no rio Xingu), nesta última esteve entre 1754 e 1757. Foi desterrado em novembro de 1757 para Portugal ficando preso no Colégio Nossa Senhora da Lapa, Beira em 1758 e Almeida em 1759, sendo transferido para S. Julião da Barra em 1762, saindo de lá em 1777. Faleceu por volta 1797 (Leite, 1943LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, v. 3-4, 1943., p. 357; Leite, 1949LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro Lisboa: Livraria Portugália, v. 8, 1949., p. 307-312; Meier; Aymoré, 2005MEIER, Johannes; AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-America. Ein bio-bibliographisches Handbuch. Band 1: Brasilien (1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005., p. 285-296).

Anton Meisterburg nasceu em 1719 em Bernkastel (Alemanha), localizada próxima de Trier, onde entrou para a Companhia de Jesus em 1737, fazendo seu noviciado. Era Mestre de artes e foi professor de humanidades entre 1741 e 1745. Embarcou juntamente com o padre Kaulen para o Estado do Maranhão e Grão-Pará em 1750. Atuou nas missões de Aricará e Abacaxis e Santa Cruz. Foi deportado em novembro de 1757, embarcando no mesmo navio e passando pelas mesmas prisões que Kaulen7 7 Os padres Eckart, Kaulen e Meisterburg foram deportados do Estado do Grão-Pará e Maranhão no dia 28 de novembro de 1757 no navio “Nossa Senhora do Atalaya” chegando em Lisboa no dia 12 de fevereiro de 1758 (Meier; Aymoré, 2005, p. 250, 286 e 302). . Após sua libertação em 1777 foi para a sua cidade natal, onde morreu por volta de 1799, no mesmo ano em que o dicionário de 1756 foi registrado na Biblioteca Municipal de Trier (Leite, 1943LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, v. 3-4, 1943., p. 357; Meier; Aymoré, 2005MEIER, Johannes; AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-America. Ein bio-bibliographisches Handbuch. Band 1: Brasilien (1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005., p. 303).

Anselm Eckart, nascido em 1721, era natural de Mainz na Alemanha. Entrou na Companhia de Jesus em 1740, fazendo seu noviciado na mesma cidade entre 1740 e 1742. Chegou ao Estado do Grão-Pará e Maranhão juntamente com outros jesuítas da Europa central e de Portugal em 1753. Passou rapidamente pela missão de Piraguiri, mas atuou nas missões de Abacaxís e Trocano. Foi deportado para Portugal em novembro de 1757. Ficou preso em S. Fins (Minho) em 1758, Almeida (1759) e S. Julião da Barra (1762), quando foi libertado em 1777. Foi para a Rússia Branca (atual Bielorússia) país que aceitou a presença de membros da Companhia de Jesus na época da expulsão. Morreu em Dünaburg (atual Daugavpils na Letônia) em 1809 (Leite, 1943LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, v. 3-4, 1943., p. 358; Leite, 1949LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro Lisboa: Livraria Portugália, v. 8, 1949., p. 204-207; Meier; Aymoré, 2005MEIER, Johannes; AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-America. Ein bio-bibliographisches Handbuch. Band 1: Brasilien (1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005., p. 247-254).

Como os três missionários passaram por missões da região do rio Xingu, são os candidatos mais prováveis a autores do dicionário. Os candidatos a autor se conheciam e dois deles, Kaulen e Meisterburg, fizeram sua formação religiosa em Trier, onde foi encontrado o dicionário. Eckart foi o que ficou menos tempo na Amazônia, apenas quatro anos. Kaulen veio junto com Meisterburg em 1750. Somente Eckart e Kaulen estiveram na missão de Piraguirí. O primeiro passou apenas alguns meses nesta missão para aprender a língua geral, enquanto o segundo ficou nela aproximadamente três anos, antes de a missão ser laicizada com o advento do Diretório dos Índios.

Embora não seja possível afirmar com precisão quem foi o autor do dicionário, pelos dados colhidos no dicionário e as informações biográficas sobre os jesuítas alemães que chegaram à Amazônia na década de 1750, pode-se estabelecer um perfil do autor. Certamente foi um jesuíta de origem alemã entre 30-40 anos, letrado e com domínio de latim que passou menos de dez anos na Amazônia. Tinha pouca proficiência com a língua portuguesa, o que justifica o amplo uso do latim ao longo do manuscrito. O estabelecimento deste perfil pode ajudar a entender as condições de produção do dicionário de 1756.

