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Percepção de estudantes sobre pesquisas científicas com animais

Resumo

Embora informações relativas à bioética sejam frequentemente veiculadas na mídia, são ainda pouco exploradas no ambiente escolar. Partindo dessa premissa, procurou-se verificar conhecimentos e ideias de grupo de educandos de duas escolas do Rio de Janeiro por meio de questionário em que puderam se posicionar sobre a temática “uso de animais em pesquisas”. Após análise dos dados, verificou-se que o conhecimento dos alunos é fragmentado e que pouco parece ter sido construído em ambiente escolar. Contudo, os alunos demonstraram interesse, ainda que parte deles não tivesse opinião formada sobre o tema. Os resultados mostram que o docente consciente de seu papel se torna instrumento para a formação de cidadãos críticos e que a reflexão dos alunos sobre a bioética é ainda pouco estimulada, o que pode influenciar negativamente as tomadas de decisão em sociedade.

Ensino fundamental e médio; Temas bioéticos; Experimentação animal

Abstract

Although the media has currently presented information on Bioethics, it is still poorly explored in school environments. Based on this, we decided to check the knowledge and ideas of students from two schools in the City of Rio de Janeiro. A questionnaire was applied and the students could comment on the theme “use of animals in scientific research”. After analyzing the data, we verified that the students’ knowledge is fragmented and that little of this knowledge seems to have been constructed in the school. However, the students showed interest in the subject, although some of them had no clear opinion about it. Our results show that the teacher who is aware of his role becomes an instrument for the formation of critical citizens, and that the reflection of the students about Bioethics is still nor encouraged enough, which can negatively influence decision-making in society.

Education, primary and secondary; Bioethical issues; Animal experimentation

Resumen

Aunque las informaciones relativas a la bioética aparecen con frecuencia en los medios de comunicación, son aún poco exploradas en el entorno escolar. Partiendo de esta premisa, se trató de verificar el conocimiento y las ideas de un grupo de estudiantes de dos escuelas de Río de Janeiro, por medio de un cuestionario en el que pudieron posicionarse sobre el tema “uso de animales en la investigación científica”. Luego del análisis de datos, se pudo constatar que el conocimiento de los estudiantes es fragmentado y que poco parece haber sido construido en el entorno escolar. Sin embargo, los estudiantes han mostrado interés, aunque parte de ellos no tuviese una opinión formada sobre el tema. Los resultados muestran que el docente consciente de su papel se convierte en un instrumento para la formación de ciudadanos críticos, y que la reflexión de los estudiantes sobre la bioética es todavía poco estimulada, lo que puede influir negativamente en la toma de decisiones en la sociedad.

Educación primaria y secundaria; Discusiones bioéticas; Experimentación animal

Existem várias definições para o termo “ética”, muitas vezes confundido com “moral”. Este se refere a valores, princípios e costumes de determinado povo, aceitos como corretos ou bons. Ética, por sua vez, trata do estudo desses comportamentos, da visão de certo ou errado estipulada pelos sistemas sociais existentes, mas não considera conceitos morais. Por este motivo é definida como a “ciência da moral” 11. D’Assumpção EA. Comportar-se fazendo bioética para quem se interessa pela ética. Petrópolis: Vozes; 1998.. A bioética é o ramo da ética que estuda questões referentes à vida e à saúde humana 22. Palácios M, Martins A, Pegoraro OA. Ética, ciência e saúde: desafios da bioética. Petrópolis: Vozes; 2002..

O aparecimento da bioética como campo de pesquisa e ensino é recente. Nas últimas décadas, com as inovações biotecnológicas – que contribuíram significativamente para as ciências da vida – surgiu a necessidade de refletir sobre pesquisas científicas e práticas institucionais que envolvem a vida a partir da perspectiva da ética. Em outros termos, novos dilemas morais advindos da produção e aplicação dos saberes sobre o viver humano motivaram movimentos sociais e debates teóricos que contribuíram decisivamente para consolidar a bioética. Sentimentos de esperança e receio em relação a pesquisas com embriões, animais e medicamentos propiciam espaços de reflexão sobre as informações divulgadas e suas implicações.

Os primeiros relatos de uso de animais em experimentos científicos remontam à Roma Antiga 33. Bishop LJ, Nolen AL. Animals in science and education. In: Kistler JM, editor. Animals are the issue: library resources on animal issues. Binghampton: Haworth Information Press; 2004. p. 57-70., mas essa prática somente se intensificou a partir do século XIX 44. Raymundo MM, Goldim JR. Ética da pesquisa em modelos animais [Internet]. Bioética. 2002;10(1):31-44. Disponível: https://bit.ly/2Iwex4E
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. Com a ampliação do conhecimento oriundo dos experimentos com animais multiplicaram-se também os questionamentos sobre a postura do ser humano em relação ao seu uso. Essa linha de raciocínio contribuiu para o surgimento do termo “bioética”, que, segundo Potter 55. Potter VR. Bioethics: bridge to the future. Englewood Cliffs: Prentice Hall; 1971., seria espécie de ponte entre a ciência e as humanidades. Reich 66. Reich WT. Encyclopedia of bioethics. New York: Macmillan; 1978., por exemplo, trata o tema como uma das áreas do conhecimento que requer reflexão multidisciplinar sobre os limites de atuação do ser humano no que concerne aos animais não humanos. Singer 77. Singer P. Ética prática. Porto Alegre: Lugano; 1979.,88. Singer P. Libertação animal. Porto Alegre: Lugano; 2004., por sua vez, polemiza a matéria ao questionar a dor e o sofrimento dos animais em pesquisas científicas.

