Acessibilidade / Reportar erro

Comunicação de más notícias a pacientes na perspectiva de estudantes de medicina

Resumo

O objetivo deste estudo foi verificar se estudantes de medicina adquiriram conhecimento sobre comunicação de más notícias aos pacientes durante a graduação. Aplicou-se questionário para dois grupos: Grupo 1, que não havia cursado disciplinas sobre o tema, e Grupo 2, que já as havia cursado. Conheciam o protocolo Spikes 29,41% do Grupo 1 e 100% do Grupo 2 (p=0,0001). Consideraram-se parcialmente preparados para a comunicação 25,88% do Grupo 1 e 81,01% do Grupo 2 (p=0,0001). Sentiam-se mais seguros após o estudo 17,65% do Grupo 1 e 83,54% do Grupo 2 (p=0,0001). Atribuíram nota máxima à importância do aprendizado 90,59% do Grupo 1 e 87,34% do Grupo 2 (p=0,8166). Concluiu-se que todos reconheciam a relevância do ensino sobre comunicação de más notícias. Além disso, a ampla diferença de conhecimento do Grupo 2 destaca a eficácia da abordagem ao tema na graduação.

Comunicação em saúde; Revelação da verdade; Relações médico-paciente; Aprendizagem; Bioética

Abstract

The objective of this study is to verify if medical students acquired knowledge about delivering bad news to patients during their undergraduate clinical courses. A questionnaire was applied to two groups: Group 1, which had not studied the theme and Group 2, which had already studied it. 29.41% of Group 1 knew about the Spikes Protocol and 100% of Group 2 (p=0.0001) knew about it. 25.88% of Group 1 and 81.01% of Group 2 (p=0.0001) were partially prepared for communication. 17.65% of Group 1 and 83.54% of Group 2 (p=0.0001) felt more secure after the study. 90.59% of Group 1 attributed a maximum grade to the importance of learning and 87.34% of Group 2 (p=0.8166) did the same. It was concluded that all students recognized the importance of learning about delivering bad news and the wide difference of knowledge in favor of Group 2 highlights the effectiveness of its approach during undergraduation.

Health communication; Truth disclosure; Physician-patient relations; Learning; Bioethics

Resumen

El objetivo de este estudio fue verificar si los estudiantes de medicina adquirieron conocimiento sobre comunicación de malas noticias a los pacientes durante el ciclo clínico de la carrera de grado en la universidad. Se aplicó un cuestionario a dos grupos: Grupo 1, que no había cursado disciplinas sobre el tema, y Grupo 2, que ya las había cursado. Conocían el Protocolo Spikes el 29,41% del Grupo 1 y el 100% del Grupo 2 (p=0,0001). Se consideraron parcialmente preparados para la comunicación el 25,88% del Grupo 1 y el 81,01% del Grupo 2 (p=0,0001). Se sentían más seguros después del estudio el 17,65% del Grupo 1 y el 83,54% del Grupo 2 (p=0,0001). Atribuyeron nota máxima a la importancia del aprendizaje el 90,59% del Grupo 1 y el 87,34% del Grupo 2 (p=0,8166). Se concluyó que todos reconocían la relevancia de la enseñanza de la comunicación de malas noticias. Además, la amplia diferencia de conocimiento del Grupo 2 destaca la eficacia del abordaje del tema durante la carrera de grado.

Comunicación en salud; Revelación de la verdad; Relaciones médico-paciente; Aprendizaje; Bioética

Más notícias na área da saúde são informações que podem piorar a perspectiva de futuro do paciente, dependendo de sua personalidade, crenças e apoio social 11. Buckman R. Breaking bad news: why is it still so difficult? Br Med J [Internet]. 1984 [acesso 23 set 2018];288(6430):1597-9. Disponível: https://bit.ly/2IftBn3
https://bit.ly/2IftBn3...
,22. Núñez S, Marco T, Burillo-Putze G, Ojeda J. Procedimientos y habilidades para la comunicación de las malas noticias en urgencias. Med Clin (Barc) [Internet]. 2006 [acesso 23 set 2018];127(15):580-3. Disponível: https://bit.ly/2uKtyaQ
https://bit.ly/2uKtyaQ...
. A expressão “comunicação de más notícias” (do inglês “breaking bad news”), adotada neste trabalho por ser amplamente consagrada na literatura, nem sempre é traduzida dessa forma – o Instituto Nacional do Câncer (Inca), por exemplo, adotou o termo “comunicação de notícias difíceis” 33. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: Inca; 2010..