LER E COPIAR

Neste tópico serão analisados alguns verbetes do dicionário de 1756 que talvez possam elucidar como o missionário-autor construiu o documento, deixando indícios que revelem seu processo de aprendizado da língua e sua trajetória na missão. O missionário certamente utilizou como base outro dicionário, que se desconhece, mas que, segundo a hipótese de Dietrich (2014DIETRICH, Wolf. O conceito de “Língua Geral” à luz dos dicionários de língua geral existentes. DELTA: Documentação de estudos em linguística teórica e aplicada, São Paulo, v. 30, n. esp., p. 591-622, 2014., p. 601-604) pode trata-se da Prosodia da Lingoa, outro dicionário anônimo. Todavia, o autor não se limitou a copiá-lo, mas também se utilizou de outras obras e de suas experiências linguísticas vivenciadas no cotidiano das missões amazônicas nas quais atuou.

Na construção dos verbetes o autor menciona frequentemente catecismos e gramáticas. A partir dos dados colhidos, pode-se inferir que leu e copiou algumas palavras em língua geral apreendidas nos referidos gêneros de texto. No manuscrito, essas menções aparecem, em muitos casos, ao final dos verbetes com uma cor de tinta e tamanho de letra diferente o que indica que foram incluídas em um segundo momento, posterior à primeira cópia dos verbetes, como se vê na tabela 2.

Tabela 2
Menções a catecismos e gramáticas em língua geral no dicionário de 1756.

Foi feito um trabalho de identificação das obras mencionadas pelo autor e dos trechos por ele provavelmente consultados. Ao todo foram identificadas cinco obras (três catecismos e duas gramáticas) conforme a tabela 3.

Tabela 3
Obras mencionadas no dicionário de 1756.

Em geral, essas obras impressas aparecem mencionadas através do nome do autor (o caso das obras Anchieta e Bettendorff) ou pelo titulo (caso das gramáticas de Luis Figueira e Antonio Montoya e o catecismo de Araujo e Leão). Foram contabilizadas 152 menções no dicionário, sendo: 26 referências à gramática de José de Anchieta; 5 referências ao catecismo de Antonio Ruiz de Montoya; 83 referências ao catecismo de Antonio de Araujo e Bartolomeu de Leão; 6 referências à doutrina de Bettendorff e 32 menções à gramática de Figueira.

No original, as menções são, em algumas ocasiões, acompanhadas do número da página consultada, o que facilitou a identificação do trecho que o autor copiou. Mas na maioria dos casos as referências às obras não indicam com precisão as páginas em que o missionário verificou o termo em língua geral.

Não se sabe, com precisão, onde e como o missionário-autor teve acesso aos catecismos e gramáticas supracitados, mas certamente sua leitura ajudou-o no processo de aprendizado da língua geral. É possível que o autor tenha consultado cópias manuscritas de algumas das obras mencionadas, já que estas, bem como outras, circulavam nas missões dessa maneira; ou então, em um momento posterior, tenha tido acesso às obras em uma biblioteca européia, hipótese menos provável.

Esses textos foram compostos, em sua maioria, no século XVII, em um momento em que a situação linguística na América portuguesa era diferenciada da que se configuraria no século seguinte. No entanto, permaneceram sendo obras de referência para os missionários no trabalho de conversão e para o aprendizado da língua nativa mesmo “não refletirem mais a variedade do tupi em uso nas missões” (Barros, 2003BARROS, Maria Cândida D. M. A relação entre manuscritos e impressos em tupi como forma de estudo da política linguística jesuítica no século XVIII na Amazônia. Revista Letras, Curitiba, v. 61, n. esp., p. 125-152, 2003., p. 139) o que fica explicito nas inúmeras menções a estas obras no dicionário de 1756.

O catecismo de Araujo e Leão (1686)ARAÚJO, Antonio de; LEÃO, Bartolomeu de. Catecismo brasilico da doutrina christãa, com o ceremonial dos sacramentos, & mais actos parochiaes. Composto Por Padres Doutos da Companhia de Jesus, Aperfeiçoado, E dado a luz pelo Padre Antonio de Araujo da Mesma Companhia. Emendado nesta segunda impressão Pelo Bertholameu de Leam da mesma Companhia. Lisboa: Officina Miguel Deslandes, 1686. é a obra mais citada no dicionário. Trata-se de uma segunda edição revisada e ampliada pelo padre Bartolomeu de Leão do catecismo de Antonio Araújo de 1618, o primeiro catecismo impresso em tupi (Agnolin, 2007AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., p. 61). Esta obra foi uma importante referência para os missionários jesuítas na América portuguesa. No dicionário, ao fazer o autor menção às obras, demarca, na estrutura do verbete, os termos que aparecem no catecismo de Araújo e Leão e nas demais obras impressas13 13 Vide o exemplo do verbete “Ama, que cria” no quadro 2 na tabela 2. . Essa delimitação presente no manuscrito ajuda a demonstrar que o tupi sistematizado e homogeneizado no século XVII, registrado nos catecismos e gramáticas, era diferente do tupi falado no século XVIII.