O crescimento da bioética acompanhou o aumento da velocidade da troca de informações entre cientistas e entre academia e sociedade. Apesar das diversas obras que se debruçam sobre o tema, até hoje há muita divergência quanto ao uso de animais em pesquisas científicas. Outro ponto que alimentou o debate foi a inserção da bioética como disciplina em muitos cursos de graduação e a formação de comitês em várias instituições de pesquisa.

Diante das muitas discussões sobre experimentos com animais, diversos países se sentiram pressionados a regulamentar as pesquisas considerando a ética animal. Na maioria dos casos, não se tratou de proibir pesquisas científicas com animais, mas de normatizar seu uso. Dessa maneira, em 1978 foi proclamada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, um dos mais importantes passos no reconhecimento da importância dos seres vivos, visando comportamento humano cada vez mais ético 99. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração universal dos direitos dos animais [Internet]. Bruxelas: Unesco; 27 jan 1978 [acesso 6 nov 2009]. Disponível: https://bit.ly/1nqXSM0
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.

No Brasil, as regras de experimentação animal seguem preceitos internacionais. A Lei 6.638/1979, chamada de “Lei de Vivissecção” 1010. Brasil. Presidência da República. Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979. Estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais e determina outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 10 maio 1979 [acesso 5 nov 2009]. Disponível: https://bit.ly/2HpWgpj
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, estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais e dá outras providências relacionadas. Essa lei foi revogada pela Lei 11.794/2008 1111. Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 9 out 2008 [acesso 5 nov 2009]. Disponível: https://bit.ly/1WV52wP
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, que regulamenta o inciso VII do parágrafo 1º do artigo 255 da Constituição Federal 1212. Brasil. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 5 out 1988 [acesso 5 nov 2009]. Art. 255. Disponível: https://bit.ly/2hKPnjG
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e estabelece procedimentos para o uso científico de animais. A partir dessa lei, qualquer instituição legalmente estabelecida no território nacional que crie ou utilize animais para ensino e pesquisa deverá requerer credenciamento para realizar essas atividades e formalizar a criação de Comitê de Ética.

Complementando a Lei 11.794/2008, que atendeu aos anseios da comunidade científica, foi promulgado o Decreto 6.899/2009 1313. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 6.899, de 15 de julho de 2009. Dispõe sobre a composição do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal, estabelece as normas para o seu funcionamento e de sua Secretaria-Executiva, cria o Cadastro das Instituições de Uso Científico de Animais, mediante a regulamentação da Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, que dispõe sobre procedimentos para o uso científico de animais, e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 16 jul 2009 [acesso 5 nov 2009]. Disponível: https://bit.ly/2EMZDBb
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, regulamentando a criação e o uso de animais em atividades de ensino ou pesquisa científica no país. Em seu artigo 41, o decreto cria o Cadastro de Instituições de Uso Científico de Animais, banco de dados que reúne instituições e pesquisadores que conduzem estudos envolvendo experimentação animal, além de protocolos experimentais e pedagógicos. É para esse sistema que as instituições que criam ou utilizam animais para ensino e pesquisa devem encaminhar solicitações de credenciamento.

No estado do Rio de Janeiro, a Lei 3.900/2002 1414. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Lei nº 3.900, de 19 de julho de 2002. Institui o Código Estadual de Proteção aos Animais, no âmbito do estado do Rio de Janeiro [Internet]. Diário Oficial do Estado. Rio de Janeiro; 22 jul 2002 [acesso 10 nov 2009]. Disponível: https://bit.ly/2EPAINm
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institui o Código Estadual de Proteção aos Animais. Já na capital daquele estado, o Decreto 19.432/2001 1515. Rio de Janeiro. Decreto nº 19.432, de 1º de janeiro de 2001. Proíbe a vivissecção e as práticas cirúrgicas experimentais nos estabelecimentos municipais [Internet]. 2001 [acesso 3 nov 2009]. Disponível: https://bit.ly/2H5phDc
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, baseado no artigo 32 da Lei Federal 9.605/1998 1616. Brasil. Presidência da República. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 13 fev 1998 [acesso 5 nov 2009]. Disponível: https://bit.ly/1La6hQT
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, proíbe vivissecção e práticas cirúrgicas experimentais em estabelecimentos municipais quando existir tecnologia alternativa para experimentação. À época, esse decreto suscitou várias discussões entre a comunidade científica e a sociedade carioca, que pela primeira vez foi conclamada publicamente a refletir sobre o tema, já que muitos autores consideram que o decreto equipara a prática de experimentos científicos aos atos de abuso e maus tratos de animais quando há tecnologia alternativa.

