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Motivações e migração venezuelana: análise a partir da bioética da intervenção

Resumo

Este estudo qualitativo teve como objetivo analisar, na perspectiva da bioética de intervenção, as motivações para a migração de venezuelanos residentes na cidade de Medellín, Colômbia. Foram entrevistadas 20 pessoas, sendo nove homens e 11 mulheres, e os dados coletados foram processados por meio do software Iramuteq. Os eixos que resultaram da análise das entrevistas foram: 1) acesso aos serviços de saúde na Venezuela e na Colômbia; 2) acesso a medicamentos e alimentação; e 3) processo migratório para a Colômbia, que serviram de referencial que dialoga com a perspectiva bioética de intervenção. Em conclusão, a alimentação e a saúde têm um papel preponderante na vida dos sujeitos como direitos humanos básicos, sendo papel do Estado promover políticas que garantam os direitos civis, econômicos, sociais e culturais aos migrantes.

Migração humana; Bioética; Acesso aos serviços de saúde; Segurança alimentar

Resumen

Este estudio cualitativo tuvo como objetivo analizar, desde la perspectiva de la bioética de intervención, las motivaciones de la migración de venezolanos que residen en la ciudad de Medellín, Colombia. Se entrevistaron a 20 personas, de las cuales 9 son hombres y 11 mujeres, y los datos recolectados se procesaron en el software IRAMUTEQ. Los ejes que resultaron del análisis de las entrevistas fueron: 1) acceso a los servicios de salud en Venezuela y Colombia; 2) acceso a los medicamentos y alimentos; y 3) proceso migratorio para Colombia, que sirvieron como referentes que dialogan con la perspectiva bioética de intervención. En conclusión, la alimentación y la salud tienen un papel preponderante en la vida de los sujetos como derechos humanos de primera necesidad, y se refuerza el papel del Estado en la promoción de políticas que garanticen los derechos civiles, económicos, sociales y culturales a los migrantes.

Migración humana; Bioética; Accesibilidad a los servicios de salud; Seguridad alimentaria

Abstract

This qualitative study aimed to analyze from the perspective of intervention bioethics, the motivations for migration in Venezuelans residing in the city of Medellín-Colombia. Twenty people were interviewed, being 9 men and 11 women. The collected data was processed through the IRAMUTEQ software. The thematic axes that resulted from the analysis of the interviews; the first thematic axis, access to health services in Venezuela and Colombia; the second thematic axis, access to medicines and food; the third and last axis, the migratory process for Colombia, it served as references that dialogue with the selected bioethical perspective. In conclusion, food and health have a preponderant role in the lives of people, as essential human rights, the role of States is reinforced in promoting policies that guarantee civil, economic, social and cultures rigths of migrants.

Human migration; Bioethics; Health services accessibility; Food security

A migração venezuelana causada pela crise política, social e econômica é uma problemática atual, que não afetou apenas os venezuelanos que migram em busca de melhores condições de vida, mas também os países receptores, que tiveram que lidar com essa situação 11. Velásquez Vargas JE. Migración venezolana para Cuiabá/MT: motivaciones y su relación con los derechos sociales como educación, salud y alimentación [dissertação] [Internet]. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; 2020 [acesso 12 jun 2023]. Disponível: http://ri.ufmt.br/handle/1/4564
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2. Arruda-Barbosa L, Sales AFG, Torres MEM. Impacto da migração venezuelana na rotina de um hospital de referência em Roraima, Brasil. Interface (Botucatu) [Internet]. 2020 [acesso 12 jun 2023];24:e190807. DOI: 10.1590/Interface.190807
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3. Uebel RRG. Migração venezuelana para o Brasil: considerações geopolíticas e fronteiriças sobre a atuação governamental brasileira. Aldea Mundo [Internet]. 2019 [acesso 12 jun 2023];24(48):69-80. Disponível: https://bit.ly/3Pt4Ohk
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4. Oliveira ATR. A migração venezuelana no Brasil: crise humanitária, desinformação e os aspectos normativos. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas [Internet]. 2019 [acesso 12 jun 2023];13(1):219-44. DOI: 10.21057/10.21057/repamv13n1.2019.24297
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- 55. Arguilar Camargo D, Hermany R. Migração venezuelana e poder local em Roraima. Revista de Estudos Jurídicos da Unesp [Internet]. 2019 [acesso 12 jun 2023];22(35):229-51. DOI: 10.22171/rej.v22i35.2608
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.