Por meio da identificação das obras consultadas pelo autor é possível inferir que uma das estratégias de aprendizado da língua geral eram a leitura e a cópia dessas obras. O missionário fez um trabalho de comparação textual entre aquilo que copiou da estrutura-base de outro dicionário para fazer o seu próprio e o que copiou de gramáticas e catecismos. No fundo, o missionário-autor precisava aprender duas variedades de tupi: o primeiro seria um tupi cristalizado nas obras impressas (em sua maioria forjada no Estado do Brasil no século XVII), mas que os índios da Amazônia no século XVIII apresentavam dificuldade de compreender, devido às mudanças ocorridas na língua geral com o passar do tempo, como afirmou o padre João Daniel em seu relato:

[...] se foi corrompendo de tal sorte a língua geral tupinambá, que hoje são raros os que a falam com a sua nativa pureza, e vigor; de sorte que já os mesmo índios não percebem o catecismo, nem os que estudam a arte se entendem com os índios especialmente no Amazonas, como muitas vezes têm experimentado e confessado os mesmos missionários, e índios, de [tal] sorte está viciada e corrupta que parece outra língua diversa; mas a qual é a que se usa em todas as missões portuguesas do Amazonas, e a que aprendem as novas nações que vão saindo dos matos, e a que estudam os missionários brancos que tratam com índios não com regras, e preceitos da arte, mas pelo uso e trato dos mesmos índios (Daniel, 2004DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo rio Amazonas. Rio de Janeiro: Contraponto, v. 2, 2004., p. 334, grifo meu ).

O segundo seria um tupi “corrente”, que missionários e índios estavam usando em meados dos setecentos para se comunicarem no cotidiano das missões. Ou seja, o autor tinha que aprender tanto a língua geral que se falava entre os índios no momento de sua atuação na Amazônia para se comunicar no cotidiano, especialmente nas atividades temporais. Mas também precisava saber ler e compreender o tupi “livresco” sistematizado nas gramáticas e catecismos, pois nas atividades espirituais era esta variedade da língua a ser utilizada. Para os religiosos, era necessário demarcar uma linguagem a ser usada nos ritos religiosos e outra para a comunicação cotidiana.

A Igreja tinha a preocupação de estabelecer uma forma fixa tanto de catecismos e gramáticas como das línguas nativas, baseada no modelo do catecismo tridentino e gramatical latino, respectivamente (Agnolin, 2007AGNOLIN, Adone. Jesuítas e selvagens: a negociação da fé no encontro catequético-ritual americano-tupi (séculos XVI-XVII). São Paulo: Humanitas, 2007., p. 21-26). Na América portuguesa o esforço de sistematização e homogeneização do tupi tinha como objetivo garantir que a mensagem cristã fosse compreendida e difundida da mesma forma por toda a colônia. Todos os índios deveriam ser convertidos pelos mesmos métodos e com os mesmos instrumentos.

Todavia, as transformações linguísticas que inevitavelmente ocorrem ao longo do tempo, fizeram com que a língua geral “falada” se diferenciasse cada vez mais da que fora reduzida ao plano escrito, através dos instrumentos linguísticos. Apesar de conscientes destas diferenças, os missionários continuaram a utilizar as obras escritas em tupi, como no caso do dicionário de 1756.

OUVIR E REGISTRAR

Além da prática de cópia, outra estratégia de aprendizado da língua geral foi a experiência de contato com falantes nativos no interior das missões. O autor, imerso em meio aos índios, passa a registrar algumas palavras variantes em língua geral que apreendeu no cotidiano de sua atuação missionária. Ao todo, foram encontrados no dicionário 13 verbetes em que o autor registra, através de um comentário em português ou latim, uma palavra variante em língua geral que afirma que ouviu, de acordo com a tabela 4.

Tabela 4
Exemplos de verbetes com registro de palavras ouvidas pelo missionário.