Em 2005, a Unesco publicou a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, cujo artigo 23 trata de educação, formação e informação em matéria de bioética, destacando: Com vista a promover os princípios enunciados na presente Declaração e assegurar uma melhor compreensão das implicações éticas dos progressos científicos e tecnológicos, em particular entre os jovens, os Estados devem esforçar-se por fomentar a educação e a formação em matéria de bioética a todos os níveis, e estimular os programas de informação e de difusão dos conhecimentos relativos à bioética1717. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos [Internet]. 2005 [acesso 25 jul 2014]. Disponível: https://bit.ly/1TRJFa9
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.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) 1818. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente e saúde. Brasília: MEC; 1997., como também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 1919. Brasil. Presidência da República. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; 23 dez 1996 [acesso 6 mar 2010]. Disponível: https://bit.ly/2ESOfDR
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, compreendem que o indivíduo em formação deve ser preparado para se tornar cidadão crítico e ético. Mas para que cidadãos possam ter visão crítica, é necessário que conheçam o assunto que pretendem analisar. Não há na maioria dos livros didáticos brasileiros de ensino médio capítulo dedicado à bioética. O tema em geral é tratado em textos complementares ou como parte de outro conteúdo, ficando a cargo do professor estar disposto ou se sentir à vontade para aprofundar o debate, o que, de acordo com o trabalho de Silva 2020. Silva PF. Ensino de bioética no ensino médio: reflexões e desafios para a formação de professores de ciências e biologia. Rev Bras Bioética. 2010;6(1-4):98-114., nem sempre acontece.

Considerando que a bioética surge como disciplina que desafia a pedagogia, devido à sua característica multidisciplinar, seria esperado que grande quantidade de trabalhos recentes tivesse se dedicado ao assunto. No entanto, de acordo com a revisão de Razera e Nardi 2121. Razera JCC, Nardi R. Ética no ensino de ciências: responsabilidades e compromissos com a evolução moral da criança nas discussões de assuntos controvertidos [Internet]. Ienci. 2006 [acesso 10 maio 2018];11(1):53-66. Disponível: https://bit.ly/2I5AN6m
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, as pesquisas em ensino de ciências no Brasil até 2006 não incluíam a temática “ética e construção de valores”. Entre os trabalhos que analisam a educação em bioética no ensino fundamental e médio no Brasil, destacam-se o de Messias, Anjos e Rosito 2222. Messias TM, Anjos MF, Rosito MMB. Bioética e educação no ensino médio [Internet]. Bioethikos. 2007 [acesso 10 maio 2018];1(2):96-102. Disponível: https://bit.ly/2Kd4PBI
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, o de Pereira e Sánchez 2323. Pereira TL, Sánchez C. A bioética e o ensino de ciências: algumas reflexões. Ciência em Tela [Internet]. 2010 [acesso 10 maio 2018];3(1):1-7. Disponível: https://bit.ly/2KMFLCF
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e o de Marques e Moraes Filho 2424. Marques CP, Moraes Filho AV. Bioética: análise da contribuição da educação na construção das opiniões dos alunos de nível médio de Jussara-GO [Internet]. Rev Univ Vale do Rio Verde. 2016 [acesso 10 maio 2018];14(1):333-42. Disponível: https://bit.ly/2rB2JUi
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, que se dedicaram especificamente a questões relativas à bioética na educação secundária.

O trabalho de Silva e Krasilchik 2525. Silva PF, Krasilchik M. Bioética e percepção de licenciandos de ciências e biologia: contribuições para os desafios do século XXI. In: Anais do V Encontro Luso-Brasileiro de Bioética; 3-4 jul 2008; Porto. Porto: SBB; 2008. investiga temas considerados relevantes por licenciandos de ciências e biologia para suscitar discussões éticas e relata suas principais dificuldades em lidar com esses temas em sala de aula. Os trabalhos publicados que se propuseram a investigar o conhecimento de discentes sobre a bioética referem-se principalmente a estudantes de nível superior e formação de professores de ciências e biologia 2020. Silva PF. Ensino de bioética no ensino médio: reflexões e desafios para a formação de professores de ciências e biologia. Rev Bras Bioética. 2010;6(1-4):98-114.,2626. Feijó A. Utilização de animais na investigação e docência: uma reflexão ética necessária. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2004.,2727. Feijó AGS, Sanders A, Centurião AD, Rodrigues GS, Schwanke CHA. Análise de indicadores éticos do uso de animais na investigação científica e no ensino em uma amostra universitária da área da saúde e das ciências biológicas [Internet]. Sci Med. 2008 [acesso 10 maio 2018];18(1):10-9. Disponível: https://bit.ly/2I7ln1l
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.

A partir da observação da importância de apresentar e discutir o tema “bioética” na educação básica como parte de processo voltado ao desenvolvimento de valores para o exercício da cidadania, este trabalho objetiva analisar o conhecimento de grupo de alunos do ensino médio da rede pública e privada do município do Rio de Janeiro sobre alguns conceitos de bioética, destacando-se o posicionamento dos estudantes sobre pesquisas com animais e suas aplicações.

Método

Trata-se de estudo transversal, realizado mediante aplicação de questionário respondido anonimamente. O questionário (anexo) foi estruturado com dez questões objetivas (dependendo da resposta fornecida, algumas solicitavam complemento) e uma questão discursiva (opcional). O estudo foi executado em duas escolas de ensino médio, uma pública e outra privada, ambas situadas no bairro Colégio, na cidade do Rio de Janeiro/RJ, Brasil.

