Acessibilidade / Reportar erro

Hiperplasia endotelial papilar intravascular (tumor de Masson) do seio maxilar Como citar este artigo: Voruz F, Arnoux G, Serex C-A, Vito C, Landis BN. Intravascular papillary endothelial hyperplasia (Masson's tumor) of maxillary sinus. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:141-5.

Introdução

A hiperplasia endotelial papilar intravascular - conhecida como tumor de Masson - é uma entidade benigna rara. Foi descrita pela primeira vez em 1923 por um patologista francês sob o nome de hémangioendothéliome végétant intravasculaire.11 Masson P. Hémangioendothéliome végétant intravasculaire. Bull Soc Anat Paris. 1923;93:517-23. Atualmente, é considerada uma proliferação intravascular reativa que se desenvolve no lúmen de um vaso dilatado, um hematoma ou uma lesão vascular preexistente.22 Hashimoto H, Daimaru Y, Enjoji M. Intravascular papillary endothelial hyperplasia. A clinicopathologic study of 91 cases. Am J Dermatopathol. 1983;5:539-46.,33 Wang ZH, Hsin CH, Chen SY, Lo CY, Cheng PW. Sinonasal intravascular papillary endothelial hyperplasia successfully treated by endoscopic excision: a case report and review of the literature. Auris Nasus Larynx. 2009;36:363-6. Nenhuma degeneração maligna foi relatada ainda. Apresentamos três casos de tumor de Masson no seio maxilar, todos tratados com cirurgia endoscópica e inicialmente considerados potencialmente malignos. Uma revisão da literatura de outros casos encontrados nos seios paranasais da cavidade nasal é apresentada.

Relatos de caso

Caso 1

Paciente do sexo masculino de 46 anos apresentou-se com queixa de obstrução nasal esquerda e rinorreia hemorrágica ocasional por sete meses. Relatava estar sob terapia de reposição para hipotireoidismo. A endoscopia nasal revelou um pequeno pólipo no meato médio esquerdo. A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância magnética (RM) mostraram o seio maxilar esquerdo preenchido por uma lesão de tecido mole heterogênea (fig. 1A). A ressecção transnasal foi proposta revelando um tumor de tecido mole quase avascular, sem fixação no seio maxilar e circundada por mucosa inflamatória. O curso pós-operatório não apresentou intercorrências. A análise histológica não mostrou sinais de malignidade, e sim pontos de hiperplasia endotelial papilar em hematoma organizado. O paciente permaneceu assintomático, sem sinais endoscópicos de recorrência por 3 anos após a intervenção.

Figura 1
(A) Paciente 1, corte coronal de TC sem contraste: preenchimento do seio maxilar esquerdo com espessamento do osso circundante. Corte coronal de RM ponderado em T2: tumor heterogêneo em seio maxilar esquerdo com retenção de líquido. (B) Paciente 2, corte coronal de TC sem contraste: preenchimento do seio maxilar direito com desmineralização da parede internasossinusal por compressão do tumor, estendendo-se às células etmoidais circunvizinhas e fossa nasal. Corte de ressonância magnética coronal ponderado em T2: tumor do seio maxilar direito no antro com retenção de líquido. (C) Paciente 3, corte coronal de TC sem contraste: preenchimento parcial dos seios maxilares predominante à direita, com osso circundante intacto. Corte coronal de ressonância magnética ponderada em T2: tumor heterogêneo no seio do antro maxilar direito. Mucosa espessada no seio maxilar esquerdo.

Caso 2

Paciente do sexo masculino de 76 anos atendido em consulta várias vezes por epistaxe de repetição no lado direito associada a rinorreia posterior e tosse por cinco meses. Ele apresentava cardiopatia isquêmica, hipertensão arterial, colesterol elevado, gota, obesidade e tabagismo ativo (30 maços/ano). A endoscopia nasal revelou uma lesão translúcida arroxeada na cavidade nasal direita, emergindo do meato médio (fig. 2A). A TC e a RM confirmaram a presença de lesão heterogênea de tecido mole no interior do seio maxilar estendendo-se até a cavidade nasal, com restrição de difusão parcial, associada à presença de fluido nas células etmoidais circundantes (fig. 1B). Apenas material hemorrágico insuficiente para análise foi encontrado na biópsia transnasal e uma ressecção diagnóstica foi programada. O tumor não estava inserido, fixada ou aderido às estruturas circundantes, permitindo uma resecção fácil e completa. As estruturas ósseas e mucosa adjacentes estavam intactas, sugerindo processo benigno (fig. 2B). A análise histológica revelou alteração polipoide da mucosa respiratória com focos de hiperplasia endotelial papilar em hematoma em processo de organização avançada, sem malignidade (fig. 3). O seguimento pós-operatório foi simples e o paciente permaneceu assintomático do ponto de vista rinológico. Entretanto, devido a uma tosse persistente com hemoptise, foi feita uma tomografia computadorizada de tórax que demonstrou o que mais tarde foi confirmado como um carcinoma pulmonar de pequenas células.

