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Problemas morais e/ou éticos em comitês de ética em pesquisa

Resumo

O objetivo do estudo é analisar problemas morais e/ou éticos vivenciados por membros de comitês de ética em pesquisa durante suas atividades e as estratégias utilizadas para solucionar esses problemas. Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa, com participação de 39 membros que atuavam em comitês em Salvador/BA, Brasil. Os dados foram coletados em outubro de 2020 por questionário on-line autoaplicado na plataforma Google Forms. Os resultados evidenciaram: vivências de conflitos de interesses e de valores, bem como dilemas; e utilização de trocas de experiências e compartilhamento de ideias e opiniões como estratégias para solucionar esses problemas. Conclui-se que os membros desses comitês vivenciam problemas morais e/ou éticos e buscam solucioná-los por meio de estratégias que favorecem o desenvolvimento de pesquisas conforme critérios éticos e metodológicos adequados.

Membro de comitê; Comitês de ética em pesquisa; Ética em pesquisa; Conflito de interesses; Conflito psicológico; Dilema do prisioneiro

Abstract

The objective of the study is to analyze moral and/or ethical issues experienced by members of research ethics committees when performing their activities and the strategies used to deal with those issues. This is a qualitative study with 39 individuals that participated in committees in Salvador, Bahia, Brazil. Data were collected in October 2020 using a self-administered online questionnaire developed using Google Forms. Results showed that participants underwent conflicts of interests and values, and also faced dilemmas, and the strategies used to deal with those issues were exchanging of experiences and sharing of ideas and opinions. It is concluded that members of such committees experience moral and/or ethical issues and seek to deal with them via strategies that favor the development of research according to appropriate ethical and methodological criteria.

Committee membership; Ethics committees, research; Ethics, research; Conflict of interest; Conflict, psychological; Prisoner dilemma

Resumen

El objetivo del estudio es analizar los problemas morales o éticos experimentados por los miembros de los comités de ética de investigación durante sus actividades y las estrategias que utilizan para resolver dichos problemas. Se trata de una investigación de enfoque cualitativo, con la participación de 39 miembros que actuaban en comités en Salvador, Bahía, Brasil. Los datos se recopilaron en octubre del 2020 por medio de un cuestionario en línea autoadministrado en la plataforma Google Forms. Los resultados mostraron experiencias de conflictos de intereses y valores, así como dilemas; y el intercambio de experiencias, ideas y opiniones como estrategias para solucionar dichos problemas. Se concluye que los miembros de estos comités experimentan problemas morales o éticos y tratan de solucionarlos mediante estrategias que favorezcan el desarrollo de investigaciones de acuerdo con criterios éticos y metodológicos adecuados.

Miembro de comité; Comités de ética en investigación; Ética en investigación; Conflicto de intereses; Conflicto psicológico; Dilema del prisionero

Embora enfatize a ética médica, conciliando a ética hipocrática e a proteção aos direitos humanos, o Código de Nüremberg foi fundamental para que os interesses de participantes de pesquisas e sua autonomia para tomada de decisões passassem a ser respeitados 11. Hanley BP, Bains W, Church G. Review of scientific self-experimentation: ethics history, regulation, scenarios, and views among ethics committees and prominent scientists. Rejuvenation Res [Internet]. 2019 [acesso 6 jan 2022];22(1):31-42. DOI: 10.1089/rej.2018.2059 , 22. Jadoski R, Mostardeiro SR, Exterkoetter JA, Grisard N, Hoeller AA. O consentimento livre e esclarecido: do Código de Nuremberg às normas brasileiras vigentes. Vittalle [Internet]. 2017 [acesso 6 jan 2022];29(2):116-26. DOI: 10.14295/vittalle.v29i2.7080 . Após a elaboração desse documento, e por influência dele, outras diretrizes foram criadas também com o propósito de assegurar o bem-estar de participantes de pesquisas, a exemplo da Declaração de Helsinki 33. Skierka AS, Michels KB. Ethical principles and placebo-controlled trials: interpretation and implementation of the Declaration of Helsinki’s placebo paragraph in medical research. BMC Med Ethics [Internet]. 2018 [acesso 6 jan 2022];19:24. DOI: 10.1186/s12910-018-0262-9 , 44. Rates CMP, Costa MR, Pessalacia JDR. Caracterização de riscos em protocolos submetidos a um comitê de ética em pesquisa: análise bioética. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 6 jan 2022];22(3):493-9. DOI: 10.1590/1983-80422014223032 . Desse modo, a primeira revisão desta declaração, em 1975, incorporou a obrigatoriedade de submeter projetos de pesquisa envolvendo seres humanos à análise prévia de comitê de ética em pesquisa (CEP) independente 55. Jácome MQD, Araujo TCCF, Garrafa V. Comitês de ética em pesquisa no Brasil: estudo com coordenadores. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 6 jan 2022];25(1):61-71. DOI: 10.1590/1983-80422017251167 .