A forma e o conteúdo de transmissão dessas notícias aos enfermos têm variado no decorrer da história humana. Na Antiguidade, o médico tinha postura autônoma, e a verdade era eventualmente omitida para que o paciente não desviasse sua atenção do tratamento. Entretanto, as demais informações eram dadas com jovialidade, serenidade e acompanhadas de encorajamento 44. Cairus HF, Ribeiro WA Jr. Do decoro. In: Cairus HF, Ribeiro WA Jr. Textos hipocráticos: o doente, o médico e a doença. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 193-210..

Algumas mudanças ocorreram nos séculos seguintes 44. Cairus HF, Ribeiro WA Jr. Do decoro. In: Cairus HF, Ribeiro WA Jr. Textos hipocráticos: o doente, o médico e a doença. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 193-210., mas a vigorosa ênfase na autonomia humana nas últimas décadas contribuiu decisivamente para maior preocupação social com o bem-estar do paciente. Isso se refletiu no teor de documentos internacionais e nacionais, inclusive no Código de Ética Médica (CEM) brasileiro, cujo artigo 34 determina que o médico tem o dever de revelar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento 55. Conselho Federal de Medicina. Código de ética médica: Resolução CFM nº 1.931/09 [Internet]. Brasília: CFM; 2010 [acesso 30 set 2016]. Disponível: http://bit.ly/2sBChex
http://bit.ly/2sBChex...
, desde que essas informações não lhe causem danos.

A comunicação durante a assistência à saúde tornou-se tão importante para o paciente como seu tratamento e, quando adequada, favorece a adesão ao tratamento, a aceitação da terapêutica e a satisfação com o atendimento 66. Gao Z. Delivering bad news to patients: the necessary evil. J Med Coll PLA [Internet]. 2011 [acesso 23 set 2018];26(2):103-8. Disponível: https://bit.ly/2TSPCdx
https://bit.ly/2TSPCdx...
,77. Ranjan P, Kumari A, Chakrawarty A. How can doctors improve their communication skills? J Clin Diagn Res [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];9(3):JE01-4. Disponível: https://bit.ly/2K0VK3D
https://bit.ly/2K0VK3D...
. Normalmente, o profissional aprende a informar más notícias por tentativa e erro ou pela observação de colegas mais experientes, mas isso não garante comunicação efetiva, sem percalços ou consequências indesejadas, nem há suficientes evidências de que a habilidade do profissional evolua com o tempo sem treinamento específico 88. Fallowfield L, Jenkins V. Communicating sad, bad, and difficult news in medicine. Lancet [Internet]. 2004 [acesso 23 set 2018];363(9405):312-9. Disponível: https://bit.ly/2TTLnOJ
https://bit.ly/2TTLnOJ...
.

Por um lado, comunicar más notícias, especialmente quando se trata de diagnóstico de doença incurável, é algo delicado para os profissionais, uma vez que as emoções manifestadas pelo paciente podem muitas vezes ser difíceis de contornar. Por outro lado, a habilidade em lidar com tal situação não é inata nem dom divino, mas pode ser adquirida com informações e treinamento, a fim de que consequências negativas para os pacientes sejam minimizadas 11. Buckman R. Breaking bad news: why is it still so difficult? Br Med J [Internet]. 1984 [acesso 23 set 2018];288(6430):1597-9. Disponível: https://bit.ly/2IftBn3
https://bit.ly/2IftBn3...
. Para tanto, é necessário adequar os currículos dos cursos de medicina ao estudo da comunicação, sobretudo quando direcionada a pacientes gravemente enfermos 11. Buckman R. Breaking bad news: why is it still so difficult? Br Med J [Internet]. 1984 [acesso 23 set 2018];288(6430):1597-9. Disponível: https://bit.ly/2IftBn3
https://bit.ly/2IftBn3...
.