No verbete “Comprar” o autor assinala que apreendeu a palavra “aporypàn” na região do Xingu. Por este dado, pode-se inferir que provavelmente o autor atuou na referida região. Nos Verbetes “Amargar” e “Barboleta” comenta em latim que ouviu as palavras “xeròb” e “panàpanà”, que correspondem a uma outra forma em língua geral para designar os respectivos verbetes. Especificamente, nos verbetes “Comprar” e “Enfadado” o verbo “ouvir” está na primeira pessoa, o que indica, provavelmente, tratar-se de um comentário pessoal do autor e não cópia de outra obra. A análise dos dados demonstra que a confecção do dicionário e o aprendizado da língua geral pelo autor não ocorria somente pelo processo de cópia. O autor também percebeu e registrou variações linguísticas aprendidas na missão, provavelmente através de contatos com outros sujeitos que compunham o espaço do aldeamento.

Outro exemplo deste contato são os verbetes que fazem menção aos habitantes da aldeia de Piraguirí, um dos três aldeamentos jesuíticos que existiram na região do Xingu14 14 As missões jesuíticas na região do Xingu eram: Itacuruçá, Piraguiri e Aricará, que após sua secularização se tornaram as vilas de Aveiros, Pombal e Souzel, respectivamente. . Nos verbetes encontrados, o autor aparentemente tentou escrever um comentário em língua geral para mostrar como os habitantes da referida aldeia falavam alguns termos, como nos exemplos da tabela 5.

Tabela 5
Menções a missão de Piraguirí no dicionário de 1756.

Nos verbetes “Papagayo”, “Meju”, “Nitíu” e “Ygoára” aparecem os termos piragoara e piraguigoara. Como indica o último verbete, o sufixo -ygoára significa “morador” ou “originário de algum lugar”; sendo assim, decompondo a palavra, piragu / igoara, significaria “morador de Piraguirí”; a palavra é seguida do termo latino “dicit”17 17 No Latim é a conjugação do verbo “Dire” na terceira pessoa do singular do presente do indicativo ativo. que significa “se diz”. Este mesmo significado se aplica a “piragoara”. A palavra “pira” poderia ser traduzida da língua geral como “peixe” (pirà)18 18 próprio dicionário apresenta um verbete: “Peixe. pirà. peixinho. pirà mirì.” [fl. 31v, 1ª coluna]. , mas neste caso esta tradução tupi não faria sentido acompanhada do sufixo -goara (morador). Por isso, entende-se “pira” nestes casos como referência à missão jesuítica de Piraguirí no Xingu.

O primeiro verbete é ainda mais interessante, pois o autor escreve “piragoaranheeng” que numa tradução poderia significar “fala” (-nheeng) do “morador” (-goara) de Piraguiri (-pira). Ressalta-se aqui que no original essas menções a Piraguiri - em especial as três primeiras - foram claramente inseridas posteriormente à primeira cópia, o que indica que, com muita probabilidade, são comentários pessoais do autor e não cópia de outra obra.

Também foram encontrados no dicionário de 1756 menções a grupos indígenas e outras missões no Xingu. O trabalho de contextualização dessas referências, juntamente com as demais, auxiliou na identificação da trajetória do autor e a possível autoria do dicionário. Dos grupos indígenas mencionados, provavelmente dois certamente se encontravam na região do Xingu e outro, possivelmente, na região do rio Madeira.

