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Finitude da vida: compreensão conceitual da eutanásia, distanásia e ortotanásia

Resumo

O objetivo deste trabalho foi avaliar o conhecimento de médicos de unidades de terapia intensiva de Campo Grande/MS acerca dos conceitos de eutanásia, distanásia e ortotanásia. A pesquisa, transversal e qualiquantitativa, envolveu 80 médicos que responderam a um questionário autoaplicável com perguntas fechadas e abertas, as quais visavam aferir o conhecimento do entrevistado sobre os três conceitos. A análise dos dados demonstrou que 32% dos entrevistados definiram inadequadamente eutanásia, 75% e 61,2% definiram com exatidão os conceitos de distanásia e de ortotanásia, respectivamente, e 46,2% tinham conhecimento adequado dos três termos e práticas. Notamos que o tempo de formado foi inversamente proporcional ao conhecimento dos conceitos.

Eutanásia; Morte; Doente terminal; Unidades de terapia intensiva; Atitude frente a morte

Abstract

This study evaluates the knowledge of intensive care physicians about the concepts of euthanasia, dysthanasia and orthothanasia in Campo Grande/MS, Brazil. The cross-sectional and qualitative research involved 80 doctors who responded to a self-administered questionnaire, with closed and open questions that aimed to assess the interviewee’s knowledge of the three concepts. Data analysis showed that 32% of respondents inadequately defined euthanasia, and 75% and 61.2% accurately defined dysthanasia and orthothanasia, respectively. In turn, 46.2% had adequate knowledge of the three terms and practices. We noticed that the years of practice since graduation were inversely proportional to the knowledge of concepts.

Euthanasia; Death; Terminally ill; Intensive care units; Attitude to death

Resumen

El objetivo de este trabajo fue evaluar el conocimiento de médicos de unidades de cuidados intensivos en la ciudad de Campo Grande, capital del estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, sobre los conceptos de eutanasia, distanasia y ortotanasia. El estudio, transversal y cualicuantitativo, contó con la participación de 80 médicos que respondieron a un cuestionario autoaplicable, con preguntas cerradas y abiertas que tenían como objetivo evaluar el conocimiento del entrevistado acerca de los tres conceptos. El análisis de los datos reveló que el 32% de los encuestados definió de manera inadecuada la eutanasia, y el 75% y el 61,2% definieron con precisión los conceptos de distanasia y ortotanasia, respectivamente, y el 46,2% tenía un conocimiento adecuado de los tres términos y prácticas. Observamos que el tiempo transcurrido desde la graduación fue inversamente proporcional al conocimiento de los conceptos.

Eutanasia; Muerte; Enfermo terminal; Unidades de cuidados intensivos; Actitud frente a la muerte

A humanização da medicina envolve prática integral, que considera o paciente e os aspectos biopsicossociais e espirituais abrangidos pelo binômio saúde-doença. No que se refere à finitude da vida, a medicina humanizada denota, além do respeito à pessoa, maior interação entre equipe e paciente, com melhores resultados na escolha de condutas e tratamentos, de modo a promover o bem-estar 11. Santos DA, Almeida ERP, Silva FF, Andrade LHC, Azevêdo LA, Neves NMBC. Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 1º set 2015];22(2):367-72. DOI: 10.1590/1983-80422014222018 .

O desenvolvimento tecnológico tem possibilitado intervenções que, ao adiar a morte, provocam debates e questionamentos éticos sobre condutas que submetem o paciente a sofrimentos desnecessários e indesejáveis 11. Santos DA, Almeida ERP, Silva FF, Andrade LHC, Azevêdo LA, Neves NMBC. Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 1º set 2015];22(2):367-72. DOI: 10.1590/1983-80422014222018 . Diante da terminalidade, principalmente em unidades de terapia intensiva (UTI), há três caminhos possíveis: eutanásia, distanásia e ortotanásia. A escolha por um deles passa pela humanização da medicina, vez que a decisão deve considerar fatores psicossociais que, no momento de proximidade da morte, são tão ou mais importantes do que aspectos biológicos.

