Acessibilidade / Reportar erro

Efeitos da redução no consumo de cafeína sobre a percepção do zumbido Como citar este artigo: Figueiredo RR, Rates MJ, de Azevedo AA, Moreira RK, Penido NO. Effects of the reduction of caffeine consumption on tinnitus perception. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:416-21.

Resumos

INTRODUÇÃO:

O consumo abusivo de cafeína vem sendo descrito como fator de piora e causa do zumbido há muitos anos. A fisiopatologia deste efeito está provavelmente relacionada ao bloqueio dos receptores inibitórios adenosínicos pela cafeína no sistema nervoso central.

OBJETIVO:

Avaliar os efeitos da redução do consumo de cafeína na percepção do zumbido e identificar subgrupos de pacientes mais propensos a benefícios com esta proposta. Tipo de estudo: prospectivo.

MÉTODO:

Selecionados 26 pacientes com zumbido neurossensorial e consumo diário superior a 150 mL de café. Os efeitos da redução do consumo foram avaliados através do Tinnitus Handicap Inventory (THI) e da escala visual-análoga (EVA).

RESULTADOS:

Houve redução estatisticamente significativa (p < 0,05) nos escores do THI e EVA. Nos subgrupos com idade inferior a 60 anos, zumbido bilateral e consumo diário de café entre 150 e 300 mL apresentaram maior redução dos escores THI e EVA.

CONCLUSÃO:

Em pacientes com idade inferior a 60 anos, zumbido bilateral e consumo diário de café entre 150 e 300 mL apresentaram benefícios com a redução no consumo diário de cafeína. Períodos observacionais de 30 dias podem ser úteis para a decisão terapêutica.

Zumbido; Cafeína; Café


INTRODUCTION:

For many years, excessive caffeine consumption has been touted as an aggravating factor for tinnitus. The pathophysiology behind this effect is probably related to the blockage of adenosine receptors by the action of caffeine on the central nervous system.

OBJECTIVE:

To evaluate the effects of reduction of coffee consumption on tinnitus sensation and to identify subgroups more prone to benefit from this therapeutic strategy. Study design: prospective.

METHODS:

Twenty-six tinnitus patients who consumed at least 150 mL of coffee per day were selected. All were asked to reduce their coffee consumption. The Tinnitus Handicap Inventory (THI) questionnaire was completed by the patients before and after the reduction of coffee consumption, as well as a visual-analogue scale (VAS) graduated from 1 to 10.

RESULTS:

THI and VAS scores were significantly reduced (p < 0.05). In the subgroups less than 60 years old, bilateral tinnitus and daily coffee consumption between 150 and 300 mL showed a significantly greater reduction of THI and VAS scores.

CONCLUSION:

Patients under 60 years of age with bilateral tinnitus and daily coffee consumption between 150 and 300 mL are more prone to benefit from consumption reduction. Thirty-day observation periods may be helpful for a better therapeutical decision.

Tinnitus; Caffeine; Coffee


Introdução

A cafeína, também conhecida como metilteobromina, faz parte do grupo das metilxantinas, sendo considerada a substância psicoativa mais utilizada em todo o mundo. A maior parte do consumo deriva de fontes dietéticas, tais como café, chá, refrigerantes do tipo cola e achocolatados, sendo os efeitos comportamentais mais marcantes o incremento do estado de alerta, energia e habilidades para concentração. Tais efeitos são mais pronunciados após a ingestão de quantidades pequenas a moderadas11. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76. (50 a 300 mg).

O conteúdo de cafeína por xícara de café varia de acordo com a forma de preparo11. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76. (tabela 1). No Brasil, o consumo per capita, segundo dados da Associação Brasileira de Indústrias do Café (ABIC), está atualmente em torno de 73 litros por ano, sendo o método de filtragem o mais utilizado.22. Associação Brasileira de Indústrias do Café (ABIC) [acessado 20 Ago 2010]. Disponível em: http//:www.abic.com.br
http//:www.abic.com.br...
Observa-se tendência mundial para o aumento do consumo de café. O teor de cafeína das outras bebidas varia, em média, de 32 a 42 mg/150 mL (chá), de 32 a 70 mg/330 mL (bebidas tipo cola) e em torno de 4 mg/150 mL11. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76. (achocolatados).