O primeiro grupo identificado foram os Coribaré. Diversas fontes do século XVII e XVIII, a despeito da variação dos etnônimos, apontam que este grupo estava na região do rio Xingu neste período19 19 Variações de etnônimos acerca dos Coribaré encontradas nas fontes: João Felipe Bettendorff (Curubares); Samuel Fritz nos mapas de 1691 e 1707 (Curivarés); José de Moraes (Curibaris); José Monteiro de Noronha (Cariberiz, Curiueré); Anselm Eckart em 1785 (Coriberés). (Bettendorff, 1990BETTENDORFF, João Felipe. Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: Fundação Cultural Tancredo Neves, Secretaria de Estado da Cultura, 1990., p. 35; Fritz, 1691FRITZ, Samuel. Mapa geographica del rio Marañón o Amazonas, hecha por el P. Samuel Fritz, de la Companhia de Jesus, missionero en este mesmo rio de Amazonas . 1691. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/amazonicas/Amazonia/cartogra053_cart.htm>. Acesso em: 12 jan. 2014.
http://www.itaucultural.org.br/amazonica...
, 1707FRITZ, Samuel. El gran rio Marañon, o Amazonas, con la mission de la Compañia de Jesus geograficamente delineado / por el P.Samuel Fritz, missionero continuo en este rio.P.J. de N. Societatis Jesu, quondan in hoc Maranone missionarius, sculpebat. 10 leguas castellanas. 1707. Bibliothèque Nationale de France, GED-7855. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8446616z>. Acesso em: 12 jan. 2014.
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84...
; Moraes, 1987MORAES, José de. História da Companhia de Jesus na extinta província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Editorial Alhambra, 1987., p. 353; Noronha, 1862NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da viagem da cidade do Pará, até as ultimas colonias do Sertao da Provincia. Escripto na villa de Barcellos pelo vigario geral do rio Negro o padre Drº José Monteiro de Noronha no anno de 1768. Pará: Typographia de Santos & Irmaos, 1862., p. 19;Eckart , 2013ECKART, Anselm. Aditamentos do Senhor Pe. Anselm Eckart, Ex-pregador da Companhia de Jesus na Capitania do Pará no Brasil, à “Descrição das Terras do Brasil” de Pedro Cudena e às “Notas à Sexta Contribuição de Lessing para a História e a Literatura, dos Tesouros da Biblioteca Ducal de Wolfenbüttel, Braunschweig, 1781, gr. 8º” do Senhor Reitor Christian Leiste. Tradução de Thekla Hartmann. In: PAPAVERO, Nelson; PORRO, Antonio (Org.). Anselm Eckart S. J. e o estado do Grão-Pará e Maranhão setecentista (1785). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2013, p. 54-120., p. 90). O etnólogo Nimuendaju (1948NIMUENDAJÚ, Curt. Tribes of the lower and middle Xingú river. In: STEWARD, Julian H. (Ed.). Handbook of South American Indians. Washington: United States Government Printing Office, 1948, v. 3, p. 213-243., p. 217) identificou os Coribaré como sendo os Kuruaya. Segundo Leite (1943LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, v. 3-4, 1943., p. 352) este grupo foi descido por volta de 1730, para a missão de Piraguiri pelos padres Manuel Afonso e Sebastião Fusco. Na tabela 6 se pode se conferir os verbetes em que os Coribaré são mencionados:

Tabela 6
Os Coribaré no dicionário de 1756.

O segundo grupo identificado foram os Goyapi. Foram encontradas menções a este grupo no Xingu desde o século XVII20 20 Variações de etnônimos acerca dos Goyapi encontradas nas fontes: Mauricio de Heriarte (Guaiapes); João Felipe Bettendorff (Guayapis); Samuel Fritz nos mapas de 1691 e 1707 (Guayapís). (Bettendorff, 1990BETTENDORFF, João Felipe. Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Belém: Fundação Cultural Tancredo Neves, Secretaria de Estado da Cultura, 1990., p. 115-116; Heriarte, 1874HERIARTE, Mauricio de. Descripção do estado do Maranhão, Pará, Corupá e Rio das Amazonas. Vienna d’Austria : Imprensa do filho de Carlos Gerold, 1874., p. 33; Fritz, 1691FRITZ, Samuel. Mapa geographica del rio Marañón o Amazonas, hecha por el P. Samuel Fritz, de la Companhia de Jesus, missionero en este mesmo rio de Amazonas . 1691. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/amazonicas/Amazonia/cartogra053_cart.htm>. Acesso em: 12 jan. 2014.
http://www.itaucultural.org.br/amazonica...
, 1707FRITZ, Samuel. El gran rio Marañon, o Amazonas, con la mission de la Compañia de Jesus geograficamente delineado / por el P.Samuel Fritz, missionero continuo en este rio.P.J. de N. Societatis Jesu, quondan in hoc Maranone missionarius, sculpebat. 10 leguas castellanas. 1707. Bibliothèque Nationale de France, GED-7855. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b8446616z>. Acesso em: 12 jan. 2014.
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b84...
). Este grupo iniciou um processo migratório gradual em meados do século XVII, partindo do Xingu até se instalarem na região hoje correspondente ao Estado do Amapá, principalmente em sua fronteira com a Guiana francesa (Gallois, 1986GALLOIS, Dominique Tilkin. Migração, guerra e comércio: os Waiapi na Guiana. São Paulo: FFLCH, USP, 1986.). Um dos primeiros a identificar os Waiãpi do Oiapoque como sendo os Goyapi do Xingu foi Nimuendaju (2004NIMUENDAJÚ, Curt. The Ayapi. In: NIMUENDAJÚ, Curt. In Pursuit of a past Amazon: archaeological researches in the Brazilian Guyana and the Amazon Region. Edited by Per Stenborg. Göteborg, Sweden: VärldsKulturmusseet, 2004, p. 113-114., p. 114-115), o que décadas depois foi confirmado pela antropóloga Dominique Gallois.