O questionário foi aplicado em maio de 2010 no colégio privado, em três turmas, de 1º, 2º e 3º anos. Em outubro do mesmo ano foi utilizado o questionário no colégio público, em duas turmas do 1º ano, duas turmas do 2º ano e uma turma do 3º ano, totalizando cinco turmas. Com o consentimento da administração das escolas, o questionário foi aplicado no próprio ambiente escolar. Antes dessa fase, as perguntas foram apresentadas às turmas com breve explanação sobre os objetivos da pesquisa. Seguindo o acordo estabelecido, manteve-se o anonimato dos participantes. Após preenchimento do questionário em todas as turmas, houve uma conversa informal, na qual os alunos tiveram a oportunidade de expor suas opiniões sobre o tema e sobre a pesquisa que estava sendo realizada.

Resultados

Participaram do estudo 148 alunos, metade de cada sexo, distribuídos conforme Tabela 1. Do total de participantes, 14% tinham entre 14 e 15 anos, 48% entre 16 e 17 anos e 38%, 18 anos ou mais.

Tabela 1
Amostra dos alunos do colégio privado e do público incluídos no estudo por série do ensino médio

A maioria dos alunos pesquisados (86%) disse já ter ouvido falar ou lido sobre o uso de animais em pesquisas científicas (Tabela 2). Na escola pública houve mais alunos que responderam não ter conhecimento desses estudos (23%), quase cinco vezes mais do que na privada (5%). Os demais alunos indicaram o meio pelo qual obtiveram a informação, que de maneira geral ficou na seguinte ordem decrescente de citações: televisão, internet, escola, e jornais e revistas.

Tabela 2
Fontes de informação sobre pesquisas científicas com animais

Quando perguntados quanto à introdução, em sala de aula, do assunto “pesquisas com animais”, 35% dos entrevistados responderam que o assunto não havia sido abordado de forma alguma, e 65% responderam que sim. Por outro lado, quando questionados se alguma vez foi realizada na escola alguma atividade sobre o tema (debates, seminários e palestras), 22% dos alunos da escola privada e 48% dos alunos da escola pública confirmaram a informação. Os que responderam que tiveram contato com o tema em sala de aula (65%) relatam que as atividades aconteceram na segunda metade do ensino fundamental e nos anos iniciais do ensino médio, nas aulas de ciências e biologia.

Perguntados sobre quais animais são usados em pesquisas científicas, a maioria dos alunos assinalou ratos (31%). Não houve diferença substancial entre as respostas dos alunos da rede pública e da rede privada. Quando questionados sobre dor e sofrimento dos animais e seu bem-estar, a maioria dos alunos respondeu não ter conhecimento sobre o tratamento dos animais nas pesquisas (no colégio público, 87%, contra 74% no privado). O cientista que realiza pesquisas com animais foi considerado “frio” por 38% dos alunos, “cuidadoso” por 24%, “desumano” em 19% das respostas e “humano” em 15% (os 4% restantes não quiseram opinar). Nesta questão, a diferença entre as escolas se deu no fato de 46% dos alunos da rede privada considerarem o cientista frio, contra 31% da rede pública, que também o consideraram desumano (21%), contra 16% da rede privada.

Quanto à questão de os animais sofrerem ou sentirem dor, 58% dos entrevistados responderam que sim, acreditam que os animais sofram, mesmo que a maioria tenha respondido anteriormente que não possuía conhecimento sobre como são tratados os animais. Sobre a importância da pesquisa com animais, verifica-se que 39% dos alunos concordam com o uso dos animais em pesquisas científicas, valor muito próximo do número de alunos que discordam (37%). Além disso, é necessário destacar que 48% dos alunos da rede privada responderam que discordam dessa utilização em pesquisas. Outro dado que merece destaque é o fato de 24% do total de alunos afirmarem não ter opinião sobre o assunto.

Sobre o benefício proporcionado por pesquisas realizadas com animais ao ser humano, a maioria (52%) afirmou desconhecimento. Aos alunos que responderam conhecer tais aspectos positivos foi perguntado adicionalmente quais seriam eles, tendo sido indicados em maior número “produção de novas vacinas e remédios” (n=24) e “cura para doenças” (n=18). A maioria dos alunos (91%) mostrou desconhecer qualquer lei que proteja os animais utilizados em pesquisas científicas, e citaram principalmente biologia (69%) e química (24%) como as áreas de pesquisa que mais realizam esses experimentos.

Por fim, foi disponibilizado espaço para que os alunos pudessem escrever suas considerações sobre o uso de animais em pesquisas científicas, se assim o desejassem. Apenas 35% do total de alunos (n=51) responderam, sendo 43% dos alunos do colégio público e 27% do privado. As várias respostas obtidas envolveram os seguintes tipos de comentários:

As pesquisas com animais são muito boas para o ser humano e para a busca pela cura de doenças” (n=17);

Sou contra as pesquisas, pois promovem dor e sofrimento aos animais” (n=15);

A pesquisa com animais é importante para o progresso científico” (n=9);

As pesquisas deveriam ser feitas com os seres humanos, e não com animais” (n=5);

É melhor testar nos animais do que nos seres humanos” (n=5).