Tabela 1
Quantidade de cafeína em diversas formas de preparo do café (adaptado de Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76).

A absorção da cafeína no trato gastrointestinal é rápida, atingindo 99 % após 45 minutos. Picos plasmáticos são atingidos entre 15 e 120 minutos após a ingestão oral, sendo a meia-vida em torno de 2,5 a 4,5 horas. A metabolização é hepática.11. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76.

Hoje em dia, a maioria dos autores acredita que o principal mecanismo de ação da cafeína seja o antagonismo de receptores adenosínicos.11. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76. , 33. Daly JM . Mechanism of action of caffeine. Em: SG, editor. Caffeine, coffee and health. New York: Raven Press; 1993. p. 97-150.

4. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine ingestion on cognitive brain function. Ind J Physiol Pharmacol. 2004;48:79.
- 55. Lorist MM, Snel J, Kok A. Influence of caffeine on information processing stages in well rested and fatigued subjects. Psycophysiology. 1994;113:411-21. A adenosina reduz a taxa de disparo dos neurônios, exercendo um efeito inibitório na transmissão sináptica e na liberação de vários neurotransmissores. Daly, em estudo de 1993, encontrou aumento dos níveis cerebrais de norepinefrina, glutamato e adrenalina após ingestão de cafeína.33. Daly JM . Mechanism of action of caffeine. Em: SG, editor. Caffeine, coffee and health. New York: Raven Press; 1993. p. 97-150. Os receptores adenosínicos envolvidos com os efeitos da cafeína são o A1 e A2. Efeitos neuroestimulantes da cafeína têm sido demonstrados em estudos funcionais de imagem.66. Koppelstaeter F, Poeppel TD, Siedentopf CM, Ischebeck A, Verius M, Haala I, et al. Does caffeine modulate verbal working process memory? An fMRI study. Neuroimage. 2008;39:492-9.

Os receptores adenosínicos A2 interagem com receptores dopaminérgicos nos núcleos accumbens e striatum, modulando-os. O bloqueio desses receptores exercido pela cafeína poderia, portanto, potencializar a neurotransmissão dopaminérgica.11. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76.

Outras ações demonstradas da cafeína incluem aumento da liberação de cálcio intracelular e inibição das fosfodiesterases, mecanismos esses aparentemente não relacionados com os efeitos centrais da cafeína.11. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76.

Além dos efeitos neuroexcitatórios, a cafeína também apresenta ação vasoconstrictora, sendo este o efeito predominante em doses mais elevadas.66. Koppelstaeter F, Poeppel TD, Siedentopf CM, Ischebeck A, Verius M, Haala I, et al. Does caffeine modulate verbal working process memory? An fMRI study. Neuroimage. 2008;39:492-9. Estudos realizados com ressonância magnética funcional BOLD (Blood Oxygenation Level-Dependant) demonstraram redução na perfusão cerebral após ingestão de cafeína. Alguns autores acreditam que os efeitos neuroestimulantes da cafeína sejam devidos predominantemente à sua ação nos receptores A1, enquanto os efeitos vasoconstritores relacionam-se aos efeitos sobre os receptores A2.66. Koppelstaeter F, Poeppel TD, Siedentopf CM, Ischebeck A, Verius M, Haala I, et al. Does caffeine modulate verbal working process memory? An fMRI study. Neuroimage. 2008;39:492-9.

Partindo dessas noções sobre os efeitos neuroestimulantes da cafeína, vários estudos abordaram os seus efeitos sobre as vias auditivas centrais.44. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine ingestion on cognitive brain function. Ind J Physiol Pharmacol. 2004;48:79.