Distanásia é a tentativa de manter a vida a qualquer custo, com atos médicos desproporcionais que tornam a morte mais difícil, infligindo mais sofrimento ao paciente e seus familiares 22. Pessini L. Lidando com pedidos de eutanásia: a inserção do filtro paliativo. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 22 maio 2015];18(3):549-60. Disponível: http://bit.ly/2NBvufx
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, sem perspectiva real de recuperar a vida e o bem-estar. A eutanásia, por outro lado, é a abreviação intencional da vida a fim de aliviar ou evitar o sofrimento do enfermo cuja morte é iminente. Por fim, ortotanásia é a morte em seu processo natural e inevitável, respeitando o direito da pessoa de morrer com dignidade, amparada por cuidados paliativos.

A fim de salvaguardar o direito inviolável à vida e sua inalienabilidade, o Conselho Federal de Medicina (CFM) elaborou a Resolução 1.805/2006 33. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.805, de 9 de novembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União. Brasília, 28 nov 2006. , que assegura a dignidade do doente terminal, permitindo a suspensão de tratamentos desde que garantidos os devidos cuidados para alívio do sofrimento. Posteriormente, por meio da Resolução CFM 1.931/2009 44. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União. Brasília, 24 set 2009. , que aprova o Código de Ética Médica (CEM), o Conselho reforçou a obrigação do médico de oferecer cuidados paliativos. Embora a primeira dessas resoluções descreva e permita a prática da ortotanásia, não menciona o termo em si, assim como o CEM. Além disso, a falta de lei que regule a prática propicia divergências entre as esferas médica e legal, gerando incerteza entre os profissionais.

Percebe-se ainda carência de informação sobre essas práticas entre profissionais de saúde 55. Felix ZC, Costa SFG, Alves AMPM, Andrade CG, Duarte MCS, Brito FM. Eutanásia, distanásia e ortotanásia: revisão integrativa da literatura. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 1º set 2015];18(9):2733-46. Disponível: http://bit.ly/2NCV6bT
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, acarretando não apenas infrações deontológicas e jurídicas 66. Soares AMM, Piñeiro WE. Bioética e biodireito: uma introdução. 2ª ed. São Paulo: Loyola; 2002. , mas também desrespeito à dignidade do paciente. Com base nessa realidade e considerando a relação constante com a morte no trabalho em UTI, o propósito desta pesquisa é verificar o conhecimento de intensivistas sobre distanásia, eutanásia e ortotanásia, uma vez que compreender esses conceitos é fundamental para humanizar o atendimento e abrandar a dor e o sofrimento do enfermo 33. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.805, de 9 de novembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União. Brasília, 28 nov 2006. .

Materiais e método

Trata-se de pesquisa primária de campo, observacional e transversal, com abordagem qualiquantitativa, realizada com médicos intensivistas de três instituições: Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, Santa Casa de Campo Grande e Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian. A pesquisa ocorreu entre julho de 2015 e novembro de 2016, com coleta de dados entre maio e agosto de 2016.

Foram incluídos na pesquisa médicos que cumpriam plantão exclusivamente na UTI e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), excluindo-se aqueles que realizavam apenas procedimentos esporádicos no ambiente, que não desejaram participar ou não concordaram com o teor do TCLE. Ao todo, a amostra contou com 80 profissionais, considerando, por conveniência, nível de confiança de 95% e erro amostral de 5% para evitar vieses de seleção na pesquisa 77. Crespo AA. Estatística fácil. São Paulo: Saraiva; 1996. .

Os dados foram coletados por meio de questionário autoaplicável, elaborado com base em instrumento apresentado no estudo “Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte” 88. Vasconcelos TJQ, Imamura NR, Villar HCEC. Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 15 set 2015];19(2):501-21. Disponível: http://bit.ly/2TIO3Cz
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. Foram avaliados o tipo de conduta já adotada pelos profissionais diante da terminalidade da vida, coerência em relação à conceituação dos termos e percepção dos entrevistados quanto ao desfecho da conduta adotada, se favorável ou desfavorável ao paciente ou à família. As respostas, tanto objetivas como descritivas, foram divididas em quatro eixos.

O primeiro eixo colheu dados sociodemográficos: idade, gênero e tempo de formação na área médica. Nos demais eixos foram abordadas questões relacionadas a eutanásia, distanásia e ortotanásia, respectivamente. Perguntou-se aos profissionais se já haviam praticado alguma dessas condutas, solicitando-se que as definissem para que os pesquisadores posteriormente analisassem a compatibilidade das explicações com a definição científica dos conceitos.