Em outro dicionário de língua geral, o “Vocabulario da língua Brazil”23 23 O “Vocabulario da língua Brazil” é um dicionário anônimo do século XVIII que se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal. Possui apenas uma parte português-língua geral e sua estrutura é semelhante à primeira parte do dicionário de 1756. Porém, o autor utiliza alguns verbetes que não se apresentam no dicionário aqui analisado. Certamente o autor do “Vocabulario” era alemão, pois faz inúmeras anotações nesta língua ao longo do manuscrito. Papavero e Barros (2013, p, p. 335-351) comparando esta obra com os “Aditamentos” do missionário alemão Anselm Eckart defendem a hipótese de que tenha sido este o autor do “Vocabulario”. , foram identificadas referências muito similares às encontradas referentes aos Goyapi no dicionário de 1756, (vide tabela 7) o que pode indicar que possivelmente um dos autores copiou do outro, ou que ambos os dicionários tomaram como base outro dicionário em comum.

Tabela 7
Os Goyapi no dicionário de 1756.

O terceiro grupo indígena localizado foram os Xapi. Este grupo é o mais mencionado no dicionário (20 menções), no entanto não foram encontradas referências nas fontes a este etnônimo; portanto não foi possível identificar onde este grupo estava no século XVIII. Todas as referências a este grupo no dicionário aparecem com uma cor de tinta diferente do restante dos verbetes, o que indica que foram incluídas em um momento posterior. Análises linguísticas preliminares apontam que este grupo poderia ser os Sateré-Mawé24 24 Professor Wolf Dietrich (Universidade de Münster), comunicação pessoal. , que no século XVIII vivia na região do rio Madeira; todavia, é somente uma hipótese que precisa ser aprofundada. Na tabela 8, alguns exemplos de referências aos Xapi no dicionário de 1756:

Tabela 8
Menções aos Xapi no dicionário de 1756.

A partir das referências aos três grupos indígenas podemos inferir que o autor, possivelmente, entrou em contato com nativos que lhe forneceram os dados linguísticos dessas respectivas tribos. Haja vista que pelo menos dois grupos (os Coribaré e os Goyapi) estavam na região do Xingu no século XVIII; de acordo com as fontes, podemos afirmar que o missionário provavelmente esteve nessa região.

As menções a grupos indígenas do Xingu e à missão de Piraguiri ajudam a entender o processo de confecção do dicionário e a trajetória do missionário. Além de copiar de outras obras, o autor registrou variações da língua geral e de línguas de outros grupos indígenas, o que revela que o aprendizado da língua também se dava em meio ao contato com os índios.

Demonstra também a miscelânea étnica e linguística da missão que agrupava diferentes grupos indígenas; o missionário, imerso neste ambiente, percebeu e registrou dados linguísticos apreendidos no contato com os indígenas. Isto talvez seja um esforço incipiente de comunicação do missionário para comunicar-se com os grupos indígenas na missão através da língua materna destes índios e não a língua geral.

Como a missão de Piraguiri mencionada nos verbetes era um aldeamento jesuítico, certamente o autor do dicionário também era inaciano. Além do fato de a referida missão está situada no Xingu, dois dos três grupos indígenas mencionados no dicionário estavam nesta região no século XVIII, como demonstra o cotejo das fontes. Desta forma, podemos afirmar com alguma segurança que o autor do dicionário atuou na região, mais precisamente na referida missão.

CONCLUSÃO

O trabalho de transcrição do dicionário de 1756 possibilitou conhecer a estrutura do documento e entender como seu autor o confeccionou. As análises dos verbetes permitiram identificar, ao menos parcialmente, a trajetória e o processo de aprendizado da língua geral pelo seu autor, além de fornecer algumas pistas sobre sua identidade. O cotejo desta fonte com outros documentos da época permitiu elucidar estratégias de aprendizado da língua por um jesuíta letrado, lançando luzes sobre este processo, algo pouco estudado na historiografia.

Foi possível entender que o autor do dicionário aqui analisado não se limitou a copiar; lançando mão das fontes tradicionais sobre a língua geral, também registrou, através de comentários pessoais, variações linguísticas apreendidas no cotidiano da missão, através da convivência com os grupos indígenas nela aldeados. Nesses comentários, o autor revela um pouco de si, de sua trajetória missionária na Amazônia e de sua experiência de aprendizado da língua geral, mostrando que era um processo continuo, haja vista ser possível perceber no documento diversas inclusões e modificações feitas pelo autor em momentos diferentes.

O presente artigo é um esforço inicial não somente para entender a confecção do dicionário, mas localizá-lo historicamente a fim de entender como esta fonte e seu autor estão inseridos em processos e contextos históricos mais abrangentes. A análise minuciosa dos verbetes do documento permitiu a apreensão de dados que, em um tratamento mais geral, poderiam passar despercebidos.