Atualmente 5,6 milhões de venezuelanos migraram ao redor do mundo, e as motivações que levaram ao aumento desse fenômeno migratório são, principalmente, econômicas. Entre os principais países de destino da migração dos venezuelanos está a Colômbia, com 1,7 milhões de venezuelanos 33. Uebel RRG. Migração venezuelana para o Brasil: considerações geopolíticas e fronteiriças sobre a atuação governamental brasileira. Aldea Mundo [Internet]. 2019 [acesso 12 jun 2023];24(48):69-80. Disponível: https://bit.ly/3Pt4Ohk
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, 66. International Organization for Migration. World migration report 2022 [Internet]. Geneva: IOM; 2021 [acesso 6 set 2023]. Chapter 3, Migration and migrants: regional dimensions and developments; p. 59-127. Disponível: https://bit.ly/3R4mkd4
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.

Buscando melhores condições de vida, escolher um país vizinho é a opção mais adequada para imigrantes, mesmo sem conhecer as complexas situações políticas e sociais existentes no país de destino. Isso torna mais difícil a migração dos venezuelanos, com efeitos regionais e locais, enfrentando situações de desigualdade social, discriminação e xenofobia, pobreza e falta de condições de trabalho para sua integração 77. Niño EAL. Migração, cidades e fronteiras: a migração venezuelana nas cidades fronteiriças do Brasil e da Colômbia. Espaço Aberto [Internet]. 2020 [acesso 12 jun 2023];10(1):51-67. Disponível: https://bit.ly/3P7oTID
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. A migração para a Colômbia, portanto, pode ser apenas passageira e não o destino final para muitos venezuelanos, mas ainda assim constitui um espaço de vida para aqueles que fogem de diferentes regiões da Venezuela 77. Niño EAL. Migração, cidades e fronteiras: a migração venezuelana nas cidades fronteiriças do Brasil e da Colômbia. Espaço Aberto [Internet]. 2020 [acesso 12 jun 2023];10(1):51-67. Disponível: https://bit.ly/3P7oTID
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É importante ressaltar que, historicamente, a Colômbia foi um país em emigração devido ao conflito armado e ao narcotráfico que aconteceram por mais de 50 anos, e que a Venezuela foi um dos principais países de destino dos colombianos 77. Niño EAL. Migração, cidades e fronteiras: a migração venezuelana nas cidades fronteiriças do Brasil e da Colômbia. Espaço Aberto [Internet]. 2020 [acesso 12 jun 2023];10(1):51-67. Disponível: https://bit.ly/3P7oTID
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, 88. Pinto LA, Amaya PB, Sáez FA. La integración de los venezolanos en Colombia en los ámbitos de la salud y la educación. Espaço Aberto [Internet]. 2019 [acesso 12 jun 2023];28(1):199-223. Disponível: https://bit.ly/44FAqES
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. Essa mudança migratória gerou conflitos sociais e discriminação na Colômbia, visto que a quantidade de venezuelanos que chega é cada vez maior.