Considerou-se que a resposta sobre o termo “eutanásia” deveria conter ao menos duas das seguintes ideias: “prática para abreviar a vida do paciente” ou “provocar a morte do paciente”, “alívio do sofrimento” e “morte sem dor”. Foram consideradas inadequadas as respostas que continham apenas uma ou nenhuma dessas noções.

Para “distanásia”, a resposta deveria conter no mínimo uma das seguintes ideias: “obstinação terapêutica”, “prolongamento do processo de morrer”, “manutenção de tratamentos ineficazes que prologam de forma dolorosa a vida biológica do paciente, sem qualidade de vida ou dignidade” e “doentes sem prognóstico”. Foram consideradas inadequadas as respostas que não continham nenhum dos termos.

Por fim, para “ortotanásia”, a resposta devia conter uma das noções: “morte correta” ou “morte no tempo certo”, “não interferência da ciência”, “morte natural sem interferência”, “cuidados paliativos que proporcionem conforto ao paciente” e “não utilização de métodos desproporcionais de prolongamento da vida”. Foram consideradas inadequadas as respostas que não continham nenhum dos termos.

A análise estatística foi feita de forma descritiva, com o software Excel 2016, versão 1701 (Compilação 7766.2060). Utilizou-se o teste qui-quadrado para estabelecer o nível de significância (5%), e o intervalo de confiança foi de 95%.

Resultados

O perfil sociodemográfico da amostra é apresentado na Tabela 1 . Dos 80 participantes, 76 responderam à pergunta sobre o termo “eutanásia”, dentre os quais 49 (61,3%) apresentaram conhecimento considerado adequado e 2 (2,5%), apesar de terem declarado conhecimento, não responderam quanto à autopercepção em relação ao termo ( Figura 1 ). Sobre “distanásia”, 71 responderam, 60 (75%) deles demonstrando conhecimento adequado ( Figura 1 ). Quanto à “ortotanásia”, 63 responderam, 49 (61,3%) dos quais com conhecimento adequado ( Figura 1 ). Dos 80 entrevistados, apenas 37 (46,3%) demonstraram conhecimento adequado das três práticas.

Tabela 1
Caracterização da amostra dos médicos

Figura 1
Conhecimento avaliado segundo critérios preestabelecidos

Oito médicos (10%) afirmaram já ter praticado eutanásia, 70 (87,5%) negaram e 2 (2,5%) não responderam. Dentre os que a praticaram, 6 (75%) consideraram a decisão benéfica ao paciente ou à família, 1 (12,5%) achou que não houve impacto e 1 (12,5%) não indicou sua percepção. Nenhum deles considerou a ação prejudicial.

Quarenta e cinco entrevistados (56,3%) afirmaram já ter praticado distanásia, 32 (40%) negaram e 3 (3,7%) não responderam. Dentre os que a praticaram, 10 (22,2%) a julgaram benéfica para o paciente ou a família; 31 (68,9%), prejudicial; e 3 (6,7%) declararam não ter observado impacto. Um dos participantes (2,2%) não respondeu à pergunta sobre percepção da conduta adotada.

Cinquenta e cinco participantes (68,8%) afirmaram já ter praticado ortotanásia, 18 (22,5%) negaram e 7 (8,7%) não responderam. Dentre os que a praticaram, 49 (89,1%) a consideraram benéfica, 2 (3,6%), prejudicial, e 3 (5,5%) declararam não ter observado impacto. Um dos entrevistados (1,8%) não respondeu à pergunta sobre percepção da conduta adotada.

Dos entrevistados que praticaram eutanásia (8 médicos), distanásia (45) e ortotanásia (55), respectivamente, 2 (25%), 3 (6,7%) e 11 (20%) não definiram adequadamente a prática que declararam ter adotado ( Figura 2 ). Os dados tiveram significância estatística ( p =0,04).