5. Lorist MM, Snel J, Kok A. Influence of caffeine on information processing stages in well rested and fatigued subjects. Psycophysiology. 1994;113:411-21.

6. Koppelstaeter F, Poeppel TD, Siedentopf CM, Ischebeck A, Verius M, Haala I, et al. Does caffeine modulate verbal working process memory? An fMRI study. Neuroimage. 2008;39:492-9.

7. Kawamura N, Maeda H, Nakamura J, Morita K, Nakazawa Y. Effects of caffeine on event-related potentials: comparison of oddball with single tone paradigms. Psychiatry Clin Neurosci. 1996;50:217-21.
- 88. Nehlig A, Boyet S. Dose-response study of caffeine effects on cerebral functioning activity with a specific focus on dependence. Brain Res. 2000;858:71-7. Lorist et al. encontraram melhora do processamento auditivo central após ingestão de cafeína,55. Lorist MM, Snel J, Kok A. Influence of caffeine on information processing stages in well rested and fatigued subjects. Psycophysiology. 1994;113:411-21. e Kawamura et al. encontraram aumento da amplitude e área do P300 30 minutos após ingestão de cafeína.66. Koppelstaeter F, Poeppel TD, Siedentopf CM, Ischebeck A, Verius M, Haala I, et al. Does caffeine modulate verbal working process memory? An fMRI study. Neuroimage. 2008;39:492-9. Dixit et al., também estudando os efeitos da cafeína sobre o P300, encontraram aumento da amplitude P3 e redução no tempo de reação, indicando facilitação do processamento auditivo e aceleração das respostas motoras.44. Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine ingestion on cognitive brain function. Ind J Physiol Pharmacol. 2004;48:79. Em outro estudo, os mesmos autores encontraram redução significativa nas latências das ondas IV e V nos potenciais auditivos de tronco encefálico (PEATE), além de um decréscimo significativo no intervalo I-V.99. Dixit A,Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: an evoked potential study. Hear Res. 2006; 220:61-6

Na cóclea, foi demonstrado que a cafeína induz encurtamento das células ciliadas externas1010. Slepecky S, Ulfendahl M, Flock A. Effects of caffeine and tetracaine on outer hair cells shortening suggest intracellular calcium involvment. Hear Res. 1988;32:11-22.

11. Yamamoto T, Kakehata S, Yamada T, Saito T, Saito H, Akaike N. Caffeine rapidly decreases potassium condutance of dissociated outer hair cells of guinea pig cochlea. Brain Res. 1995;677:89-96.
- 1212. Skellett RA, Crist JR, Fallon M, Bobbin RP. Caffeine-induced shortening of isolated outer hair cells: an osmotic mechanism of action. Hear Res. 1995;87:41-8. (CCE). Tal fato teria equivalência à contração rápida das CCE, aumentando a excitabilidade nas vias auditivas periféricas. Há divergências sobre os eventos envolvidos com esse encurtamento: Slepecky et al., em estudo de 1988, sugerem que o encurtamento das CCE ocorre por mecanismos associados a receptores rianodínicos.1010. Slepecky S, Ulfendahl M, Flock A. Effects of caffeine and tetracaine on outer hair cells shortening suggest intracellular calcium involvment. Hear Res. 1988;32:11-22. Já Yamamoto et al., em estudo de 1995, sugerem que a despolarização das CCE ocorre por bloqueio de canais de potássio.1111. Yamamoto T, Kakehata S, Yamada T, Saito T, Saito H, Akaike N. Caffeine rapidly decreases potassium condutance of dissociated outer hair cells of guinea pig cochlea. Brain Res. 1995;677:89-96. Finalmente, Skellett et al., em estudo de 1995, sugerem um mecanismo osmótico.1212. Skellett RA, Crist JR, Fallon M, Bobbin RP. Caffeine-induced shortening of isolated outer hair cells: an osmotic mechanism of action. Hear Res. 1995;87:41-8.