Uma das motivações da migração venezuelana é a fome, acompanhada da inflação, da escassez de produtos básicos, da falta de emprego, da falta de medicamentos, entre outras 11. Velásquez Vargas JE. Migración venezolana para Cuiabá/MT: motivaciones y su relación con los derechos sociales como educación, salud y alimentación [dissertação] [Internet]. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; 2020 [acesso 12 jun 2023]. Disponível: http://ri.ufmt.br/handle/1/4564
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, 44. Oliveira ATR. A migração venezuelana no Brasil: crise humanitária, desinformação e os aspectos normativos. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas [Internet]. 2019 [acesso 12 jun 2023];13(1):219-44. DOI: 10.21057/10.21057/repamv13n1.2019.24297
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, 99. Lira JR, Ramos M, Almeida T, Rodrigues F. Migração, mobilidade e refúgio de venezuelanos no Brasil: o caso do município de Pacaraima (RR). Papers do NAEA [Internet]. 2021 [acesso 12 jun 2023];28(2):111-31. DOI: 10.18542/papersnaea.v28i2.8112
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. Nesse sentido, o Programa Mundial de Alimentos (PMA) afirmou, no início de 2020, que 2,3 milhões de pessoas dessa população sofriam de insegurança alimentar 1010. Pincay CMG, Alves TAL. Migrações andinas: Equador e sua política de acolhimento aos migrantes venezuelanos. Espirales [Internet]. 2021 [acesso 12 jun 2023];5(1):51-66. Disponível: https://bit.ly/3sExgnv
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. Outras pesquisas relatam que a fome resultou na perda de, em média, 11 quilos nessa população 1111. Calais BA, Lima CN, Vidal H, Pazos LM, Mokdeci LA, Goldstain P. A crise dos refugiados venezuelanos e os impactos no Brasil. Jornal Eletrônico Faculdades Integradas Vianna Júnior [Internet]. 2020 [acesso 12 jun 2023];12(1):157-75. Disponível: https://bit.ly/3R8C8LO
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. A falta de acesso a serviços de saúde, educação, acesso e disponibilidade de alimentos, e as graves violações dos direitos humanos obrigou essa população a emigrar em busca de uma melhor qualidade de vida, mesmo sem saber o que poderia encontrar nos países vizinhos 11. Velásquez Vargas JE. Migración venezolana para Cuiabá/MT: motivaciones y su relación con los derechos sociales como educación, salud y alimentación [dissertação] [Internet]. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso; 2020 [acesso 12 jun 2023]. Disponível: http://ri.ufmt.br/handle/1/4564
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, 77. Niño EAL. Migração, cidades e fronteiras: a migração venezuelana nas cidades fronteiriças do Brasil e da Colômbia. Espaço Aberto [Internet]. 2020 [acesso 12 jun 2023];10(1):51-67. Disponível: https://bit.ly/3P7oTID
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, 1212. Paula CAF, Bonini LMM, Silva RA, Oliveira Filho FLC. A recepção, interiorização e violação aos direitos humanos dos refugiados venezuelanos no Brasil. Diálogos Interdisciplinares [Internet]. 2019 [acesso 12 jun 2023];8(6):10-20. Disponível: https://bit.ly/3LAaJPx
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Algumas situações que chamam a atenção surgem quando os venezuelanos chegam ao seu destino. Entre elas, a alta demanda por acesso aos serviços de saúde, principalmente em cidades fronteiriças, a visão negativa dos colombianos, chegando, até mesmo, a casos de discriminação e xenofobia, exemplos da tensão entre a população colombiana e os imigrantes 77. Niño EAL. Migração, cidades e fronteiras: a migração venezuelana nas cidades fronteiriças do Brasil e da Colômbia. Espaço Aberto [Internet]. 2020 [acesso 12 jun 2023];10(1):51-67. Disponível: https://bit.ly/3P7oTID
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. A chegada dos venezuelanos leva em consideração aspectos importantes para seu acolhimento, visto que a maioria não tem dinheiro, nem lugar para viver e ainda tem que enfrentar a violência, a intolerância, a xenofobia e a falta de oportunidades no país de destino 1212. Paula CAF, Bonini LMM, Silva RA, Oliveira Filho FLC. A recepção, interiorização e violação aos direitos humanos dos refugiados venezuelanos no Brasil. Diálogos Interdisciplinares [Internet]. 2019 [acesso 12 jun 2023];8(6):10-20. Disponível: https://bit.ly/3LAaJPx
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Nesse contexto social e de vulnerabilidade de direitos, é possível observar o fenômeno migratório venezuelano a partir da perspectiva da bioética, principalmente como fenômeno social da América Latina. A melhor ferramenta para analisá-lo é a bioética de intervenção, já que essa perspectiva está relacionada à dimensão social da saúde e considera a fragilidade e a vulnerabilidade como uma proposta epistemológica anti-hegemônica, ampliada e politizada, com uma pluralidade de saberes, permitindo ampliar a visão dos temas conflitantes estudados 1313. Garrafa V, Porto D. Bioética de intervención. In: Tealdi JC, director. Diccionario latinoamericano de bioética [Internet]. Bogotá: Unesco; 2008 [acesso 12 jun 2023]. p. 161-4. Disponível: https://bit.ly/3RbklDB
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. A bioética de intervenção promove o acesso aos serviços de saúde, educação e alimentação de qualidade como ponte para alcançar a justiça social e, consequentemente, a equidade não só da população migrante, mas também de todas as pessoas nos países de chegada.

Diante disso, esse artigo tem o objetivo de analisar, a partir da perspectiva da bioética de intervenção, as motivações da migração dos venezuelanos para Medellín, Colômbia.

Método

Esse estudo usou a abordagem qualitativa, a fim de aprofundar a análise dos motivos da migração venezuelana. Essa abordagem é baseada em compreender, interpretar e dialetizar as experiências e vivências dos migrantes venezuelanos que acontecem dentro da história coletiva, permitindo conhecer suas subjetividades, que são contextualizadas e envolvidas pela cultura do grupo ao qual pertencem 1414. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2012 [acesso 13 jun de 2023];17(3):621-6. DOI: 10.1590/S1413-81232012000300007
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Trabalho de campo

Esse estudo foi realizado na cidade de Medellín, Colômbia, no primeiro semestre de 2022; a primeira abordagem à população foi feita após parecer favorável do Comitê de Ética, por meio do contato prévio com dois venezuelanos.

Os critérios de inclusão no estudo foram: ter 18 anos de idade ou mais; morar há pelo menos seis meses na cidade de Medellín; e estar em condições físicas e mentais adequadas para participar da entrevista. Os critérios de exclusão foram: pessoas com dificuldades de comunicação; pessoas com doenças terminais ou acamadas.

