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Epistaxe de origem extranasal: desafio diagnóstico

CASE REPORT

Epistaxe de origem extranasal: desafio diagnóstico

Daniela Oliveira TeixeiraI; Luiz Carlos Alves de OliveiraII; Enedir Borges TeixeiraIII; Ana Maria BenvegnúIV; Letícia Moreira Flores MachadoV

IResidência Médica em Radiologia, Especialização em Radiologia Vascular Intervencionista e Neurorradiologia Diagnóstica e Terapêutica. Médica do Instituto de Radiologia Vascular (IRV) e do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM)

IIResidência Médica em Otorrinolaringologia (Médico na Clínica Dr. Oliveira)

IIIResidência Médica em Neurocirurgia. Médico do Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo (HCAA)

IVAcadêmica do Curso de Medicina na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Estagiária do Instituto de Radiologia Vascular (IRV)

VAcadêmica do Curso de Medicina na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Estagiária do Instituto de Radiologia Vascular (IRV)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Ivan Coelho, 50, Nossa Senhora de Lourdes Santa Maria - RS. Brasil. CEP: 97050-340

Palavras-chave: anemia, aneurisma, artéria carótida interna, epistaxe, stents.

INTRODUÇÃO

Epistaxe é a perda de sangue pelo nariz e representa uma das urgências mais frequentes em otorrinolaringologia. Pode ser anterior ou posterior, esta costuma ser mais grave, por ser proveniente de ramos da artéria esfenopalatina ou das etmoidais. As causas podem ser locais (trauma nasal, corpo estranho, alterações anatômicas, cirurgias, tumores) ou sistêmicas (alterações vasculares, coagulopatias, uso de medicamentos, infecções, doenças sistêmicas graves, alergias).

A epistaxe com origem na artéria carótida interna (ACI) intracraniana é uma condição rara1. Sua causa mais comum é o rompimento de um aneurisma ou pseudoaneurisma presente neste sítio2. Porém, a presença aneurismática nesta porção da ACI é condição ainda mais rara e a sua ruptura apresenta-se, frequentemente, com essa forma de sangramento1-3. Apesar da baixa incidência, o diagnóstico precoce pode prevenir complicações e garantir um melhor prognóstico ao iniciar imediatamente a terapia3,4.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente feminina, branca, 28 anos e hipertensa há dez anos. Apresenta história de epistaxe abundante de repetição à esquerda, sem remissão ao tamponamento nasal, precedida de sensação de pulsação no ouvido esquerdo há quatro meses.

Devido às hemorragias, sofreu numerosas internações, nas quais referia parestesia e paresia no hemicorpo esquerdo e diminuição progressiva da audição no ouvido esquerdo. Recebeu 12 bolsas de hemácias. Realizou angiorressonância e angiografia carotídea, as quais foram interpretadas como normais. Relata ter sido submetida à cirurgia nasal com septoplastia e cauterização em sua cidade de origem, não sabendo informar mais detalhes. Dez dias após a cirurgia, a paciente evoluiu com nova hemorragia naso-oral, quando foi encaminhada ao nosso serviço.

Na avaliação inicial, apresentava sensação de pulsação no ouvido esquerdo, hemoglobina de 4g%, hemotímpano (Figura 1), alterações compatíveis com disacusia de condução na acumetria e sangue fluindo pela tuba auditiva na fibronasoendoscopia (Figura 2). Foi realizada transfusão imediata de hemácias e angiografia cerebral de urgência. Ao exame, imagem de rotura arterial no segmento petroso da ACI esquerda com extravasamento de contraste para nasofaringe (Figura 3). Foi realizado teste de oclusão carotídeo (oclusão da artéria doente com um balão endoarterial e injeção de contraste na carótida contralateral e nas vertebrais para verificar a patência das artérias comunicantes, polígono de Willis completo). O teste foi negativo, mostrando polígono de Willis incompleto (ausência de passagem de sangue entre os hemisférios cerebrais e cerebelares). Com o diagnóstico realizado, optou-se pela implantação transluminal percutânea de dois stents. Durante o procedimento, a paciente apresentou importante hemorragia, seguida de parestesia e paresia nos membros; foram administradas três bolsas de hemácias. O controle imediato pós-procedimento não demonstrou extravasamento de contraste (Figura 4). A paciente foi encaminhada para o CTI neurológico, permaneceu 24h disfásica, com parestesia em hemiface esquerda e diminuição da motricidade à esquerda. Recebeu alta no décimo segundo dia de internação com déficit neurológico em remissão, sem novo episódio hemorrágico e usando Clopidogrel 75mg/dia.





Durante a internação, foi realizada investigação etiológica da hipertensão, descartou-se feocromocitoma, síndrome dos fosfolipídeos e estenoses de artérias renais. No retorno, 45 dias após, apresentava melhora substancial na acumetria, remissão quase total do hemotímpano (Figura 5), fibronasoendoscopia sem sinais de sangramento pela tuba (Figura 6) e angiografia sem sinais de extravasamento de contraste e patência dos stents (Figura 7). Dez meses após, a paciente encontra-se neurologicamente assintomática, sem recidiva de hemorragia, referindo discreta hipoacusia em ouvido esquerdo e audiometria com perda auditiva mista, de grau leve, nesse ouvido.

DISCUSSÃO

A formação de um aneurisma ou pseudoaneurisma na ACI intracraniana está relacionada a trauma brusco ou penetrante, cirurgia, procedimentos endovasculares, inflamação ou radiação1,4,5, vasculopatias e alterações genéticas. Sua manifestação através de isquemias cerebrais ou pela ruptura e consequente hemorragia, pode ocorrer meses ou anos após a sua formação2,4. A angiografia por subtração óssea permanece como padrão ouro para o diagnóstico de rotura1,4, embora alguns autores apontem a angiotomografia computadorizada como opção para screening inicial4. Quando nos deparamos com um teste de oclusão positivo, temos a opção de ligar a carótida cirurgicamente, em procedimento combinado com a ligadura do vaso em seu segmento cervical e intracraniano. O tratamento cirúrgico do vaso é de alto risco e, nesse caso, devido ao teste de oclusão carotídeo negativo, a técnica mais adequada foi a navegação endovascular3,4,6. O uso do antiagregante é indicado por 30 dias para prevenção de trombose intra-stent. Quando disponível, o uso da tomografia computorizada de emissão de fóton único (SPECT) na avaliação da isquemia cerebral poderá ser utilizado. Em nosso caso, apesar da disponibilidade no hospital, o exame não foi realizado na paciente.

COMENTÁRIOS FINAIS

A epistaxe de origem na ACI, por ser uma condição rara, muitas vezes tem seu diagnóstico tardio, e isto pode ser responsável por um pior prognóstico3,4. O caso apresentado, de paciente com piora importante do estado geral, anemia intensa e ataques isquêmicos transitórios, corrobora a importância de uma ampla avaliação multidisciplinar, a fim de se estabelecer um diagnóstico e tratamento precoces na rotura do segmento intracraniano da ACI1,3,4. A técnica endovascular com stent mostrou-se pouco invasiva, eficaz e segura para o caso apresentado.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 2 de novembro de 2010. Cod. 7396.

Artigo aceito em 20 de março de 2011.

Instituto de Radiologia Vascular (IRV) e Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo (HCAA).

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  • Endereço para correspondência:

    Rua Ivan Coelho, 50, Nossa Senhora de Lourdes
    Santa Maria - RS. Brasil. CEP: 97050-340
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Abr 2012
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