No território brasileiro, os CEP e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que juntos formam o Sistema CEP/Conep, são responsáveis por realizar o controle social de pesquisas envolvendo seres humanos. Com isso, conforme Amorim 66. Amorim KPC. Research ethics in the Brazilian CEP-Conep system: necessary reflections. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2019 [acesso 6 jan 2022];24(3):1033-40. DOI: 10.1590/1413-81232018243.35292016 , os protocolos dessas pesquisas são revisados para certificar que estão de acordo com preceitos éticos e morais previamente definidos e fundamentos científicos adequados.

Esse controle é necessário para garantir a proteção dos participantes de pesquisas, pois não se pode presumir que normativas por si só guiem as condutas dos pesquisadores. Ao mesmo tempo, Barbosa, Corrales e Silbermann 77. Barbosa AS, Corrales CM, Silbermann M. Controvérsias sobre a revisão ética de pesquisas em ciências humanas e sociais pelo Sistema CEP/Conep. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 6 jan 2022];22(3):482-92. DOI: 10.1590/1983-80422014223031 ponderam que realizar esse controle é desafiador em decorrência da evolução do conhecimento científico e da diversidade de meios para planejar e desenvolver pesquisas.

Apesar das diretrizes norteadoras, no Brasil ainda são desenvolvidas pesquisas que não cumprem preceitos éticos e fundamentos científicos 88. Pinto S, Pessalacia JDR, Gazarini L, Silva Neto PK, Moreira AS, Costa EF. Problemas éticos em pesquisas com seres humanos durante a pandemia de covid-19: revisão integrativa de literatura. Res Soc Dev [Internet]. 2020 [acesso 6 jan 2022];9(12):e32291210802. DOI: 10.33448/rsd-v9i12.10802

9. Cambricoli F. Estudo da Prevent com hidroxicloroquina é suspenso por ser feito sem aval de comitê de ética. Estadão [Internet]. Saúde; 20 abr 2020 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3rF6uZb
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- 1010. Brandão I. Após 45 anos, sangue Yanomami levado aos EUA é repatriado para RR. G1 [Internet]. Roraima; 3 abr 2015 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://glo.bo/3uJKj6f
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. Além disso, o progresso das ciências, como parte inerente do potencial humano, impõe novas situações a serem discutidas, de modo que as diretrizes devem ser renovadas. Nessa perspectiva, no desempenho de suas atividades, é possível que membros do Sistema CEP/Conep encontrem problemas morais e/ou éticos oriundos, por exemplo, da violação de determinações legais por membros de CEP, instituições e/ou pesquisadores, ou ainda situações relacionadas à má conduta científica.

Com efeito, problemas morais requerem soluções no caso concreto. Segundo Vázquez 1111. Vázquez AS. Ética. 38ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018. , quando, ao fazer suas escolhas, alguém reflete sobre a melhor conduta a tomar diante de determinada ação, essa “investigação” torna-se objeto de suas reflexões e a moral prática cede lugar à reflexiva, o que demonstra a tênue linha entre moral e ética. Nessa perspectiva, se a moral “olha” a ação e a reflexão imediata que se pode fazer sobre esta – deliberação diante dos dilemas morais –, a ética presta-se a elucidar os conceitos necessários para a reflexão moral – fundamentação das normas morais; definição dos critérios dotados de valor moral; investigação sobre as condições da ação imputável etc.

Como ocorre com a questão moral, é possível que haja uma série de alternativas para solucionar o problema ético, de modo que ele pode se apresentar como incerteza moral, sofrimento moral e dilemas. A incerteza moral se dá quando alguém passa por situação que julga inadequada ou incorreta e sente tensão, frustração ou mesmo incômodo, mas não tem certeza ou consciência de que a situação vivenciada seja parte de problema ético. Por sua vez, o sofrimento moral surge quando, em certa circunstância, a pessoa sabe a atitude correta a ser tomada, mas se sente impedida de seguir sua consciência por alguma razão 1212. Luz KR, Vargas MAO, Schmidtt PH, Barlem ELD, Tomaschewski-Barlem JG, Rosa LM. Problemas éticos vivenciados por enfermeiros oncológicos. Rev Latinoam Enferm [Internet]. 2015 [acesso 6 jan 2022];23(6):1187-94. DOI: 10.1590/0104-1169.0098.2665 .