Figura 2
Correlação entre prática e conhecimento adequado dos conceitos

Quanto à correlação com tempo de formado, definiram corretamente os conceitos 10 (62,5%) dos 16 médicos formados há menos de 4 anos; 3 (60%) dos 5 formados há 4 a 5 anos; 10 (47,6%) dos 21 formados há 5 a 10 anos; e 10 (27%) dos 37 formados há mais de 11 anos ( p =0,03).

Discussão

Profissionais de UTI convivem com a terminalidade da vida diariamente, e estudos realizados neste cenário podem revelar um panorama geral sobre o assunto. No caso deste trabalho, pôde-se observar que participantes formados há mais tempo tiveram mais dificuldades para definir os conceitos de distanásia, eutanásia e ortotanásia, em resultado semelhante ao de outras pesquisas 88. Vasconcelos TJQ, Imamura NR, Villar HCEC. Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 15 set 2015];19(2):501-21. Disponível: http://bit.ly/2TIO3Cz
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, 99. Machado KDG, Pessini L, Hossne WS. A formação em cuidados paliativos da equipe que atua em unidade de terapia intensiva: um olhar da bioética. Bioethikos [Internet]. 2007 [acesso 28 maio 2015];1(1):34-42. Disponível: http://bit.ly/365v4Eu
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. Esse fato pode ser explicado por lacunas na formação acadêmica dos médicos mais experientes, visto que esses temas só ganharam destaque nos últimos anos.

Por outro lado, o melhor desempenho dos participantes mais jovens demonstra certo avanço na formação, embora ainda faltem cursos de capacitação e atualização para que os profissionais conheçam as novas práticas relacionadas à terminalidade da vida. As lacunas sentidas pelo médico ao deparar com conflitos éticos do cotidiano 88. Vasconcelos TJQ, Imamura NR, Villar HCEC. Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 15 set 2015];19(2):501-21. Disponível: http://bit.ly/2TIO3Cz
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devem-se ao foco exclusivo da educação em aspectos biomédicos e técnicos, sem uma perspectiva humanística.

Em pesquisa realizada nos hospitais da Faculdade de Medicina de Marília 88. Vasconcelos TJQ, Imamura NR, Villar HCEC. Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 15 set 2015];19(2):501-21. Disponível: http://bit.ly/2TIO3Cz
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, a maioria dos médicos afirmou ter conhecimento adequado sobre eutanásia e distanásia, tal como ocorreu em estudo com enfermeiros da UTI de um grande hospital de São Paulo 1010. Biondo CA, Silva MJP, Secco LM. Distanásia, eutanásia e ortotanásia: percepções dos enfermeiros de unidades de terapia intensiva e implicações na assistência. Rev Latinoam Enferm [Internet]. 2006 [acesso 5 set 2015];17(5):613-9. DOI: 10.1590/S0104-11692009000500003 . Quanto à ortotanásia, no estudo de Vasconcelos, Imamura e Villar 88. Vasconcelos TJQ, Imamura NR, Villar HCEC. Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 15 set 2015];19(2):501-21. Disponível: http://bit.ly/2TIO3Cz
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quase todos os participantes afirmaram conhecer o conceito. Nesta investigação, todavia, o número de profissionais com conhecimento adequado foi menor do que nessas duas pesquisas.

Ao revisar a bibliografia, nota-se que são raros os estudos que aferem o conhecimento declarado por meio de checagem crítica. Esse cuidado metodológico é importante, já que, como demonstra esta pesquisa, pode haver divergência entre a percepção do profissional e a realidade. A discrepância fica clara especialmente no conceito de eutanásia, que 76 intensivistas afirmaram conhecer, embora mais da metade das definições tenha sido equivocada. A definição clara de conceitos é fundamental à boa prática médica, uma vez que a percepção errônea sobre o que é determinada conduta pode interferir em sua aplicação, prejudicando o paciente. Superestimar os próprios conhecimentos acaba, também, por desestimular a busca de novas informações e aperfeiçoamento 55. Felix ZC, Costa SFG, Alves AMPM, Andrade CG, Duarte MCS, Brito FM. Eutanásia, distanásia e ortotanásia: revisão integrativa da literatura. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 1º set 2015];18(9):2733-46. Disponível: http://bit.ly/2NCV6bT
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.

O desconhecimento de termos da tanatologia demonstra que ainda há muitos médicos que vivenciam a terminalidade da vida diariamente sem informações fundamentais para tomar decisões que evitem distorções e falhas na comunicação. O resultado é desconforto e sofrimento não só para pacientes e familiares, mas também para os próprios profissionais.