A escolha dos participantes a serem entrevistados seguiu a técnica de “bola de neve” ou “corrente”. A importância dessa técnica de amostragem se deve ao fato de que novas e diferentes experiências do objeto de estudo são conhecidas à medida que os sujeitos são entrevistados. Além disso, essa técnica consiste em identificar um indivíduo que possui os critérios em estudo e relação com outros indivíduos que têm a mesma situação, então pede-se indicação de novos entrevistados para os participantes 1515. Costa BRL. Bola de neve virtual: o uso das redes sociais virtuais no processo de coleta de dados de uma pesquisa científica. Revista Interdisciplinar de Gestão Social [Internet]. 2018 [acesso 13 jun de 2023];7(1):15-37. Disponível: https://bit.ly/3Pax8DE
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Os venezuelanos em Medellín foram contatados por telefone, e-mail e WhatsApp. Quando alguns contatos disponíveis não quiseram participar da pesquisa, foi feita uma nova busca de sujeitos com as mesmas características para criar outra rede e começar a bola de neve novamente.

As entrevistas começavam com a leitura do termo de consentimento livre e esclarecido, que descrevia os objetivos do estudo, sua justificativa e como seria executada a entrevista da qual participariam. Além disso, também foi solicitada a assinatura do termo, pelo qual aceitavam participar da entrevista e da gravação da conversa de forma voluntária.

Foram entrevistadas 20 pessoas, sendo 9 homens e 11 mulheres, todas determinadas de acordo com a informação coletada no trabalho de campo. Essa quantidade de entrevistas foi coletada devido à saturação da informação, ou seja, até que a informação obtida fosse recorrente em cada tema identificado durante as entrevistas. Nesse ponto, as entrevistas foram interrompidas, definindo assim o conjunto final de participantes 1616. Nascimento LCN, Souza TV, Oliveira ICS, Moraes JRMM, Aguiar RCB, Silva LF. Theoretical saturation in qualitative research: an experience report in interview with schoolchildren. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [acesso 13 jun de 2023];71(1):228-33. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0616
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As entrevistas foram realizadas em seus próprios contextos, algumas no trabalho e outras em casa. As entrevistas foram feitas por chamada de vídeo, durando cerca de 40 minutos ou mais, dependendo das informações fornecidas pelos participantes.

Durante o trabalho de campo foram utilizadas as seguintes técnicas: entrevistas individuais, observações e notas de campo para coletar e registrar a informação.

Análise dos dados

Os dados qualitativos gerados e obtidos por meio das entrevistas foram transcritos textualmente, em seguida as entrevistas foram reunidas na íntegra e organizadas em um único corpus textual. Esses dados foram processados usando o software Iramuteq, versão 0.7, alpha 2, criado por Pierre Ratinaud e desenvolvido em linguagem Python. Além disso, o software estatístico R 1717. Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. O uso do software IRAMUTEQ na análise de dados em pesquisas qualitativas. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2018 [acesso 13 jun de 2023];52:e03353. DOI: 10.1590/S1980-220X2017015003353
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também foi utilizado na organização e separação da informação para a análise dos dados textuais.

Nesse estudo foi feita a classificação hierárquica decrescente, na qual são destacadas as palavras, a frequência com que elas aparecem e suas associações nas classes de palavras, permitindo indicar o campo comum. As classes criadas a partir da classificação hierárquica decrescente representam o contexto de significado das palavras e podem demonstrar as representações ou seus elementos 1818. Shimizu HE, Cruz MS, Bretas N, Schierholt SR, Ramalho WM, Ramos MC et al. O protagonismo dos conselhos de secretários municipais no processo de governança regional. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2017 [acesso 13 jun de 2023];22(4):131-40. DOI: 10.1590/1413-81232017224.28232016
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A análise da informação começou com a definição das unidades de análise, que, graças à classificação hierárquica decrescente, puderam ser melhor organizadas em eixos temáticos, posteriormente agrupados em categorias de análise, nas quais foi classificada a informação 1919. Tinto Arandes JA. El análisis de contenido como herramienta de utilidad para la realización de una investigación descriptiva: un ejemplo de aplicación práctica utilizado para conocer las investigaciones realizadas sobre la imagen de marca de España y el efecto país de origen. Provincia [Internet]. 2013 [acesso 13 jun de 2023];(29):135-73. Disponível: https://bit.ly/44Dgfax
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. Assim, com a informação organizada e detalhada, a inferência e a análise dos dados foram realizadas, fazendo uma leitura crítica e aprofundada.

Resultados

O dendrograma da Figura 1 resume os eixos e as classes de palavras destacadas, mas em seguida uma análise é necessária para compreender o texto e o contexto de produção de significado. A análise teve um aproveitamento de 95,66% por meio do software Iramuteq 2020. Camargo BV, Justo AM. Tutorial para uso do software de análise textual Iramuteq. Iramuteq [Internet]. 2013 [acesso 13 jun de 2023]. Disponível: https://bit.ly/3Z9az6U
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, considerado satisfatório nas 20 entrevistas realizadas.