Os dilemas ocorrem quando é preciso escolher uma entre duas alternativas 1313. Oliveira MAN, Santa Rosa DO. Conflitos e dilemas éticos: vivências de enfermeiras no centro cirúrgico. Rev Baiana Enferm [Internet]. 2016 [acesso 6 jan 2022];30(1):344-55. DOI: 10.18471/rbe.v1i1.14237 . Já nas situações em que alguém precisa escolher entre opções que contrariam seus princípios e/ou valores, essa pessoa vivencia ao mesmo tempo dilema e conflito 1414. Rios LE, Moraes VA. Uma abordagem ética do conflito de interesses na área de saúde. Bioethikos [Internet]. 2013 [acesso 6 jan 2022];7(4):398-403. Disponível: https://bit.ly/3swOvDG
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. Quando se trata de relações sociais, os conflitos se manifestam pelo antagonismo de ideias, interesses, opiniões e valores 1515. Biblioteca Virtual em Saúde. DeCS: Descritores em Ciências da Saúde [Internet]. 2020 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://decs.bvsalud.org/
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.

Diante dessas considerações, o objetivo do estudo é analisar os problemas morais e/ou éticos vivenciados por membros de CEP durante suas atividades e as estratégias utilizadas para solução desses problemas.

Método

Trata-se de pesquisa de abordagem qualitativa com dados coletados por meio de questionário composto por 40 questões, abertas e fechadas – algumas com possibilidade de marcar mais de uma opção –, desenvolvido pelos pesquisadores. Utilizou-se a plataforma Google Forms para aplicar o questionário, com duração de preenchimento de aproximadamente 15 a 20 minutos.

O estudo foi desenvolvido em CEP localizados em Salvador/BA, com coleta de dados iniciada em 10 de setembro e encerrada em 13 de outubro de 2020. Foram selecionados dez CEP, distribuídos da seguinte maneira: um CEP implantado em instituição de ensino superior (IES) estadual; sete CEP implantados em IES vinculadas a órgão público federal; e dois CEP implantados em hospitais públicos vinculados a órgão público federal. Na seleção dos CEP envolvidos no estudo considerou-se que eles analisam protocolos de pesquisa de várias áreas do conhecimento e revisam, particularmente, os das ciências da saúde.

Desse modo, depois de recebido, cópia do parecer de aprovação deste estudo, emitido pelo CEP da Universidade Federal da Bahia, foi encaminhada a cada instituição convidada e seus respectivos comitês. Para os CEP também foram solicitados os contatos de seus membros. Assim foi possível selecionar os 39 participantes da pesquisa.

O contato inicial ocorreu por mensagens via e-mail e/ou WhatsApp, após disponibilização dos contatos dos membros pelos respectivos CEP. Os critérios de inclusão foram: ser membro efetivo do CEP e ser responsável por analisar e/ou emitir parecer de projetos de pesquisa. Como critérios de exclusão foram definidos os seguintes: estar de licença, de férias ou afastado por qualquer motivo.

No desenvolvimento deste estudo foram respeitados os aspectos éticos estabelecidos na Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 1616. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 16 jul 2013 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3swR7Bf
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. Do mesmo modo, seguiram-se os princípios bioéticos de autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e equidade, bem como os princípios e valores adotados pela Constituição Federal do Brasil (CF) de 1988 1717. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 [Internet]. Brasília: Presidência da República; 1988 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3rIYeYc
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, com ênfase no respeito à autodeterminação e à dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, foi reconhecida a vulnerabilidade dos indivíduos que, por razões de saúde e/ou pessoais, não poderiam contribuir com o estudo. Ainda, a fim de assegurar o sigilo das informações e o anonimato dos participantes e dos locais de pesquisa, utilizaram-se as letras “MC” seguidas de números – “MC 1”, “MC 2” e assim sucessivamente – para fazer referência aos membros de CEP.

Os participantes foram esclarecidos quanto aos aspectos da pesquisa – objetivos, metodologia, possíveis riscos, benefícios, sigilo e anonimato, liberdade para não participar, entre outros – e informados de que poderiam desistir em qualquer fase do processo sem nenhuma penalização. O termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foi assinado virtualmente a partir do momento em que o participante aceitava passar para a etapa do questionário.

Nesse sentido, foi definida como condição sine qua non – traduzida no Google Forms como recurso “obrigatório” – responder às questões do instrumento on-line, ler o TCLE e concordar com a pesquisa. A cópia do TCLE do participante foi disponibilizada no formato PDF por meio de link incluído no próprio questionário.

Os dados foram separados por CEP e organizados em quadros no Microsoft Word 2010. Em seguida, essa compilação foi lida integralmente, cotejando-a com as informações apresentadas no formulário para conferir se os dados transferidos estavam de acordo com as respostas dos participantes. Para examinar as respostas, utilizou-se a análise de conteúdo desenvolvida por Vietta 1818. Vietta EP. The triad, humanist-existencial-personalism: a theoretical approach-research methodology in psychiatric nursing and mental health. Rev Latinoam Enferm [Internet]. 1995 [acesso 6 jan 2022];3(1):31-43. DOI: 10.1590/S0104-11691995000100004 , denominada “configuração triádica (humanista-existencial-personalista)”.