A maioria dos estudos clínicos sobre os efeitos da cafeína em Otoneurologia referem-se a alterações no sistema vestibular.1313. Desmond ALD. Vestibular function: evolution and treatment. Em: Thieme. New York; 2004. p. 97-8.

14. Felipe L, Simões LC, Gonçalves DU, Mancini PC. Evaluation of the caffeine effect in the vestibular test. Braz J Otorhinolaryngol. 2005;71:758-62.
- 1515. Ganança MM, Vieira R, Caovilla HH. Princípios em Otoneurologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 1998. Vários autores sugerem a ingestão diária de até três xícaras pequenas (50 mL) de café filtrado por dia como benéfico para o tratamento, podendo, inclusive, potencializar os efeitos terapêuticos de alguns medicamentos.1515. Ganança MM, Vieira R, Caovilla HH. Princípios em Otoneurologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 1998. Acima dessa dose, predominariam os efeitos vasoconstritores.

Com relação ao zumbido, vários autores sugerem a redução na ingestão de cafeína como tratamento suplementar,1616. Azevedo AA, Figueiredo RR. Atualização em zumbido. Braz J Otorhinolaringol (Caderno de Debates). 2004;70:27-40. , 1717. Goodey R. Tinnitus treatment-state of the art. Em: Langguth BHG, Kleinjung T, Cacace A, Moller A, editores. Tinnitus: pathophysiology and treatment. 166ª ed. London: Elsevier; 2007. p. 237-46. mas no único estudo controlado já realizado,1818. St. Claire L, Stothart G, Mc Kenna L, Rogers PJ. Caffeine abstinence: an ineffective and potentially distressing tinnitus therapy. Int J Aud. 2010;49:24-9. não foram observados efeitos benéficos da redução da cafeína sobre o zumbido. O objetivo principal desta pesquisa foi avaliar se pacientes com zumbido neurossensorial podem obter algum benefício com a redução da ingestão de cafeína. O objetivo secundário foi tentar identificar subgrupos de pacientes mais propensos a benefícios com esta proposta.

Pacientes e métodos

Trata-se de um estudo de coorte contemporânea longitudinal. O tamanho da amostra foi inicialmente determinado considerando-se como significativa uma diferença de 20 pontos no escore do THI e dois pontos no escore da EVA (fig. 1), entre o início e o final do estudo. Considerando um poder estatístico de 0,80, o tamanho mínimo da amostra foi estabelecido em 16 pacientes (para diferenças nos escores do THI e EVA inferiores a, respectivamente, 20 pontos e dois pontos, o tamanho necessário da amostra seria ainda menor).

Figura 1
Escala Visual Análoga (EVA).

Foram incluídos nesta pesquisa 26 pacientes portadores de zumbido neurossensorial, com idades entre 24 e 76 anos, sendo 15 do sexo masculino e atendidos nos Centros participantes do estudo no período entre janeiro de 2008 e dezembro de 2009.

Os seguintes critérios foram utilizados:

Critérios de inclusão:

  • Portadores de zumbido há mais de seis meses;

  • Não utilização de medicamentos de ação central nos últimos seis meses;

  • Timpanograma tipo A-n;

  • Consumo diário de café superior a três xícaras pequenas/dia (correspondendo a 150 mL/dia);

  • Idade superior a 18 anos.

Critérios de exclusão:

  • THI inferior a 16 pontos;

  • Zumbidos de origem muscular e vascular;

  • Audiogramas com perdas condutivas e mistas;

  • Desordens da articulação temporomandibular associadas.