Figura 1
Eixos e classes de palavras destacadas

O primeiro eixo temático, denominado acesso aos serviços de saúde na Venezuela e na Colômbia, contém a classe 5 (11,2%). O segundo eixo temático engloba as classes 2 e 3. A classe 2 (30,5%) descreve o acesso aos alimentos na Venezuela, enquanto a classe 3 (12,5%) trata do acesso aos medicamentos. O terceiro e último eixo contém a classe 4 e a classe 1; a classe 4 (18%) descreve o processo migratório para a Colômbia e, por último, a classe 1 (27,7%) se refere à adaptação e integração no país de destino.

A Figura 2 detalha os resultados dos eixos temáticos. O primeiro eixo contém a classe 5 (acesso aos serviços de saúde) e, de acordo com os discursos dos participantes, é possível comparar com o acesso aos serviços de saúde na Colômbia. Os participantes reconhecem que a saúde é um direito fundamental, e esse direito foi violado na Venezuela, pois sofriam com a falta de acesso aos serviços de saúde e com dificuldades quando alguém ficava doente. Essa situação, somada ao escasso acesso à alimentação, é uma das principais motivações para sair do país.

Figura 2
Classes de palavras mais destacadas

Essas eram as situações complexas que os migrantes da Venezuela enfrentavam, mas que se tornaram menos difíceis com a migração para a Colômbia, onde muitos deles entraram no sistema de forma subsidiada, gratuita ou particular, garantindo, assim, o acesso a serviços de saúde de qualidade.

“A situação é diferente aqui na Colômbia, porque você vai na farmácia e vendem de tudo, pode comprar remédio para dor de cabeça por um bom preço, e se vai ao hospital, encontra médicos que atendem você” (Entrevista 13, mulher, col.).

“Aqui uma pessoa que tem saúde particular ou pública tem o mesmo acesso, porque é um direito. Aqui a saúde me parece boa porque você vai e é atendido, há mais acesso” (Entrevista 7, homem, col.).

O segundo eixo engloba as classes 2 e 3. A classe 2 descreve as situações vividas na Venezuela em relação à segurança alimentar domiciliar, principalmente as dificuldades de acesso aos alimentos e seu impacto na dinâmica familiar, o que provoca uma redução do desempenho escolar em crianças e adolescentes, menor produtividade no trabalho dos adultos, estresse e problemas de saúde mental, que frequentemente podem levar à sensação de exclusão e à incapacidade de garantir as necessidades alimentares adequadas que satisfaçam as necessidades culturais, sociais e biológicas 2121. González-Nolasco JA, Cordero-Torres JM. Políticas alimentarias y derechos humanos en México. Estudios Sociales [Internet]. 2019 [acesso 13 jun de 2023];29(53):e19657. DOI: 10.24836/es.v29i53.657
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. O relato de alguns dos entrevistados aborda a dificuldade de acesso aos alimentos e seu custo elevado.

“Filas horríveis, longas, para comprar comida. Era assim na Venezuela, você tinha que entrar na fila do supermercado na quinta-feira para comprar comida na sexta-feira e não passar fome” (Entrevista 5, homem, col.).

“Quando morava na Venezuela existiam regras, você passava horas na fila, mas cada pessoa só podia comprar dois quilos. Por exemplo, só podia comprar dois quilos de farinha e por um valor muito alto” (Entrevista 15, mulher, col.).

As situações que os imigrantes venezuelanos enfrentaram refletem os conflitos relacionados ao acesso aos alimentos, que evidenciam duas situações persistentes. Por um lado, a disponibilidade de alimentos por um custo elevado dificulta a sua compra, e a isso somam-se as situações descritas anteriormente como as filas enormes, o preço em dólar, entre outras. Por outro lado, a falta de alimentos leva a situações ilegais como a compra de alimentos de revendedores por valores mais altos, algo recorrente por ser a opção mais viável para o acesso de bens e produtos básicos.

Por sua vez, a classe 3 se refere à deterioração progressiva do sistema de saúde venezuelano, como foi destacado pelos participantes venezuelanos quando descreveram suas situações complexas. Uma delas é o acesso à saúde, relacionado a situações difíceis no tratamento, à falta de medicamentos, à falta de tratamento para doenças ou simplesmente à falta de recursos econômicos para acessar serviços de saúde como um direito humano.

A falta de medicamentos para tratar doenças graves e não graves, infecciosas e transmissíveis, e a dolarização do mercado provocam aumentos extremos no custo da medicação e dificultam o acesso. Essa situação com os medicamentos mobilizou a população a criar estratégias para conseguir acesso aos remédios, como comprar medicamentos na fronteira colombiana e levá-los para a Venezuela a fim de adquirí-los a menores custos.

