Acessibilidade / Reportar erro

Mediastinite: complicação de abscesso parotídeo Como citar este artigo: Brito TP, Guimarães AC, Oshima MM, Chone CT. Mediastinitis: parotid abscess complication. Braz J Otorhinolaryngol. 2014;80:268-9

Introdução

Os abscessos cervicais profundos são afecções graves e de múltiplas origens, sendo as mais frequentes a odontogênica e a peritonsilar. Com o advento dos antibióticos, a parotidite supurativa com formação de abscesso cervical tornou-se uma infecção bastante incomum.11. Ganesh R, Leese T. Parotid abscess in Singapore. Singapore Med J. 2005;46:553-6. A progressão da coleção para outros espaços cervicais ou torácicos pode levar a um quadro dramático de elevada mortalidade, especialmente pelo risco de mediastinite e suas complicações.

Relatamos um raro caso de abscesso parotídeo com dissecção para o mediastino, uma complicação rara de infecção de glândulas salivares.

Apresentação do caso

Paciente do sexo feminino, 38 anos, procurou o pronto-socorro com queixa de febre e dor na topografia da parótida esquerda há uma semana. Nos últimos três dias, evoluíra com dispneia, odinofagia e queda do estado geral. Não havia história de trauma, tratamento dentário ou patologias cervicofaciais prévias.

Ao exame físico, apresentava sinais clínicos de sepse e abaulamento endurecido na topografia da parótida esquerda e níveis cervicais IB, IIA e III ipsilateral. À oroscopia, apresentava trismo moderado, porém, sem alterações na orofaringe.

A tomografia computadorizada (fig.1) no corte axial evidenciou coleção compatível com abscesso acometendo os lobos superficiais e profundos da parótida, estendendo-se para os espaços mastigador e parafaríngeo esquerdos. Nos cortes coronal e sagital, foi visualizada volumosa coleção cervical com extensão inferior para o mediastino, através do espaço vascular-visceral. O corte axial do tórax mostrou coleção envolvendo o mediastino anterior e derrame pleural bilateral.

Figura 1
Tomografia computadorizada mostrando volumoso abscesso acometendo múltiplos espaços cervicais e com extensão para o mediastino anterior.

A paciente foi admitida na UTI e submetida à cervicotomia lateral esquerda, mediastinoscopia e toracotomia posterior para drenagem das coleções purulentas. Após o procedimento, instituiu-se antibioticoterapia (ampicilina + sulbactam) e corticoterapia endovenosa. A cultura do abscesso foi positiva para Streptococcus constelattus. Paciente permaneceu internada por 26 dias, apresentando boa evolução.

Discussão

Embora a parotidite seja a mais comum das infecções de glândulas salivares, o abscesso de parótida é uma complicação rara.11. Ganesh R, Leese T. Parotid abscess in Singapore. Singapore Med J. 2005;46:553-6. Caso não seja controlada, a infecção pode organizar-se e disseminar pelos espaços profundos cervicais, elevando sua morbimortalidade. Em geral acomete pessoas debilitadas, como portadores de doenças sistêmicas e imunossuprimidos. O principal fator de risco é a desidratação, devido à diminuição da salivação e ao aumento do crescimento bacteriano.

O Staphylococcus aureus é o agente mais comum nas infecções supurativas da parótida, chegando a quase 80% dos casos.22. Krippaehne WW, Hunt TK, Dunphy JE. Acute suppurativ parotitis: a study of 161 cases. Ann Surg. 1962;156:251-7. A infecção por múltiplos micro-organismos também é frequente e potencializa a infecção.33. Macedo JLS, Netto MX. Tratamento conservador de mediastinite necrotizante descendente. J Pneumol. 1998;24:167-70. A bactéria do caso apresentado foi o Streptococcus constellatus, estreptococo presente na flora da cavidade oral.

A invasão infecciosa dos espaços cervicais profundos pode se disseminar através das fáscias cervicais e originar abscessos com potencial de extensão para o mediastino. A mediastinite necrotizante descendente é rara, sendo uma das formas mais letais da doença. Clinicamente, caracteriza-se pelo aparecimento de manifestações toxêmicas e sintomas torácicos, como dispneia ou dor torácica, em paciente com infecção cervical, sendo sua mortalidade estimada em 40%.33. Macedo JLS, Netto MX. Tratamento conservador de mediastinite necrotizante descendente. J Pneumol. 1998;24:167-70. , 44. Estrera AS, Landay MJ, Grisham JM, Sinn DP, Platt MR. Descending necrotizing mediastinitis. Surg Gynecol Obstet. 1983;157:545-52.

A mediastinite secundária a abscesso parotídeo é um evento raro. Na revisão da literatura científica realizada (MEDLINE e LILACS), foi encontrado apenas um relato de caso de mediastinite necrotizante secundário à parotidite supurativa aguda, em um hospital geral de Toronto, no Canadá.55. Guardia SN, Cameron R, Phillips A. Fatal necrotizing mediastinitis secondary to acute suppurative parotitis. J Otolaryngol. 1991;20:54-6.

No presente caso clínico, o acometimento infeccioso do lobo profundo da parótida provavelmente estendeu-se através do túnel estilomandibular até o espaço parafaríngeo. A partir deste espaço, que é confluente a diversos outros espaços cervicais, atingiu a bainha carotídea e propagou-se caudalmente ao mediastino superior.

O tratamento clássico da mediastinite necrotizante descendente é baseado na drenagem cirúrgica ampla associada à antibioticoterapia de largo espectro.

Comentários finais

Embora o abscesso de parótida seja incomum, a possibilidade de propagação dessa infecção para o mediastino reforça a necessidade do diagnóstico e tratamento precoces.

Referências

  • 1
    Ganesh R, Leese T. Parotid abscess in Singapore. Singapore Med J. 2005;46:553-6.
  • 2
    Krippaehne WW, Hunt TK, Dunphy JE. Acute suppurativ parotitis: a study of 161 cases. Ann Surg. 1962;156:251-7.
  • 3
    Macedo JLS, Netto MX. Tratamento conservador de mediastinite necrotizante descendente. J Pneumol. 1998;24:167-70.
  • 4
    Estrera AS, Landay MJ, Grisham JM, Sinn DP, Platt MR. Descending necrotizing mediastinitis. Surg Gynecol Obstet. 1983;157:545-52.
  • 5
    Guardia SN, Cameron R, Phillips A. Fatal necrotizing mediastinitis secondary to acute suppurative parotitis. J Otolaryngol. 1991;20:54-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-June 2014

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2012
  • Aceito
    29 Mar 2013
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br