Discussão

Os resultados deste estudo mostram que os alunos envolvidos têm conhecimento prévio do assunto em questão, ainda que fragmentado. A análise individualizada das escolas permite constatar mais conhecimento prévio entre os alunos da rede privada. A maioria das informações advêm da mídia, principalmente da televisão e internet. A escola, como fonte de informação sobre bioética, não superou nenhuma dessas opções.

É notório o potencial da mídia, especialmente a televisiva e, mais recentemente, das redes sociais, de se transmitir informações. Ao abordar temas referentes à bioética, pode levar a população a conhecer melhor o assunto, exercendo o papel de informar e educar o cidadão. No entanto, é imprescindível que essa veiculação seja feita de modo consciente e crítico, dado que a influência da mídia na sociedade não é exclusivamente positiva, existindo vertente sensacionalista.

O número significativo de respondentes que apontou “ratos” (31%) como sendo o tipo de animal usado em pesquisas não surpreende, visto que desde jovens os alunos veem em filmes, desenhos e até revistas em quadrinhos pesquisas científicas associadas a ratos de laboratório. Também chegam até a população informações sobre pesquisas em andamento nas quais os roedores são citados várias vezes na fase de teste com cobaias.

Em segundo lugar ficaram os macacos (12%), seguidos das ovelhas (10%). Sobre este último grupo, cabe destacar que em 1996 nasceu Dolly, a primeira ovelha clonada a partir de células adultas, o que provocou intensas discussões e tornou esse experimento mundialmente conhecido. Os coelhos também foram apontados em 10% das respostas – alguns alunos tinham a informação de que a indústria de cosméticos utiliza coelhos para testes de produtos. Os demais alunos assinalaram outros tipos de animais.

Pode-se dizer que 80% dos animais experimentais são roedores e que outros 10% são peixes, anfíbios, répteis e pássaros. Um terceiro grupo abrange coelhos, cabras, porcos e, em menor quantidade, cachorros, gatos e algumas espécies de macacos 2828. Alves MJM, Colli W. Experimentação com animais: uma polêmica sobre o trabalho científico [Internet]. Ciência Hoje. 2006 [acesso 10 maio 2018];231:24-9. Disponível: https://bit.ly/2ry7grp
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. Atualmente são utilizados, por ano, entre 75 e 100 milhões de animais vertebrados em pesquisas científicas 2929. Regis AHP, Cornelli G. Experimentação animal: panorama histórico e perspectivas [Internet]. Rev. bioét. (Impr.). 2012 [acesso 10 maio 2018];20(2):232-43.Disponível: https://bit.ly/2Gg9PD4
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. Apesar dos grandes avanços científicos, a quantidade de animais sacrificados ainda é muito criticada, apesar de muitas críticas serem oriundas da ignorância sobre o processo de produção do conhecimento.

A despeito das críticas, na revisão de 2013 da Declaração de Helsinki3030. . World Medical Association. Declaration of Helsinki: ethical principles for medical research involving human subjects [Internet]. Fortaleza: WMA; 2013 [acesso 6 mar 2010]. Disponível: https://bit.ly/2rJdF3M
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a Associação Médica Mundial ratificou o uso de animais em pesquisas biomédicas, considerando-o indispensável para o progresso da medicina, desde que respeitadas as regras do bom tratamento e bem-estar dos seres vivos utilizados 2929. Regis AHP, Cornelli G. Experimentação animal: panorama histórico e perspectivas [Internet]. Rev. bioét. (Impr.). 2012 [acesso 10 maio 2018];20(2):232-43.Disponível: https://bit.ly/2Gg9PD4
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,3030. . World Medical Association. Declaration of Helsinki: ethical principles for medical research involving human subjects [Internet]. Fortaleza: WMA; 2013 [acesso 6 mar 2010]. Disponível: https://bit.ly/2rJdF3M
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.

A maioria dos alunos (80%) respondeu não ter conhecimento sobre o tratamento dos animais nessas pesquisas; os alunos da rede pública apresentaram maior percentual de respostas negativas (87%) em comparação com os da rede privada (74%). O resultado foi absolutamente coerente com a realidade, pois a população ainda não conta com informações sobre o assunto, tendo pouco ou nenhum acesso a esse tipo de conhecimento.

Instituições como a rede de Comitês de Ética em Pesquisa estabelecem regras para a utilização de animais em ensaios. Um exemplo é o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal que, em colaboração com a Association for Assessment and Accreditation of Laboratory Animal Care, publicou o “Manual sobre cuidados e usos de animais de laboratório” 3131. National Research Council. Manual sobre cuidados e usos de animais de laboratório. Goiânia: Aaalac: Cobea; 2003.. No entanto, essas instituições restringem a divulgação ao meio científico e não disponibilizam essas normas e parâmetros de maneira abrangente para toda a sociedade.

A maioria dos respondentes (57%) considerou cientistas frios e desumanos por utilizar animais em pesquisa e apenas 39% os considerou cuidadosos e humanos. Até há pouco tempo, o cientista era visto como benfeitor da humanidade. No entanto, hoje ele é muitas vezes apontado como profissional frio e calculista, sem sentimentos. Essa perspectiva pode estar equivocada, já que é difícil imaginar que, em sã consciência, um cientista que conduz seu trabalho com seriedade teria “prazer” em maltratar animais.