Chegar à Colômbia e encontrar um melhor serviço de saúde, um atendimento de qualidade e medicamentos ao alcance de todos é algo importante para os entrevistados, uma vez que poder ter acesso a medicamentos acessíveis promove melhoras na qualidade de vida. Nas entrevistas também foram apontados os problemas que o sistema de saúde colombiano tem por ser particular, entretanto, o acesso e os serviços são bons quando comparados com os da Venezuela.

“Na Venezuela não há remédios, não há uma equipe para atender nos hospitais, todos os médicos foram embora e os que ficaram cobram em dólar. Tem que levar até as seringas, tudo para ser atendido, se não, eles não te atendem” (Entrevista 12, mulher, col.).

“A saúde é muito precária. Teve gente que morreu porque não tinha atendimento, não podia comprar remédio, é isso ou comer” (Entrevista 6, homem, col.).

O terceiro eixo temático contém as classes 4 e 1. A classe 4 descreve a chegada dos venezuelanos na Colômbia, o processo migratório enfrentado – traumático e complicado para alguns –, a rota terrestre que envolve certas dificuldades, como o fechamento da fronteira e as longas horas de viagem de ônibus ou a pé para chegar a cidades da fronteira, a falta de recursos econômicos, as situações de insegurança, as paradas e mudanças de transporte e o custo elevado como problemas mais comuns reportados.

“Com toda a situação que estávamos passando, decidi viajar para a Colômbia. A viagem era longa, eram 24 horas, conseguimos vir de ônibus expresso. Foi simples porque viemos de ônibus e tínhamos recursos do nosso trabalho, não como outras pessoas que tiveram que ir a pé” (Entrevista 20, mulher, col.).

Entre as principais motivações para migrar estão as econômicas, relacionadas diretamente ao acesso a alimentos. A maioria dos participantes buscava projetos de vida em países diferentes, principalmente nos países vizinhos, porque o processo de mobilização era muito mais fácil, por isso a Colômbia foi escolhida como destino. Além disso, aparecem como motivações para essa migração, em ordem decrescente, buscar novas e melhores oportunidades de trabalho, ajudar financeiramente um familiar que ainda vive na Venezuela, não enxergar um futuro próspero na Venezuela, não ter dinheiro suficiente para pagar o aluguel e não poder manter uma melhor qualidade de vida.

Por fim, a classe 1 se refere aos processos de integração, acomodação e adaptação no país de destino. Nesse processo, uma vez que chegam ao seu destino, surgem situações como a busca por um lugar para viver, por emprego, situações de discriminação e xenofobia, saudade de familiares que continuam vivendo no país ou de experiências vividas antes de viajar para a Colômbia, a necessidade de enviar remessas para a Venezuela para ajudar a aliviar as situações sociais e alimentares que continuam presentes entre os familiares que vivem lá.

“Sim, em vários lugares escutei pessoas falando negativamente dos venezuelanos, discriminando-os, dizendo para colocar todos eles em um barco para pessoas que fazem coisas ruins, pessoas que roubam, matam ou vendem drogas” (Entrevista 3, homem, col.).

“Todos que estamos aqui nos preocupamos com quem está lá, todos que estamos aqui enviamos dinheiro para ajudar quem está lá. Graças a Deus não passamos fome, e nossa família que continua lá não passa fome” (Entrevista 18, mulher, col.).

A adaptação e acomodação na sociedade colombiana traz à tona a saudade da família que continua na Venezuela, uma melhora na qualidade de vida na Colômbia, o acolhimento de alguns colombianos aos venezuelanos, gerando um sentimento de que são parte do país e integrando-os na sociedade; e pensamentos sobre as situações que ainda persistem entre familiares e amigos.

Esses três eixos resumem os discursos mais significativos encontrados nas entrevistas, as relações entre eles e descrevem como todo o processo migratório foi socialmente construído, o que permitiu construir a realidade vivida pelos migrantes venezuelanos quando chegaram à Colômbia, as motivações, os desafios, as lutas e os sentimentos encontrados no processo, as recordações das situações difíceis e as estratégias implementadas para resolvê-las.