Esse método foi desenvolvido e utilizado originalmente em pesquisa qualitativa no âmbito da enfermagem psiquiátrica e saúde mental. Seus referenciais teórico-filosóficos são humanismo, existencialismo e personalismo, considerados adequados pela autora para explicar que cada pessoa é ser único, singular.

Para este estudo, os referenciais adotados foram: normativas éticas de pesquisa envolvendo seres humanos, referenciais teórico-filosóficos da ética e da bioética, literatura a respeito da temática e princípios adotados pela CF de 1988. Por meio dessa técnica de análise dos dados foi possível apreender a essência das descrições feitas por cada participante no questionário on-line e analisá-las em sua singularidade, sem tecer generalizações.

Resultados

Dos 39 participantes, 16 eram sexo feminino e 23 do masculino, e em sua maioria eram casados ou viviam em união estável (23), pardos (20) e católicos (18). Quatro deles eram coordenadores; cinco, vice-coordenadores; e cinco, representantes dos usuários. Quanto à escolaridade, todos relataram formação universitária, a maioria com mestrado (21).

Da leitura atenta e exaustiva das respostas dos participantes, interpretadas conforme a triangulação dos referenciais adotados, emergiram categorias temáticas a partir de unidades de significado. Tais unidades foram empregadas para apreender os problemas morais e/ou éticos enfrentados pelos membros de CEP durante suas atividades e as estratégias utilizadas para solucioná-los.

Problemas morais e/ou éticos vivenciados

Constata-se que os participantes consideram que vivenciam conflitos e dilemas em suas atividades no CEP, visto que relataram conflito de interesses e valores, conforme se apreende de suas descrições. O conflito de interesses emerge do recebimento de protocolos de pesquisa de pessoas conhecidas para avaliação e das condutas de pesquisadores que usam da relação pessoal para agilizar resolução de pendências de seus projetos, de acordo com MC 25 e MC 37. Nesse contexto, MC 13 relatou declinar a relatoria do projeto quando reconhece conflito de interesses.

“Avaliar projetos de colegas da pós-graduação com quem tenho contato pessoal frequentemente” (MC 25).

“Pesquisadores (…), por conhecerem os membros do CEP, usam da relação pessoal para ter mais agilidade na resolução de pendências no processo, que deveria ser feita pela Plataforma Brasil” (MC 37).

“Projetos em que haja conflitos de interesses (…) nesses casos recusamos a relatoria, que é repassada para outro colega” (MC 13).

MC 6 e MC 30 relataram conflito de interesses, respectivamente, quanto a questões financeiras do projeto de pesquisa com orçamento para pesquisador por participante e nas relações de trabalho de membros de CEP:

“Analisei um projeto com previsão de financiamento em ensaio clínico (…) com orçamento (…) para o pesquisador por participante” (MC 6).

“Em poucos momentos vivenciei alguns membros tentando ser mais flexíveis na decisão final sobre os protocolos de pesquisa. Talvez esse fato esteja relacionado às relações de trabalho entre os colegas docentes e também de profissão, já que alguns membros fazem parte do corpo docente da instituição de ensino e têm certa aproximação com professores pesquisadores” (MC 30).

Por sua vez, os conflitos de valores vivenciados por membros de CEP ocorrem, segundo MC 30, quando há desacordos nas discussões de protocolos e/ou, conforme MC 10, discordância de metodologias empregadas nos protocolos de pesquisa apreciados. Em determinadas circunstâncias, mesmo na atribuição de relator do projeto, o membro de CEP declara acatar posicionamentos divergentes daquilo que defende. Nesse caso, MC 20 sujeita-se a decisão que pode ser contrária a suas crenças, valores e conhecimento acadêmico, configurando conflito de valores.

“O que mais vivencio são situações de divergências de opiniões/ideias expressas durante as discussões dos protocolos de pesquisa” (MC 30).

“Discordar de metodologias empregadas por colegas em suas pesquisas” (MC 10).

“Em várias oportunidades sou voto vencido e preciso aceitar mesmo estando como relatora” (MC 20).

A respeito dos dilemas, os membros de CEP afirmaram vivenciá-los em consequência das escolhas feitas ao analisar projetos de pesquisa. Desse modo, ora ocorre dilema em decorrência de sugestões e/ou recomendações feitas ao pesquisador, ora durante a discussão sobre dispensa de TCLE, conforme relato de MC 21 e MC 37:

“Minhas posturas às vezes impactam em sugestões ou recomendações ao pesquisador. Fico na dúvida se estou contra a ciência em alguns aspectos” (MC 21).

“Na ocasião, os membros do CEP tendiam a autorizar a dispensa [de TCLE], mas, dado o dilema ético, não era confortável a tomada de decisão isolada” (MC 37).