No entanto, há opiniões divergentes. Por exemplo, estudo brasileiro, cujo objetivo era determinar evidências da eficácia do treinamento de médicos e de estudantes de medicina para informar más notícias, não chegou a nenhuma certeza quanto a sua eficiência, pois existem muitas formas de comunicação entre pessoas com diferentes culturas e seriam necessárias outras pesquisas com o grupo-controle para comprovar a hipótese 99. Nonino A, Magalhães SG, Falcão DP. Treinamento médico para comunicação de más notícias: revisão da literatura. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2012 [acesso 23 set 2018];36(2):228-33. Disponível: https://bit.ly/2OIdP56
https://bit.ly/2OIdP56...
.

Entre as várias competências clínicas essenciais para um trabalho bem-sucedido em saúde, a comunicação entre médico e paciente tem lugar de destaque, pois favorece acolhimento, diálogo e entendimento recíprocos 1010. Rios IC. Comunicação em medicina. Rev Med [Internet]. 2012 [acesso 23 set 2018];91(3):159-62. Disponível: https://bit.ly/2K1lH2Y
https://bit.ly/2K1lH2Y...
. Uma das estratégias mais difundidas para revelar o diagnóstico de câncer é o protocolo Spikes, guia didático que apresenta seis passos para conduzir o processo e que também pode ser utilizado para outras doenças 1111. Baile WF, Buckman R, Lenzi R, Glober G, Beale EA, Kudelka AP. Spikes: a six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist [Internet]. 2000 [acesso 23 set 2018];5(4):302-11. Disponível: https://bit.ly/2y6gAqT
https://bit.ly/2y6gAqT...
.

Nesse contexto, presume-se que atualmente escolas forneçam suficientes informações e treinamento sobre comunicação de más notícias aos graduandos em medicina. Assim sendo, este estudo objetivou verificar como os estudantes de uma faculdade de medicina autoavaliavam seu conhecimento sobre essa comunicação antes e após cursarem as disciplinas que tratam do assunto durante o ciclo clínico.

Método

A pesquisa foi realizada entre 22 e 28 de novembro de 2016 na faculdade de medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina. A amostra do estudo consistiu de 164 estudantes divididos em dois grupos: o Grupo 1, composto por estudantes da primeira, segunda e terceira fases do curso de medicina, que ainda não haviam cursado as disciplinas Ética e Sociedade (Bioética) e Ética Médica, em que o teor sobre a comunicação de más notícias aos pacientes é ofertado; e o Grupo 2, composto por estudantes da oitava, nona e décima fases, que tinham cursado as respectivas disciplinas recentemente. O critério de exclusão foi o não consentimento em participar do estudo ou preenchimento incompleto do questionário. Os alunos da quarta à sétima fase foram excluídos por ser o ciclo (clínico) em que são ofertadas as duas disciplinas que tratam especificamente do assunto desta pesquisa.

Como instrumento de coleta dos dados, utilizou-se questionário autoaplicável com três questões gerais relativas à caracterização sociodemográfica e treze questões específicas com alternativas binárias, de múltipla escolha e escalonadas. Os graduandos foram abordados em sala de aula mediante prévia autorização do professor responsável. Um dos pesquisadores apresentava-se, explicava o objetivo e o propósito do estudo, e assegurava ao estudante o sigilo das informações coletadas e anonimato. Após a aceitação, foi disponibilizado ao participante o termo de consentimento livre e esclarecido, que deveria ser assinado em duas vias: uma de posse do pesquisador e outra do participante.

Depois de obtidos os dados dos questionários, foram tabulados e calculados em números absolutos e porcentagens. A análise estatística foi feita pelo sistema Statistica 7.0 (StatSoft). Foram aplicados o teste exato de Fisher e qui-quadrado de Pearson, dependendo do arranjo das comparações entre as variáveis realizadas. O nível de significância foi estabelecido em p≤0,05. A diretoria do curso foi contatada previamente para autorizar a pesquisa, que somente foi iniciada após parecer de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa institucional.

Resultados

A amostra contou com 164 participantes, sendo 97 (59%) do sexo feminino e 67 (41%) do masculino. A média etária foi de 22,4 anos, com mínima de 17 e máxima de 38. Os solteiros eram 161 (98,2%), os casados 2 (1,2%) e havia 1 (0,6%) viúvo. Quanto à fase do curso, 85 (52%) estavam entre a primeira e terceira fase (Grupo 1) e 79 (48%) entre a oitava e décima fase (Grupo 2).