Numa reflexão mais ampla, foi possível compreender que o dicionário de 1756 foi como um instrumento de aprendizado redigido por um jesuíta letrado, que necessitava aprender a língua para realizar seu trabalho missionário dentro de um projeto catequético-colonizador que se desenvolvia a mais de dois séculos na América portuguesa. O dicionário permite múltiplas abordagens; no entanto, este artigo representa apenas uma tentativa de abordagem histórica dele.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Cândida Barros (Museu Paraense Emílio Goeldi) e a Karl Arenz (Universidade Federal do Pará) pelas discussões que possibilitaram o amadurecimento da pesquisa que culminou neste artigo. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela bolsa de Apoio Técnico à Pesquisa a qual fui agraciado nos anos de 2013 e 2014.

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  • WAQUET, Françoise. The “Latin Stronghold”: the Church. In: WAQUET, Françoise. Latin or the empire of a sign. London: Verso, 2001. p. 41-79.
  • 1
    ANÔNIMO. Dicionário Português-Língua Geral e Língua Geral–Português. Alemanha: Stadtbibliothek/Stadtarchiv Trier. Ms 1136/2048 4°, [1756].
  • 2
    Grafia alemã antiga: tropeçar.
  • 3
    Grafia alemã antiga: A perna me adormeceu.
  • 4
    Grafia alemã antiga: Tu tens vermes em teus pés? No alemão atual a escrita correta seria: Hast Du [einen] Wurm in den füßen?
  • 5
    Em 1750 chegaram ao Grão-Pará e Maranhão os padres Anton Meisterburg e Laurenz Kaulen. Em 1753 aportaram na Amazônia os padres David Fay, João Nepomuceno Szluha, Joseph Kayling, Martin Schwartz, Anselm Eckart, Heinrich Hoffmayer. (Leite, 1943LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, v. 3-4, 1943., p. 357-358; Meier; Aymoré, 2005MEIER, Johannes; AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-America. Ein bio-bibliographisches Handbuch. Band 1: Brasilien (1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005.).
  • 6
    O relato do padre Anselm Eckart é intitulado “Aditamentos do Senhor Pe. Anselm Eckart, Ex-pregador da Companhia de Jesus na Capitania do Pará no Brasil, à “Descrição das Terras do Brasil” de Pedro Cudena e às “Notas à Sexta Contribuição de Lessing para a História e a Literatura, dos Tesouros da Biblioteca Ducal de Wolfenbüttel, Braunschweig, 1781, gr. 8º” do Senhor Reitor Christian Leiste”. Publicado em alemão no ano de 1785 por Christoph Gottlieb von Murr. Esta obra foi traduzida do alemão para o português pela professora Thekla Hartmann. Sua edição em português foi organizada por Nelson Papavero e Antonio Porro (2013) tendo a colaboração de outros pesquisadores.
  • 7
    Os padres Eckart, Kaulen e Meisterburg foram deportados do Estado do Grão-Pará e Maranhão no dia 28 de novembro de 1757 no navio “Nossa Senhora do Atalaya” chegando em Lisboa no dia 12 de fevereiro de 1758 (Meier; Aymoré, 2005MEIER, Johannes; AYMORÉ, Fernando Amado. Jesuiten aus Zentraleuropa in Portugiesisch- und Spanisch-America. Ein bio-bibliographisches Handbuch. Band 1: Brasilien (1618-1760). Münster: Aschendorff Verlag, 2005., p. 250, 286 e 302).
  • 8
    “Cap. II. Da mesma maneira o P. in medio dictionis, fica em mb: posto absolute in principio, vt Abâ, acabome, Mbába, acabamento, pro Paba, &c.” (Anchieta, 1990ANCHIETA, José de. Arte da grammatica da lingoa mais usada na costa do Brasil.; 7. ed., São Paulo: Loyola, 1990. [1595], p. 2v, grifo nosso).
  • 9
    Latim: “ita Guarani” = assim o Guarani; “Sobre los Sacramentos. P. Mbaepé (Tupãrerobiâ hába yepitaçócaba) raé?. (Montoya, 1640, pMONTOYA, Antonio Ruiz de. Catecismo de la lengva Gvarani, Compvesto por el Padre Antonio Ruiz de la Compañia de Iesus. Dedicado a la puríssima Virgen Maria. Concebida sin mancha de pecado original. Madrid: Diego Diaz de la Carrera, 1640., p. 122, grifo nosso).
  • 10