Estratégias: solução dos problemas vivenciados

Os participantes consideram diferentes estratégias para solucionar os problemas morais e/ou éticos vivenciados, tais como troca de experiências, compartilhamento de ideias/opiniões e práticas pedagógicas. As trocas, utilizadas para ocorrem, de acordo com MC 34, MC 20 e MC 30, por meio da experiência de vida, situações práticas e escuta ativa:

“Na nossa experiência de vida” (MC 34).

“Em situações práticas” (MC 20).

“Escutar o colega, ouvir atentamente a opinião de cada membro, coordenador e vice-coordenadora, considerando as normativas da instituição e do próprio CEP” (MC 30).

A discussão e o compartilhamento de ideias com membros do próprio comitê e a prática pedagógica são outras estratégias consideradas pelos membros de CEP na solução de problemas morais e/ou éticos, conforme relatos:

“Discuto com outros membros do CEP para juntos solucionarmos as questões” (MC 2, MC 23, MC 26).

“No julgamento coletivo através de discussões nas reuniões com os demais colegas do CEP” (MC 25).

“Quando há dúvidas sobre qual procedimento seguir, após discussões e argumentos, faço um balanço sobre os argumentos pró e contra e a decisão individual é baseada nessa tentativa de equilíbrio ético, em que não se criem barreiras para realização de pesquisas, mas também não se criem riscos para os indivíduos [que são] objeto das pesquisas” (MC 37).

“Compartilhamento constante das questões nas reuniões quinzenais do colegiado; quando necessário, compartilhamos dúvidas e questões entre os colegas a todo momento. Todos os conflitos e dúvidas são decididos em colegiado, o que gera uma segurança por não caber a nenhum membro isoladamente nenhuma decisão” (MC 13).

“Prestar, pedagogicamente, os esclarecimentos necessários” (MC 17).

A consulta a outro CEP foi citada por MC 37 como estratégia utilizada para solucionar problemas morais e/ou éticos. Desse modo, afirmou-se haver mais segurança na dispensa de documento – por exemplo, TCLE em pesquisas envolvendo menores – quando situação similar já foi discutida em outro CEP e a solução é balizada por decisão judicial:

“Uma discussão sobre a dispensa do TCLE que seria aplicado a pais/responsáveis de menores de idade (…) na época consultamos outro CEP que recebeu o projeto regional, e este tinha obtido uma autorização judicial para liberar essa dispensa (…) não era confortável a tomada de decisão isolada, e, dada a prerrogativa, essa dispensa foi acatada em nosso CEP” (MC 37).

Discussão

As descrições de problemas morais e/ou éticos vivenciados pelos membros de CEP possibilitaram apreender que, no âmbito de seus respectivos comitês, ocorrem conflitos de interesses relacionados a diferentes situações. Assim, relataram casos em que analisam a resolução de pendências e/ou flexibilizam decisões sobre protocolos de pesquisa de pessoas conhecidas e identificam projeto de pesquisa em que pesquisador tem orçamento por participante.

Conflitos de interesses favorecerem a parcialidade do julgamento profissional de membro de CEP, pois a apreciação de projeto de pesquisa de pessoas próximas ou conhecidas pode comprometer a qualidade da análise. Do mesmo modo, apreciar projeto de pesquisa envolvendo coordenador de CEP indicado por chefias da instituição também pode comprometer a atuação independente de membro de CEP 55. Jácome MQD, Araujo TCCF, Garrafa V. Comitês de ética em pesquisa no Brasil: estudo com coordenadores. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 6 jan 2022];25(1):61-71. DOI: 10.1590/1983-80422017251167 . Nesse contexto, é necessário solicitar o afastamento do membro em conflito durante a apresentação e discussão de parecer do relator e elaboração do parecer consubstanciado.

A Norma Operacional CNS 1/2013 1919. Conselho Nacional de Saúde. Norma Operacional nº 1/2013. Dispõe sobre organização e funcionamento do Sistema CEP/Conep e procedimentos para submissão, avaliação e acompanhamento do desenvolvimento da pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil [Internet]. 2013 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/34Paldf
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destaca, entre outras situações, que o conflito de interesses no âmbito dos CEP pode decorrer de relações de trabalho; realização de consultoria; existência de sociedade e/ou posse de ações de instituição financiadora de pesquisa; e exercício de poder na instituição mantenedora do CEP. Por isso, no momento da candidatura ou aceitação de indicação para ser membro de CEP, a pessoa deve declarar por escrito que goza de autonomia e independência para exercer a função 1919. Conselho Nacional de Saúde. Norma Operacional nº 1/2013. Dispõe sobre organização e funcionamento do Sistema CEP/Conep e procedimentos para submissão, avaliação e acompanhamento do desenvolvimento da pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil [Internet]. 2013 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/34Paldf
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. Consoante a isso, demonstrou-se neste estudo que, quando se percebe a existência de conflito de interesses, a estratégia empregada consiste em repassar a relatoria a outro membro.