Figura 2
Paciente 2 (A) Visão endoscópica da fossa nasal direita antes da ressecção: seta branca: tumor. Seta preta: septo nasal. (B) Mesma visão após a ressecção endoscópica total: deve-se observar a integridade da mucosa e do osso. Asterisco branco: parede posterior do seio maxilar direito. Asterisco preto: concha média direita.

Figura 3
Paciente 2 (A), análise histológica mostrando mucosa respiratória pendendo de uma hemorragia antiga e organizada (detalhe) com evidência de reabsorção ativa (siderófagos). A seta indica o epitélio da superfície. (B) Ampliação maior mostrando proliferação endotelial não atípica organizada na forma de uma rede labiríntica e botões papilares. Coloração H&E. Ampliação original: A, 20x; B, 100x.

Caso 3

Paciente do sexo feminino de 33 anos apresentou-se com rinorreia do lado direito havia vários anos, associada a eventual pressão intraorbital ipsilateral e cefaleia. Relatava histórico de carcinoma ductal invasivo com metástases para linfonodos e ossos, tratado com imunoquimioterapia de manutenção. Clinicamente, constatou-se presença de secreção amarelada no meato médio direito. A ressonância magnética mostrou lesão tumoral heterogênea em seio maxilar direito circundada por mucosa espessada. A TC confirmou o preenchimento subtotal do seio maxilar direito com integridade do osso circundante (fig. 1C). A fim de esclarecer uma possível metástase sinusal, foi indicada a ressecção endoscópica transnasal. A biópsia revelou a presença de uma lesão tumoral escura envolvida por muco sem qualquer infiltração para a mucosa circundante. O seguimento pós-operatório ocorreu sem intercorrências. A histologia mostrou múltiplas alterações fibrohemorrágicas compatíveis com tumor de Masson, sem malignidade.

Discussão

O tumor de Masson é uma entidade rara que pode ser desconhecida para muitos especialistas. Ele mimetiza uma lesão maligna ao exame clínico, endoscópico, mas especialmente radiológico. Desde sua primeira descrição em 1923, foram relatados casos afetando quase todas as partes do corpo humano, com poucos relatos na área nasossinusal. Na maioria das vezes, os sintomas são inespecíficos e relacionados ao órgão afetado, principalmente com o aparecimento de um nódulo ou sangramento, raramente associado a dor. A avaliação radiológica e as biópsias costumam sugerir malignidade. De acordo com uma das maiores séries relatadas, esse tumor é frequentemente subcutâneo e dérmico, com predileção pelas regiões de cabeça e pescoço, digital e tronco.22 Hashimoto H, Daimaru Y, Enjoji M. Intravascular papillary endothelial hyperplasia. A clinicopathologic study of 91 cases. Am J Dermatopathol. 1983;5:539-46. Também foram descritos casos no fígado, na órbita, intramuscular, cavidade oral e intracranianos. Que seja de nosso conhecimento, apenas 10 casos, antes dos relatados aqui, estavam relacionados aos seios paranasais ou cavidade nasal.33 Wang ZH, Hsin CH, Chen SY, Lo CY, Cheng PW. Sinonasal intravascular papillary endothelial hyperplasia successfully treated by endoscopic excision: a case report and review of the literature. Auris Nasus Larynx. 2009;36:363-6.

4 Stevens DJ. Papillary endothelial hyperplasia in the nose. J Laryngol Otol. 1988;102:935-7.

5 Stern Y, Braslavsky D, Segal K, Shpitzer Y, Abraham A. Intravascular papillary endothelial hyperplasia in the maxillary sinus. A benign lesion that may be mistaken for angiosarcoma. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991;117:1182-4.