Na primeira consulta, os pacientes foram submetidos a exame otorrinolaringológico completo. Na mesma consulta foram realizadas audiometria tonal, vocal e imitanciometria. Os pacientes incluídos no estudo preencheram ao Tinnitus Handicap Inventory (THI), em sua versão validada para o português brasileiro,1919. Schmidt LP, Teixeira VN, Dall'Igna C, Dallagnol D, Smith MM. Brazilian Portuguese Language version of the "Tinnitus Handicap Inventory": validity and reproducibility. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72:808-10. e também quantificaram o zumbido quanto ao incômodo e intensidade, de acordo com uma escala visual-análoga (EVA) graduada de 1 (mínimo incômodo/intensidade) a 10 (máximo incômodo/intensidade). Foram, então, orientados a reduzir o consumo diário de cafeína em pelo menos 50% do habitual, devendo todos os pacientes passar a consumir quantidades inferiores a três xícaras pequenas (50 mL por xícara). Assim, exemplificando, um paciente que consumisse uma média de 600 mL de café por dia deveria reduzir este consumo para 150 mL/dia ou menos, e um paciente que consumisse 200 mL diários de café deveria reduzir este consumo para 100 ml/dia ou menos. Contatos semanais por telefone foram realizados para confirmar a redução do consumo. A reavaliação, com novos THI e EVA, foi feita em 30 dias, tendo sido excluídos os pacientes que não conseguiram atingir a meta de redução acima citada.

A variação absoluta de antes para depois do tratamento foi dada pela seguinte fórmula:

Delta THI/EVA = (THI/EVA final - THI/EVA inicial)

Como principal critério para redução do THI empregou-se o nível de sete pontos, ou seja, uma redução de sete pontos no escore foi considerada como melhora, de acordo com o estudo de Zeman et al.2020. Zeman R, Koller M, Figueiredo R, Azevedo A, Rates M, Coelho C, et al. Tinnitus handicap inventory for evaluating treatment effects: which changes are clinically relevant? Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;145:282-7. Sintomas relacionados à abstinência de cafeína foram anotados.

A análise estatística foi composta pelos seguintes testes:

- As comparações entre as características e a melhora do THI foram realizadas por meio do teste exato de Fisher (pelo menos uma frequência esperada inferior a 5).

- Em seguida, foi realizado o ajuste do modelo logístico contendo aquelas que apresentaram valor-p inferior a 0,25. Permaneceram no modelo final apenas aquelas com valor-p inferior a 0,05. Todas as interações foram testadas.

- Finalmente, o coeficiente de correlação de Spearman, para avaliar o grau de associação entre variáveis numéricas com o delta do THI e EVA.

O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelos softwares SAS 6.11 (SAS Institute, Inc., Cary, North Carolina), R versão 2.7.1 e EpiInfo versão 6.04, os dois últimos de domínio público.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Médica sob o número CAAE - 0002.0.334.000-08.

Resultados

Dos 26 pacientes inicialmente incluídos, quatro não retornaram para a segunda avaliação. A tabela 2 mostra dados gerais da amostra e a tabela 3 a distribuição por subcategorias dos 22 pacientes que completaram o estudo.

Tabela 2
Caracterização geral da amostra

Tabela 3
Descrição dos níveis de consumo de café, idade e lateralidade da amostra

Dos 22 pacientes que completaram o estudo, verificou-se melhora nos escores do THI (redução de ao menos sete pontos) em dez deles (45,5%). A redução média observada foi de 10,2 pontos para o THI e 0,86 pontos para a EVA, ambos estatisticamente significativos (valor-p de 0,030 e 0,017, respectivamente). A tabela 4 apresenta a descrição do THI inicial, final e variação (final - inicial).

Tabela 4
Descrições do THI inicial, final e variação (Delta do THI = THI final - THI inicial).

A tabela 5 apresenta a comparação do consumo de café, idade e lateralidade com a melhora do THI. Todas as características foram indicadas a participar do modelo multivariado inicial.

Tabela 5
Comparação entre o consumo de café, idade e lateralidade e melhora dos escores do THI

Interpretando um dos cruzamentos como exemplo, tem-se que, entre os nove pacientes que consumiram até 300 mL de café, sete (77,8%) apresentaram melhora no THI. Entre os 13 pacientes que consumiram mais que 300 mL de café por dia, três (23,1%) apresentaram melhora no THI. Como o valor-p é 0,027, tem-se que esta característica foi indicada a participar do modelo multivariado inicial.