No que diz respeito à prevalência das práticas entre os entrevistados, a ortotanásia foi a mais frequente, seguida pela distanásia, corroborando o estudo de Vasconcelos, Imamura e Villar 88. Vasconcelos TJQ, Imamura NR, Villar HCEC. Impacto da Resolução CFM 1.805/06 sobre os médicos que lidam com a morte. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2011 [acesso 15 set 2015];19(2):501-21. Disponível: http://bit.ly/2TIO3Cz
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. Com relação à ortotanásia, sua maior frequência era esperada, visto que se trata de procedimento considerado adequado pela classe médica e pelo CFM, ainda que sua distinção em relação à eutanásia e à distanásia em alguns casos seja imprecisa.

Quanto à distanásia, infere-se que sua ocorrência se deve a problemas de comunicação entre médico e paciente/família, vez que a falta de esclarecimento quanto a prognósticos pode gerar esperança infundada de melhora 66. Soares AMM, Piñeiro WE. Bioética e biodireito: uma introdução. 2ª ed. São Paulo: Loyola; 2002. . Essa expectativa pode trazer mais dor e sofrimento, com métodos terapêuticos inúteis e uso inapropriado dos escassos recursos do sistema de saúde. Por fim, preocupa o fato de oito médicos declararem já ter realizado eutanásia, prática caracterizada como crime pela legislação brasileira 66. Soares AMM, Piñeiro WE. Bioética e biodireito: uma introdução. 2ª ed. São Paulo: Loyola; 2002. .

A resposta dos médicos quanto a ter ou não realizado um dos três procedimentos deve ser analisada criticamente, uma vez que, como demonstrado, um número expressivo de profissionais mostrou desconhecer os conceitos. É possível, portanto, que muitos adotem condutas sem o devido esclarecimento, equivocando-se ao pensar que estão agindo de forma ética. Pode acontecer, por exemplo, de um médico acreditar ter adotado a ortotanásia, quando, por não saber ao certo os limites do conceito, tenha praticado eutanásia.

Sobre o impacto das condutas adotadas, os dados demonstram que, segundo a percepção dos médicos, a distanásia tende a gerar desfechos negativos, enquanto a ortotanásia beneficia pacientes e familiares ( p =0,04). O resultado era esperado, pois, como demonstra a literatura 55. Felix ZC, Costa SFG, Alves AMPM, Andrade CG, Duarte MCS, Brito FM. Eutanásia, distanásia e ortotanásia: revisão integrativa da literatura. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 1º set 2015];18(9):2733-46. Disponível: http://bit.ly/2NCV6bT
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, a ortotanásia é a prática mais adequada para uma assistência humana, que respeite a dignidade do paciente, oferecendo-lhe as melhores condições.

Por fim, destaca-se que tão importante quanto a compreensão de termos e conceitos é a boa relação com o paciente e sua família. Mantê-los informados é fundamental, pois o esclarecimento traz conforto e confiança, minimizando o sofrimento inerente à morte.

Considerações finais

Menos da metade dos participantes da pesquisa demonstrou conhecer de modo satisfatório os conceitos de distanásia, ortotanásia e eutanásia – esta última, a mais frequentemente definida de forma equivocada. O quadro é preocupante, visto que os conhecimentos sobre uma conduta determinam sua execução na prática. Para reverter essa situação, é necessário investir no treinamento dos profissionais que lidam cotidianamente com a terminalidade da vida. Outro problema detectado foi o grande número de intensivistas que admitem ter praticado distanásia – mais da metade dos entrevistados. Dentre estes, a maioria considerou a prática desfavorável, por prolongar o sofrimento do paciente e de sua família sem trazer benefícios, acarretando ainda prejuízos materiais.

Um resultado significativo foi a relação entre experiência do profissional e conhecimento dos conceitos. Os médicos formados há mais tempo demonstraram-se menos aptos a definir o que é eutanásia, distanásia e ortotanásia, enquanto os que concluíram a graduação mais recentemente tiveram melhor desempenho. O dado, embora evidencie os avanços da formação nos últimos anos, indica que ainda é preciso ampliar a abordagem da tanatologia na grade curricular de cursos de medicina, incluindo discussões sobre biodireito e bioética. Da mesma forma, para atualizar os profissionais já formados, é necessário desenvolver programas de formação continuada.