Os resultados referentes a questões sobre a experiência dos estudantes dos Grupos 1 e 2 na comunicação de más notícias aos pacientes são apresentados na Tabela 1. Na comparação entre os dois grupos, contata-se que a maioria dos alunos das fases mais avançadas (Grupo 2) havia presenciado o médico comunicar má notícia ao paciente, contrastando com a reduzida parcela encontrada nas fases iniciais (Grupo 1). Embora nenhum dos estudantes do Grupo 1 tivesse ainda comunicado má notícia ao paciente, parte do Grupo 2 já tinha tido esta experiência, por solicitação do médico, sendo mais frequente a comunicação de diagnóstico de câncer.

Tabela 1
Dados sobre a aquisição de experiência em comunicação de más notícias dos Grupos 1 e 2

A Tabela 2 apresenta dados sobre o aprendizado e o conhecimento dos dois grupos quanto à comunicação de más notícias aos pacientes. Os participantes do Grupo 2 mostraram mais entendimento sobre protocolos para informar tais notícias, principalmente sobre o protocolo Spikes. Além disso, sentiram-se mais preparados do que o Grupo 1 para a questão, sendo os resultados significativos (p=0,0001).

Tabela 2
Dados sobre o estudo da comunicação de más notícias dos estudantes dos Grupos 1 e 2

A avaliação do grau da importância do aprendizado (0 a 5) sobre essa comunicação de más notícias ao paciente consta na Tabela 3. Quase todos os participantes atribuíram nota máxima. Somente dois do Grupo 1 atribuíram notas 0 e 1 e nenhum do Grupo 2 assinalou nota menor que 3.

Tabela 3
Nota dos estudantes para a importância do aprendizado da comunicação de más notícias ao paciente

Discussão

No Grupo 1, poucos alunos tiveram a oportunidade de ver esse tipo de notícia sendo dada ao paciente pelo médico, mas no Grupo 2 a maioria já havia presenciado essa situação (Tabela 1). A comunicação (verbal e não verbal) está entre as habilidades e atitudes a serem adquiridas pelos estudantes, segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de medicina 1212. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília, p. 8-11, 23 jun 2014 [acesso 28 mar 2019]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2k7LtEn
https://bit.ly/2k7LtEn...
. Uma das formas tradicionais de aprender sobre esse aspecto é a observação de médicos mais experientes, embora já existam técnicas mais efetivas, como o role playing, ou seja, o treinamento entre pares, e a utilização de pacientes simulados 1313. Bonamigo EL, DestefanI AS. A dramatização como estratégia de ensino da comunicação de más notícias ao paciente durante a graduação médica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 23 set 2018];18(3):725-42. Disponível: https://bit.ly/2FWQolL
https://bit.ly/2FWQolL...

14. Monteiro DT, Reis CGC, Quintana AM, Mendes JMR. Morte: o difícil desfecho a ser comunicado pelos médicos. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015 [acesso 21 jul 2016];15(2):547-67. Disponível: http://bit.ly/2jLGkDj
http://bit.ly/2jLGkDj...
-1515. Arnold SJ, Koczwara B. Breaking bad news: learning through experience. J Clin Oncol [Internet]. 2006 [acesso 21 jul 2016];24(31):5098-100. Disponível: https://bit.ly/2Ia9LJN
https://bit.ly/2Ia9LJN...
.

O diagnóstico de câncer foi o mais frequentemente comunicado pelos estudantes do Grupo 2, a pedido do médico assistente, e a hipertensão arterial foi a doença mais explicada aos pacientes. Pesquisa constatou que as informações dadas por alunos de medicina são bem recebidas pelos enfermos que, por sua vez, interpretam a questão como oportunidade para obter mais esclarecimentos sobre sua doença 1616. Berwanger J, Geroni GD, Bonamigo EL. Estudantes de medicina na percepção dos pacientes. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];23(3):552-62. Disponível: https://bit.ly/2K3wMjW
https://bit.ly/2K3wMjW...
.