Corrobora-se aqui a posição de que é necessário que cientistas, por intermédio de suas instituições representativas, como sociedades científicas e academias de ciências, promovam campanhas de esclarecimento para divulgar a ciência e seus métodos 2828. Alves MJM, Colli W. Experimentação com animais: uma polêmica sobre o trabalho científico [Internet]. Ciência Hoje. 2006 [acesso 10 maio 2018];231:24-9. Disponível: https://bit.ly/2ry7grp
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. É igualmente relevante propor debates sobre as pesquisas que indicam o desperdício de animais e os movimentos para reduzir seu uso em pesquisas 2828. Alves MJM, Colli W. Experimentação com animais: uma polêmica sobre o trabalho científico [Internet]. Ciência Hoje. 2006 [acesso 10 maio 2018];231:24-9. Disponível: https://bit.ly/2ry7grp
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, visando manter o apoio da opinião pública para essa atividade essencial ao progresso e que, como tal, deve ser reconhecida pela sociedade.

Sobre concordar ou não com essas pesquisas, no contexto geral, 39% dos participantes concordaram e 37% discordaram. Esses números permitem observar que há equivalência nos resultados, provavelmente por indecisão ou falta de opinião em virtude do conhecimento muito fragmentado.

A experimentação animal tem seguido duas vertentes básicas: para expandir o conhecimento sobre os animais, visando aplicar esse conhecimento à sua própria saúde e bem-estar; e, de forma mais frequente, ao utilizar animais como modelos para posterior aplicação dos conhecimentos gerados em favor da espécie humana, principalmente na área da saúde 3131. National Research Council. Manual sobre cuidados e usos de animais de laboratório. Goiânia: Aaalac: Cobea; 2003.. Quando perguntados sobre os benefícios trazidos à humanidade pela pesquisa científica, 52% responderam que não os conheciam e 48% disseram ter ciência sobre o assunto. Alunos de ambas as escolas responderam como vantagens a cura de doenças e produção de vacinas e remédios, nessa ordem. É possível considerar que todas as respostas estão relacionadas ao uso de animais na área biomédica e farmacêutica (cura e prevenção de doenças).

Em um dos questionamentos, 91% dos alunos alegaram desconhecer qualquer lei que defenda os animais. Muitas leis brasileiras não são conhecidas pela sociedade por dois motivos: desinteresse da própria população – padrão por vezes formado desde cedo, que leva o indivíduo a acreditar que as leis são assunto que não lhe compete – e falta de divulgação e estímulo para conhecê-las e exigir que sejam cumpridas. As leis de proteção aos animais são divulgadas para a comunidade científica, mas ainda são pouco difundidas para a sociedade. Isso é agravado pelo alarmismo de alguns grupos, que geralmente publicam, em redes sociais, informações equivocadas ou imprecisas de maneira irresponsável e inconsequente.

Sobre as áreas associadas à pesquisa com animais, as respostas mais significativas foram biologia (69%) e química (24%). Como o assunto está relacionado a animais, a associação com biologia é quase inevitável, pois é área na qual os alunos estudam assuntos relacionados à natureza; já a menção à química foi surpreendente e pode estar relacionada às pesquisas da indústria farmacêutica. Como a última questão era aberta e de caráter opcional, a maioria dos alunos preferiu não opinar (65%). Analisando individualmente as escolas, os alunos da rede pública opinaram muito mais (43%) que os da rede privada (27%). No geral, observou-se nas respostas sensibilização com o bem-estar dos animais.

A noção de bem-estar animal surgiu antes da discussão sobre os direitos dos animais e é entendida como a defesa de seu uso de modo humano, para evitar dor, sofrimento e crueldade desnecessários 2727. Feijó AGS, Sanders A, Centurião AD, Rodrigues GS, Schwanke CHA. Análise de indicadores éticos do uso de animais na investigação científica e no ensino em uma amostra universitária da área da saúde e das ciências biológicas [Internet]. Sci Med. 2008 [acesso 10 maio 2018];18(1):10-9. Disponível: https://bit.ly/2I7ln1l
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. Essa sensibilização é fundamental, pois demonstra que alunos se preocupam de alguma maneira com o uso abusivo de animais em pesquisas. Nessa questão os alunos também salientaram a importância das pesquisas com animais em favor do ser humano, principalmente na área da saúde, provavelmente como resultado da divulgação do tema na mídia.

Discute-se hoje a importância de antecipar o ensino de bioética para a educação básica, principalmente no ensino médio. Por outro lado, nota-se que a educação em ciências, nesse nível, não tem produzido resultados satisfatórios no que se refere principalmente à preparação dos educandos para tomar decisões. É nesse contexto que se coloca a importância de investir também na formação inicial de professores de ciências e biologia 2525. Silva PF, Krasilchik M. Bioética e percepção de licenciandos de ciências e biologia: contribuições para os desafios do século XXI. In: Anais do V Encontro Luso-Brasileiro de Bioética; 3-4 jul 2008; Porto. Porto: SBB; 2008..