6 Safneck JR, Alguacil-Garcia A, Dort JC. Intranasal papillary endothelial hyperplasia. Otolaryngol Head Neck Surg. 1995;113:766-70.

7 Lancaster JL, Alderson DJ, Sherman IW, Clark AH. Papillary endothelial hyperplasia (Masson’s tumour) of the maxillary sinus. J Laryngol Otol. 1998;112:500-2.

8 Moon WS, Chung GH, Hong KH. Intravascular papillary endothelial hyperplasia in a vascular lesion of the paranasal sinus. Arch Pathol Lab Med. 2000;124:1224-7.

9 Lombardi D, Galtelli C, Khrais T, Morassi ML, Nicolai P. Giant hypervascular lesion of the sinonasal tract invading the anterior skull base and orbit: a puzzling case. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117:653-8.

10 Hooda S, Humphreys MR, Wong SW, Evans AS. Masson’s pseudotumour of the ethmoid sinus - a case report. J Laryngol Otol. 2008;122:990-2.

11 Tuna EEÜ, Türkay B, Kurukahvecioğlu S, Ataoğlu Ö, Eryılmaz A. Sinonasal intravascular papillary endothelial hyperplasia (Masson’s tumor). ENT Case. 2015.
-1212 Al-Qahtani KH. Intravascular papillary endothelial hyperplasia (Masson’s tumor) as a nasal mass: a case report and review of the literature. Pan Arab J Rhinol. 2016;6:33-5. Uma revisão da literatura existente sobre o assunto está resumida na tabela 1. A proporção de homens versus mulheres é de 1,6:1 e a média de idade de apresentação é de 41 ± 16 anos. Os sintomas são os de qualquer doença nasossinusal e não apresentam especificidade.

Tabela 1
Resumo dos casos publicados de hiperplasia endotelial papilar intravascular nasal

A correlação clínico-histológica é importante no tratamento dessa lesão. Em nossa experiência, quanto maior a suspeita clínica, maiores são as chances de coincidir com o diagnóstico histológico adequado. Permanece a suposição de que o tumor de Masson nos seios paranasais seja menos raro do que o relatado, devido à baixa suspeita clínica e à falta de comunicação entre o cirurgião e o patologista. Fenômeno semelhante foi observado recentemente com os hamartomas das fendas olfatórias (REAH, do inglês respiratory epithelial adenomatoid hamartoma),1313 Lima NB, Jankowski R, Georgel T, Grignon B, Guillemin F, Vignaud JM. Respiratory adenomatoid hamartoma must be suspected on CT-scan enlargement of the olfactory clefts. Rhinology. 2006;44:264-9. para o qual a menção da entidade no diagnóstico diferencial clínico dirigido ao patologista aumenta o número de casos encontrados.

O aspecto endoscópico durante a ressecção também deve levar o cirurgião a solicitar especificamente a pesquisa de hiperplasia endotelial papilar intravascular. Nos três casos aqui apresentados, o aspecto era avascular, sem o acompanhamento esperado de sangramento. A lesão parecia pouco vascularizada e fácil de ressecar. Foi ainda surpreendente para o cirurgião que os tumores não apresentassem um ponto de fixação ou inserção verdadeira e uma mucosa intacta, semelhante ao que se observa na remoção de uma bola fúngica.

Radiologicamente, os três casos apresentavam-se de forma semelhante, com uma lesão tumoral heterogênea sugerindo malignidade ou pelo menos um processo sólido e tecidual. O diagnóstico diferencial para os três casos foi de um pólipo inflamatório, papiloma invertido, linfoma, adenocarcinoma, carcinoma espinocelular ou metástase. Com base nesses três casos, é difícil estimar até que ponto a radiologia possa suspeitar dessa rara lesão específica. Por outro lado, é evidente que a RM adiciona um valor pré-operatório nos casos de opacidade unilateral descoberta na TC. Também é impressionante ver a semelhança das três lesões apresentadas na ressonância magnética e dos casos relatados na literatura, a ponto de levantarmos a questão de se o diagnóstico já não poderia ser suspeitado com base na ressonância magnética.