Discussão

Os três eixos resultantes da análise foram referenciais que dialogam com a perspectiva da bioética de intervenção, visto que os direitos humanos estão em uma de suas linhas de intervenção como situações persistentes, como migração, fome, discriminação e xenofobia a que os venezuelanos estão expostos nos países para onde vão, além de outras situações decorrentes de tais práticas discriminatórias, como a pobreza 2222. Feitosa SF, Nascimento WF. La bioética de intervención en el contexto del pensamiento latinoamericano contemporáneo. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 13 jun de 2023];23:277-84. DOI: 10.1590/1983-80422015232066
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. Essa perspectiva bioética em situações persistentes assume uma posição de politização diante dos conflitos morais, por isso propõe lutar contra todas as formas de discriminação e opressão, e defende a promoção da justiça, tomando como referência o princípio de equidade 2222. Feitosa SF, Nascimento WF. La bioética de intervención en el contexto del pensamiento latinoamericano contemporáneo. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 13 jun de 2023];23:277-84. DOI: 10.1590/1983-80422015232066
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A partir da perspectiva bioética são analisadas as motivações da migração, que constituem violações à dignidade humana. Isso acontece na própria concepção de dignidade humana, uma vez que essa violação de direitos está intrinsecamente ligada, um existe na negação do outro. A violação dos direitos sociais, econômicos e culturais a que os migrantes estão expostos só é formalizada na medida em que a dignidade do outro é retirada, quando esse outro é diminuído naquilo que o constitui como ser humano, desvalorizado e considerado menos que os demais 2323. Cornelli G, Potyra I, Santos S. Proteção da dignidade humana de migrantes e refugiados: uma proposta de intervenção. ethic@ [Internet]. 2018 [acesso 13 jun de 2023];17:125-46. DOI: 10.5007/1677-2954. 2018v17n1p125
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Assim, a bioética de intervenção parte da ideia de tolerância e respeito pelo diferente, ao mesmo tempo que é baseada na igualdade dos seres humanos, reconhecendo o outro, em sua diferença e singularidade, como um igual. Por meio da integração do reconhecimento da pluralidade do outro, busca-se romper com as desigualdades existentes devido à discriminação, nesse caso, venezuelanos quando chegam à Colômbia, uma vez que isso dificulta o gozo dos direitos humanos 2424. Godoi AMM, Garrafa V. Leitura bioética do princípio de não discriminação e não estigmatização. Saude Soc [Internet]. 2014 [acesso 13 jun de 2023];23(1):157-66. DOI: 10.1590/S0104-12902014000100012
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A insegurança alimentar dos venezuelanos é ancorada na bioética, com a ampliação de novos estudos éticos que promovam espaços para discutir a alimentação como um fato social total de grande complexidade, em que convergem fatores sociais, políticos, econômicos e culturais 2525. Carvalho LRT, Shimizu HE, Garrafa V. Geografía y geopolítica del hambre: bioética en la obra de Josué de Castro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 13 jun de 2023];27(1):143-52. DOI: 10.1590/1983-80422019271297
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; pensando em como a ética pode contribuir para a orientação de políticas públicas de alimentação e nutrição que tenham como pilares a justiça social, a sustentabilidade e os direitos humanos dessa população, e contribuam com a melhora do estado de segurança alimentar dentro dos lares 2626. Aparici EZ. Educación alimentaria: salud y cohesión social. Salud Colectiva [Internet]. 2017 [acesso 13 jun de 2023];13:295-306. DOI: 10.18294/sc.2017.1191
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Aguirre 2727. Aguirre P. Crisis de seguridad alimentaria. In: Tealdi JC, director. Diccionario latinoamericano de de bioética [Internet]. Bogotá: Unesco; 2008 [acesso 12 jun 2023]. p. 311-3. Disponível: https://bit.ly/3RbklDB.
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ressalta que o problema alimentar é complexo e não existem soluções simples. Instalar a problemática venezuelana nos contextos de pobreza e exclusão vividos pelos países receptores requer soluções globais e amplas, incluindo nelas os excluídos, os imigrantes, os pobres de periferia dos países receptores e os não pobres, os que têm segurança alimentar e os que estão em situações de insegurança, pensando na sociedade como um todo, se a crise é estrutural, a solução também deve ser: ou alcança a todos ou não existe tal solução 2727. Aguirre P. Crisis de seguridad alimentaria. In: Tealdi JC, director. Diccionario latinoamericano de de bioética [Internet]. Bogotá: Unesco; 2008 [acesso 12 jun 2023]. p. 311-3. Disponível: https://bit.ly/3RbklDB.
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A bioética de intervenção promove uma discussão sobre o acesso aos serviços de saúde em condições adequadas, a alimentação de qualidade e a não discriminação e estigma, para que essas práticas sejam persistentes, e que os grupos dominantes não atuem em detrimento dos grupos menos valorizados dentro da sociedade. Assim, a bioética de intervenção defende a diversidade a partir de uma perspectiva anti-hegemônica, em que as pessoas possam simplesmente viver de acordo com seus valores, crenças, orientação sexual, cultura, ou nacionalidade; mesmo que esse sistema de valores, crenças e cultura discorde dos padrões morais dominantes 1313. Garrafa V, Porto D. Bioética de intervención. In: Tealdi JC, director. Diccionario latinoamericano de bioética [Internet]. Bogotá: Unesco; 2008 [acesso 12 jun 2023]. p. 161-4. Disponível: https://bit.ly/3RbklDB
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Promover e defender a dignidade humana deve fomentar o direito ao acesso aos serviços de saúde como condição essencial para a existência dos indivíduos 2828. Cini R, Rosaneli C, Cunha T. Soberanía alimentaria en la intersección entre bioética y derechos humanos: una revisión integrada de literatura. Rev Bioét Derecho [Internet]. 2018 [acesso 13 jun de 2023];(42):51-69. Disponível: https://bit.ly/3PrI3t9
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. O acesso adequado à saúde é primordial para promover e proteger a saúde da população venezuelana imigrante, permitindo a integração na sociedade com qualidade e cidadania. Dessa forma, a bioética de intervenção, junto com os artigos da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos , permite promover ferramentas importantes para aperfeiçoar e consolidar esse direito 2828. Cini R, Rosaneli C, Cunha T. Soberanía alimentaria en la intersección entre bioética y derechos humanos: una revisión integrada de literatura. Rev Bioét Derecho [Internet]. 2018 [acesso 13 jun de 2023];(42):51-69. Disponível: https://bit.ly/3PrI3t9
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Garrafa e Porto 1313. Garrafa V, Porto D. Bioética de intervención. In: Tealdi JC, director. Diccionario latinoamericano de bioética [Internet]. Bogotá: Unesco; 2008 [acesso 12 jun 2023]. p. 161-4. Disponível: https://bit.ly/3RbklDB
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argumentam que a bioética de intervenção consegue trabalhar com esse tipo de assunto e procura garantir os direitos humanos, dentre os quais se destacam o acesso aos serviços de saúde, o acesso a uma alimentação adequada – tanto em quantidade, quanto em qualidade –; a transgressão desses direitos, portanto, afeta não só os lares dos venezuelanos, mas também a sociedade como um todo. A bioética de intervenção é como se fosse uma proposta ética aplicada que orienta o planejamento de soluções para esse tipo de situação, estabelece critérios éticos que garantem o cumprimento dos direitos humanos e orienta o debate ético dessas situações persistentes, que, como resultado, geram mais exclusão social 1313. Garrafa V, Porto D. Bioética de intervención. In: Tealdi JC, director. Diccionario latinoamericano de bioética [Internet]. Bogotá: Unesco; 2008 [acesso 12 jun 2023]. p. 161-4. Disponível: https://bit.ly/3RbklDB
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Por fim, a bioética de intervenção é considerada como uma proposta de princípios e valores para uma sociedade justa, ou seja, uma sociedade organizada em torno da noção de igualdade, consequência desejada da equidade, um ponto de partida para que o outro aconteça; ou seja, é possível alcançar a igualdade apenas por meio do reconhecimento das diferenças e das diversas necessidades dos sujeitos sociais 2929. Garrafa V, Oselka G, Diniz D. Saúde pública, bioética e eqüidade. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2009 [acesso 13 jun de 2023];5(1). Disponível: https://bit.ly/48i6Hoq
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Isso significa uma igualdade no que diz respeito à distribuição de direitos e deveres básicos, bem como a igualdade de condições e oportunidades para todos. A partir dessa teoria é possível alcançar uma situação de igualdade para os imigrantes venezuelanos e para seus países receptores, onde todos tenham o mesmo direito de decidir de que forma e como viver, e também de ter direito ao estudo, ao acesso a uma alimentação de qualidade, à moradia digna, entre outras necessidades básicas de forma equitativa.