Embora esta prática seja bem aceita e desenvolva as habilidades dos graduandos, ainda assim pacientes preferem receber a notícia de doenças com prognósticos desfavoráveis do médico em quem mais confiam. No entanto, estudo feito no Brasil constatou que somente 60% dos profissionais fazem isso pessoalmente 1717. Silveira FJF, Botelho CC, Valadão CC. Breaking bad news: doctors’ skills in communicating with patients. São Paulo Med J [Internet]. 2017 [acesso 23 set 2018];135(4):323-31. Disponível: https://bit.ly/2uL01h8
https://bit.ly/2uL01h8...
.

Pesquisa realizada em Portugal com médicos do primeiro ano de residência identificou três carências durante a graduação: aprendizado insuficiente sobre a comunicação de más notícias; inserção precoce e desarticulada do tema no currículo; e pouco preparo para lidar com as emoções 1818. Leal-Seabra F, Costa MJ. Comunicação de más notícias pelos médicos no primeiro ano de internato: um estudo exploratório. FEM [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];18(6):387-95. Disponível: https://bit.ly/2HVRwsi
https://bit.ly/2HVRwsi...
. Nestes aspectos, a oferta deste conteúdo nas disciplinas curriculares do ciclo clínico do curso pesquisado tem melhorado o aprendizado, segundo a autoavaliação dos alunos, permitindo informar diagnósticos diretamente aos pacientes, sob supervisão médica, na sequência da graduação.

O aprendizado em relação ao assunto dos participantes desta pesquisa ocorreu durante o curso de disciplinas e em palestras ocorridas em Semana Acadêmica (Tabela 2). Quanto ao aprendizado curricular, o estudo do protocolo Spikes, filmes, aulas expositivas, dramatizações e os vídeos didáticos foram as estratégias de ensino mais apontadas pelos participantes. A maioria deles afirmou sentir-se mais segura após o estudo. A abordagem teórica sobre protocolos padronizados em aulas expositivas, e participação de pacientes simulados e role playing (treinamento entre pares) são técnicas que também podem desenvolver esse tipo de prática nos alunos 1919. Sombra Neto LL, Silva VLL, Lima CDC, Moura HTM, Gonçalves ALM, Pires APB et al. Habilidade de comunicação da má notícia: o estudante de medicina está preparado? Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2017 [acesso 23 set 2018];41(2):260-8. Disponível: https://bit.ly/2YJzM8y
https://bit.ly/2YJzM8y...
.

Revisão de literatura feita em 2010 encontrou que a dramatização com pacientes simulados e role playing eram mais indicados para esse aprendizado nos artigos pesquisados 1313. Bonamigo EL, DestefanI AS. A dramatização como estratégia de ensino da comunicação de más notícias ao paciente durante a graduação médica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 23 set 2018];18(3):725-42. Disponível: https://bit.ly/2FWQolL
https://bit.ly/2FWQolL...
. Além disso, destaca-se que filmes estão entre as estratégias úteis para o ensino sobre o tema, pois revelam a subjetividade do enfermo para o espectador 2020. Fieschi L, Burlon B, de Marinis MG. Teaching midwife students how to break bad news using the cinema: an Italian qualitative study. Nurse Educ Pract [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];15(2):141-7. Disponível: https://bit.ly/2CSt5I4
https://bit.ly/2CSt5I4...
. Dessa forma, a arte cinematográfica cria mediações entre alunos e pacientes, e ajuda a lidar com dificuldades e a ansiedade que surgem no cotidiano dos profissionais 2121. Shapiro J, Rucker L. The Don Quixote effect: why going to the movies can help develop empathy and altruism in medical students and residents. Fam Syst Health [Internet]. 2004 [acesso 23 set 2018];22(4):445-52. Disponível: https://bit.ly/2CXT2G5
https://bit.ly/2CXT2G5...
.

Em relação ao conhecimento de protocolos, especificamente do protocolo Spikes, quase um terço dos estudantes das primeiras fases e todos os das séries mais avançadas afirmaram conhecê-lo. Os alunos do Grupo 1 que já conheciam o tópico familiarizaram-se com o assunto em curso extracurricular durante semana acadêmica. O conhecimento do protocolo Spikes revelado por todos os participantes das fases posteriores ao ciclo clínico (Grupo 2), composto por alunos que haviam cursado as disciplinas sobre esse conteúdo, transparece a efetividade do respectivo estudo.