Como a maioria dos participantes deste estudo afirmou trabalhar na instituição onde seu colegiado foi implantado, infere-se que a ocorrência de conflitos de interesses relacionados à análise de projetos de pessoas conhecidas não é incomum. Entretanto, a despeito dessas situações, os membros de CEP atuam na proteção dos interesses e direitos dos participantes da pesquisa, e isso deve ser visto por eles como dever primário.

Ademais, membro de CEP presta serviço de interesse público e por isso mesmo deve gozar de autonomia e independência no exercício de sua função, no sentido de não permitir que o interesse particular se sobreponha ao coletivo. Por essa razão, deve pautar suas condutas, entre outras diretrizes, pelo princípio da impessoalidade, conforme preceitua a CF de 1988 1717. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 [Internet]. Brasília: Presidência da República; 1988 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3rIYeYc
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.

Em protocolo de pesquisa financiado no qual o pesquisador recebe orçamento por participante, é possível que o julgamento desse profissional seja influenciado de forma indevida, levando-o a privilegiar interesse secundário em detrimento de dever primário 2020. Thompson DF. Understanding financial conflicts of interest. N Engl J Med [Internet]. 1993 [acesso 6 jan 2022];329(8):573-6. DOI: 10.1056/NEJM199308193290812
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. Isso ocorre porque, conforme explicitam Paiva e colaboradores 2121. Paiva PA, Costa SM, Dias OV, Lopes VSVBV, Souto DGB, Silva DL. Experiência do comitê de ética em pesquisa de uma universidade pública de Minas Gerais, Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 6 jan 2022];23(1):169-77. DOI: 10.1590/1983-80422015231057 , quando há interesse econômico, a pesquisa, que deveria ser orientada para o bem coletivo, tem sua investigação condicionada.

Nesse caso, o conflito de interesses pode ser visto em diferentes perspectivas: a do pesquisador, a dos participantes da pesquisa, a do financiador e a da própria sociedade. O dever primário de todo pesquisador é realizar pesquisa envolvendo seres humanos de acordo com os fundamentos éticos e científicos, e ele não deve ser afetado por outros interesses.

O caso de conflito relacionado a pesquisador descrito por membro de CEP neste estudo levanta a seguinte consideração:

Há conflito potencial de interesses nas situações em que a coexistência entre o interesse que deve ter o pesquisador de fazer avançar a ciência e interesses de outra natureza, ainda que legítimos, possa ser razoavelmente percebida, por ele próprio ou por outrem, como conflituosa e prejudicial à objetividade e imparcialidade de suas decisões científicas, mesmo independentemente de seu conhecimento e vontade (…). Nessas situações, o pesquisador deve ponderar, em função da natureza e gravidade do conflito, sua aptidão para tomar essas decisões e, eventualmente, deve abster-se de tomá-las (…). Nos casos em que o pesquisador esteja convencido de que um conflito potencial de interesses não prejudicará a objetividade e imparcialidade de suas decisões científicas, a existência do conflito deve ser clara e expressamente declarada a todas as partes interessadas nessas decisões, logo quando tomadas 2222. Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Código de boas práticas científicas [Internet]. São Paulo: Fapesp; 2014 [acesso 6 jan 2022]. p. 25. Disponível: https://bit.ly/3HNYQRL
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.

A situação de conflito de interesses em protocolo de pesquisa de ensaio clínico relatada por MC 6 foi compreendida como potencialmente capaz de prejudicar a objetividade e a imparcialidade das decisões científicas do pesquisador pela coexistência de interesses primário e secundário. Esses interesses ganham destaque em ensaios clínicos, pois, segundo Silva, Ventura e Castro 2323. Silva CF, Ventura M, Castro CGSO. Perspectivas bioéticas sobre justiça nos ensaios clínicos. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 6 jan 2022];24(2):292-303. DOI: 10.1590/1983-80422016242130 , podem contribuir para a economia dos países envolvidos com geração de emprego e renda e desenvolvimento técnico-científico, além de trazer benefícios diretos aos participantes da pesquisa e à comunidade local, entre outros.

Todavia, na perspectiva de Alves e Tubino 2424. Alves EMO, Tubino P. Conflito de interesses em pesquisa clínica. Acta Cir Bras [Internet]. 2007 [acesso 6 jan 2022];22(5):412-5. DOI: 10.1590/S0102-86502007000500015 , pesquisas clínicas envolvem algum tipo de intervenção, e na maioria das vezes os participantes pouco compreendem os riscos envolvidos e/ou não conhecem os trâmites para ingressar na justiça quando prejudicados. Por essa razão, na prática de pesquisa, recomenda-se que os conflitos sejam descritos de forma objetiva. Além disso, todas as pesquisas envolvendo seres humanos, sem exceção, devem ter seus protocolos analisados por CEP.