A tabela 6 apresenta os ajustes dos modelos de regressão. Foram confeccionados três modelos de regressão logística.

Tabela 6
Modelo de regressão logística

Desta forma, observa-se que aqueles que consomem até 300 mL de café apresentam, aproximadamente, 12 vezes mais chances de melhora no THI que os pacientes que consomem mais de 300 mL de café (95% IC 1,5 a 89,1).

Além disso, pacientes com idade inferior a 60 apresentam oito vezes mais chances de melhora no THI que aqueles com idade igual ou superior a 60 anos (95% IC 1,1 a 56,8). Pacientes com zumbido bilateral apresentam, aproximadamente, 13 vezes a chance de melhora no THI que aqueles com zumbido unilateral (95% IC 1,2 a 133,9).

Analisando a variável quantitativa consumo de café em mL pelo Coeficiente de Spearman em relação ao Delta do THI, obteve-se a figura 2, confirmando os dados anteriores (quanto maior o consumo de café, menor a queda observada no THI e EVA).

Figura 2.
Análise do Delta do THI de acordo com o consumo diário de café (Coeficiente de Spearman).

Dos 22 pacientes que finalizaram o estudo, apenas um (4,54%) apresentou efeito colateral (ansiedade), possivelmente associado à redução da cafeína. Este paciente consumia uma média de 1200 mL diários de café.

Discussão

Vários artigos publicados sobre zumbido recomendam a redução no consumo de cafeína,1616. Azevedo AA, Figueiredo RR. Atualização em zumbido. Braz J Otorhinolaringol (Caderno de Debates). 2004;70:27-40. mas, até recentemente, inexistiam estudos específicos para o tema. A ação estimulante da cafeína sobre o sistema nervoso central pode, teoricamente, influir na excitabilidade das vias auditivas e, consequentemente, modificar aspectos clínicos do zumbido.99. Dixit A,Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: an evoked potential study. Hear Res. 2006; 220:61-6

Em estudo recente1818. St. Claire L, Stothart G, Mc Kenna L, Rogers PJ. Caffeine abstinence: an ineffective and potentially distressing tinnitus therapy. Int J Aud. 2010;49:24-9. (2010), foram avaliados os efeitos da supressão de cafeína sobre o zumbido em pacientes que ingeriam quantidades superiores a 150 mg diários de cafeína. Neste estudo, pseudo-randomizado, cross-over, contraplacebo, realizado em 66 pacientes, não foram encontradas evidências que justifiquem redução no consumo de cafeína, além de serem encontrados efeitos colaterais ocasionados pela abstinência da mesma. Segundo os autores, tais efeitos poderiam, inclusive, levar à piora do zumbido. Este estudo, contudo, não avaliou possíveis efeitos da redução da cafeína em diferentes subgrupos que apresentavam tal sintoma. Considerando que a divisão de pacientes em diferentes subgrupos tem sido repetidamente utilizada para o estudo do tratamento de zumbido, consideramos este tema de extrema importância.1515. Ganança MM, Vieira R, Caovilla HH. Princípios em Otoneurologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 1998. , 1717. Goodey R. Tinnitus treatment-state of the art. Em: Langguth BHG, Kleinjung T, Cacace A, Moller A, editores. Tinnitus: pathophysiology and treatment. 166ª ed. London: Elsevier; 2007. p. 237-46. Além disso, a análise do efeito placebo em estudos com a cafeína pode ser extremamente difícil, uma vez que os usuários crônicos de cafeína podem facilmente reconhecer a retirada da mesma, independentemente do sabor da bebida.11. Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76.