Em outra pesquisa, voltada para o protocolo Spikes em relação ao ensino da comunicação de más notícias a estudantes de medicina, concluiu-se que, apesar de alguns relatarem que os seis passos do documento podiam restringir a liberdade do médico de transmitir más notícias, foi considerado válido, didático e adaptável a diferentes situações 2222. Lino CA, Augusto KL, Oliveira RAS, Feitosa LB, Caprara A. Uso do protocolo Spikes no ensino de habilidades em transmissão de más notícias. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2011 [acesso 23 set 2018];35(1):52-7. Disponível: https://bit.ly/2uKBWqA
https://bit.ly/2uKBWqA...
. O fato de alguns alunos julgarem o protocolo fator limitador pode indicar que ainda não tiveram treinamento prático para conhecer melhor as variações de sua utilização.

Uma das últimas perguntas formuladas aos estudantes foi como interpretavam seu preparo para transmitir más notícias aos pacientes, havendo mais respostas positivas no Grupo 2, o que já era esperado (Tabela 2). No entanto, ressalta-se que nenhum estudante desse grupo se considerou totalmente preparado ou despreparado: a maioria sentia-se parcialmente pronta, denotando a percepção da eficácia do ensino oferecido.

A efetividade de técnicas específicas para o aprendizado da transmissão de más notícias é questionada por alguns autores 22. Núñez S, Marco T, Burillo-Putze G, Ojeda J. Procedimientos y habilidades para la comunicación de las malas noticias en urgencias. Med Clin (Barc) [Internet]. 2006 [acesso 23 set 2018];127(15):580-3. Disponível: https://bit.ly/2uKtyaQ
https://bit.ly/2uKtyaQ...
. Contudo, a maior parte dos alunos de ambos os grupos deste estudo avaliou positivamente o ensino, atribuindo nota máxima à importância, sem que houvesse diferença significativa nas respostas (Tabela 3). Ainda assim, dois participantes do Grupo 1 atribuíram notas 0 e 1, mas nenhum do Grupo 2 atribuiu nota menor que 3, sinalizando que a relevância pode não ser percebida por algumas pessoas sem o devido conhecimento, mas se desenvolve com o avanço na formação, quando tornam-se conscientes das consequências das más notícias para o paciente.

O médico pode sentir angústia e tristeza quando percebe que não se comunicou satisfatoriamente, e essa experiência pode gerar problemas físicos e emocionais com o tempo 2323. Luisada V, Fiamenghi GA Jr, Carvalho SG, Assis-Madeira EA, Blascovi-Assis SM. Experiências de médicos ao comunicarem o diagnóstico da deficiência de bebês aos pais. Ciência&Saúde [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];8(3):121-8. Disponível: https://bit.ly/2I7jNLw
https://bit.ly/2I7jNLw...
. Em pesquisa realizada com profissionais que trabalhavam diretamente com portadores de HIV/aids, constatou-se que, embora a maioria se sentisse tranquila com sua forma de revelar o diagnóstico, alguns se mostraram abalados, tristes ou angustiados. Muitos inclusive relataram dificuldades de lidar com as reações mais comuns dos pacientes, como agressividade, angústia, apatia, choque, culpa, desespero, dúvida, medo de separação, mágoa, negação, revolta, sensação de fim da vida e vontade de rezar 2424. Massignani LRM, Rabuske MM, Backes MS, Crepaldi MA. Comunicação de diagnóstico de soropositividade HIV e aids por profissionais de saúde. Psicol Argum [Internet]. 2014 [acesso 23 set 2018];32(79 Supl 2):65-75. Disponível: https://bit.ly/2TV3OTh
https://bit.ly/2TV3OTh...
.

Outra pesquisa foi mais enfática ao afirmar o grau de sofrimento dos profissionais de saúde que comunicam más notícias 2525. Koch CL, Rosa AB, Bedin SC. Más notícias: significados atribuídos na prática assistencial neonatal/pediátrica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 23 set 2018];25(3):577-84. Disponível: https://bit.ly/2TURYZ4
https://bit.ly/2TURYZ4...
. As consequências negativas que podem advir para eles e seus pacientes suscitam a necessidade de aprimorar a técnica e habilidades que minimizem efeitos indesejáveis para ambos.