Portanto, independentemente de o pesquisador seguir boas práticas científicas, o CEP deverá verificar se as medidas explicitadas no protocolo de pesquisa são claras e suficientes para garantir a proteção e defesa dos interesses dos participantes. Nesse sentido, o detalhamento do orçamento no projeto de pesquisa é relevante para que seja possível avaliar se o valor a ser recebido pelo pesquisador poderá induzi-lo a alterar a relação risco-benefício para os participantes do estudo. Do mesmo modo, o pesquisador deve ser desencorajado de basear o orçamento unicamente no número de participantes, conforme orienta o Manual operacional para comitês de ética em pesquisa 2525. Brasil. Ministério da Saúde. Manual operacional para comitês de ética em pesquisa [Internet]. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2007 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3rMREQx
https://bit.ly/3rMREQx...
.

Os participantes deste estudo também descreveram vivência de conflito de valores manifestado por divergências de ideias ou opiniões durante discussões de protocolos. Isso pode estar relacionado ao fato de que os membros de CEP têm visões de mundo, conhecimentos e experiências diversas. Essas divergências, quando expostas com respeito e justificativas plausíveis, enriquecem as discussões e podem ajudar na construção de protocolos que atendam a aspectos éticos e metodológicos da pesquisa envolvendo seres humanos.

Impende ressaltar que o membro de CEP na atribuição de relator, após estudar uma questão ou apreciar um protocolo de pesquisa, apresenta o caso aos demais membros para discutir aspectos éticos e metodológicos, mas a decisão que irá prevalecer é a do colegiado 2525. Brasil. Ministério da Saúde. Manual operacional para comitês de ética em pesquisa [Internet]. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2007 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3rMREQx
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. Portanto, todos os membros do CEP têm autonomia e independência em sua atuação, e discordâncias de ideias e opiniões entre os membros são parte do processo.

Os dilemas vivenciados pelos participantes deste estudo estão relacionados às sugestões ou recomendações feitas a pesquisadores e às discussões sobre dispensa de TCLE. Nesses casos, por exemplo, ao deliberar sobre pendências no protocolo, o membro de CEP sugere ao pesquisador que ajuste o projeto de pesquisa e/ou decide não permitir a dispensa de documento. Essa postura o leva a se questionar se estaria a favor ou contra o desenvolvimento científico.

O dilema ético que se configura nessas situações transcende o simples ato de optar entre duas alternativas aparentemente opostas, pois passa a envolver o âmbito dos conflitos éticos. Segundo Freitas e Fernandes 2626. Freitas GF, Fernandes MFP. Ética e moral. In: Oguisso T, Zoboli E, organizadores. Ética e bioética: desafios para a enfermagem e a saúde. 2ª ed. São Paulo: Manole; 2017. p. 45-60. , conflitos éticos ocorrem porque as pessoas têm valores, crenças, experiências e formação ética, humana e profissional distintas.

Além disso, infere-se que o dilema ético vivenciado pelo membro de CEP neste estudo pode vir acompanhado de sofrimento ou incômodo, não sendo fácil para ele decidir qual das alternativas seria a mais adequada para solucionar o problema ético vivenciado. Nora, Zoboli e Vieira 2727. Nora CRD, Zoboli ELCP, Vieira M. Problemas éticos vivenciados por enfermeiros na atenção primária à saúde: revisão integrativa da literatura. Rev Gaúch Enferm [Internet]. 2015 [acesso 6 jan 2022];36(1):112-21. DOI: 10.1590/1983-1447.2015.01.48809 corroboram essa ideia sobre problemas éticos ao considerar que estes têm vários cursos de ação, e que para solucioná-los deve-se pensar na solução mais adequada ao caso concreto.

No caso dos membros de CEP, é essencial haver equilíbrio nas decisões, pois um direito não precisa deixar de existir para dar início a outro. Assim, o desenvolvimento de um fármaco não justifica o desrespeito à dignidade dos participantes de pesquisa nem sua exposição a situações de perigo, tampouco o não reconhecimento de sua situação de vulnerabilidade 2828. Santos RCS, Santos EC. Malária: cobaias humanas no Amapá. Estaç Cient [Internet]. 2011 [acesso 6 jan 2022];1(2):143-50. Disponível: https://bit.ly/3JvdIFp
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. Desse modo, se os direitos do participante são tão relevantes quanto o desenvolvimento científico, é necessário refletir, deliberar e ponderar antes de decidir entre as alternativas, tendo sempre como referência o ser humano.