Histologicamente, o tumor de Masson deve ser diferenciado do angiossarcoma.1414 Kuo T, Sayers CP, Rosai J. Masson’s ‘‘vegetant intravascular hemangioendothelioma’’: a lesion often mistaken for angiosarcoma: study of seventeen cases located in the skin and soft tissues. Cancer. 1976;38:1227-36. A análise histológica mostrou hematoma organizado associado a proliferação endotelial intraluminal não atípica, característica de hiperplasia endotelial papilar intravascular. O diagnóstico correto permitirá um tratamento adequado, que consiste em ressecção completa, evitando assim um tratamento excessivo. Em nossa modesta série, dois pacientes apresentaram quadro oncológico, o que levanta a questão de uma simples coincidência ou de um potencial cofator no desenvolvimento do tumor de Masson. A literatura, com base no pequeno número de casos relatados, não consegue responder a essa questão.

Conclusão

São apresentados três novos casos de hiperplasia endotelial papilar intravascular do seio maxilar. As características endoscópicas, radiológicas e histopatológicas são discutidas. Esses são o 6°, 7° e 8° casos de acometimento do seio maxilar relatados na literatura. Devido à sua apresentação clínica e radiológica, o tumor de Masson é frequentemente confundido com uma doença maligna e apenas a análise histológica pode confirmar o diagnóstico benigno. O tratamento definitivo é a ressecção completa da lesão.

References

  • 1
    Masson P. Hémangioendothéliome végétant intravasculaire. Bull Soc Anat Paris. 1923;93:517-23.
  • 2
    Hashimoto H, Daimaru Y, Enjoji M. Intravascular papillary endothelial hyperplasia. A clinicopathologic study of 91 cases. Am J Dermatopathol. 1983;5:539-46.
  • 3
    Wang ZH, Hsin CH, Chen SY, Lo CY, Cheng PW. Sinonasal intravascular papillary endothelial hyperplasia successfully treated by endoscopic excision: a case report and review of the literature. Auris Nasus Larynx. 2009;36:363-6.
  • 4
    Stevens DJ. Papillary endothelial hyperplasia in the nose. J Laryngol Otol. 1988;102:935-7.
  • 5
    Stern Y, Braslavsky D, Segal K, Shpitzer Y, Abraham A. Intravascular papillary endothelial hyperplasia in the maxillary sinus. A benign lesion that may be mistaken for angiosarcoma. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1991;117:1182-4.
  • 6
    Safneck JR, Alguacil-Garcia A, Dort JC. Intranasal papillary endothelial hyperplasia. Otolaryngol Head Neck Surg. 1995;113:766-70.
  • 7
    Lancaster JL, Alderson DJ, Sherman IW, Clark AH. Papillary endothelial hyperplasia (Masson’s tumour) of the maxillary sinus. J Laryngol Otol. 1998;112:500-2.
  • 8
    Moon WS, Chung GH, Hong KH. Intravascular papillary endothelial hyperplasia in a vascular lesion of the paranasal sinus. Arch Pathol Lab Med. 2000;124:1224-7.
  • 9
    Lombardi D, Galtelli C, Khrais T, Morassi ML, Nicolai P. Giant hypervascular lesion of the sinonasal tract invading the anterior skull base and orbit: a puzzling case. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2008;117:653-8.
  • 10
    Hooda S, Humphreys MR, Wong SW, Evans AS. Masson’s pseudotumour of the ethmoid sinus - a case report. J Laryngol Otol. 2008;122:990-2.
  • 11
    Tuna EEÜ, Türkay B, Kurukahvecioğlu S, Ataoğlu Ö, Eryılmaz A. Sinonasal intravascular papillary endothelial hyperplasia (Masson’s tumor). ENT Case. 2015.
  • 12
    Al-Qahtani KH. Intravascular papillary endothelial hyperplasia (Masson’s tumor) as a nasal mass: a case report and review of the literature. Pan Arab J Rhinol. 2016;6:33-5.
  • 13
    Lima NB, Jankowski R, Georgel T, Grignon B, Guillemin F, Vignaud JM. Respiratory adenomatoid hamartoma must be suspected on CT-scan enlargement of the olfactory clefts. Rhinology. 2006;44:264-9.
  • 14
    Kuo T, Sayers CP, Rosai J. Masson’s ‘‘vegetant intravascular hemangioendothelioma’’: a lesion often mistaken for angiosarcoma: study of seventeen cases located in the skin and soft tissues. Cancer. 1976;38:1227-36.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2020
  • Aceito
    12 Nov 2020
  • Publicado
    09 Dez 2020
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br