Apesar dos dados encontrados neste estudo (redução de 10,2 pontos no THI e 0,86 pontos na EVA) apresentarem significância estatística, observou-se que os efeitos da redução do consumo da cafeína sobre a população portadora de zumbido como um todo seria pequeno, de acordo com os critérios utilizados por Newman, que coloca como significativas variações iguais ou superiores a 20 pontos no THI.2121. Newman CW, Sandridge SA, Jacobson GP. Psychometric adequacy of the Tinnitus Handicap Inventory (THI) for evaluating treatment outcome. J Am Acad Audiol. 1998;9:153-60. Somente quatro (18,4%) de 22 pacientes apresentaram tal redução. Por outro lado, o estudo de Zeman et al. demonstrou que diferenças de seis a sete pontos nos escores do THI são clinicamente relevantes.2020. Zeman R, Koller M, Figueiredo R, Azevedo A, Rates M, Coelho C, et al. Tinnitus handicap inventory for evaluating treatment effects: which changes are clinically relevant? Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;145:282-7. Nesse caso, dez pacientes (45,5% da amostra total) do nosso estudo se enquadram neste perfil. Na análise por subgrupos, verificou-se que naqueles com idade inferior a 60 anos, zumbido bilateral e consumo diário inicial de até 300 mL, a redução nos escores do THI aproxima-se dos 20 pontos. Como possíveis explicações para estas diferenças, poderia se supor que pacientes idosos provavelmente apresentassem um maior número de fatores envolvidos na percepção do zumbido, tais como presbiacusia e uso de múltiplas drogas para tratamento de diversas condições médicas. Pacientes com maior consumo de café podem ser mais suscetíveis à abstinência após a retirada da cafeína, tal como relatado no estudo de St. Claire et al.1818. St. Claire L, Stothart G, Mc Kenna L, Rogers PJ. Caffeine abstinence: an ineffective and potentially distressing tinnitus therapy. Int J Aud. 2010;49:24-9. Apesar de somente um de nossos pacientes ter apresentado sinais compatíveis com abstinência, não se pode descartar a hipótese da própria piora do zumbido ser um sintoma relacionado à abstinência, o que poderia sobrepujar qualquer eventual benefício da redução no consumo de cafeína. Além disso, nosso estudo não analisou o percentual de redução da cafeína em cada paciente. Sendo assim, considerando a metodologia utilizada, quanto maior a quantidade de cafeína ingerida, maior o impacto causado pela redução do consumo, o que poderia, eventualmente, refletir-se em uma possível piora do zumbido relacionada à abstinência da cafeína.

Considerando os dados acima expostos, acreditamos ser adequada uma conduta individual para cada paciente. Se por um lado não existem dados que justifiquem efeitos benéficos da redução da cafeína para todos os pacientes com zumbido, por outro, alguns subgrupos, tais como pacientes jovens, com zumbido bilateral e consumo moderado de cafeína, têm maior probabilidade de apresentar melhora. Analogamente às condutas para os distúrbios vestibulares e considerando os possíveis efeitos da redução abrupta do consumo de cafeína, talvez se deva optar por uma redução gradual e não supressão total da mesma. Períodos de 30 dias de observação parecem ser suficientes para se avaliar um possível efeito benéfico e devem ser empregados como rotina na terapêutica de prova.

Conclusão

Os resultados encontrados sugerem que não se justifica a restrição do consumo de cafeína como tratamento para todos os pacientes. Entretanto, pacientes com idade inferior a 60 anos, zumbido bilateral e consumo diário de café entre 150 e 300 mL apresentam benefícios maiores. Períodos de observação de 30 dias podem ser úteis para a decisão terapêutica.