Por essa razão, ao apreciar protocolo de pesquisa, o membro de CEP precisa se certificar de que os direitos do participante estão sendo considerados e solucionar os dilemas vivenciados no sentido de evitar violação dos direitos humanos. Proteger os direitos dos possíveis participantes de pesquisa é, segundo a Organização Mundial da Saúde 2929. World Health Organization. Research ethics committees: basic concepts for capacity building [Internet]. Geneva: WHO; 2009 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3uOtG9e
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, a principal responsabilidade do CEP, e seu objetivo final deve ser a promoção da pesquisa segundo elevados padrões éticos.

Dessa maneira, na avaliação dos projetos e na solução dos problemas morais e/ou éticos, o membro de CEP deve considerar o participante de pesquisa como pessoa detentora de direitos que deve ser respeitada e protegida. Assim, os participantes deste estudo expressam os participantes deste estudo expressam trocas de experiências, compartilhamento de ideias e práticas pedagógicas como estratégias para solucionar esses problemas. Nesse sentido, a aprendizagem colaborativa e a cooperativa são consideradas metodologias capazes de promover aprendizado mais ativo, pois estimulam o pensamento crítico, a interação entre pessoas, a negociação de informações e a resolução de problemas 3030. Torres PL, Irala EAF. Aprendizagem colaborativa: teoria e prática. In: Torres PL, organizador. Complexidade: redes e conexões na produção do conhecimento [Internet]. Curitiba: Senar/PR; 2014 [acesso 6 jan 2022]. p. 61-94. Disponível: https://bit.ly/33iw3Wz
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Como visto, no âmbito dos CEP, a aprendizagem colaborativa e a cooperativa têm sido praticadas por meio de trocas de experiências – entre membros de um mesmo CEP ou não –, discussões durante as reuniões do comitê e compartilhamento de ideias e opiniões. Assim, a capacitação continuada dos participantes deste estudo ocorre também por meio dessas trocas, que os habilitam a tomar decisões e solucionar questões práticas apresentadas durante a análise dos protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos.

Com isso, eles são preparados para tomar decisão ética na emissão de pareceres técnicos, e, no que for cabível, suas decisões tornam-se referência para outros CEP. Desse modo, essa capacitação é essencial para que o trabalho desenvolvido pelos membros de CEP produza revisões éticas adequadas 3131. Wang ZH, Zhou GH, Sun LP, Gang J. Challenges in the ethics review process of clinical scientific research projects in China. J Int Med Res [Internet]. 2019 [acesso 6 jan 2022];47(10):4636-43. DOI: 10.1177/0300060519863539 , com repercussão positiva na garantia e proteção das pessoas que participam de pesquisas.

O uso de práticas pedagógicas na solução de problemas morais e/ou éticos demonstra que a função educativa desenvolvida pelos CEP estudados também envolve a capacitação dos pesquisadores. Desse modo, orientações e/ou recomendações feitas por membros de CEP aos pesquisadores possibilitam melhoria na qualidade dos projetos para que estes possam se desenvolver de acordo com aspectos éticos da pesquisa 2525. Brasil. Ministério da Saúde. Manual operacional para comitês de ética em pesquisa [Internet]. 4ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2007 [acesso 6 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3rMREQx
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Considerações finais

O estudo revelou que membros de CEP vivenciam problemas morais e/ou éticos expressos como conflitos e dilemas, e que as estratégias utilizadas para solucioná-los são trocas de experiências, ideias e opiniões, entre si ou com membros de outros CEP, e práticas pedagógicas. Destaca-se que estas últimas, nesse contexto, são relevantes para o desenvolvimento da função educativa dos CEP junto aos pesquisadores.

Nesse sentido, essas práticas devem ser vistas como aplicações do princípio da eficiência na atuação do membro de CEP, pois, à medida que os pesquisadores são capacitados, é possível que as pesquisas passem a ser desenvolvidas segundo critérios éticos e metodológicos adequados. Portanto, por meio das práticas pedagógicas, em vez de apenas apontar falhas, indicar pendências e aprovar ou não protocolos de pesquisa, é possível criar espaço no CEP para que membros e pesquisadores percebam uns aos outros como responsáveis pela construção do conhecimento científico.

Entre as limitações do estudo, citam-se a insuficiência de literatura e a baixa adesão de membros de CEP. Apesar disso, os resultados possibilitaram analisar e discutir as informações descritas pelos participantes do estudo e podem ser aplicados por membros de CEP que vivenciem semelhantes circunstâncias.

Pesquisar problemas morais e/ou éticos vivenciados por membros de CEP em suas atividades e conhecer as estratégias que utilizam para solucioná-los pode subsidiar políticas públicas voltadas a pesquisas envolvendo seres humanos. Além disso, pode auxiliar e estimular práticas educativas para membros de CEP, acadêmicos e pesquisadores, possibilitando um agir responsável na realização de pesquisas.

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  • Aprovação CEP/UFBA 4.255.337 CAAE 36248120.7.0000.5531

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2021
  • Revisado
    26 Jan 2022
  • Aceito
    27 Jan 2022
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