Anexo Questionário

Identificação

Idade: ( ) menos de 30 anos ( ) de 30 a 40 anos ( ) mais de 40 anos

Sexo: ( ) masculino ( ) feminino

Tempo de formação médica: ( ) menos de 4 anos ( ) de 4 a 5 anos ( ) de 6 a 10 anos ( ) 11 anos ou mais

Tema: Eutanásia

1. Você tem conhecimento sobre eutanásia?

( ) Sim

( ) Não

2. Descreva o seu conhecimento acerca da definição de eutanásia.

___________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________

3. Você já praticou eutanásia?

( ) Sim

( ) Não

Se sim, vá para a próxima questão. Se não, vá para questão 5.

4. Você identificou algum impacto dessa prática no paciente ou na família?

( ) Sim, foi favorável

( ) Sim, foi desfavorável

( ) Não

Tema: Distanásia

5. Você tem conhecimento sobre distanásia?

( ) Sim

( ) Não

6. Descreva o seu conhecimento acerca da definição de distanásia.

___________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________

7. Você já praticou distanásia?

( ) Sim

( ) Não

Se sim, vá para a próxima questão. Se não, vá para questão 9.

8. Você identificou algum impacto dessa prática no paciente ou na família?

( ) Sim, foi favorável

( ) Sim, foi desfavorável

( ) Não

Tema: Ortotanásia

9. Você tem conhecimento sobre ortotanásia?

( ) Sim

( ) Não

10. Descreva o seu conhecimento acerca da definição de ortotanásia.

___________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________

11. Você já praticou ortotanásia?

( ) Sim

( ) Não

Se sim, vá para a próxima questão. Se não, você terminou o questionário!

12. Você identificou algum impacto dessa prática no paciente ou na família?

( ) Sim, foi favorável

( ) Sim, foi desfavorável

( ) Não

Referências

  • 1
    Santos DA, Almeida ERP, Silva FF, Andrade LHC, Azevêdo LA, Neves NMBC. Reflexões bioéticas sobre a eutanásia a partir de caso paradigmático. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2014 [acesso 1º set 2015];22(2):367-72. DOI: 10.1590/1983-80422014222018
  • 2
    Pessini L. Lidando com pedidos de eutanásia: a inserção do filtro paliativo. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 22 maio 2015];18(3):549-60. Disponível: http://bit.ly/2NBvufx
    » http://bit.ly/2NBvufx
  • 3
    Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.805, de 9 de novembro de 2006. Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União. Brasília, 28 nov 2006.
  • 4
    Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União. Brasília, 24 set 2009.
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    Felix ZC, Costa SFG, Alves AMPM, Andrade CG, Duarte MCS, Brito FM. Eutanásia, distanásia e ortotanásia: revisão integrativa da literatura. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 1º set 2015];18(9):2733-46. Disponível: http://bit.ly/2NCV6bT
    » http://bit.ly/2NCV6bT
  • 6
    Soares AMM, Piñeiro WE. Bioética e biodireito: uma introdução. 2ª ed. São Paulo: Loyola; 2002.
  • 7
    Crespo AA. Estatística fácil. São Paulo: Saraiva; 1996.
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  • 9
    Machado KDG, Pessini L, Hossne WS. A formação em cuidados paliativos da equipe que atua em unidade de terapia intensiva: um olhar da bioética. Bioethikos [Internet]. 2007 [acesso 28 maio 2015];1(1):34-42. Disponível: http://bit.ly/365v4Eu
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    Biondo CA, Silva MJP, Secco LM. Distanásia, eutanásia e ortotanásia: percepções dos enfermeiros de unidades de terapia intensiva e implicações na assistência. Rev Latinoam Enferm [Internet]. 2006 [acesso 5 set 2015];17(5):613-9. DOI: 10.1590/S0104-11692009000500003
  • Aprovação CEP-Uniderp CAAE 51489415.4.0000.5161

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2017
  • Revisado
    5 Nov 2018
  • Aceito
    25 Abr 2019
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
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