De maneira geral, os docentes da educação básica em todas as áreas citadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) precisam ter conhecimento mínimo sobre o assunto. Em certo ponto, os PCN citam que a interdisciplinaridade e contextualização foram propostas como princípios pedagógicos estruturadores do currículo para atender ao que a lei estabelece quanto às competências de autonomia intelectual e pensamento crítico, compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos e associação entre teoria e prática. No presente trabalho a diferença não foi significativa entre as duas escolas, já que de forma geral as respostas se equivaleram.

Nos PCN, as áreas de conhecimento são divididas em três. Uma delas é Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, na qual a aprendizagem implica compreender e utilizar conhecimentos científicos para explicar o funcionamento do mundo, bem como planejar, executar, avaliar e intervir na realidade.

O professor, como instrumento dessa aprendizagem, pode trabalhar como sugerem os PCN. O que se percebe é que sua falta de atitude reflexiva em relação ao conhecimento científico pode ser consequência do método aprendido ao longo de sua formação, focada principalmente na transmissão de conteúdo 2727. Feijó AGS, Sanders A, Centurião AD, Rodrigues GS, Schwanke CHA. Análise de indicadores éticos do uso de animais na investigação científica e no ensino em uma amostra universitária da área da saúde e das ciências biológicas [Internet]. Sci Med. 2008 [acesso 10 maio 2018];18(1):10-9. Disponível: https://bit.ly/2I7ln1l
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. Outro dado que merece destaque é seu distanciamento dos acontecimentos na comunidade científica e no que tange à bioética, apesar dos crescentes canais de comunicação e divulgação que vêm surgindo nos últimos anos.

Para Canivez 3232. Canivez P. Educar o cidadão? Campinas: Papirus; 1991., a bioética, com seu caráter interdisciplinar, pode se tornar rico instrumento metodológico no ensino das disciplinas científicas, já que se interliga a vários outros saberes. Como as mudanças culturais envolvem longo período de aprendizagem, concordamos que o debate sobre a experimentação animal deve ser introduzido na educação em ciências logo nos seus primeiros níveis de ensino 3333. Filipecki AT, Amaral AMR. Uma abordagem CTS ao ensino de ciências: oficina interativa sobre a regulamentação do uso científico de animais no Brasil. Ciência em Tela. 2010;3(1):1-10..

As duas escolas analisadas em nosso estudo têm material didático de todas as disciplinas, incluindo biologia, que podem e devem ser utilizados como apoio pelo professor, criando assim oportunidade para discutir o assunto das pesquisas científicas com animais no ensino médio.

Apesar do potencial do livro didático, o trabalho de Jácome, Carneiro e Louzada-Silva 3434. Jácome MQD, Carneiro MHS, Louzada-Silva D. Bioética nos livros didáticos de biologia. Rev Bras Bioética. 2013;9(Suppl):80-1. mostra que são raras as referências à bioética, ética em pesquisa e legislação nos livros de biologia do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) de 2012. Isso já havia sido notado na análise de Conceição 3535. Conceição LCS. Abordagem da bioética em âmbito escolar: proposições constantes de livros didáticos de biologia [dissertação]. Belém: Universidade Federal do Pará; 2011. sobre os livros didáticos do PNLEM 2009.

Em outras palavras, é desejável que em longo prazo as reflexões do campo da bioética sejam inseridas nas obras e que, até que isso aconteça, os professores aumentem os esforços para criar espaços de discussão sobre o tema. Isso porque os livros didáticos ainda primam em demasia pela transmissão dos conteúdos mais específicos e de caráter tecnicista da Biologia (…) [e] as reflexões acerca da bioética são pouco frequentes quando comparadas aos outros conteúdos3636. Conceição LCS.Abordagem da bioética em âmbito escolar: proposições constantes de livros didáticos de biologia [dissertação]. Belém: Universidade Federal do Pará. p. 61..

Considerações finais

O binômio ciência-sociedade traz importantes implicações para o ensino de ciências. Com a educação voltada para a cidadania ativa, que estimula a argumentação, oferece condições para que os estudantes tenham o que Canivez chamou de gosto e hábito para a discussão3737. Canivez P. Abordagem da bioética em âmbito escolar: proposições constantes de livros didáticos de biologia [dissertação]. Belém: Universidade Federal do Pará p. 164.. Essa discussão, por sua vez, auxilia a compreensão e conscientização sobre aspectos históricos, políticos e socioeconômicos de temas controversos. Estimula também a visão crítica e pode promover soluções criativas para os problemas atualmente enfrentados pela sociedade.

A regulamentação sobre o uso de animais em experimentos científicos é ainda objeto de grande debate, pois se refere à construção antropocêntrica do mundo, à maneira como o ser humano usa os animais e às bases sociais em que foram construídos esses hábitos. Discutir o tema é uma das possibilidades à disposição dos professores do ensino médio para facilitar a reflexão bioética. A partir daí, as práticas sociais também podem ser contextualizadas e contestadas não somente do ponto de vista da espécie humana, mas também em plano mais abrangente, referente à vida e à sustentabilidade do planeta 3838. Oliveira LN, Rodrigues GS, Gualdi CB, Feijó AGS. A Lei Arouca e o uso de animais em ensino e pesquisa na visão de um grupo de docentes. Bioethikos. 2013;7(2):139-49..