Considerações finais

A maioria dos participantes considerou importante o aprendizado na questão em foco, independentemente de já terem ou não cursado as disciplinas sobre o tema. As táticas mais frequentemente apontadas pelos que já tinham estudado o tópico, em ordem decrescente, foram: aulas expositivas, vídeos didáticos, filmes, uso do protocolo Spikes e dramatizações (role playing).

Quanto aos protocolos, principalmente no caso do protocolo Spikes, houve grande diferença de conhecimento em favor dos participantes do Grupo 2, que já haviam cursado as disciplinas e tido mais chances de observar médicos transmitindo más notícias e de informar pessoalmente diagnósticos e explicar doenças aos pacientes. Com isso, o Grupo 2 sentiu-se mais seguro e preparado para a divulgação de más notícias aos enfermos em relação ao Grupo 1.

Esta diferença de conhecimento, assim como a sensação de mais preparo e segurança manifestada pelo Grupo 2, destaca, portanto, a importância do ensino desse tema no curso de medicina pesquisado, segundo a avaliação de seus discentes.

Referências

  • 1
    Buckman R. Breaking bad news: why is it still so difficult? Br Med J [Internet]. 1984 [acesso 23 set 2018];288(6430):1597-9. Disponível: https://bit.ly/2IftBn3
    » https://bit.ly/2IftBn3
  • 2
    Núñez S, Marco T, Burillo-Putze G, Ojeda J. Procedimientos y habilidades para la comunicación de las malas noticias en urgencias. Med Clin (Barc) [Internet]. 2006 [acesso 23 set 2018];127(15):580-3. Disponível: https://bit.ly/2uKtyaQ
    » https://bit.ly/2uKtyaQ
  • 3
    Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: Inca; 2010.
  • 4
    Cairus HF, Ribeiro WA Jr. Do decoro. In: Cairus HF, Ribeiro WA Jr. Textos hipocráticos: o doente, o médico e a doença. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 193-210.
  • 5
    Conselho Federal de Medicina. Código de ética médica: Resolução CFM nº 1.931/09 [Internet]. Brasília: CFM; 2010 [acesso 30 set 2016]. Disponível: http://bit.ly/2sBChex
    » http://bit.ly/2sBChex
  • 6
    Gao Z. Delivering bad news to patients: the necessary evil. J Med Coll PLA [Internet]. 2011 [acesso 23 set 2018];26(2):103-8. Disponível: https://bit.ly/2TSPCdx
    » https://bit.ly/2TSPCdx
  • 7
    Ranjan P, Kumari A, Chakrawarty A. How can doctors improve their communication skills? J Clin Diagn Res [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];9(3):JE01-4. Disponível: https://bit.ly/2K0VK3D
    » https://bit.ly/2K0VK3D
  • 8
    Fallowfield L, Jenkins V. Communicating sad, bad, and difficult news in medicine. Lancet [Internet]. 2004 [acesso 23 set 2018];363(9405):312-9. Disponível: https://bit.ly/2TTLnOJ
    » https://bit.ly/2TTLnOJ
  • 9
    Nonino A, Magalhães SG, Falcão DP. Treinamento médico para comunicação de más notícias: revisão da literatura. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2012 [acesso 23 set 2018];36(2):228-33. Disponível: https://bit.ly/2OIdP56
    » https://bit.ly/2OIdP56
  • 10
    Rios IC. Comunicação em medicina. Rev Med [Internet]. 2012 [acesso 23 set 2018];91(3):159-62. Disponível: https://bit.ly/2K1lH2Y
    » https://bit.ly/2K1lH2Y
  • 11
    Baile WF, Buckman R, Lenzi R, Glober G, Beale EA, Kudelka AP. Spikes: a six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist [Internet]. 2000 [acesso 23 set 2018];5(4):302-11. Disponível: https://bit.ly/2y6gAqT
    » https://bit.ly/2y6gAqT
  • 12
    Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em medicina e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília, p. 8-11, 23 jun 2014 [acesso 28 mar 2019]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/2k7LtEn
    » https://bit.ly/2k7LtEn
  • 13