References

  • 1
    Nehlig A. Are we dependent upon coffee and caffeine? A review on human and animal data. Neurosci Biobehav Rev. 1999;23:563-76.
  • 2
    Associação Brasileira de Indústrias do Café (ABIC) [acessado 20 Ago 2010]. Disponível em: http//:www.abic.com.br
    » http//:www.abic.com.br
  • 3
    Daly JM . Mechanism of action of caffeine. Em: SG, editor. Caffeine, coffee and health. New York: Raven Press; 1993. p. 97-150.
  • 4
    Dixit A, Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine ingestion on cognitive brain function. Ind J Physiol Pharmacol. 2004;48:79.
  • 5
    Lorist MM, Snel J, Kok A. Influence of caffeine on information processing stages in well rested and fatigued subjects. Psycophysiology. 1994;113:411-21.
  • 6
    Koppelstaeter F, Poeppel TD, Siedentopf CM, Ischebeck A, Verius M, Haala I, et al. Does caffeine modulate verbal working process memory? An fMRI study. Neuroimage. 2008;39:492-9.
  • 7
    Kawamura N, Maeda H, Nakamura J, Morita K, Nakazawa Y. Effects of caffeine on event-related potentials: comparison of oddball with single tone paradigms. Psychiatry Clin Neurosci. 1996;50:217-21.
  • 8
    Nehlig A, Boyet S. Dose-response study of caffeine effects on cerebral functioning activity with a specific focus on dependence. Brain Res. 2000;858:71-7.
  • 9
    Dixit A,Vaney N, Tandon OP. Effect of caffeine on central auditory pathways: an evoked potential study. Hear Res. 2006; 220:61-6
  • 10
    Slepecky S, Ulfendahl M, Flock A. Effects of caffeine and tetracaine on outer hair cells shortening suggest intracellular calcium involvment. Hear Res. 1988;32:11-22.
  • 11
    Yamamoto T, Kakehata S, Yamada T, Saito T, Saito H, Akaike N. Caffeine rapidly decreases potassium condutance of dissociated outer hair cells of guinea pig cochlea. Brain Res. 1995;677:89-96.
  • 12
    Skellett RA, Crist JR, Fallon M, Bobbin RP. Caffeine-induced shortening of isolated outer hair cells: an osmotic mechanism of action. Hear Res. 1995;87:41-8.
  • 13
    Desmond ALD. Vestibular function: evolution and treatment. Em: Thieme. New York; 2004. p. 97-8.
  • 14
    Felipe L, Simões LC, Gonçalves DU, Mancini PC. Evaluation of the caffeine effect in the vestibular test. Braz J Otorhinolaryngol. 2005;71:758-62.
  • 15
    Ganança MM, Vieira R, Caovilla HH. Princípios em Otoneurologia. Rio de Janeiro: Atheneu; 1998.
  • 16
    Azevedo AA, Figueiredo RR. Atualização em zumbido. Braz J Otorhinolaringol (Caderno de Debates). 2004;70:27-40.
  • 17
    Goodey R. Tinnitus treatment-state of the art. Em: Langguth BHG, Kleinjung T, Cacace A, Moller A, editores. Tinnitus: pathophysiology and treatment. 166ª ed. London: Elsevier; 2007. p. 237-46.
  • 18
    St. Claire L, Stothart G, Mc Kenna L, Rogers PJ. Caffeine abstinence: an ineffective and potentially distressing tinnitus therapy. Int J Aud. 2010;49:24-9.
  • 19
    Schmidt LP, Teixeira VN, Dall'Igna C, Dallagnol D, Smith MM. Brazilian Portuguese Language version of the "Tinnitus Handicap Inventory": validity and reproducibility. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72:808-10.
  • 20
    Zeman R, Koller M, Figueiredo R, Azevedo A, Rates M, Coelho C, et al. Tinnitus handicap inventory for evaluating treatment effects: which changes are clinically relevant? Otolaryngol Head Neck Surg. 2011;145:282-7.
  • 21
    Newman CW, Sandridge SA, Jacobson GP. Psychometric adequacy of the Tinnitus Handicap Inventory (THI) for evaluating treatment outcome. J Am Acad Audiol. 1998;9:153-60.
  • Como citar este artigo: Figueiredo RR, Rates MJ, de Azevedo AA, Moreira RK, Penido NO. Effects of the reduction of caffeine consumption on tinnitus perception. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:416-21.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2013
  • Aceito
    17 Nov 2013
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br