Considerações finais

Nessa pesquisa, algumas das principais motivações encontradas para venezuelanos buscarem uma melhor qualidade de vida são a falta de acesso aos serviços de saúde, além de uma equipe qualificada para o atendimento; as dificuldades para conseguir comprar os alimentos, que apesar de disponíveis, eram inacessíveis devido aos altos preços; e, por último, a falta de disponibilidade e acesso aos medicamentos.

A bioética de intervenção lança o desafio de continuar discutindo e promovendo ações para favorecer a inclusão dos grupos discriminados na busca de melhores condições de vida, lutando contra todas as formas de opressão, discriminação e estigmatização às quais grupos sociais, como os imigrantes venezuelanos, estão expostos e que determinam o seu pleno desenvolvimento na sociedade.

A partir da perspectiva ética abordada, a alimentação e a saúde passam a desempenhar um papel preponderante na vida dos sujeitos, na luta pelo direito à alimentação e ao acesso aos serviços de saúde como direitos humanos básicos. Reforça-se o papel do Estado como entidade responsável por promover políticas direcionadas aos mais necessitados e excluídos da sociedade para garantir seus direitos civis, econômicos, sociais e culturais.

A migração venezuelana exige pensar em políticas públicas de orientação, registro e controle que informem e protejam quem decide sair do país; assistência para garantir os direitos básicos dos imigrantes no país receptor; integração na sociedade receptora; sensibilização sobre as condições do migrante, programas de não discriminação e não estigmatização, apoio; e oportunidades que permitam o aproveitamento de recursos humanos migrantes em benefício do país receptor, num quadro de cumprimento de condições mínimas de bem-estar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2022
  • Revisado
    13 Jun 2023
  • Aceito
    04 Ago 2023
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