    “Do quarto Mandamento da Igreja. D.Cunumĩ, cunhã täi, tunhabäẽymâna, goaibĩ ymâna, muruápôra, imembycambubäé, mbäé acybôra, cóâra pucúi morabykyâra, goataçâra abé.” (Araújo; Leão, 1686, pARAÚJO, Antonio de; LEÃO, Bartolomeu de. Catecismo brasilico da doutrina christãa, com o ceremonial dos sacramentos, & mais actos parochiaes. Composto Por Padres Doutos da Companhia de Jesus, Aperfeiçoado, E dado a luz pelo Padre Antonio de Araujo da Mesma Companhia. Emendado nesta segunda impressão Pelo Bertholameu de Leam da mesma Companhia. Lisboa: Officina Miguel Deslandes, 1686., p. 117, grifo nosso).
  • 11
    “Breve instrucçaõ para ajudar a bem morrer algum moribundo, com todos os actos necessarios em aquella hora. Actos de Contriçaõ. Tupã cŷ xe Mãy etéramo, xe ierobiaçâbetéramo, nde mäenduár xe recé; xe mopyatã iepé, xe pycyrõ iepé.” (Bettendorff, 1687, pBETTENDORFF, João Felipe. Compêndio da Doutrina Christaã na Língua Portuguesa e Brasílica. Lisboa: Imprensa Miguel Deslandes, 1687., p. 130, grifo nosso).
  • 12
    “Annotações geraes sobre alguns tempos, & formações dos verbos. Quecé paié baeäcybóram çubáni, ontem, o feiticeiro chupou o enfermo. Baeäcybóra, he accusativo, & se naõ estivera immediato ao seu verbo activo, diriamos, Ixubáni: ut Quece baeäcybóra paié ixubáni.” (Figueira, 1687, pFIGUEIRA, Luis. Arte de grammatica da lingua brasílica. Lisboa: Officina de Miguel Deslandes, 1687., p. 96, grifo nosso).
  • 13
    Vide o exemplo do verbete “Ama, que cria” no quadro 2 na tabela 2.
  • 14
    As missões jesuíticas na região do Xingu eram: Itacuruçá, Piraguiri e Aricará, que após sua secularização se tornaram as vilas de Aveiros, Pombal e Souzel, respectivamente.
  • 15
    Latim: “outros. xeròb. e assim a gramática, e assim ouvi.”
  • 16
    Latim: “ouvi também”.
  • 17
    No Latim é a conjugação do verbo “Dire” na terceira pessoa do singular do presente do indicativo ativo.
  • 18
    próprio dicionário apresenta um verbete: “Peixe. pirà. peixinho. pirà mirì.” [fl. 31v, 1ª coluna].
  • 19
    Variações de etnônimos acerca dos Coribaré encontradas nas fontes: João Felipe Bettendorff (Curubares); Samuel Fritz nos mapas de 1691 e 1707 (Curivarés); José de Moraes (Curibaris); José Monteiro de Noronha (Cariberiz, Curiueré); Anselm Eckart em 1785 (Coriberés).
  • 20
    Variações de etnônimos acerca dos Goyapi encontradas nas fontes: Mauricio de Heriarte (Guaiapes); João Felipe Bettendorff (Guayapis); Samuel Fritz nos mapas de 1691 e 1707 (Guayapís).
  • 21
    Latim: "usado entre os Coribaré".
  • 22
    Latim: “dito K a ser pronunciado de maneira sonora, como o g gutural do alemão”.
  • 23
    O “Vocabulario da língua Brazil” é um dicionário anônimo do século XVIII que se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal. Possui apenas uma parte português-língua geral e sua estrutura é semelhante à primeira parte do dicionário de 1756. Porém, o autor utiliza alguns verbetes que não se apresentam no dicionário aqui analisado. Certamente o autor do “Vocabulario” era alemão, pois faz inúmeras anotações nesta língua ao longo do manuscrito. Papavero e Barros (2013, pPAPAVERO, Nelson; BARROS, Cândida. Apêndice V - O “Vocabulario da lingua Brazil” (Códice 3143 da Biblioteca Nacional de Portugal) e os Zusätze do Pe. Alselm Eckart, S. J. (1785): obras do mesmo autor. In: PAPAVERO, Nelson; PORRO, Antonio (Org.). Anselm Eckart S. J. e o estado do Grão-Pará e Maranhão setecentista (1785). Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2013, p. 335-351., p. 335-351) comparando esta obra com os “Aditamentos” do missionário alemão Anselm Eckart defendem a hipótese de que tenha sido este o autor do “Vocabulario”.
  • 24
    Professor Wolf Dietrich (Universidade de Münster), comunicação pessoal.
  • 25
    ANÔNIMO. Vocabulario da lingua Brazil. Códice 3143 da Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, [17--].

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2014
  • Aceito
    28 Set 2015
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