    Bonamigo EL, DestefanI AS. A dramatização como estratégia de ensino da comunicação de más notícias ao paciente durante a graduação médica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 23 set 2018];18(3):725-42. Disponível: https://bit.ly/2FWQolL
    » https://bit.ly/2FWQolL
  • 14
    Monteiro DT, Reis CGC, Quintana AM, Mendes JMR. Morte: o difícil desfecho a ser comunicado pelos médicos. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015 [acesso 21 jul 2016];15(2):547-67. Disponível: http://bit.ly/2jLGkDj
    » http://bit.ly/2jLGkDj
  • 15
    Arnold SJ, Koczwara B. Breaking bad news: learning through experience. J Clin Oncol [Internet]. 2006 [acesso 21 jul 2016];24(31):5098-100. Disponível: https://bit.ly/2Ia9LJN
    » https://bit.ly/2Ia9LJN
  • 16
    Berwanger J, Geroni GD, Bonamigo EL. Estudantes de medicina na percepção dos pacientes. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];23(3):552-62. Disponível: https://bit.ly/2K3wMjW
    » https://bit.ly/2K3wMjW
  • 17
    Silveira FJF, Botelho CC, Valadão CC. Breaking bad news: doctors’ skills in communicating with patients. São Paulo Med J [Internet]. 2017 [acesso 23 set 2018];135(4):323-31. Disponível: https://bit.ly/2uL01h8
    » https://bit.ly/2uL01h8
  • 18
    Leal-Seabra F, Costa MJ. Comunicação de más notícias pelos médicos no primeiro ano de internato: um estudo exploratório. FEM [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];18(6):387-95. Disponível: https://bit.ly/2HVRwsi
    » https://bit.ly/2HVRwsi
  • 19
    Sombra Neto LL, Silva VLL, Lima CDC, Moura HTM, Gonçalves ALM, Pires APB et al. Habilidade de comunicação da má notícia: o estudante de medicina está preparado? Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2017 [acesso 23 set 2018];41(2):260-8. Disponível: https://bit.ly/2YJzM8y
    » https://bit.ly/2YJzM8y
  • 20
    Fieschi L, Burlon B, de Marinis MG. Teaching midwife students how to break bad news using the cinema: an Italian qualitative study. Nurse Educ Pract [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];15(2):141-7. Disponível: https://bit.ly/2CSt5I4
    » https://bit.ly/2CSt5I4
  • 21
    Shapiro J, Rucker L. The Don Quixote effect: why going to the movies can help develop empathy and altruism in medical students and residents. Fam Syst Health [Internet]. 2004 [acesso 23 set 2018];22(4):445-52. Disponível: https://bit.ly/2CXT2G5
    » https://bit.ly/2CXT2G5
  • 22
    Lino CA, Augusto KL, Oliveira RAS, Feitosa LB, Caprara A. Uso do protocolo Spikes no ensino de habilidades em transmissão de más notícias. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2011 [acesso 23 set 2018];35(1):52-7. Disponível: https://bit.ly/2uKBWqA
    » https://bit.ly/2uKBWqA
  • 23
    Luisada V, Fiamenghi GA Jr, Carvalho SG, Assis-Madeira EA, Blascovi-Assis SM. Experiências de médicos ao comunicarem o diagnóstico da deficiência de bebês aos pais. Ciência&Saúde [Internet]. 2015 [acesso 23 set 2018];8(3):121-8. Disponível: https://bit.ly/2I7jNLw
    » https://bit.ly/2I7jNLw
  • 24
    Massignani LRM, Rabuske MM, Backes MS, Crepaldi MA. Comunicação de diagnóstico de soropositividade HIV e aids por profissionais de saúde. Psicol Argum [Internet]. 2014 [acesso 23 set 2018];32(79 Supl 2):65-75. Disponível: https://bit.ly/2TV3OTh
    » https://bit.ly/2TV3OTh
  • 25
    Koch CL, Rosa AB, Bedin SC. Más notícias: significados atribuídos na prática assistencial neonatal/pediátrica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 23 set 2018];25(3):577-84. Disponível: https://bit.ly/2TURYZ4
    » https://bit.ly/2TURYZ4

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    5 Jun 2018
  • Revisado
    6 Dez 2018
  • Aceito
    7 Dez 2018
Conselho Federal de Medicina SGAS 915, lote 72, CEP 70390-150, Tel.: (55 61) 3445-5932, Fax: (55 61) 3346-7384 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: bioetica@portalmedico.org.br