Este estudo, realizado com estudantes do ensino médio, comprovou que a temática “pesquisa científica com animais” vem ganhando espaço e interesse entre os jovens, embora a maioria tenha demonstrado fragmentação do conhecimento referente ao tema. Os conflitos nas respostas foram evidentes, porém as relacionadas ao bem-estar animal e os comentários na última questão mostraram sensibilidade no que diz respeito à ética. Raymundo e Goldim 3939. Raymundo MM, Goldim JR. Diretrizes para utilização de animais em experimentos científicos. Porto Alegre: UFRGS; 2000. afirmam que o respeito à vida dignifica o animal como merecedor de considerações éticas e a tolerância traz a possibilidade de manter os experimentos, desde que adequadamente justificados e planejados com mínimo de impacto sobre a vida dos animais participantes.

Pensar o papel do docente para a construção do conhecimento dos alunos nos faz refletir sobre o exercício da profissão de professor. Na concepção de Giordan e Vecchi 4040. Giordan A, Vecchi G. As origens do saber: das concepções dos aprendentes aos conceitos científicos. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1996., a escola não pode mais se limitar à transmissão de programa de conhecimentos enciclopédicos, temporariamente retidos pelos alunos. Deve, em primeiro lugar, organizar e gerenciar o fluxo contínuo de conhecimentos para que possam ser mobilizados na resolução de problemas e no entendimento de situações que fazem parte da realidade atual. O que se discute não é a inclusão da bioética como apenas mais um componente curricular, mas sim que seja postulada a importância de seu ensino como campo do conhecimento que complementa a formação do educando 2222. Messias TM, Anjos MF, Rosito MMB. Bioética e educação no ensino médio [Internet]. Bioethikos. 2007 [acesso 10 maio 2018];1(2):96-102. Disponível: https://bit.ly/2Kd4PBI
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.

As duas escolas analisadas não mostraram diferenças significativas nos resultados das questões. A carência de conhecimento sobre o tema não é culpa exclusiva do sistema educacional, seja ele público ou privado, pois depende também da formação dos docentes e do tipo de alunos que atendem e pretendem preparar, entre outros fatores. É essencial enfatizar, porém, que países em desenvolvimento como o Brasil precisam investir muito mais nesse tipo de proposta educacional, pois para transformar um educando em cidadão a escola deve atuar para a construção de uma consciência ética que ultrapasse as fronteiras nacionais 4141. Morin E. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2002..

Levar para a sociedade esse conhecimento é vital não somente para o desenvolvimento das áreas científicas correlatas, mas também para a própria sociedade. Diante dos desafios apontados, o ato de exercitar o pensamento crítico pode ser o pontapé inicial para que a sociedade valorize o papel do educador.

Anexo

Questionário

Percepção e conhecimento sobre a utilização de animais em pesquisas científicas de estudantes do ensino médio do Rio de Janeiro/RJ

Idade:________________________ Sexo: ( ) M ( ) F

Turma: _______________________

1) Você já ouviu ou leu assuntos relacionados a pesquisas com animais?

( ) Não ( ) Sim

Onde? ( ) Escola ( ) Jornal e revistas ( ) Televisão ( ) Internet ( ) Outros __________________________________

2) Já houve em sua sala de aula algum debate, palestra ou seminário sobre o tema “pesquisa com animais”?

( ) Não ( ) Sim

Em quais séries? _____________________________________

Em quais matérias? ___________________________________

3) Você saberia dizer que animais são utilizados em pesquisas científicas?

( ) Ratos ( ) Cães ( ) Gatos ( ) Galinhas ( ) Coelhos ( ) Morcegos ( ) Mosquitos ( ) Cavalos ( ) Porcos

( ) Ovelhas ( ) Macacos ( ) Cabras ( ) Outros:_________________________________________________________

4) Você tem conhecimento sobre como são tratados os animais nas pesquisas?

( ) Sim ( ) Não

5) Como você classificaria o cientista que utiliza animais em suas pesquisas?

( ) Frio ( ) Humano ( ) Desumano ( ) Cuidadoso ( ) Outro______________________________________________

6) Você acha que todos os animais usados em pesquisas científicas sofrem ou sentem dor?

( ) Sim ( ) Não

7) Você concorda com o uso de animais em pesquisas científicas?

( ) Sim ( ) Não ( ) Não tenho opinião sobre o assunto

8) Conhece alguma vantagem proporcionada ao homem por meio das pesquisas científicas?

( ) Sim. Quais?_____________________________________________________________________________________

( ) Não

9) Você tem conhecimento de alguma lei que proteja os animais usados em pesquisas científicas?

( ) Sim ( ) Não

10) Você saberia dizer que áreas de pesquisas utilizam animais para experimentação?

( ) Matemática ( ) Física ( ) Química ( ) Biologia ( ) Geografia ( ) História

( ) Outra__________________________________________________________________________________________

11) Se desejar, deixe aqui sua opinião sobre o uso de animais em pesquisas científicas.

__________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2018

Histórico

  • Recebido
    1 Jun 2017
  • Revisado
    7 Dez 2017
  • Aceito
    4 Abr 2018
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